Resumo

Vivendo em um paradigma de sociedade que tem a informação como um de seus bens mais preciosos, a inovação tecnológica é condição primordial para o avanço da comunicação e do acesso a informação. Instrumentos como a internet, as redes sociais e os dispositivos móveis destacam-se pela promessa de encurtar distâncias e facilitar o contato, a comunicação e a troca de informações entre os indivíduos desta sociedade. No entanto, apesar de todas estas ferramentas, males como a depressão, o suicídio, o isolamento social e os transtornos de ansiedade têm, paradoxalmente, se tornado cada vez mais frequentes, levando-nos a pensar sobre a falta de preparo da sociedade moderna para lidar com os avanços tecnológicos da informática. Este trabalho apresenta uma reflexão sobre como algumas destas ferramentas, criadas para unir, têm separado pessoas e conduzido ao enfraquecimento das relações sociais.

1. Introdução

Até a década de 70, quando ainda não havia internet e o telefone se restringia a um artigo de luxo composto por um simples aparelho fixo ligado à parede, o indivíduo que compõe uma sociedade e que atende pelo nome genérico de homem era circunscrito a um composto social formado pelos familiares e amigos que habitavam o mesmo núcleo cultural. Naquele tempo, as pessoas escreviam  cartas e esperavam receber a resposta, na melhor das hipóteses,  dentro de uma semana, pois a única comunicação em tempo real viável, o telefone, ainda não possuía custo acessível. As pessoas só se conheciam quando se encontravam e, dificilmente, pessoas que morassem em cidades ou países diferentes e distantes entre si poderiam relacionar-se.

E foi então que, alguns anos depois, com o desenvolvimento da rede mundial de computadores, as distâncias começaram a ser encurtadas, pessoas foram aproximadas, e as barreiras para a comunicação, derrubadas.

Hoje, através de um telefone celular com internet, é possível se comunicar com qualquer  pessoa em qualquer parte do mundo em questão de segundos, e ter acesso a mais informações do que as dispostas nos milhares de livros, em centenas de prateleiras das maiores bibliotecas do planeta, tudo em tempo real.

A internet possibilitou, também, o advento das redes sociais e, com estas, o surgimento de uma nova forma de socialização e interação. Através destes serviços, é possível compartilhar uma grande variedade de informações através de sua página pessoal, conhecer pessoas que tenham interesses comuns e manter contato constante com aqueles que fazem parte do seu círculo de amizades.

De acordo com um estudo divulgado em novembro de 2011 pelo Facebook em parceria com a Universidade de Milão, esta rede social tem, definitivamente, reduzido o grau de separação entre as pessoas, revelando que apenas 4,74 pessoas separa um usuário de qualquer outra pessoa conectada à referida rede social, que já conta com mais de 721 milhões de usuários ativos (mais de 10% da população mundial).

No entanto, apesar de todas estas contribuições para a melhoria da qualidade de vida e dos relacionamentos entre os indivíduos da atual sociedade, é crescente o número de estudos que revelam uma realidade paradoxal.

2. A sociedade da informação e as redes de exclusão social

Hoje, é impossível pensar as atividades principais da economia, das finanças e dos governos sem perceber que já não são mais viáveis sem as tecnologias da informação e da comunicação. De acordo com o sociólogo Manuel Castells, cada vez fica mais evidente que “a tecnologia da informação é, hoje, o que a eletricidade foi para a era industrial”, ou seja, estamos vivendo um processo tecno-social em que está se distribuindo a “força da informação por todo o domínio da atividade humana”. Nesse cenário, a sociedade é cada vez mais uma sociedade da informação e, segundo o sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu da Silveira, “os grupos sociais que não souberem processar, encontrar, organizar, armazenar, recuperar e distribuir essas informações poderão ter suas condições de vida degradadas”.

Além disso, a exclusão das redes digitais elevará ainda mais a exclusão social. Hoje, do ponto de vista da cidadania, a liberdade de expressão passa pelo direito à comunicação em rede. Aqueles que podem fazer um blog, participar de uma rede social, escrever um comentário ou enviar para a internet um vídeo gravado no celular, têm garantido o seu legítimo direito de falar, de divulgar suas ideias, opiniões e até suas reclamações e denúncias. Já os que não têm acesso, optam por não ter participação nas redes digitais ou não têm recursos financeiros para acesso à internet começam a encontrar-se impedidos de se comunicarem em uma sociedade em rede, e o invento que deveria potencializar as relações sociais acaba por ser mais um motivo de exclusão social.

