A FALTA DE ARTICULAÇÃO ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO E A DESCENTRALIZAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS QUANTO AO ENSINO FUNDAMENTAL

Airton Rodrigues Pereira1
RESUMO: O ensino fundamental é uma etapa, da educação básica, onde deve ser desenvolvida a capacidade de aprendizado do aluno. O educando deve dominar a leitura, escrita e o cálculo, compreendendo também o ambiente natural e social, o sistema político, a tecnologia, as artes e os valores básicos da sociedade e da família. Porém, o ensino fundamental no país está longe de oferecer todos esses saberes de forma igualitária. A falta de articulação entre os entes da federação e a descentralização das competências constitucionais quanto à educação atrofiam, em parte, a possibilidade de uma evolução no quadro da educação no Brasil. O objetivo é analisar as possíveis causas e soluções para este atrofiamento em decorrência de não haver, no país, entre os entes da federação, uma efetiva cooperação, e também, pelo fato dos munícipios terem ficado com a maior parte das responsabilidades para com o ensino fundamental, decorrente da descentralização dos poderes.
Palavras-chave: Ensino fundamental e a competência dos entes federativos. A descentralização e maiores encargos para os municípios.
ABSTRATCT: The fundamental education is a stage of the basic education, where the learning capacity of the student must be developed. The pupil must dominate the reading, writing and algebra, consisting too into the natural and social environments, the politc system, the technology, arts and the basic society and family values. However, the fundamental education in the Brazil is far from offering all this knowledge in an equally way. The lack of articulation between the federal agencies and the decentralization of the constitutional powers related to the education atrophy, in part, the possibility of evolution in the framework of education in Brazil. The objective is to analize the possible causes of and solutions to this atrophy as a result of the non-effective cooperation between the federal agencies and because of the relapsed responsabilities on municipalities to maintain the fundamental education as a result of this decentralization.
Keywords: Fundamental education and the competence of the federal agencies. The decentralization and higher charges to the municipalities.
1 Pedagogo – UnB-Universidade de Brasília

Apresentação
O ensino fundamental no Brasil é obrigatório para crianças e jovens com idade entre 6 e 14 anos. Desde 2006, a lei nº 11.114 determinou a duração de nove anos para o ensino fundamental, quando antes, tinha a duração de 8 anos. Alguns municípios e estados se anteciparam a esta lei, pois antes da sua promulgação já haviam estendido esta obrigatoriedade para 6 anos de idade. Foi o caso do estado de Minas Gerais, que em 2004, instituiu o ensino fundamental de 9 anos.
O direito a educação hoje é reconhecido como um dos direitos fundamentais do homem e é reconhecido na legislação de praticamente todos os países. O regime constitucional brasileiro se sustenta no princípio do federalismo, instituído de forma que os poderes de governo são repartidos entre as instâncias governamentais por meio de competências legalmente definidas. Esta repartição de competências se pauta na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988 (CF/88), é a lei fundamental e suprema do país, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo do ordenamento jurídico.
Acontece que essa repartição de competências, quanto ao ensino no Brasil, gera grande descentralização, em um país marcado pelas diferenças regionais e econômicas, assim, os municípios ficaram com a maior parte da responsabilidade sobre o ensino fundamental, acentuando ainda mais as diferenças regionais e dificultando o processo de aplicação de políticas públicas.
A metodologia e os objetivos
A metodologia utilizada na construção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica, assim, foram levantados dados na literatura já existente. A pesquisa encontrou, em artigos e fragmentos de livros indicados pelo professor doutorando Fernando Alves, da disciplina de Organização da Educação Brasileira – OEB, definições para problemas na área de Educação e suas possíveis soluções. Também foram feitas pesquisas na Internet, em especial no site do Ministério da Educação – MEC.
O tema da descentralização da responsabilidade sobre a oferta do Ensino Fundamental pelo Poder Público, foi analisado com vistas a levantar quais seriam os
principais problemas decorrentes desta política pública e suas respectivas soluções, indicadas por especialistas neste assunto.
