INTRODUÇÃO

 

 

            O ordenamento constitucional vigente abarca um modelo de controle de constitucionalidade híbrido, exercido junto ao Poder Judiciário por meio de duas vias, a concentrada (de ação direta, in abstrato) e a difusa (indireta, de exceção ou defesa), com legitimados, competências e efeitos distintos.

             O modelo concentrado sobrevém quando a titularidade para a realização do controle é conferida a um único tribunal (Supremo Tribunal Federal), sem vinculação a um caso concreto. O objeto da lide é a inconstitucionalidade, ou seja, o que se visa é a retirada do sistema jurídico de lei ou de ato normativo que, em tese, seja declarado inconstitucional. Via de regra, o efeito produzido pela declaração é retroativo e com eficácia geral.

            Por outro lado, no modelo difuso, a declaração de inconstitucionalidade é oriunda de todo Juiz monocrático ou Tribunal, respeitando a regra do artigo 97 da Constituição da República (CR), sendo realizada de forma incidental, ou seja, no curso da apuração de um caso concreto.

Para tanto, as decisões judiciais que reconhecem a inconstitucionalidade pela via difusa, em regra, são eivadas de eficácia inter partes e efeito ex tunc. Ressaltando que o mesmo se aplica a uma decisão emanada pelo Supremo Tribunal Federal neste tipo de controle.

            Entretanto, diante das novas circunstâncias a que o controle de constitucionalidade vem se submetendo, questiona-se acerca da extensão da eficácia erga omnes e do efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de controle difuso, gerando uma hipótese de abstrativização deste modelo.

            O interesse na temática advém de circunstância oriunda de controvérsia dentro da própria Corte Suprema.

Sabe-se que uma demanda, antes submetida a um juízo ou tribunal para exame da inconstitucionalidade, poderá ser apreciada pela Suprema Corte, demonstrada a repercussão geral, por meio da interposição de Recurso Extraordinário (RE), sendo que o mesmo desempenhará, assim como o órgão a quo, o controle difuso.

Se por uma eventualidade o Supremo Tribunal Federal declarar a lei inconstitucional em controle difuso, observando a cláusula de reserva de plenário, o inciso X do artigo 52 da Constituição da República prevê que é do Senado Federal a competência para “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF”. Nesse caso, a resolução editada terá eficácia erga omnes e efeito ex nunc a partir de sua publicação.

Recentemente, os Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Grau, na Reclamação (RCL) 4335/AC, sob o fundamento de haver uma “autêntica mutação constitucional” do inciso X do artigo 52 da CR, elevaram como questão a ser apreciada pelo STF a possibilidade e oportunidade de se aplicar o efeito vinculante e a eficácia geral às decisões de inconstitucionalidade daquela Corte quando proferidas em via difusa de constitucionalidade, cabendo ao Senado Federal a simples tarefa de conferir publicidade ao ato.

Assim sendo, as decisões no âmbito do controle difuso passariam a ter efeitos definidos pelo próprio STF.

Em consequência desse entendimento nascem implicações sobre a natureza do poder constituinte, da separação e equilíbrio dos Poderes e da própria essência do critério misto de controle de constitucionalidade.

Dessa forma, para argumentar sobre o tema, o presente trabalho será divido em três capítulos.

Em um primeiro momento serão traçadas considerações gerais acerca do controle de constitucionalidade, relatando seu surgimento e evolução, além de uma breve análise sobre os tipos de inconstitucionalidade.

Posteriormente, será tratada a teoria da abstrativização do controle difuso, apreciando a aproximação deste modelo ao concentrado.

E por fim, a extensão do efeito vinculante e da eficácia erga omnes no controle difuso sob o prisma da hipótese de mutação constitucional, tendo como parâmetro o inciso X do artigo 52 da Constituição da República.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 

 

            O alicerce do controle de constitucionalidade reside no princípio da supremacia da Constituição, ou seja, na superioridade e predomínio que esta exerce sobre todas as normas do sistema, tendo como efeito o não consentimento de ato jurídico incompatível com sua subsistência.

            José Afonso da Silva, ao tratar do assunto, afirma que em decorrência deste princípio, “[...] a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos”. (2010, p. 45).

            Para que a supremacia seja garantida, é necessária uma série de mecanismos destinados a coibir a inserção de elementos que afrontem o ordenamento pátrio, destacando-se dentre eles a estruturação jurídica denominada jurisdição constitucional, que tem por finalidade fazer prevalecer as direções contidas na CR.

            Sendo uma categoria importante da jurisdição constitucional, o controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade de uma lei ou ato normativo com a Constituição (artigo 59 CR), que nos ensinamentos de Kildare Gonçalves Carvalho (2010) deve obedecer requisitos tanto de ordem formal (competência para edição do ato normativo e observância do processo legislativo previsto para elaboração da norma jurídica) quanto material (ajustamento da substância da norma aos princípios e preceitos constitucionais).

            No ordenamento brasileiro, a primeira concepção de controle foi instituída pela Constituição de 1891, tendo leves alterações nas Cartas posteriores, com exceção da Constituição Democrática de 1946 e da contemporânea que alargaram de maneira contributiva a fiscalização da constitucionalidade.

            Assim sendo, constitui-se como garantia à imperatividade da Constituição, ou seja, a sua necessidade é reflexo do reconhecimento da superioridade e de sua força vinculante em relação aos Poderes Públicos.

            O Brasil adotou como parâmetro o sistema jurisdicional misto de controle de constitucionalidade, de maneira que a averiguação da compatibilidade de uma norma constitucional opera-se tanto de maneira difusa, por meio da fiscalização de todos os magistrados incidentalmente a uma questão principal, quanto de modo concentrado perante o Supremo Tribunal Federal.

O controle difuso é uma modalidade de controle repressivo que pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal até mesmo de ofício. Cabe ressaltar que esta averiguação não constitui objeto principal do conflito, tratando-se de questão incidental, ou seja, indispensável para o julgamento do mérito, sendo a declaração de inconstitucionalidade necessária para a solução do caso em concreto.

Gilmar Ferreira Mendes conceitua de maneira concisa o controle difuso, a saber:

 

 [...] o controle de constitucionalidade difuso, concreto ou incidental, caracteriza-se fundamentalmente, também no direito brasileiro, pela verificação de uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, de dúvida quanto à constitucionalidade de ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do Poder Judiciário. (MENDES, 2010, p.1224)

 

Este meio de controle não ocasiona a invalidação da norma impugnada, ou seja, o efeito, em regra, tem eficácia restrita entre as partes litigantes no processo que deu origem à controvérsia. Nota-se que não se busca uma declaração abstrata de que a norma é inconstitucional, mas sim que esta seja apreciada quando o caso concreto for analisado.

