A FALÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS EM FACE DA LEI 6.024/74: uma análise do Banco Santos*

Isabela Britto**

Tirciane Chuvas**

Sumário: Introdução; 1. Considerações sobre a Lei 11.101/05 - Falência; 2. Considerações sobre a Lei 6.024/74 3. Contraposição das normas 4. Análise da falência no Banco Santos; Conclusão; Referências

 

RESUMO

 Este trabalho visa analisar a decretação de falência em face das instituições financeiras, tendo em vista a regulamentação do seu processo de insolvência prevista na Lei 6.024/1974. Partindo da perspectiva de que a Lei 11.101/05 excluiu as instituições financeiras de tal procedimento, discute-se sob qual égide deve ser pautada a aplicabilidade nos casos de crise econômica, na medida em que a Lei 6.024/74, por outro lado, inclui tais instituições. Ressalta-se ainda que no caso das instituições nas quais o Banco Central do Brasil decretou a intervenção ou liquidação extrajudicial, não poderá haver a falência a pedido de credor. Tal hipótese foi observada no processo de falência do Banco Santos, que será aqui analisado.

 PALAVRAS-CHAVE

Instituições Financeiras – Falência – Antinomia – Banco Santos

INTRODUÇÃO     

            A atual legislação que rege a falência e a recuperação de empresas - lei 11.101/2005 - estabelece que estão sujeitos à falência os empresários e a sociedade empresária que se encontram no exercício de sua atividade econômica, isto é, aqueles que produzem ou fazem circular bens ou serviços, como dispõe o art. 966 do Código Civil (CC). No entanto, prevê nos termos do seu art. 2º, hipóteses de exclusão total ou parcial de alguns sujeitos do regime falimentar.

            Na hipótese de exclusão absoluta têm-se as sociedades de economia mista e as empresas públicas, as quais serão totalmente excluídas do processo falimentar (LF, art.2º, I), uma vez que exercem atividade econômica controlada por pessoas jurídicas de direito público. E, ainda, as prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira, as quais terão suas obrigações ultimadas e liquidadas pelo Banco Central do Brasil (Bacen), cabendo proceder consoante o disposto no regulamento adotado pelo respectivo serviço (LF, art. 193).            

As sociedades parcialmente excluídas do direito falimentar, por sua vez, abrangem as companhias de seguro, as operadoras de planos privativos de assistência à saúde e as instituições financeiras. Destacam-se estas últimas porque, ao analisarmos a Lei 6.024/74, percebe-se que existe a possibilidade de ser decretada a falência da instituição financeira, a despeito do artigo 2º da Lei 11.101/05. Possível contraposição também será analisada no presente trabalho, à luz do processo de falência ocorrido no Banco Santos, em 2005.

1. Considerações sobre a Lei 11.101/05

            Dos pressupostos caracterizadores da falência tem-se, nos termos do art. 1º da Lei geral 11.101/05, o pressuposto material subjetivo, que corresponde ao agente econômico, devedor, podendo ser tanto o empresário simples quanto a sociedade empresária; outro pressuposto é o material objetivo, a insolvência, a qual, segundo Amador Paes de Almeida (2009, p. 23), é o estado patrimonial do devedor que possui o ativo inferior ao passivo. Nesse sentido, ainda, Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 246) entende ser a ocorrência de um dos fatos previstos na lei falimentar como indicadores da quebra. Por fim, tem-se o pressuposto formal, que compreende a sentença que inicia e termina o processo falimentar.

             Da sentença declaratória da falência tem-se a formação da massa falida objetiva e subjetiva, o que corresponde à reunião dos credores e a arrecadação dos bens do falido pelo administrador judicial. A suspensão das ações individuais, ou seja, ações singulares contra o devedor, tendo como única exceção o art. 6 e seus respectivos parágrafos. A antecipação dos créditos vincendos, os créditos que iriam vencer no tempo acordado iram vencer na falência; A suspensão da prescrição, voltando a sua fluência somente com o transito em julgado da sentença, o que renova o direito dos credores contra o devedor (Fazzio Júnior, 2008, pag.294).