Na realização da pesquisa bibliográfica, foram realizadas as seguintes tarefas:
• Exploração das fontes bibliográficas: livros e artigos, que contêm não só informação sobre o tema estudado, mas também indicações de outras fontes de pesquisa;
• Leitura do material: conduzida de forma seletiva, retendo as partes essenciais para o desenvolvimento do estudo;
• Elaboração de fichas: feitura de resumos de partes relevantes do material consultado;
• Ordenação e análise das fichas: organizadas e ordenadas de acordo com o seu conteúdo, conferindo sua confiabilidade;
• Conclusões: obtidas a partir da análise dos dados. Tomou-se aqui o cuidado de manter um posicionamento neutro em relação ao problema pesquisado.
Através deste método, buscou-se agrupar em uma única base de dados todas as informações encontradas nas fontes. Assim sendo, conseguiu-se obter um panorama mais completo sobre a situação da descentralização do ensino no Brasil, capaz de fornecer uma análise mais consistente da realidade.
As competências dos entes da federação e o Ensino Fundamental
Em seu artigo 6º, a CF/88 (Constituição Federal de 1988) proclama a educação como direito social. No Art. 205, ao se afirmar que o ensino fundamental é obrigatório, trabalha-se com um direito e com uma dupla obrigatoriedade. Todo cidadão, a partir de
tal declaração, tem o direito de acesso à educação nessa etapa. Há de um lado, o dever do Estado de garantir tal direito, e do outro o dever dos pais ou responsáveis de provêla, uma vez que passa a não fazer parte de seu arbítrio à opção de não levar o filho na escola.
Sobre o aspecto da educação no Brasil, relacionados ao ensino fundamental e demais modalidades, a CF/88 dispõe em seu artigo:
“Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre:
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional.”
Com base neste artigo o Ministério da Educação exerce um papel crucial na organização nacional da educação. A competência privativa se concretiza no aspecto de que apenas aquele ente da federação pode legislar sobre o assunto.
Já no art. 24 da CF/88 há uma competência concorrente entre os entes da federação abrindo um leque de possibilidades para o Estado legislar sobre educação. Significa que as normas gerais são de responsabilidade da União, sendo incumbido aos Estados suplementar as normas, ou até, em caso de inexistência de lei federal sobre o assunto, exercer a competência legislativa plena, até que seja elaborada a legislação sobre o assunto pelo ente incumbido. Dentro desta ótica, surge uma descentralização em parâmetros curriculares, onde os estados podem definir aspectos gerais sobre o ensino fundamental:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
IX - educação, cultura, ensino e desporto.”
Nos ditames do art. 24 da CF combinado ao art. 221 da carta magna, que institui que a União, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios se organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino, em suas alíneas §2ª e §3ª, colocam o Distrito Federal e Estados como agendes de atuação sobre o ensino fundamental, apesar de serem responsáveis, também, por outras modalidades. Já os municípios ficam responsáveis exclusivamente pelo ensino fundamental, o que acaba por tornar o sistema educacional no ensino fundamental no Brasil bastante diversificado, pois cada estado vai legislar segundo a sua realidade cultural e socioeconômica, acentuando as diferenças já existentes.
Os entes da Federação e as dificuldades cooperativas
O federalismo no Brasil é do tipo cooperativo, ou seja, busca um equilíbrio de poderes entre a União, Estados Membros, Municípios e Distrito Federal, estabelecendo laços de colaboração na distribuição das múltiplas competências por meio de atividades planejadas e articuladas entre si, objetivando-se fins comuns. Com base nisto, exige-se entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de novas arenas públicas de deliberação e mesmo decisão, ou seja, surgem novos sujeitos políticos passíveis de se tomar decisões.