Já o modelo concentrado, segundo os ensinamentos de Alexandre de Morais (2011), é aquele em que, em tese, se busca a declaração de inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo sem vinculação a um caso concreto, objetivando-se a invalidação da lei, a fim de garantir a segurança das relações jurídicas.

Para tanto, o objeto principal da ação é a declaração da inconstitucionalidade. Nesse processo objetivo não haverá partes litigantes, existindo tão somente a verificação da constitucionalidade da norma questionada.

 

 

1.1  OS DIFERENTES TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

Kildare Gonçalves Carvalho, ao disciplinar sobre a matéria, afirma que “[...] entende-se por inconstitucionalidade a desconformidade de um ato normativo do poder político referente à Constituição”. (2010, p. 387).

Destarte, ela deriva de uma consequência lógica do princípio da hierarquia das normas jurídicas e da própria necessidade em se garantir a supremacia constitucional.

A doutrina estabelece uma ampla classificação das diferentes manifestações e categorias de inconstitucionalidade, sendo que, majoritariamente, destacam-se aquelas referentes ao momento, à atuação estatal e ao procedimento ou o conteúdo da norma, que serão tratadas a seguir.

1.1.1     Inconstitucionalidade formal e material

 

 

O vício formal compreende a inobservância do procedimento legislativo fixado na Constituição, ou seja, afeta o ato normativo individualmente sem atingir o seu conteúdo, tendo como referência o defeito na análise dos pressupostos e procedimentos referentes à formação da lei.

Ao analisar os dois tipos de inconstitucionalidade, José Joaquim Gomes Canotilho ressalta que os vícios formais:

 

[...] incidem sobre o acto normativo enquanto tal, independentemente do seu conteúdo e tendo em conta apenas a forma da sua exteriorização; na hipótese de inconstitucionalidade formal, viciado é o acto, nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua forma final. (CANOTILHO, 2003, p. 959)

 

 

            Para tanto, quando no cerne de sua gestação, a regularidade de uma lei envolve apenas aspectos formais de constitucionalidade, devendo ser analisada a regularidade de cada ato que compõe o processo legislativo isoladamente. Em decorrência disso, a inconstitucionalidade formal vicia a integridade do texto normativo.

            Já o vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário), adotando os ensinamentos de Pedro Lenza (2011), cuida-se de desrespeito à matéria, ao aspecto substantivo, ao conteúdo do ato que se encontra em desacordo com a Constituição.

            Ao tratar do assunto, Gilmar Ferreira Mendes (2010) destaca ainda que a inconstitucionalidade material é aquela que decorre do excesso de Poder Legislativo, manifestada na inobservância do princípio da proporcionalidade ou no antagonismo da lei com os fins constitucionalmente previstos, devendo ser proferida a inconstitucionalidade de leis que contenham restrições não-razoáveis ou desproporcionais.

 

 

1.1.2     Inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão

 

 

Guilherme Peña de Moraes (2010) conceitua inconstitucionalidade por ação como aquela originária de uma conduta comissiva do Estado no campo legislativo. Assim sendo, resulta de um procedimento positivo do legislador, ou seja, decorre da incompatibilidade de uma lei ou ato normativo com a Constituição. Esta modalidade acarreta a invalidação de um ato que existiu, que permaneceu e que foi exercido.

No que se refere à inconstitucionalidade por omissão, pode-se dizer que decorre do silêncio do legislador que descumpre a obrigação constitucional de legislar ou de adotar medida ou providência de natureza administrativa para concretizar um determinado comando constitucional.

Na esfera processual, a lei 12063/2009 regulamentou a matéria do § 2º do artigo 103 da CR, ao estabelecer a disciplina da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

O artigo 12 – B da referida lei aponta os requisitos da petição inicial:

 

Art. 12-B.  A petição indicará: 

 

I - a omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção de providência de índole administrativa;  

 

II - o pedido, com suas especificações. 

 

Gilmar Ferreira Mendes classifica esta categoria de inconstitucionalidade em duas linhas:

Tem-se omissão absoluta ou total quando o legislador não empreende a providência legislativa reclamada. Já a omissão parcial ocorre quando o ato normativo atende apenas parcialmente ou de modo insuficiente a vontade constitucional. (MENDES, 2010, p. 1185)

 

Portanto, a inconstitucionalidade por omissão deriva de um procedimento incompatível com a obrigação jurídica de conteúdo positivo.

 

 

1.1.3     Inconstitucionalidade originária e superveniente

 

 

Quanto ao momento de edição, classifica-se a inconstitucionalidade em originária e superveniente.

A primeira, para Kildare Gonçalves Carvalho, “[...] decorre da emissão de um ato violador da Constituição, na vigência da norma constitucional.” (2010, p. 322). Em outras palavras, é aquela que surge durante a vigência da norma constitucional agredida. No momento em que uma lei ou ato normativo é editado já existe uma Constituição vigente.

Em contrapartida, a inconstitucionalidade superveniente decorre ao brotar de uma nova norma constitucional com disposições avessas a uma lei ou de outro ato precedente, ou seja, no núcleo de sua formação não afronta nenhum dispositivo, entretanto, em virtude de uma nova Constituição ou de reforma constitucional que altera o texto da Constituição originária, o processo informal torna a norma anterior inconstitucional.

Importa ressaltar que a sobrevivência de uma determinada constituição está diretamente vinculada à sua mutabilidade, à sua capacidade de conter normas que permitam a sua atualização constante em função da complexidade e das mudanças na sociedade moderna.

De acordo com entendimento de boa parte da doutrina e até mesmo da jurisprudência do STF é um equívoco a utilização da terminologia inconstitucionalidade superveniente. Trata-se, no caso, de revogação, de cessação de vigência ou de não-recepção do direito anterior que for incompatível com a nova norma constitucional[1].

 

 

1.1.4     Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade parcial

 

 

Total será a inconstitucionalidade quando abranger toda a lei ou ato normativo, para tanto, o vício corrompe sua integralidade tornando-a nula.

Para Guilherme Peña de Moraes é aquela que “[...] afeta toda a norma sujeita ao controle de constitucionalidade, como na hipótese de regra produzida por órgão incompetente ou procedimento inadequado.” (2011, p. 143).

            Já a inconstitucionalidade parcial abrange apenas parcialmente a lei ou ato normativo. Assim sendo, alguns trechos da lei ou do ato poderão continuar existindo em decorrência de não violarem a Constituição. Esta modalidade pode incidir sobre expressões ou palavras, dispositivos ou parte deles.

            Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011) fazem uma importante ressalva ao afirmarem que a declaração parcial da inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário não poderá subverter o intuito da lei, alterando seu sentido ou alcance, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes.

 

 

1.2  Análise evolutiva do controle de constitucionalidade no direito brasileiro[2]

 

 

Avalia-se neste item a evolução do controle de constitucionalidade no direito brasileiro a partir de 1824 até os dias atuais.

 

 

1.2.1     Constituição de 1824

 

 

A Constituição de 1824 foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro II, aproximadamente dois anos após a declaração de independência do Brasil.

No que se refere ao controle de constitucionalidade, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 não previu nenhum mecanismo, considerando o respeito à soberania do parlamento. Dessa forma, é importante ressaltar que não havia controle de constitucionalidade no Brasil imperial.

A nossa primeira Constituição foi caracterizada pela quadripartição das funções estatais ramificando-se nos Poderes Moderador, Legislativo, Executivo e Judiciário. Ressalta-se que a instituição do Poder Moderador atribuía ao Chefe de Estado a investidura de coordenação, cabendo a ele rezar pela manutenção e equilíbrio entre os poderes.

Ao disciplinar sobre o assunto, o artigo 98 inviabilizou qualquer tipo de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, ao delegar privativamente ao Imperador a manutenção de conflitos envolvendo os Poderes.

 

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.

 

Além disso, estabeleceu-se como uma Constituição semirrígida em virtude de que certas normas constitucionais poderiam ser alteradas de acordo com o processo legislativo comum e outras conforme o processo legislativo especial, de acordo com seu artigo 178:

 

Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.

 

 

1.2.2     Constituição de 1891

 

 

Com advento do regime republicano de governo e a forma federativa de Estado, institui-se um novo entendimento. Com o fim do Império, extinguiu-se também o Poder Moderador. Os mecanismos de controle de constitucionalidade, sob a influência do direito norte americano, consagram-se no direito brasileiro sendo mantidos até a Constituição da República de 1988.

Além disso, foi reconhecida a competência do Supremo Tribunal Federal para reanálise, em última instância, das sentenças proferidas pelas Justiças Estaduais no caso de controvérsia quanto à validade ou aplicação de tratados e leis federais, ou quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, conforme se extrai do artigo 59, §1º, a e b:

 

Artigo 59 (...)

§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:

 

a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;

 

b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

 

 

            Evidenciou-se, para tanto, a competência dos órgãos jurisdicionais ao exercício do controle de constitucionalidade, concretizando-se assim o amplo modelo de controle difuso.

            Ademais, a Lei Federal 221, de 20.11.1894, inaugurou em seu artigo 13, § 10 a seguinte disposição:

 

Artigo 13 – (...)

 

§ 10 - Os juízes e Tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou a Constituição.

 

 

1.2.3     Constituição de 1934

 

 

            Além de conservar o mecanismo de controle difuso, a Constituição de 1934 acrescentou significativas alterações. Estabeleceu, além da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, o quantum especial da maioria absoluta dos membros dos tribunais para decisões de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, denominada cláusula de reserva de plenário, que permanece até hoje.

            Além disso, o artigo 91, IV c/c o artigo 96, atribuiu ao Senado Federal a competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional por decisão definitiva do Poder Judiciário.

Por esse mecanismo, a decisão da Corte Suprema em um caso concreto receberia eficácia erga omnes:

 

Art. 91 – Compete ao Senado Federal:

[...]

IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;

 

Art. 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurador-Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autorização legislativa ou executiva, de que tenha emanado à lei ou o ato.

 

 

            Ressalta-se que o Senado Federal era incumbido da promoção e coordenação dos Poderes Federais entre si, zelando pela Constituição e pela continuidade administrativa.

 

 

1.2.4     Constituição de 1937

 

 

Classificada pelos doutrinadores como um retrocesso ao controle de constitucionalidade, a Constituição de 1937, elaborada sob influência da Carta ditatorial Polonesa de 1935 (Polaca), foi outorgada por Getúlio Vargas na iminência da 2º Guerra Mundial.

Ainda que tenha mantido o controle difuso, inseriu a capacidade do Presidente da República influenciar as decisões do Poder Judiciário que declarassem inconstitucional determinada lei, já que, de modo discricionário, poderia submeter ao parlamento para o seu reexame. Esse órgão, por dois terços de seus membros, poderia tornar sem efeito a declaração de inconstitucionalidade ao confirmar a validade da norma.

Além disso, o Senado Federal, que mal chegou a ser preenchido, foi suprimido da possibilidade de editar resolução que suspenderia os efeitos da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

 

 

1.2.5     Constituição de 1946

 

 

Ela recompõe a tradição do controle judicial no direito brasileiro, sendo resultado do movimento de estruturação em virtude do fim da 2º Guerra Mundial e consequente onda de redemocratização com a queda dos países ditatoriais (Itália, Alemanha e outros).

Manteve a cláusula de reserva de plenário e preservou a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, conforme se extrai do seu artigo 64:

 

Artigo 64 - incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

           

 

Com a instituição do Regime Militar no Brasil e pela expedição de Atos Institucionais pelo então Presidente da República Castello Branco, é aprovada a Emenda Constitucional (EC) n. 16 de 26.11.1965, que instituiu, ao lado da representação interventiva, o controle abstrato de normas estaduais e federais adotado na Europa Continental, prevendo a ação direta de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da República.

 

 

1.2.6 Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional n. 1/69

 

 

            Sob intensa repressão política, e no ápice do regime militar no Brasil, a Constituição de 1967 não trouxe grandes novidades ao sistema de controle de constitucionalidade mantendo o sistema da Constituição de 1946 com as modificações da Emenda n. 16/65.

Entretanto ampliou-se a legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, anteriormente privativa do Procurador-Geral da República.

Gilmar Ferreira Mendes descreve com maestria as inovações trazidas:

 

A representação para fins de intervenção, confiada ao Procurador-Geral da República, foi ampliada, com o objetivo de assegurar não só a observância dos chamados princípios sensíveis (art. 10, VII), mas também prover a execução de lei federal (art. 10, VI, 1ª parte). A competência para suspender o ato estatual foi transferida para o Presidente da República (art. 11 §2º). Preservou-se o controle de constitucionalidade in abstracto, tal como estabelecido pela Emenda n. 16/65 (art. 119, I, l) (MENDES, 2010, p.1204)

 

 

            Este cenário de controle jurisdicional repressivo misto com o predomínio do controle concreto perdurou até a promulgação da Constituição da República de 1988.

