O livro Crátilo de Platão é uma obra que foi escrita no séc. V a.C. e denota as questões daquilo que seria o veículo para comunicar-se com o mundo ? A linguagem. Mas, como essa comunicação deve ser feita? Como as palavras devem ser ajustadas? Por que a justeza delas era tão defendida por aquele filósofo? Por que determinar a justeza dos nomes? Quem ou o que a determina? Todas essas inquietações estão sendo levantadas pelo próprio leitor e por Hermógenes, um dos personagens que dialoga com Sócrates, aquele que traria a luz a esses questionamentos em torno da língua. Sócrates é uma figura da Grécia antiga que, ao saber que sabe, busca no outro a confirmação do seu saber, mostrando que este outro também sabe. Mas, sabe o quê? Aquilo que ele o leva saber? Existem outros diálogos como Fedro onde Platão afirma que a língua é um remédio para o conhecimento, pois pelo diálogo conseguimos descobrir nossa própria ignorância e aprender com os outros. Neste limiar de discussões, surge outro filósofo antigo que discute o conhecimento a partir da linguagem. Na abertura da obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um "animal político", ou seja, social e cívico, porque apenas ele é dotado de linguagem. Os outros animais possuem voz e com ela exprime dor e prazer, mas o homem possui o logos que, diferentemente do mythos, desenvolve-se na linguagem como poder de conhecimento racional e, com ele, sente e comunica. O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam da maneira exata que são ditas. A linguagem tanto pode desvendar como ocultar a verdade sobre as palavras; podendo ser dissimulada, mascarada, punir muitas vezes. A prova disto pode ser melhor explicada no livro "A Bíblia Sagrada judaico-cristã", onde um homem, utilizando-se apenas da língua, pode cometer tamanhas atrocidades; "E Deus disse: faça-se", e foi feito. Porque Ele disse, foi feito. A língua possui, assim, um poder que encanta, trazendo o místico para o mundo. Desde a Grécia antiga, os filósofos preocuparam-se em definir qual a origem e as causas da linguagem. O primeiro ponto de vista contrário surge exatamente com a obra aqui analisada ? Crátilo, junto aos personagens: Sócrates, Hermógenes e Crátilo. A linguagem nasce por Naturalismo ou por Convencionalismo. Assim, a linguagem é natural aos homens (existe por natureza) ou é uma convenção social (algo que se atribui em comum acordo)? Neste sentido, se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e essencial, mas se for convencional (as decisões que dependem do consenso da maioria) torna-se arbitrária, visto que a sociedade poderia ter escolhido outras palavras para nomear as coisas. Hermógenes, dialogando com Sócrates, defende a ideia de que os nomes são resultados consensuais, podendo ser tanto individual quanto coletivo a depender daquilo que se queira nomear, pois as coisas do mundo, assim como as palavras, estão em constante fluxo. Para Sócrates, os nomes espelham a natureza das coisas, sendo estes, aquilo que não muda. Sócrates começa a argumentar suas ideias a partir dos nomes primitivos que são estabelecidos pelos deuses, aqueles cujo poder é concedido para atribuir o nome correto aos objetos, e que, o legislador, é o artista, cujo qual tem por função compreender os nomes primitivos e argumentar bem a veracidade destes, que são nomeados pelos deuses, ou seja, deve saber impor os sons e as sílabas dos nomes que é naturalmente apropriada para cada coisa. Platão, com este diálogo, não está preocupado com o logos em si, proferido por Aristóteles e seus posteriores, mas com a justeza dos nomes em relação aos objetos. A construção do discurso verdadeiro se dá pela análise dos sons das letras, dos verbos e pela construção das palavras, podendo assim, um nome falso tornar todo um discurso falso. Desta forma, para a teoria naturalista socrática, é preciso aplicar a forma ao objeto e não a maneira que queira. Sócrates mantém em todo o seu diálogo (apesar de algumas recaídas com relação a uma possível derivação dos nomes) sua teoria naturalista, que é concebida como aquela que melhor se ajusta aos objetos. Estes, ao serem nomeados, precisam ser semelhantes ao nome e que, portanto, o contrário não seria possível, pois a representação do movimento não faz parte da imutabilidade que os nomes instituídos pelos deuses possuem; aquele criado pelo mítico. No sentido em que Sócrates apresenta a forma como se dá a linguagem, podemos inferir que aí mesmo nasce uma língua privada, individual, visto que as palavras nos levam a perceber que delas derivam-se muitas outras. Pensar em um modo de língua em que as palavras não derivam e que apenas seu criador, ou, como diz Sócrates, o fazedor de nomes, conhece o seu significado, porém este mesmo significado não é capaz de dizê-las de maneira precisa, causal, objetiva. Porém, para chegar ao conhecimento das coisas, é necessária a existência do nome. Voltamos à questão do mythos, influenciando a realidade causal do mundo. Portanto, o posicionamento de Sócrates, em relação à imutabilidade, demonstra que o nome é a própria coisa, colocando os nomes em um lugar estéreo, não prevendo o que acontece com algumas palavras da própria língua grega, pois poderíamos pensar em palavras como "demagogia"¹ ou "demônio"², que em sua época tinham um significado e hoje tem outro. Os problemas em ambas as teorias são muitos, assim como todos os problemas que foram desencadeados a partir dela. Algumas colocações precisam ser consideradas: etimologia do nome, que para Sócrates deve estar ligada à própria coisa, passa a ser uma ferramenta de reflexão, na qual faz parte da ostentação que começou a constituir áreas de conhecimento. As possibilidades de relação de cunho filosófico, ontológico e moral (reveladas na análise do nome) abrem espaço para uma forma de indagação da realidade que passa a encarar a linguagem como viável ao conhecimento. A linguagem nada mais é do que ação quando se fala, é atemporal. O relativismo das nomeações às palavras fez com que Sócrates pensasse que o conhecimento não poderia ser expresso ou comunicado. Ainda que o conhecimento naturalista da realidade do mundo procure expressar-se de maneira legítima, não há garantia de verdade ou de possibilidade em palavras primitivas. É ilógico pensar que o mythos possa dizer o que a coisa é sem a existência das palavras.