No geral, a repartição de competências constitucionais supõem normas e finalidades gerais, mediante competências privativas, concorrentes e comuns. Houve uma omissão dos legisladores ao não terem elaborado a lei complementar citada no art. 23 da CF/88 em seu parágrafo único: “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” Esta omissão traz um grande problema de articulação entre os entes políticos, trazendo dificuldades no regime cooperativo, sendo difícil, lento e necessariamente negociado, pois o Brasil é um país que conta com 27 Estados, mais de 5.600 Municípios e o Distrito Federal.
Existem também, diversos obstáculos de desconsideração da organização federativa do Brasil, de seus fundamentos e finalidades previstos nos art. 1º e 3º da Constituição federal foram agregados nos últimos oito anos. Um exemplo desta situação é o orçamento público, com as dívidas públicas interna e externa – gerando diferenças de distribuição de renda entre os entes da federação e uma concorrência, descaracterizando o federalismo por cooperação.
A Lei de Responsabilidade Fiscal dá os ditames para a organização do orçamento público e também para sanções fiscais, podendo reduzir até o orçamento, para os entes da federação que se endividarem por excesso. Todo este processo aumenta as diferenças das parcelas orçamentárias recebidas pelos municípios.
Há também, a questão os vetos presidenciais ao FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – e ao PNE – Plano Nacional de Educação, o desrespeito aos valores de custo-aluno-anual referenciados nos art. 6º e 11 da Lei nº 9.424/96, a DRU – Desvinculação de Recursos
da União que subtrai recursos de transferências devidos a estados e municípios, os elementos de isenção e elisão fiscal da chamada guerra fiscal, entre outros. Estes, dentre diversos outros fatores, aumentam as discrepâncias regionais, tanto econômicas quanto políticas.
A Constituição de 1988 vincula 25% das receitas dos Estados e Municípios à Educação. Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação global de Estados e Municípios) ficam reservados ao Ensino Fundamental. Além disso, introduz novos critérios de distribuição e utilização de 15% dos principais impostos de Estados e Municípios, promovendo a sua partilha de recursos entre o Governo Estadual e seus municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino. Este parâmetro não contempla o fato de algumas regiões serem mais pobres e historicamente apresentarem uma infraestrutura precária para a educação, leva-se em consideração o número de alunos, mas não a situação e as necessidades de reforma no local.
O patamar brasileiro de investimento público em educação é muito baixo. Em torno de 4% do PIB – Produto Interno Bruto. As vinculações constitucionais de recursos resultantes de impostos de 18% para a União e de 25% para estados e municípios, no mínimo, raramente se cumprem, o controle social é ineficiente e as contas automatizadas para repasse não se efetivaram. Depois das recentes manifestações em junho de 2013, junto à crise política, há uma promessa governamental de aprovações de projetos de lei para aumentar a verba do PIB destinada à educação, bem como o direcionamento de 75% dos royalties do petróleo para a educação.
A municipalização e as disparidades regionais
Diante da aceleração da municipalização, dos incentivos oficiais à máxima descentralização e à evolução das disparidades regionais e da precarização do trabalho, faz-se mister aprofundar a relação destas incidências com a organização do sistema (Gracindo, 1997). Diante destes fatores, fica claro que a descentralização no âmbito dos ajustes estruturais do Estado afeta a organização interna do poder e consiste em
transferir competência e responsabilidade a esferas cada vez menores, culminando na redução da responsabilidade pública por financiar os sistemas. O sistema de fiscalização, quanto à aplicação das verbas públicas, nas esferas de poder, se encontra bastante fragilizado. São diversas as denúncias no Ministério Público quanto à corrupção e má administração do montante que deveria ser aplicadas em educação fundamental nos municípios.
Em 9 de janeiro de 2001, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi sancionada a Lei nº 10.172, responsável pela aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). Tal documento, criado a cada dez anos, traça diretrizes e metas para a educação em nosso país, com o intuito de que estas sejam cumpridas até o fim desse prazo. Nas perspectivas de melhora para o ensino fundamental, dentre as diretrizes se encontra a “erradicação do analfabetismo”, a “universalização do atendimento escolar” e a “valorização dos profissionais de educação”. As principais metas para o ensino fundamental são: “Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos”; “ Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade”; “Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica”, dentre outras.