 

 

1.2.7     Constituição de 1988

 

 

Com a extinção do Regime Militar que conduziu o Brasil por mais de duas décadas e a realização de eleições diretas, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n. 26 de 27.11.1985, que determinou a convocação da Assembléia Nacional Constituinte para o debate e aprovação de uma nova Constituição.

Sob a presidência de Ulysses Guimarães, a Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 05.10.1988.

A nova Constituição preservou o controle difuso e o concentrado de constitucionalidade, além de ampliar a lista dos órgãos e entes legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade. Ademais, conservou a representação interventiva, com o designo de avaliar a compatibilidade de direito estadual com os denominados princípios sensíveis.

            Além disso, originariamente prevista no parágrafo único do artigo 102 da CR/88, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, instituto do controle concentrado de normas, consolidou-se com a edição da Lei 9882/99, tendo em vista se tratar de norma constitucional de eficácia limitada.

            No modelo difuso, destaca-se o Mandado de Injunção previsto no artigo 5º, LXXI CR/88 instituído como remédio especial destinado dar ciência ao Poder Legislativo sobre a omissão de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e garantias constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

            Na via concentrada, por força do artigo 103, § 2º da CR/88 cria-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, posteriormente regulamentada pela Lei 12063/09 constituindo-se como uma ação destinada à defesa da Constituição, revelando a mora do legislador em detrimento de uma omissão legislativa.

            Com a Emenda Constitucional n. 3/93, que acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 103 da CR/88, implementou-se a Ação Declaratória de Constitucionalidade destinada a fortalecer as decisões proferias pelo Supremo Tribunal Federal.

            Em 2004, a Emenda Constitucional n. 45 trouxe a equiparação dos legitimados para propor esta ação com os da ação direta de inconstitucionalidade genérica.

            Conhecida como Reforma do Poder Judiciário, esta mesma emenda atribuiu competência ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 103-A da CR/88, para a edição de Súmula Vinculante, e nos moldes do artigo 102, § 3º, estabeleceu a Repercussão Geral das questões constitucionais como pressuposto de admissibilidade específico do Recurso Extraordinário perante o STF.

            Resta ainda salientar que foram ampliados os casos de cabimento da ação direta de inconstitucionalidade interventiva para abarcar o caso de recusa à execução de lei federal, nos moldes do artigo 36, III da CR/88.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

 

 

Em tese, o procedimento designado abstrativização do controle difuso, cuja criação da expressão é atribuída ao doutrinador Fredie Didier Júnior, nos ensinamentos de Lays Faria Rodrigues (2009, on line), consiste na conduta que vem sendo adotada pelo STF, ao utilizar de forma igualitária o método de aplicação dos efeitos inerentes ao controle in abstrato de constitucionalidade, ao controle concreto.

            Em outras palavras, refere-se basicamente na ampliação da eficácia inter partes e do efeito ex tunc da decisão de inconstitucionalidade de via incidental para a oponibilidade erga omnes e vinculante frente às decisões oriundas do controle concreto de constitucionalidade.

Este alargamento das deliberações do Supremo Tribunal Federal tem como parâmetro a hipótese de mutação constitucional do artigo 52, X da Constituição da República sobre a incidência de uma nova interpretação sem nenhuma alteração do seu texto.

            Sob a justificativa da vasta ampliação do sistema concreto pós Constituição de 1988 e da inércia da atividade senatorial, os Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Grau fundamentam sob o prisma de ter-se tornado ultrapassada a necessidade de intervenção do Senado[3].

            Tomando como referência as atribuições do STF em controle difuso e a Reclamação 4335-5/AC, será feita uma análise referente à (in)constitucionalidade do mecanismo da mutação constitucional e uma breve discussão a respeito da (i)legitimidade deste posicionamento.

            Na verdade, pode-se dizer que temos atualmente duas possibilidades para se obter a eficácia erga omnes no controle difuso de constitucionalidade. A primeira de fato passa pela competência do Senado Federal (art. 52, X, da CR/88) em suspender a execução da norma declarada inconstitucional pelo STF. A segunda possibilidade introduzida pela EC. 45/2004 é a súmula vinculante que pode ser editada pelo STF nos termos do disposto no art. 103-A da Constituição, tendo como objeto a eficácia, validade ou a interpretação de normas do ordenamento jurídico.

 

 

2.1 A contribuição do Supremo Tribunal Federal como garantidor da ordem constitucional e a extensão dos novos posicionamentos

 

 

Antes de trilhar os caminhos inerentes à temática apresentada, se faz necessário uma breve anotação sobre o Supremo Tribunal Federal e algumas alterações sofridas no decorrer dos últimos anos no que tange à sua jurisdição.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, novas competências foram conferidas ao Supremo Tribunal Federal, como ensina Nagib Slaibi Filho:

 

Ao fim de tantos debates, acabou ficando o Poder Judiciário, salvo poucas alterações, com o mesmo formato que oferecia nos tempos últimos da ditadura militar, inclusive quanto às funções do Supremo Tribunal Federal, que se perdeu as atribuições de velar pela legislação federal, que passou para o Superior Tribunal de Justiça, ganhou maiores atribuições no papel de guardião da Constituição, como passou a constar no caput do art. 102 da Constituição (FILHO, 2009, p.314)

 

Assim sendo, a competência do Supremo Tribunal Federal é definida pelo artigo 102 da CR, sendo o STF considerado a mais alta instância do Poder Judiciário, com jurisdição em todo território nacional.

O legislador constituinte conferiu a ele o caráter de guardião e interprete da matéria constitucional, desse modo, é o destinatário das ações do controle concentrado e também do Recurso Extraordinário, quando a questão constitucional é provocada pela via difusa em último grau de jurisdição.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, conhecida como Reforma do Judiciário, a Corte Suprema se sujeitou a algumas alterações. Uma delas foi a revogação da alínea h, do inciso I do artigo 102 CR, que transfere ao Superior Tribunal de Justiça a competência para homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequartur às cartas rogatórias, e a outra foi a extensão da competência do STF no que se refere ao julgamento de Recurso Extraordinário quando julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Entretanto, o que se destaca de maior relevância para o presente trabalho é a criação do instituto da repercussão geral das questões constitucionais, disposto no artigo 102, § 3º, para o conhecimento do recurso extraordinário:

 

Artigo 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

 

(...)

§ 3º - no recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais, discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

 

A finalidade desta regra é impedir que deságuem na Corte Suprema casos sobre questões irrelevantes que possam resultar em um acúmulo de processos de interesses restrito a particulares.