3. O vício tecnológico e o excesso de informações

Com o avanço e a popularização da tecnologia, tornou-se muito comum encontrar pessoas “conectadas” a mais de um aparelho eletrônico ao mesmo tempo. O que muitos não sabem é que a utilização excessiva destes dispositivos pode ter efeitos colaterais inesperados, como a fadiga cerebral.

Para Loren Frank, do Departamento de Fisiologia da Universidade da Califórnia (UC), quando o cérebro é constantemente estimulado e as pausas necessárias para descansar, aprender, reter informações na memória e até mesmo ter novas ideias são desperdiçadas, o cérebro é privado do repouso necessário.

Em setembro de 2009, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um alerta sobre o aumento da depressão pelo mundo e fez ligação entre o estresse provocado pela fadiga cerebral e a referida doença. Segundo médicos da área de saúde mental – que se reuniram no mesmo ano em um congresso mundial na Grécia – a enfermidade vai gerar epidemia silenciosa, podendo ser considerada o grande mal do momento e que será ainda pior em 20 anos.

Segundo o Dr. Rodrigo Marot, especialista em psiquiatria e responsável pelo site Psicosite, alguns dos sintomas mais comuns da depressão são o retraimento social e a ideação suicida.

4. A Internet e as Redes Sociais

É evidente que o invento da internet e das redes sociais proporcionou a seus usuários a possibilidade de interagir com mais pessoas do que jamais foi possível durante toda a história da humanidade. Mas o que não é tão evidente é a razão pela qual algumas destas ferramentas não têm trazido todos os benefícios esperados quando há um avanço na melhoria da comunicação e compartilhamento de informações, pelo contrário, têm gerado o isolamento e o afastamento de alguns indivíduos.

4.1. A geração de indivíduos anti-sociais

O Facebook, uma das maiores redes de relacionamentos da atualidade, se define como “uma rede social que reúne pessoas a seus amigos e àqueles com quem trabalham, estudam e convivem”.

Já o Orkut, rede social extinta mas de proposta semelhante, afirmava, em sua página, ser “Igual a vida real” e prometia, “Fale com todos os seus amigos ou apenas com grupos separados”.

Mas será que o acesso a redes como estas está mesmo aproximando as pessoas, como é proposto? Este foi o tema da primeira palestra no terceiro dia do Social Media Week de 2011, o maior evento de mídias sociais do mundo.

Um dos exemplos discutidos durante a palestra foi o caso da britânica Simone Back, que com mais de mil amigos no Facebook, anunciou na rede social que iria se suicidar. Apesar da grande lista de contatos na rede, nenhum agiu contra a ideia do suicídio ou ofereceu ajuda a Simone, apenas discutiram os motivos que a levariam a tomar tal atitude. Dias depois, foi noticiado que ela realmente se matou.

De acordo com o estudo “O Impacto do Uso das Redes Sociais em Crianças, Adolescentes e nas Famílias”, publicado pela Academia Americana de Pediatria, em março de 2011, o Facebook está substituindo os encontros ocasionais da atual geração de jovens e adolescentes por interações virtuais. “Grande parte destes jovens somente interagem por meio de redes sociais e de telefones celulares”, apontou Gwenn O´Keeffe, um dos autores do estudo.

Segundo o estudo, o uso das redes sociais sem moderação por parte dos jovens pode desencadear ansiedade social e isolamento severo. Combinados, esses fatores dariam origem à “depressão Facebook”. "A aceitação e o contato com colegas é uma parte importante da vida do adolescente. Acredita-se que a intensidade do mundo online e a falta de contato com o mundo real são fatores que podem desencadear o disturbio em alguns jovens", afirma o relatório. 

Um outro estudo, apresentado em agosto de 2011 na 119.ª convenção anual da Associação Americana de Psicologia, em Washington DC (EUA), e divulgado alguns dias depois pelo site Science Daily, afirma que o uso de redes sociais pode levar adolescentes a manifestar "tendências narcisísticas" e torná-los mais vulneráveis a ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos.

