O direito penal brasileiro elenca determinadas situações em que se extingue a punibilidade do agente de um crime. Uma dessas circunstâncias é a morte do agente, que culmina com o fim do direito estatal de punir, em observância ao princípio mors ommnia solvit (a morte tudo resolve), além de atender ao princípio constitucional elencado no artigo 5º, inciso XLV, que determina que a pena nunca poderá passar da pessoa do condenado. Logo, após o falecimento do autor de um crime, não há que se falar em punição, uma vez que extingue-se a possibilidade punitiva por parte do Estado.
Seguindo esta toada, para determinar a extinção de punibilidade a Lei Processual Penal exige que seja apresentada ao juiz a certidão de óbito que comprove a morte do agente, após a oitiva do Ministério Público, conforme artigo 62 do CPP. Com a apresentação do referido documento probatório de óbito o juiz declarará o fim da punição do agente falecido.
Todavia, uma questão polêmica tem sido objeto de discussão entre os estudiosos da ciência penal e processual penal: como o Estado deverá proceder quando a certidão de óbito apresentada for falsa? A doutrina e a jurisprudência divergem e apresentam duas correntes em relação ao tema.
A primeira corrente entende que a morte do agente reconhecida de maneira equivocada e fundada em documentação falsa não poderá reavivar a ação penal, considerando que a sentença faz coisa julgada formal e material. Logo, para esta corrente não é possível dar prosseguimento a ação penal, ainda que a documentação não seja verídica. No entanto, outra parte da doutrina não tem o mesmo entendimento. Para esta corrente a morte do agente comprovada por meio de certidão falsa deve possibilitar continuidade da ação penal, baseada no fato de que, se a morte do agente não ocorreu, não há que se falar em coisa julgada.
Com a devida vênia, entendo ser a última corrente a mais apropriada. Analisando a redação do artigo 107 do Código Penal, verifica-se que a morte do agente é a primeira causa de extinção de punibilidade. Para atestar a morte, exige-se a certidão de óbito para que assim, a ação penal seja extinta sem análise do mérito, vez que não há mais pretensão punitiva do Estado. Por isso entendo que, se é apresentado um documento falsificado a respeito da morte do agente, não há mais que se falar em coisa julgada, visto que a sentença é explicitamente fundada em fato jurídico inexistente. Ora, se o fato é inexistente, esta decisão não possui eficácia jurídica, de modo que a ação penal deve prosseguir normalmente.
Devemos lembrar que a natureza do ato decisório para determinar a extinção da punição é uma decisão interlocutória terminativa, posto que não há sequer análise de questão meritória. Diante da inexistência do pressuposto para a declaração da extinção de punibilidade a decisão deve ser anulada, sem ofensa à coisa julgada. Assim entendem Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto, in Código Penal comentado:
"o pressuposto da declaração de extinção de punibilidade é a morte, e como esta inexiste, a decisão não adquire a força de coisa julgada. Assim, o processo pode prosseguir, salvo a ocorrência de outra causa de extinção, como a superveniente prescrição" (DELMANTO, 2000, p. 188).
Vale lembrar que a falsificação deste documento pode representar uma alternativa para o agente que pretende burlar a lei, o que gera insegurança jurídica e impunidade. Se o agente está vivo deve sim submeter-se a apuração da justiça, sendo inadmissível a utilização da própria lei para esquivar-se da punição estatal, provocando a sensação de descrença nas leis penais por parte da sociedade, bem como a sensação de impunidade. O direito penal não cumpriria seu papel preventivo para servir de exemplo para a sociedade.
Por estas razões concluo que a decisão que finda a ação penal não possui eficácia jurídica, e não faz coisa julgada em sentido estrito, cabendo reavivar a ação penal e julgar o agente conforme determina a lei processual brasileira.
Referências Bibliográficas:
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Prado, Luiz Regis, Código Penal, Código penal anotado e legislação complementar/ Luiz Regis Prado, Cezar Roberto Bittencourt. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301900928&dt_publicacao=09/02/2004