A FALA E A ESCRITA: AQUISIÇÕES E DISTÚRBIOS

RESUMO

A "fala" e o uso de signos são incorporados a qualquer ação. Com o decorrer do tempo, a fala vai desenvolvendo a parte cognitiva e essencial na organização das funções psicológicas. A criança que tem a fala, dirige sua atenção de maneira mais dinâmica. A linguagem então é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, sendo a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Em cada situação de interação, o sujeito está em um momento de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de interpretação do material que obtém do mundo externo. O curso do desenvolvimento da criança caracteriza-se por uma alteração radical na própria estrutura do comportamento: a cada novo estágio, a criança não só muda suas respostas, como também as realiza de maneiras novas, gerando novos instrumentos de comportamento e substituindo sua função psicológica por outra. A complexidade crescente do comportamento das crianças reflete-se na mudança dos meios que elas usam para realizar novas tarefas e na correspondente reconstrução de seus processos psicológicos.

Palavras-chave: fala; escrita; distúrbios.

1.    INTRODUÇÃO       

A relação entre o uso de instrumentos e a fala afeta várias funções psicológicas, em particular a percepção (para construir o mundo em nossas cabeças, devemos detectar a energia física do ambiente e codificá-la como sinais neuronais; ao longo de desenvolvimento, entretanto, principalmente através da internalizarão da linguagem e dos conceitos e significados culturalmente desenvolvidos; a percepção deixa de ser uma relação direta entre o indivíduo e o meio, passando a ser mediada por conteúdos culturais), as operações sensório-motoras (aquisição da idéia da permanência do objeto, a noção de que os objetos continuam a existir quando não são percebidos) e a atenção o bebê nasce com mecanismos de atenção involuntários: estímulos muito intensos, mudanças bruscas no ambiente, objetos em movimento; ao longo do desenvolvimento, o indivíduo passa a ser capaz de dirigir voluntariamente, sua atenção para elementos do ambiente que ele tenha definido como relevantes. Quando a criança transfere sua atenção para outro lugar cria dessa forma um novo foco na estrutura dinâmica de percepção. Os movimentos das crianças são repletos de atos motores hesitantes e difusos que se interrompem e recomeçam sucessivamente.