Em seu estudo, o PhD e professor de psicologia Larry D. Rosen, da Universidade Estadual da Califórnia,  aponta que jovens com forte presença no Facebook mostram mais sinais de problemas psicológicos, como comportamento anti-social, manias e tendências agressivas.

O abuso diário das mídias sociais e das tecnologias tem efeito negativo na saúde de todas as crianças, pré-adolescentes e adolescentes, que se tornam mais propensos a ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos, além de deixá-los mais suscetíveis a problemas de saúde no futuro.

4.2. Realidade virtual versus Vida real

Com o aumento da popularidade da internet, das redes sociais e dos jogos eletrônicos, vieram também os casos  de pessoas dependentes da realidade virtual proporcionada por estes ambientes, que passaram a ser confundidos com a vida real.

Segundo a psicóloga Giovana Giulini, alguns dos prejuízos físicos desta inversão são a fadiga, os problemas visuais, alimentares e o desconforto muscular. E, inicialmente, os impactos psicossociais relacionados ao uso exagerado de internet referem-se à depressão, problemas nas relações interpessoais, diminuição nas atividades e na comunicação social e, principalmente, a solidão.

Com o surgimento do sentimento de segurança gerado pelo anonimato da internet, que parece oferecer aos indivíduos possibilidades menos arriscadas de envolver-se em uma relação virtual, este pode parecer um método eficaz de socialização, pois ações como deletar ou exlcuir pessoas, no mundo real, não são possíveis sem o envolvimento de sentimentos como dor, decepção ou frustração. Porém, com o decorrer do tempo e o uso excessivo da rede, essa forma de comunicação e de estabelecimento de amizades pode resultar na decadência da vida social e tornar-se um terreno fértil para manifestação de diversas patologias.

Em ensaio publicado pelo Estadão em junho de 2011, entitulado “Curtir é covardia”, o escritor norte-americano, Jonathan Franzen, discorre sobre “a transformação do verbo “curtir” (“like”, em inglês) que, graças ao Facebook, deixa de ser um estado de espírito e passa a ser um ato que desempenhamos com o mouse – deixa de ser um sentimento para virar uma opção de consumo”.

Ele defende que “se pensarmos nisso em termos humanos, e imaginarmos uma pessoa definida pela ansiedade desesperada de ser curtida, qual é o quadro que vemos? O de uma pessoa sem integridade, descentrada. Em casos mais patológicos, vemos um narcisista – alguém incapaz de tolerar em sua autoimagem as manchas que seriam representadas pela possibilidade de não ser curtida e que portanto busca uma fuga do contato humano ou se dedica a sacrifícios cada vez mais extremos da própria integridade com o intuito de ser curtida.

Se uma pessoa dedica sua existência a ser curtível, entretanto, e se adota qualquer máscara bacana que se mostre necessária para atingir tal fim, isso sugere alguém que perdeu a esperança de ser curtido por aquilo que realmente é. E, se formos bem sucedidos na tentativa de manipular os outros e fazê-los nos curtir, será difícil não sentir, em algum nível, um verdadeiro desprezo por tais pessoas, pois caíram no nosso embuste. Trata-se de um ciclo interminável. Curtimos o espelho e o espelho nos curte. Ser amigo de uma pessoa significa apenas incluí-la na sua lista particular de espelhos elogiosos.”

4.3. Interação versus Relação

Segundo o sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu da Silveira, “Os prognósticos que diziam que a rede afastaria as pessoas estava errado”, e explica, “O Orkut permitiu que as pessoas se encontrassem, virtualmente e presencialmente. Sites como Facebook, MySpace, Identi.ca e Twitter asseguram a articulação de milhões de pessoas para fins que elas mesmas definem”.

O sociólogo está correto se entende a aproximação entre as pessoas pelo aumento do número de interações entre estas, mas o problema está na substituição dos relacionamentos que nutrem o verdadeiro sentimento de bem estar, por esta imensa quantidade de rápidas e “rasas” interações, que acabam por descartar qualquer possibilidade de intimidade emocional.

Para compreendermos melhor o paradoxo da “aproximação x separação” proporcionado pelas redes, vamos fazer uma distinção entre “interação” e “relação”.