Além de possuir diversas metas, dificultando o foco em questões primordiais, estas não eram mensuráveis e não apresentavam, por exemplo, punições para aqueles que não cumprissem o que foi determinado. Além disso, algumas questões importantes foram vetadas pela presidência, como o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) direcionado para a educação, em 3%, em razão das dificuldades econômicas vigentes no segundo mandato do presidente em exercício; e a responsabilidade pela educação, mesmo a pública, foi colocada como uma tarefa de todos, descentralizando a responsabilidade do Estado quanto a isso – embora tal descentralização não tenha ocorrido, por exemplo, no que tange às decisões, que poderiam ser compartilhadas considerando as pontuações e vontade dos diversos segmentos sociais do nosso país. É válido frisar que a lei referida no primeiro parágrafo deste artigo foi originada a partir da pressão social de várias entidades, predominantemente constituídas por educadores, profissionais da educação, pais de alunos e estudantes.
Na proposta do PNE 2011/2020 foram fixadas apenas 20 metas, multidimensionais, sendo aplicadas a todas as parcelas da sociedade e dentro desse regime constitucional
cooperativo. As metas ficam praticamente impossíveis de serem alcançadas se não há eficácia na cooperação entre os entes.
As condições de trabalho e as políticas de enfrentamento
Sobre as condições de trabalho, salários e carreira dos profissionais envolvidos com o ensino fundamental, não há política para seu enfrentamento e superação, em especial as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) quanto à implementação gradativa da escola integral, à diminuição do número de crianças por sala de aula no ensino fundamental, ao cumprimento da relação adulto-criança nos espaços de educação infantil, a implementação do piso salarial nacional, a implantação gradativa da jornada única, com a concentração do professor em apenas uma escola, e jornada compatível com as responsabilidades e os desafios que a sociedade e as necessidades de formação humana lhe colocam. As diretrizes para a carreira, normatizadas pelo Conselho Nacional de Educação desde 1997 (Resolução CNE/CEB n. 03/97), tampouco conseguem ser materializadas nas políticas municipais e estaduais em planos de cargos e carreiras que poucos municípios possuem. Seria importante uma política de valorização do magistério como profissão, com o sentido de projeto a longo prazo, enquanto percurso da existência, uma carreira que deve estruturar-se tendo como meta o compromisso social dos educadores com as necessidades educativas de nosso povo e com a qualidade histórica da escola.
Considerações finais
Em um país com disparidades regionais gritantes, a descentralização de competências constitucionais quanto ao Ensino Fundamental acaba por aumentar essas desigualdades, e dificultar o processo de aplicação das políticas públicas voltadas para educação. Enquanto não for editada a lei complementar citada no art. 23 da CF/88 em seu
parágrafo único, não haverá, de fato a possibilidade da cooperação entre Estados, Distrito Federal e Municípios funcionar de forma efetiva.
Quanto às disparidades econômicas, se além das parcelas constitucionais destinadas à educação, a partir Emenda Constitucional nº 14/96, citada anteriormente, fossem levadas em consideração, não só o número de alunos matriculados, mas também as diferenças em infraestrutura encontradas nos munícipios, a possibilidade de uma redução das disparidades regionais estaria mais próxima.
Não há de se falar em ensino de qualidade sem a valorização dos profissionais. Imprescindível seria a criação de uma carreira de cargos e salários, unificada nacionalmente, aumentando assim o compromisso dos docentes com a sociedade e a formação dos educandos.
REFERÊNCIAS:
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CURY, Carlos Roberto Jamil. Federalismo Político e Educacional. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto e SCHLESENER, Anita. (org) Políticas Públicas e Gestão da educação: polêmicas, fundamentos e análises. Brasília : Líber Livro, 2006. Pág. 113 a 129.
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