2. AQUISIÇÃO DA FALA E DA ESCRITA

         Ao buscar compreender a história da espécie humana, Vygotsky encontrou, nos estudos feitos com primatas superiores, principalmente com chipanzés formas de funcionamento intelectual e formas de utilização de linguagem que poderiam ser tomadas como precursoras do pensamento e linguagem no ser humano. Considerou esses processos como sendo a "fase pré-verbal" do desenvolvimento do pensamento e a "fase pré-intelectual" do desenvolvimento da linguagem.
         A criança vai passar por um processo de aquisição de linguagem que já existe no seu ambiente. Nas fases iniciais da aquisição da linguagem a criança utiliza, então, da linguagem externa disponível no seu meio, com a função de comunicar. A linguagem é a ferramenta mais importante, agindo decisivamente na estrutura do pensamento, e é fundamentalmente básica para a construção do conhecimento, é considerada como um instrumento, pois ela atua para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções psicológicas. O sujeito do conhecimento não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui conhecimento e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.
            O conceito que se tem é que desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acredita-se que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade, no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma ou outra. Para a mente ingênua, evolução e revolução parecem incompatíveis e o desenvolvimento histórico só está ocorrendo enquanto segue uma linha reta. Onde ocorrem distúrbios, a trama histórica é rompida, a mente ingênua vê somente catástrofe, interrupção e descontinuidade. Parece que a história pára de repente, até que retome, uma vez mais, a via direta e linear de desenvolvimento. O pensamento científico, ao contrário, vê revolução e evolução como duas formas de desenvolvimento mutuamente relacionadas, sendo um pressuposto da outra e vice-versa.
       O desenvolvimento é sempre um pré-requisito para o aprendizado e as funções mentais de uma criança (operações intelectuais) não amadurecerem a ponto de ela ser capaz de aprender um assunto particular então nenhuma instituição se mostrará útil. Essa abordagem se baseia na premissa de que o aprendizado segue a trilha do desenvolvimento e que o desenvolvimento sempre se adianta ao aprendizado. O desenvolvimento ou a maturação são vistos como uma pré condição do aprendizado, mas nunca como resultado dele.
       Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de uma criança, o que buscamos compreender é "até onde a criança já chegou". Para ser considerada como possuidora de certa capacidade, a criança tem que demonstrar que pode cumprir a tarefa sem nenhum tipo de ajuda. Vygotsky denomina o nível das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento completados, ou seja, capacidade de realizar tarefas de forma independente, de nível de desenvolvimento real. A capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes, define como nível de desenvolvimento potencial. Ou seja, é a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento - real e potencial - que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal, como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução, independente, de problemas; e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto. .
       O nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental perspectivamente. O estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal (a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã). Existem relações dinâmicas altamente complexas entre os processos de desenvolvimento e de aprendizado, as quais não podem ser englobadas por uma formulação hipotética. Todas as concepções correntes da relação entre aprendizado e desenvolvimento em crianças podem ser reduzidas a três grandes posições teóricas: 1ª Concepção: Centra-se no pressuposto de que os processos de desenvolvimento da criança são independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado um processo puramente externo que não está envolvido ativamente no desenvolvimento (ele simplesmente se utilizaria dos avanços do desenvolvimento ao invés de fornecer um impulso para modificar seu curso). O desenvolvimento ou a maturação são vistos como uma pré-condição do aprendizado, mas nunca como resultado dele. 2ª Concepção: Aprendizado é desenvolvimento que é visto como o domínio dos reflexos condicionados, não importando se o que se considera é o ler, o escrever ou a aritmética, isto é, o processo de aprendizado está completo e inseparavelmente misturado com o processo de desenvolvimento. Diferenças são verificadas nessas duas concepções, quanto às relações temporais entre os processos de aprendizado e desenvolvimento: 1) Os ciclos de desenvolvimento precedem os ciclos de aprendizado, a maturação precede o aprendizado e a instrução deve seguir o crescimento mental. 2) Os processos ocorrem simultaneamente: aprendizado e desenvolvimento coincidem em todos os pontos, da mesma maneira que duas figuras geométricas idênticas coincidem quando sobrepostas. 3ª Concepção: Tenta superar os extremos das outras duas, simplesmente combinando-as (ou seja, um processo influencia o outro), portanto, eles têm algo em comum. Através dessa última concepção pode-se concluir que os dois processos anteriores, além de terem algo em comum, constituem o desenvolvimento e são interagentes e dependentes. O amplo papel que a teoria atribui ao aprendizado no desenvolvimento da criança leva a um velho problema pedagógico: o da disciplina formal e o problema da transferência - o aprendizado numa área em particular influencia muito pouco o desenvolvimento como um todo.

 

3. OS DISTÚRBIOS DA FALA E DA ESCRITA

 

Quando o objetivo que une fala e escrita - a comunicação - não é realizado com êxito, é que surgem os chamados problemas de linguagem os quais vêm sempre acompanhados de problemas de aprendizagem, isto é, a linguagem reflete, inevitavelmente, na aprendizagem.

            Mas o que seria ou poderia ser considerado um problema de linguagem e aprendizagem? O que está dentro da normalidade? O que é, afinal, a normalidade?

            Segundo Perroni (1992), a problemática da linguagem permanece indefinida, portanto deve ser refletida sempre, para ele:

  “A questão de definição da ‘normalidade’ coloca-se com urgência nos dias atuais em que se assiste a um crescente interesse pelos chamados distúrbios da comunicação por parte de profissionais que trabalham com crianças, em especial fonoaudiólogos, psicólogos e pedagogos. A identificação de anomalias, como seria de se esperar, deve ser feita com base em um parâmetro de normalidade. Entretanto, no caso da linguagem, pergunto, qual é ele? O que é anormal afinal?” (p. 21)

É preciso muito mais que observar a criança. O professor deve conhecer a história do aluno, buscar informações junto aos seus responsáveis sobre o desenvolvimento, pois como se diz popularmente “cada caso é um caso”, cada criança tem seu ritmo próprio e determinadas regras podem ter exceções quanto à normalidade.

Jean Piaget desenvolveu sua Epistemologia Genética baseada em potencialidades que a criança apresenta conforme sua faixa etária e as separou nas famosas quatro fases.

Contudo, ele mesmo alerta que as crianças precisam de algo além da maturação biológica para aprender, elas precisam do estímulo externo da interação.