A interação é o que ocorre em um nível mais superficial, quando agimos a partir dos papéis que desempenhamos, como, por exemplo, o de médico, o de professor, o de freguês, o de ilustre desconhecido da rua, etc. A interação obedece a regras específicas dos papéis desempenhados; em geral, é mais superficial e dirigida mentalmente. Olhamos para a outra pessoa, percebemos o papel que desempenha, avaliamos, julgamos, criticamos, damos opinião ou conselhos, etc. A interação é útil e necessária para a convivência social. Não somos íntimos de todas as pessoas nem estamos voltados para a intimidade com o guarda da esquina, o frentista do posto de gasolina ou o caixa do supermercado. Entretanto, mantemos com essas pessoas uma interação cordial e socialmente aceitável.

Já a relação envolve o despretencioso compartilhamento de sentimentos mais profundos, levando a pessoa à exposição emocional. Assim, elas expõem anseios que vêm de sua essência, acompanhados de um misto de curiosidade e vergonha frente à exposição. É algo que acontece independente da vontade consciente de ambos, e se as pessoas não se assustarem e fugirem, a aproximação será progressiva, levando a uma exposição profunda das almas envolvidas. É a intimidade emocional estabelecendo-se. Ela ocorre quando a alma da outra pessoa é vista, ouvida, recebida, ativando nossos sentimentos e emoções. Temos uma resposta emocional para ela.

A intimidade emocional acontece quando leva a uma verdadeira relação, isto é, quando existe um “eu” que se expressa tendo no outro um “tu“ que o recebe e tem uma resposta emocional para dar. A resposta emocional é o que sentimos frente à comunicação ou expressão da outra pessoa. Não é um julgamento, uma avaliação, uma interpretação, um conselho, etc. Colocamo-nos além dos papéis que desempenhamos. Podemos passar horas conversando, falando de nós mesmos ou ouvindo deslumbrados os relatos da outra pessoa. Ficamos excitados vitalmente e sentimo-nos reconhecidos em nosso Eu.

Partindo destes conceitos de interação e relação, podemos afirmar que as novas tecnologias têm proporcionado um elevado número de interações entre seus usuários, mas não necessariamente envolvendo relacionamentos.

5. Conclusão

Não podemos negar todas as excelentes possibilidades de aproximação trazidas pela informática, mas não devemos cometer o erro de acreditar que as milhares de interações a que estamos submetidos atualmente podem substituir a presença física de amigos e parentes, uma boa caminhada no parque ou os relacionamentos profundos que nos expõem à possibilidade da dor. É possível utilizar estas ferramentas do mundo moderno, não para substituir a antiga forma de se relacionar, mas para potencializar e melhorar nossa qualidade de vida e a de nossos relacionamentos, sendo esta mais uma questão em que é necessário equilíbrio e compreensão de nossos limites.

Referências Bibliográficas

Calegari, D. Intimidade emocional, 2004.

Gwenn Schurgin O'Keeffe, Kathleen Clarke-Pearson and COUNCIL ON COMMUNICATIONS AND MEDIA. Clinical Report−−The Impact of Social Media on Children, Adolescents, and Families. Pediatrics; originally published online March 28, 2011; DOI: 10.1542/peds.2011-0054

Giovana Giuliani Mariano da Rocha. Vícios tecnológicos: Vida real ou virtual?

Martha Medeiros. Falsa Intimidade. Revista O Globo 29/11/2009.

Revista Info Exame. Facebook pode causar depressão em adolescentes. Março, 2011.

Sergio Amadeu da Silveira. Inclusão digital reduz exclusão social? (http://www.arede.inf.br/inclusao/component/content/article/112-destaques/1643-fotografite)

O Estado de S.Paulo. Aparelhos digitais privam o cérebro do necessário repouso. (www.estadao.com.br/noticias/impresso,aparelhos-digitais-privam-o-cerebro-do-necessario-repouso,612089,0.htm)

Marcos Losekann. OMS alerta para aumento da depressão pelo mundo. (http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1300440-16020,00-OMS+ALERTA+PARA+AUMENTO+DA+DEPRESSAO+PELO+MUNDO.html)

Jonathan Franzen. Curtir é covardia. (http://blogs.estadao.com.br/link/curtir-e-covardia/)