Alexandre de Morais traça de maneira dinâmica algumas características sobre o assunto:

 

A lei exige, para efeitos de reconhecimento da repercussão geral, a consideração sobre a existência,ou não, de questões relevantes sobre o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; presumindo, desde logo, a existência de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à sumula ou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. (MORAIS, 2011, p. 615)

 

 

Trata-se, portanto de uma condição de admissibilidade do recurso extraordinário, devendo ser apresentado preliminarmente pelo recorrente.

Ao apresentar o tema, a Magistrada Valéria Maria Lacerda Rocha, menciona sobre o alcance que os efeitos da Repercussão Geral podem provocar no controle difuso:

 

Hodiernamente com a repercussão geral adotada pelo constituinte reformador fica difícil aceitar que o controle difuso em sede de Recurso Extraordinário terá efeitos restritos às partes litigantes. A uma porque é condição sine qua non que a matéria tenha relevância extraprocessual, que o seu interesse seja tal que não apenas atinja as partes processuais, ou mesmo que atingindo apenas os litigantes, envolva um valor econômico, político, social ou jurídico de tal monta que mereça apreciação pela suprema corte brasileira. A duas porque o próprio legislador deixou claro que uma vez decidida a não existência da Repercussão Geral, o principal efeito da decisão é não serem admitidos os demais recursos com matéria idêntica até revisão da tese. (ROCHA, 2010, on line)

 

            Mais adiante ainda levanta a discussão referindo-se ao fato de que se a lei exige que os efeitos extrapolem os limites da subjetividade da causa, é questionável até que ponto a decisão no controle difuso seria apenas entre os litigantes.

            Sendo assim, são evidentes as atuais mudanças ocorridas no ordenamento pátrio bem como da jurisprudência do STF. Para tanto, pode-se considerar que o controle difuso também trilha um caminho para visíveis alterações.

 

 

2.2 O CONTROLE DIFUSO PROPRIAMENTE DITO

 

 

            Como analisado anteriormente, a partir da Constituição de 1891, o modelo difuso, incidental ou concreto foi o primeiro a ser adotado no Brasil, sendo a participação senatorial implantada na Carta de 1934.

Quanto ao contexto histórico, Pedro Lenza (2011) analisa que esta forma de controle, originária do direito americano, ganhou grande destaque em 1803 com o julgamento do caso Marbury versus Madison, em que o Juiz da Corte Suprema John Marshall, afirmou ser próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei, observando ainda que em caso de contradição entre a lei e a Constituição, esta prevalecerá, devendo o tribunal aplicá-la em virtude de ser superior à lei ordinária.

Assim sendo, o que se discute é a inconstitucionalidade incidentalmente em um caso concreto, havendo diferentes formas processuais para atingir tal finalidade. Ressalta-se que a declaração de inconstitucionalidade antecede o mérito da questão.

A discussão acerca da inconstitucionalidade por esta via pode chegar ao Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário, se a parte interessada assim faça, demonstrando a Repercussão Geral nos moldes do § 3º do artigo 102 da CR.

Ao julgar a matéria, a Suprema Corte pode ou não reconhecer a inconstitucionalidade da matéria, sendo que a decisão não vinculará a expulsão da norma tida como inconstitucional do sistema, tendo em vista que a coisa julgada restringe-se somente entre as partes litigantes.

Contudo, logo após a decisão, o STF comunicará ao Senado Federal para que, nos padrões do inciso X do artigo 52 da CR, discricionariamente a casa legislativa suspenda a execução da lei tida como inconstitucional por meio de resolução.

Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior (2010, p. 49) asseguram que “[...] a decisão do Senado Federal é no sentido de se estender a sentença do Supremo, pertinente à inconstitucionalidade (não à prestação de fundo do pleito – caso concreto) para todos”.

Dessa forma, excepcionando-se à regra do geral do controle difuso, os efeitos da resolução terão aplicabilidade imediata a partir de sua edição (ex nunc) com eficácia geral (erga omnes).

            Ademais, a Emenda Constitucional 45/2004 insere no ordenamento o mecanismo da Súmula Vinculante, que também possibilita a atribuição de efeito vinculante nas decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade, como se extrai do artigo 103 – A, da CR:

 

Artigo 103 – A: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula, que a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública, direta e indireta, nas esferas, federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

 

 

Desse modo, a súmula vinculante tem como objetivo proteger três princípios: da igualdade, da celeridade e da segurança jurídica. Busca-se evitar que uma mesma norma seja interpretada de maneira diferente para circunstâncias fáticas idênticas.

 

 

2.3 Os efeitos da Reclamação 4335-5/AC

 

 

            Em relação aos efeitos do controle difuso propriamente dito, é fundamental ressaltar inicialmente que existem no contexto atual exceções à regra dos efeitos interpartes e ex tunc. Explicando melhor, pode-se dizer que os efeitos da decisão proferida em controle difuso podem ser diferenciados na perspectiva temporal (de ex tunc para ex nunc) e também em relação aos atingidos pela decisão (de interpartes para erga omnes).

            No que se refere à perspectiva temporal a questão encontra-se pacificada pela doutrina e pela jurisprudência a partir da decisão proferida pelo STF no recurso extraordinário nº 197.917 que envolveu o Município de Mira Estrela no Estado de São Paulo.

Nesse caso o STF declarou a inconstitucionalidade do Parágrafo Único do artigo 6º da Lei Orgânica do referido Município por entender que havia afronta ao artigo 29, VI da Constituição tendo em vista a inexistência de proporcionalidade entre o número de habitantes e o número de vereadores, sendo que o correto seria a existência de 9 vereadores e não 11 como previa a Lei Orgânica.

Dessa forma, o STF estabeleceu critérios de proporcionalidade e modulou os efeitos, isto é, concedeu para a decisão efeitos para o futuro, ou seja, para a próxima legislatura.

No que se refere à segunda exceção, a controvérsia ainda está longe de ser pacificada e refere-se ao tema desta monografia, qual seja, a extensão da eficácia erga omnes às decisões proferidas no controle difuso. 

A polêmica está expressa nos autos da Reclamação 4335-5/AC, ainda não julgada pelo STF, que trouxe como repercussão a questão da inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes hediondos.

A controvérsia nasce com a impetração de um Habeas Corpus (HC 82.959-SP) em primeiro de abril de 2003, no qual Oséas de Campos questionava no Supremo Tribunal Federal acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, com fundamento no artigo 2º, § 1º da Lei 8072/90, indeferiu a progressão de regime de cumprimento de pena prisional pela prática do crime hediondo de atentado violento ao pudor[4], cujo regime estabelecido era integralmente fechado.

            Para tanto, em 23 de fevereiro de 2006, o Ministro Marco Aurélio de Mello declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do referido artigo por violação aos princípios da individualização da pena, razoabilidade e dignidade da pessoa humana, conferindo o direito de progressão ao paciente.