Por isso é que determinadas crianças podem ser consideradas “normais” mesmo não apresentando o mesmo nível de aprendizagem que as demais, se levarmos em conta o meio em que vivem, além de outros fatores que também dificultam seu processo de aprendizagem.

No caso do desenvolvimento da linguagem, todos que convivem com a criança precisam estar atentos e ter conhecimento do que é normal e do que já pode ser patológico dentro da aquisição da fala e da escrita, ou seja, determinados equívocos são normais até certa idade, se a criança persiste, pode ser que ela tenha algum distúrbio que a impede de avançar.

Apesar de sabermos que a linha que separa o normal e o patológico é extremamente tênue, em todas as partes do mundo, todos os dias, crianças estão sendo avaliadas como disléxicas e também como portadoras de outros problemas de linguagem e de aprendizagem em geral.

A partir disso, devemos estar atentos e observar alguns aspectos, propostos por SILVA:

“Nem sempre as causas dos problemas podem ser conhecidas ou isoladas num único aspecto. Nem sempre essas causas poderão ser associadas a sintomas que estabelecem regularidades. Nem sempre a definição de um quadro patológico, com base em causas e sintomas instáveis, diferencia-se objetivamente de outros quadros”. (2005, p.57)

Esperamos ter levantado um sinal amarelo de alerta para a avaliação de problemas de aprendizagem, que às vezes estão mascarados e confundem a todos, principalmente os professores que têm tantos aspectos a observar.

Para MARTINS (2003) expõe que as habilidades da linguagem verbal são: a leitura, a escrita, a fala e a escuta – o que outros autores denominam como destrezas lingüísticas – para o linguista a aquisição da leitura passa pelos processos de decodificação e compreensão, os quais o autor define como:

“A decodificação é a capacidade que temos como escritores ou leitores ou aprendentes de uma língua para identificarmos um signo gráfico por um nome ou por um som. Esta capacidade ou competência lingüística consiste no reconhecimento das letras ou signos gráficos e na tradução dos signos gráficos para a linguagem oral ou para outro sistema de signo. (...) A compreensão é a captação do sentido ou conteúdo das mensagens escritas. Sua aprendizagem se dá através do domínio progressivo de textos escritos cada vez mais complexos.” (p. 05)

            Ainda analisando considerações do linguista Vicente Martins, podemos destacar as funções essenciais da leitura através de três verbos: transformar (passar da linguagem escrita para a oral), compreender (relacionar significante ao significado) e julgar (captar o sentido da mensagem no contexto social). Nossos alunos disléxicos encontram barreiras para executar tais verbos, uma vez que não lêem ou não conseguem compreender os textos escritos.

            Por isso, as críticas de pais com filhos em processo inicial da alfabetização vêm sendo tão freqüentes. Somente o aluno que executa a leitura praticando as três ações acima citadas está alfabetizado.

            Aqueles alunos que não conseguem, em geral, repetem o ano. Simplesmente atestar que a criança não está madura e por isto não obteve êxito na alfabetização seria no mínimo um pouco arriscado ao professor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Entender como se dá o processo de aquisição da linguagem (tanto da fala quanta da escrita) é algo imprescindível para pais e educadores. Esse entendimento, aliado ao conhecimento dos possíveis problemas ou distúrbios que podem atrapalhar esse processo, faz com que possamos contribuir no desenvolvimento linguístico de nossas crianças.

            Precisamos estar atentos ao desenvolvimento delas, para que não fiquemos imaginando distúrbios onde não há, tampouco para que percebamos quando eles realmente existem.

            O tema é muito mais amplo do que o pequeno enfoque que estamos dando e deve ser ainda mais debatido e pesquisado, pois a cada dia surgem novos e mais avançados estudos.

            Estejamos atentos e atualizando nossas leituras, para que possamos efetivar nossos papéis como pais e educadores num desenvolvimento saudável de nossos pequenos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

BAGLIOLI, O. Fundamentos biológicos do desenvolvimento infantil. Curitiba: IESDE, 2004.

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MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita. São Paulo: Cortez, 2003.

PERRONI, M. C. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

PINHEIRO, M. A. Leitura e Escrita: uma abordagem cognitiva. Campinas: São Paulo, 1994.

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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins, 1989.