2. Considerações sobre a Lei 6.024/74

As instituições financeiras são regidas pela Lei especial 6.024/74, que dispõe sobre sua intervenção e a liquidação extrajudicial, em ambos os casos efetuada e decretada pelo Bacen, ou à falência, nos termos da legislação vigente; pelo Decreto-Lei nº 2.321/87, que institui o regime de administração especial temporária nas instituições financeiras privadas e públicas não federais; e pela Lei nº 9.447/97, que alterou as regras do Regime de Administração Especial Temporária – RAET.

Nesse contexto, são três os instrumentos de intervenção que a lei atribuiu ao Bacen: o RAET (Decreto-Lei nº 2.321, de 25.2.1987), a intervenção propriamente dita (Lei nº 6.024, de 13.3.1974) e a liquidação extrajudicial (Lei nº 6.024, de 13.3.1974). Mecanismos pelos quais o Bacen pode interferir na condução normal de uma instituição financeira, caso verifique irregularidades que coloquem em risco a solidez da própria instituição ou o equilíbrio do sistema como um todo.

Caberá intervenção quando ocorrerem as seguintes anormalidades: a entidade sofrer prejuízo decorrente da má administração que sujeite a riscos os seus credores; forem verificadas reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária, não regularizadas após as determinações do Bacen; e a possibilidade de evitar-se a liquidação extrajudicial quando da constatação dos fatos mencionados nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 7.661/45.

O art. 21, “b”, da referida Lei, deixa clara a possibilidade de decretação de falência, prescrevendo que o Bacen poderá autorizá-lo a requerer a falência quando o seu ativo não for suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares.

3. Contraposição das normas

            Discussão acalourada surgiu em torno de uma possível antinomia entre a Lei geral 11.101/05 e a Lei especial 6.024/74. Sabe-se que a mais recente regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, expressando pela não aplicação a instituições financeiras. Porém, a mais antiga, sobre liquidação extrajudicial, trata da intervenção, liquidação extrajudicial e falência das instituições financeiras, e esclarece no seu art. 34: “Aplicam-se à liquidação extrajudicial no que couberem e não colidirem com os preceitos desta Lei, as disposições da Lei de Falências (Decreto-lei 7661, de 21 de junho de 1945)…”.

Assim, a Lei 11.101/05 só será aplicada se não colidir com os preceitos da Lei 6.024/74, cuja revogação em nenhum momento foi vislumbrada pelos legisladores. Pelo contrário, manteve-se a mesma referência que a Lei de Falência (nova ou antiga) seria apenas subsidiária. Se não existir um mínimo de previsão legal para alguma situação na Lei 6.024/74, é que poderia ser utilizada a Lei 11.101/05 de forma subsidiária, evidenciado-se que a primeira se trata de Lei especial, e a segunda, de Lei geral..

O art. 197 da Lei mais recente ratifica: “Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei no 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.”(grifo nosso)

A sentença referente à solução falimentar no Banco Santos, oriunda da 2º Vara de Falências e Recuperações Judiciais, por exemplo, não deixou dúvidas de que é possível decretar falência mesmo para instituições financeiras, considerando ainda que estavam presentes os requisitos legais que autorizaram o acolhimento da pretensão, “notadamente a autorização do Banco Central” (ver referencia da sentença).

Afirma Fábio Ulhoa Coelho que a exclusão dessas sociedades empresárias da lei mais recente é relativa, pois sujeitam-se à decretação da falência como qualquer outra empresária. “Mas, se o Banco Central decreta intervenção ou liquidação extrajudicial, esta não poderá mais falir a pedido do credor, mas a pedido do interventor ou do liquidante, devidamente autorizados pelo Banco Central”. (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. P. 199, São Paulo: Ed. Saraiva).

Por fim, a nossa própria Carta Magna, no art. 5o, XXXV, determina que a “lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, por isso, juristas defendem que as empresas alcançadas pelo sistema de intervenção e liquidação extrajudicial não estão imunes à falência. Conclui-se, enfim, que não há antinomia.