            Mesmo assim, em obediência à tradicional corrente de que os efeitos das decisões eram inter partes, grande parte dos magistrados continuaram opondo-se à progressão de regime para crimes hediondos em virtude de inexistir resolução do Senado no mesmo sentido.

            Em virtude da grande controvérsia gerada, o Magistrado da Vara de Execução Penal em Rio Branco/AC, com a finalidade de pacificar a divergência, fez afixar um comunicado nas dependências do Fórum, nos seguintes termos:

 

Comunico aos senhores reeducandos, familiares, advogados e comunidade em geral a recente decisão Plenária do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos do “Habeas Corpus” n. 82.959, a qual declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que vedada a progressão de regime prisional (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90), somente terá eficácia a favor de todos os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados que estejam cumprindo pena, a partir da expedição, pelo Senado Federal, de Resolução suspendendo a eficácia do dispositivo de lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal.

 

            Em face da decisão do referido Juiz, a Defensoria Pública do Estado do Acre, ajuizou a Reclamação 4335, em 04 de maio de 2006 alegando o descumprimento da decisão do STF proferida no Habeas Corpus 82.959/SP.

            Sob o fundamento de que o inciso X, do artigo 52 da Constituição da República confere ao Senado Federal apenas a competência de conceder publicidade à decisão do STF que declara a inconstitucionalidade de uma lei no modelo difuso, os Ministros Eros Grau e Gilmar Ferreira Mendes proferiram os seus votos julgando procedente a reclamação sob o alicerce da mutação constitucional.

            É o que se extrai do voto do Ministro Eros Grau:

 

Passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: “compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo.

[...]

Pouco importa a circunstância de resultar estranha e peculiar, no novo texto a competência conferida ao Senado Federal --- competência privativa para cumprir um dever, o dever de publicação [dever de dar publicidade] da decisão, do Supremo Tribunal Federal, de suspensão da execução da lei por ele declarada inconstitucional. Essa peculiaridade manifesta-se em razão da circunstância de cogitar-se, no caso, de uma situação de mutação constitucional.[5]

 

            Entretanto, o Ministro Sepúlveda Pertence, reconhece que o mecanismo do artigo 52, X da CR para suspender a execução de lei tem se tornado cada vez mais anacrônico, porém, não haveria necessidade em combatê-lo por meio da mutação constitucional em razão da possibilidade de edição de Súmula Vinculante.

            Já o Ministro Joaquim Barbosa, conheceu do pedido como Habeas Corpus concedendo-o de ofício, contudo, não conheceu da Reclamação. Porém, relevou que a demanda não se trata de mutação constitucional em razão da falta do decurso de espaço de tempo maior e o consequente e definitivo desuso do artigo 52, X da CR, ressaltando também a presença da Súmula Vinculante.

            Em virtude do pedido de vista dos autos pelo Ministro Ricardo Lewandowski, em 19 de abril de 2007, o julgamento da Reclamação encontra-se suspenso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 A HIPÓTESE DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E O ALCANCE DO EFEITO VINCULANTE E DA EFICÁCIA ERGA OMNES NAS DECISÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE EM CONTROLE DIFUSO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

 

            Como apresentado anteriormente, sabe-se que o Brasil apresenta um modelo híbrido ou misto de controle jurisdicional de constitucionalidade das normas, apresentando aspectos do controle difuso, de origem norte-americana, e do controle concentrado de ascendência européia.

            Entretanto, a partir da Reclamação 4335-5/AC, uma recente discussão vem sendo delineada no Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

            Diante deste novo posicionamento, o Ministro levantou a possibilidade de estender a eficácia geral e o efeito vinculante nas decisões de inconstitucionalidade em controle difuso proferidas pelo STF.

            Desta forma, a resolução senatorial não seria mais o ato responsável para atribuir eficácia erga omnes às decisões da Corte em controle difuso, cabendo à casa legislativa o simples dever de conferir publicidade ao ato.

            No mesmo sentido, o Ministro Eros Grau, aderindo ao posicionamento do Relator, fundamentou que haveria uma autêntica mutação constitucional

Ao resolver a questão de ordem provocada na Reclamação, nasce para o mundo jurídico discussões referentes à natureza do poder constituinte e do modelo misto de controle de constitucionalidade, ao passo que esta mudança de concepção não seria originada de um reforma constitucional, mas sim de uma nova interpretação que o STF atribui ao inciso X do artigo 52 da CR.

           

 

3.1 Mutação constitucional: a alteração do texto

 

 

            Apresentada como conseqüência de um fenômeno oriundo de constituições escritas, mais precisamente rígidas, a mutação constitucional surge como resultado de consecutivas e silenciosas modificações no sentido interpretativo e significado do texto constitucional. Assim sendo, é o resultado de um procedimento não formal de alteração da Constituição.

            O Ministro Eros Grau, em seu voto conceitua o alcance de tal instituto jurídico:

 

 

A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o intérprete extrai do texto norma diversa daquela que nele se encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há, então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro.

 

            Em tese, este fenômeno decorre do estímulo e da evolução de novos costumes, valores sociais e políticos que, por resultado da interpretação, indiretamente pressupõem a atualização da maneira de se extrair a aplicação de uma norma constitucional mantendo intacto o texto original.

            Na mesma linha de raciocínio, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, ainda ponderam:

 

Além da rigidez constitucional, outro fator que favorece sobremaneira a mutação constitucional informal é o caráter altamente abstrato e a textura aberta de grande parte das normas constitucionais. Essa característica das normas constitucionais deixa um razoável espaço de atuação aos agentes densificadores e concretizadores da Constituição, que tem a possibilidade de, sem deturpar ou afrontar a letra do Texto Maior, conferir-lhe sentido não previsto na ocasião de sua elaboração, porém condizente com as modificações da realidade que desde então se verificaram. (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 591)

 

            Destarte, através de processos informais, as mutações externam dinamismo das normas jurídicas, abrangendo mudanças silenciosas que atingem o significado do texto e não o seu sentido literal.

            É evidente que este processo possui barreiras que, se extrapoladas, transgrediriam diretamente os alicerces do poder constituinte e conseqüentemente a soberania popular.

É o que leciona Luis Roberto Barroso (2010) ao fundamentar que os limites da mutação constitucional devem ser amparados sobre dois pilares. O primeiro refere-se às possibilidades semânticas do relato das normas e o segundo no que tange à preservação dos princípios fundamentais peculiares à Constituição.

O nobre doutrinador ainda se refere à questão do poder constituinte, avaliando que além do poder originário e do poder de reforma constitucional, tal instituto prevalece como uma terceira modalidade:

 

[...] o que se exerce em caráter permanente, por mecanismos informais, não expressamente previstos na Constituição, mas indubitavelmente por ela admitidos, como são a interpretação de suas normas e o desenvolvimento de costumes constitucionais. (BARROSO, 2010, p. 128)

 

Manifesta-se ainda no sentido de que se haver a aplicabilidade de variações que contrariem a Constituição, evidentemente se relata um caso de mutação inconstitucional. Mutação que deverá ser recusada tendo em vista se tratar de uma circunstância atípica em que um fato colide com uma norma justapondo-se sobre ela.

Glauco Salomão Leite ainda assegura que “[...] é possível que seja construída mais de uma norma a partir de um mesmo texto legal ou constitucional”. (2008, on line).

O autor leva em consideração a grande validade da pré-compreensão do intérprete e as circunstâncias de cada caso, não convergindo apenas o grau variável semântico dos enunciados normativos.

            Mais adiante ainda afirma que, sob esta ótica, a mutação constitucional “[...] ocorre, com maior probabilidade, em relação aos preceitos mais vagos e imprecisos, cujos sentidos podem ser mais facilmente modificados em face de novas circunstâncias políticas, sociais ou econômicas”. (2008, on line).

            No mesmo sentido, ao delimitar tal fenômeno, Carmem Nazaré Lopes Neves também alega:

 

A modificação é dita informal, em virtude de que em nenhum momento haverá alteração da letra e do espírito consagrados pelo poder constituinte originário, e sim haverá uma modificação das mudanças históricas, políticas e sociais inerentes à sociedade.(NEVES, 2004, p. 20)

 

            Convém ressaltar ainda que Renan Flumian de Carvalho, ao analisar posicionamentos de vários doutrinadores sobre o instituto, chega à seguinte conclusão:

A fundamentação da mutação gira em torno da incongruência do texto constitucional e da realidade circundante. Já o seu limite impõe que ela só poderá ocorrer desde que respeite as possibilidades concedidas pelo texto constitucional. (CARVALHO, 2009, p. 21),

           

Ao tomar como parâmetro os ensinamentos ora referidos, pode-se afirmar que a hipótese se mutação constitucional congrega-se em uma evidência de intensa evolução social, tornando manifesto que o desenvolvimento pelo qual o Estado brasileiro se submete, seja no campo científico, social e até mesmo tecnológico refletem diretamente na Lei Fundamental do país.

 

 

3.2 Análise jurisprudencial: a mutação do inciso X do artigo 52 da CR e a Reclamação 4335-5/AC como precedente

 

 

            Como evidenciado anteriormente, a Reclamação 4335-5/AC apresentou-se como um precedente relativo à discussão da temática da mutação constitucional, ao ser ajuizada sob o fundamento de que não estaria sendo obedecida a decisão[6] do STF que afastou a vedação da progressão de regime aos condenados pela pratica de crime hediondo.

Atualmente, sua votação encontra-se empatada por dois votos a dois, não sendo julgada em definitivo pela Corte.

Entretanto, as deliberações proferidas em razão da matéria foram suficientes para difundir discussões acerca da ocorrência ou não da hipótese de mutação constitucional do inciso X do artigo 52 da Constituição da República, que em sua literalidade assim dispõe:

 

Artigo 52 – Compete privativamente ao Senado Federal:

 

(...)

 

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

Em razão dessa controvérsia, dois posicionamentos se encontram em debate.  O primeiro fundamenta-se a favor da alteração da competência do Senado. Em outras palavras, não mais seria a resolução senatorial o mecanismo adequado para atribuir eficácia geral às decisões que suspendem a execução de lei declarada inconstitucional proferida em controle difuso pelo STF, restando à casa legislativa somente o seu dever de publicação.

Corrente defendida pelo Ministro Eros Grau e pelo Ministro Relator Gilmar Ferreira Mendes que, em seu voto, assim prepondera:

 

A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal fique a depender de uma decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988, perdeu grande parte do seu significado com a introdução do controle abstrato de normas. (STF, voto do Min. Rel. Gilmar Mendes, DJ 09/02/2007, p. 34)

 

            É também o posicionamento de Zeno Veloso (2000) ao fundamentar não haver sentido a aplicação do inciso X do artigo 52 da Constituição da República, sob a ótica de tal competência ter origem da Carta de 1934, na qual o princípio da separação de poderes baseava-se em critérios e valores ultrapassados, ancorados em uma velha e rígida concepção oitocentista.

            Seguindo esta direção, o Ministro Eros Grau, no Voto de Vista da RCL 4335-5/AC, analisa que “[...] sucede que estamos aqui não para caminhar seguindo os passos da doutrina, mas para produzir o direito e reproduzir o ordenamento.”

            Ao desenvolver o raciocínio, passa a defender o seguinte posicionamento:

 

Obsoleto o texto que afirma ser da competência privativa do Senado Federal a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, nele se há de ler, por força da mutação constitucional, que compete ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo. Indague-se, a esta altura, se esse texto, resultante da mutação, mantém-se adequado à tradição [= à coerência] do contexto, reproduzindo-a, de modo a ele se amoldar com exatidão. A resposta é afirmativa.

(Voto de Vista do Min. Eros Grau. Reclamação 4335-5 AC. Publicado em 12/06/2008. p. 08)

 

            O Ministro julga que este novo texto decorrente da hipótese mutação constitucional adéqua-se à tradição e coerência das circunstâncias, moldando-se a ele com exatidão.

            Por outro lado, há os que defendem a interpretação tradicional da norma, tendo como defensores os Ministros Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, que no Informativo nº 463 do STF[7], fundamentam sob o prisma de não estarem presentes os requisitos essenciais para a configuração da mutação constitucional (decurso do tempo e o desuso definitivo do dispositivo), ademais, baseiam-se ainda que a Constituição da República em momento algum repudiou o sistema difuso, sendo indispensável a participação do Senado.

            Partindo de um posicionamento crítico, diversos doutrinadores aderem a esta corrente sob a afirmação de configurar verdadeira violação de previsão constitucional.