 

4. Análise da falência do banco santos

O processo que levou à falência do Banco Santos teve início em novembro de 2004, quando o Bacen decretou a intervenção (interferência do estado na instituição financeira até que se eliminem as irregularidades que a motivarem) na instituição ao descobrir inicialmente, através de interventor nomeado, que o déficit patrimonial (diferença entre dívidas e os bens e créditos) era de R$ 700 milhões. Após levantamento de informações mais detalhadas, no entanto, constatou-se que o rombo chevaga a R$ 2,2 bilhões.

Diante desse novo quadro, o interventor e representantes dos antigos controladores da instituição não foram capazes de elaborar um plano que permitisse sua reabertura, o que resultou na liquidação do banco pelo Bacen. Além da insuficiência patrimonial, foram encontrados indícios de crime contra o sistema financeiro nas contas, condições necessárias para a decretação da falência do banco pela Justiça. (Folha on line/ Folha.com./ Entenda o processo que levou à falência do Banco Santos. 20/09/2005/ Acesso em     : http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u100572.shtml).

Ressalta-se inicialmente que liquidação é “uma forma de extinção da empresa determinada pelo estado ex officio, ou a requerimento dela própria, quando ocorrerem graves indícios ou evidência de insolvência ou quando lhe for cassada a autorização para funcionar” (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de Direito Comercial. 12 ed. São Paulo: Editora Saraiva. P. 384)

Sabe-se que instituições financeiras, tais como estabelecimentos bancários, estão amparadas pela Lei 6.024/74. Tais instituições estão sujeitas à intervenção do Bacen – único órgão administrativo indireto federal competente para tal ato -, se observados os requisitos anteriormente mencionados, com o objetivo maior de sanear o mercado financeiro e proteger os credores.

De acordo com a Lei 6.024/74, o pedido pode ocorrer pelo interventor, quando a instituição estiver sob regime de intervenção, caso observado no processo do Banco Santos. Uma vez decretada a liquidação, passa-se a utilizar a expressão “liquidação extrajudicial”. O art. 15, parágrafo 1o da referida Lei, esclarece que apesar de o Bacen ter autonomia para decidir sobre a gravidade dos fatos determinantes da liquidação, esta somente deverá ser aplicada se a intervenção não se apresentar como a melhor solução, situação também observada no banco em análise.

A insolvência financeira do Banco Santos era tão grave que a liquidação extrajudicial restou suplantada pela falência, requerida pelo liquidante à luz do seu relatório. O Bacen entendeu, conforme o art. 21, ‘b’, da Lei 6.024/74, que o seu ativo não foi suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, e, mais, que houve fundados indícios de crimes falimentares.

Destaca-se ainda que a lei geral não poderia ter sido aplicada nesse caso, que já se encontravam em trâmite, mas apenas a casos posteriores a ela, conforme o art. 192: “Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência…”. A Lei 11.101/05 só entrou em vigor em junho de 2005, 120 dias após sua publicação, que ocorreu em 09 de fevereiro daquele ano.

Considerações Finais 

Diante do exposto, observa-se que houve um entendimento extensivo sobre a legislação no processo de falência do Banco Santos, ao entender que todos os requisitos necessários estavam presentes, quais sejam, autorização do Banco Central, existência de duas vezes mais dívidas do que créditos e irregularidades na administração do Banco.

Entende-se, desta forma, que o processo ocorreu à luz da legalidade, na medida em que a própria Lei 11.101/05 estabelece a sua subsidiariedade quando da existência de leis específicas. Assim, a Lei 6.024/74, por tratar-se de Lei especial que regula as instituições financeiras, deverá prevalecer no caso em análise, não podendo se cogitar, nesta hipótese, em conflito de leis, visto que, quando o processo extrajudicial é interrompido devido a decretação de falência, submete-se este à Lei 11.101/05.

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 246. 3 v

RAMALHO, Ruben. Curso Teórico e Prático de Falências e Concordatas. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 22.

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa: de acordo com a Lei n. 11.101/2005 (nova Lei de Falência e Recuperação de Empresa). 25. ed. São Paulo: Saraiva,2009. p. 23.

* Paper apresentado como requisito para obtenção de nota na disciplina Falências e Recuperacão de empresas, ministrado pelo Humberto Oliveira.

** Graduandas em direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.