            Pedro Lenza considera da seguinte maneira:

 

(...) embora a tese de transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do principio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.(LENZA , 2011, p. 258)

 

            Na mesma linha de raciocínio, Lays Faria Rodrigues assegura este alargamento da concentração de poder conferido ao STF poderá comprometer o Princípio da Separação de Poderes estabelecido na Constituição ao fundamento de “[...] não ser possível um órgão exercer atribuições privativas e reservadas constitucionalmente a outro a pretexto da celeridade processual”. (2009, on line)

            Mais adiante, ainda faz um considerável comentário ao analisar posições de diversos doutrinadores, chegando à seguinte conclusão:

 

[...] o papel do Senado Federal, nestes casos relativos à suspensão da lei constitucional reflete a atividade de um órgão eleito pela vontade popular e o afastamento dessa atribuição pelo judiciário aflige a idéia de Estado Democrático de Direito. (RODRIGUES, 2009, on line)

 

Referindo-se ao cumprimento do inciso X do artigo 52 da CR, Lênio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima fundamentam que:

 

Deixar de aplicar o artigo 52, inciso X, significa não só abrir precedente de não cumprimento de norma constitucional – enfraquecendo sobremodo a força normativa da Constituição – mas também suportar as consequências, uma vez que a integridade uma vez supõe integridade da própria Constituição.(STRECK, CATTONI, LIMA, 2007, on line)

           

Convém salientar, que a regra da atribuição do efeito erga omnes foi prevista somente para o controle concentrado e para a Súmula Vinculante, através da EC 45/2004, e para o controle difuso após atuação discricionária do Senado, obedecendo ao disposto no artigo 52, X da CR.

            Alexandre de Morais (2011) analisa a alternativa conferida ao Supremo Tribunal Federal, pós EC 45/2004, quando da análise incidental de determinada lei ou ato normativo, em editar Súmula Vinculante, que deve “guardar estrita especificidade” sobre o assunto, evitando o acúmulo gerado por ações idênticas e a demora na prestação jurisdicional.

            Mais adiante o referido autor expõe o seguinte opção:

 

Não mais será necessária a aplicação do art. 52, X, da Constituição Federal – cuja efetividade, até hoje, sempre foi reduzidíssima -, pois declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula sobre a validade, a interpretação e a eficácia das normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar insegurança jurídica e multiplicidade de processos sobre questão idêntica. (MORAIS, 2011, p. 746)

 

            É essa a tese defendida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que ao analisar a Reclamação, afirmou que não se poderia reduzir o papel do Senado, em que todos os textos subseqüentes à Carta de 1934 mantiveram. Ele reconheceu que a aplicação do mecanismo se tornou obsoleta, porém, afirmou que combatê-lo por meio de “projeto de decreto de mutação constitucional” não mais seria necessário.

            Reportou-se à possibilidade da edição de Súmula Vinculante, que evitaria a redução do Senado a mero órgão de publicidade de suas decisões, ao dispensar sua intervenção.

            Quanto ao Ministro Joaquim Barbosa, também afirmou a possibilidade de edição de Súmula Vinculante devendo ser mantida a leitura tradicional do inciso X, do artigo 52 da CR, expondo que se trata de uma “autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF”.

O Ministro não aderiu à incidência da mutação constitucional fundamentando-se sob a falta de decurso de lapso temporal maior para análise da mutação e o consequente desuso do dispositivo.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

            Conforme analisado, a mutação constitucional surge como um processo de informal de alteração da Constituição, ou seja, é atribuída à norma convencionada uma interpretação diversa da inicial sem a mudança do texto original.

            A necessidade de adaptação do direito com a realidade social faz da mutação constitucional uma opção plausível para um ajustamento do texto e possível adequação. Do ponto de vista técnico, a tendência de abstrativização do controle difuso tem coerência e até pode caminhar para sua concretização, inclusive sob o anseio de celeridade na prestação jurisdicional.

            Entretanto, a mutação constitucional deve ser aproveitada dentro dos limites do texto e de acordo com a Constituição. Mesmo assim, a aplicação adequada do procedimento ainda pode ocasionar uma gigantesca onda de repercussões negativas.

            Se realmente prevalecer a tese dos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Grau prevalecerem, nascerá para o direito implicações sobre a essência do poder constituinte, dos princípios da separação dos Poderes, do devido processo legal e do próprio critério misto de controle de constitucionalidade.

            Ao fazer a reformulação de uma norma, o intérprete não pode simplesmente adequá-la à sua conveniência e oportunidade. O novo sentido deve conter traços de harmonia com a expressão já existente. Desse modo, critérios básicos devem ser analisados ao se reinterpretar determinada regra.

Apesar de tentadora, a hipótese de se atribuir eficácia erga omnes e efeito vinculante nas decisões do STF em controle difuso sob o amparo da mutação constitucional do inciso X do artigo 52 da CR não é oportuna. Primeiro, por não existir lapso temporal considerável para a análise da incidência da mutação e segundo por não haver o desuso do dispositivo em questão.

A maior crítica feita a essa idéia da abstrativização do controle difuso é que estaria na verdade afrontando literalmente o texto constitucional através de uma manipulação da Constituição pela via da interpretação.

Ainda, convém salientar que ao Supremo Tribunal Federal é conferida a guarda e proteção da Constituição, cabendo a ele zelar pelos seus princípios. Mesmo com seu elevado grau no âmbito do Poder Judiciário, a Corte não é legítima para alterar a Constituição da República quando considerar conveniente.

Se objetivo é padronizar em todo país o seu entendimento sobre determinada matéria, a Emenda Constitucional 45/04 trouxe a possibilidade da edição de Súmula Vinculante, que possibilita ao STF estender eficácia erga omnes e efeito vinculante em suas decisões. Dessa forma, não há razão em alterar um artigo da Constituição para atingir a mesma pretensão.

Entretanto, se por uma eventualidade entenda-se que a Constituição apresente trechos ultrapassados, que necessitem de uma reforma, deve-se recorrer ao Poder Legislativo para que aprove uma Emenda Constitucional, nos termos previstos na própria CR e efetive a alteração necessária.

 

 

 

 

 

 

 

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[1] O STF já se posicionou em relação à matéria (ADI nº 2, Rel. Min. Paulo Brossard) firmando entendimento de que a inconstitucionalidade somente poderia ocorrer em relação às normas posteriores à Constituição, visto que as normas anteriores incompatíveis seriam questão de direito intertemporal.

[2] Os artigos de texto constitucional citados neste subitem foram extraídos da obra: CAMPANHOLE, Adriano, CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 12º ed. São Paulo: Atlas, 1998

[3] Posicionamentos fundamentados nos Votos de Vista da Reclamação 4335-5/AC

[4] Com a vigência da Lei 12015/09, o crime de atentado violento ao pudor foi abrangido pelo crime de estupro.

[5] Voto de Vista do Min. Eros Grau. Reclamação 4335-5 AC. Publicado em 12/06/2008.

 

[6] Proferida nos autos do HC nº 82.959/SP (Rel. Min. Marco Aurélio, j. 23/02/2006, DJ 01/09/2006)

 

[7] Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo463.htm