“A EXCLUSÃO ATRAVÉS DA INCLUSÃO”

Por: Soraya Assad Zaidan (mãe de um aluno surdo)

              Tente fazer uma experiência: Procure assistir a um filme de um professor chinês ensinando sua turma de alunos “normais”. Assista ao filme sem o som. Entendeu alguma coisa? Conseguiu “pescar” alguma palavra?  Não precisa ir tão longe, assista a um episódio de “Malhação” (programa da Globo ambientado em uma escola) sem som. Conseguiu entender alguma coisa? Não? Pois é assim que um surdo se sente ao ser “incluso” em uma turma de ensino regular.   

             A surdez é uma deficiência cruel. Como todas, mas, talvez a que mais exclui, pois, não se consegue alcançar o sofrimento de um surdo ao tentar fazer um ouvinte entender o que ele está falando. Tenho acompanhado meu filho desde o nascimento. Com um ano de idade, quando começou a estimulação no Instituto Felipe Smaldone, um ninho aonde as crianças surdas são preparadas para enfrentar o mundo. Mesmo com todo o amparo desses anjos da guarda que são as freiras e o corpo docente do Smaldone, tenho uma constatação; A criança sofre, os pais sofrem, os familiares e amigos sofrem, enfim, sofrem todos os envolvidos no processo de trazer esse surdo para o mais perto do que se tem como normal.

                 Quase todos os professores da rede de ensino públicos e privados não estão capacitados para ensinar alunos surdos. A grande maioria, acha que é só fazer um curso de LIBRAS e o assunto está resolvido. Não é bem assim. O surdo não tem o mesmo entendimento que nós temos. Ele não consegue entender uma frase se, nesta frase estiver inserida uma palavra cujo significado ele não conheça, por exemplo; ele conhece o significado de lista e a frase lhe foi apresentada com a palavra catálogo. O surdo vai travar, ele não vai compreender. Sendo assim, não é com um tradutor de LIBRAS em sala de aula que vamos resolver o problema, e sim com um professor qualificado para isso. Nosso sistema de ensino possui grandes talentos e muitos ainda nem foram devidamente aproveitados. Temos inclusive professores surdos que conseguem ensinar a um surdo em um dia de aula, o que um professor ouvinte não consegue em um mês. Eles, os professores, devem urgentemente fazer um curso de aperfeiçoamento em educação especial. Para saber como alcançar seu aluno especial, ele deve conhecer a forma de pensar de um surdo, somente assim é que ele conseguirá transmitir o conhecimento a esse surdo.

              Infelizmente, o que tenho observado é o descaso das escolas em relação aos deficientes auditivos. É mais ou menos na base do “eu finjo que ensino e, também finjo que você aprende”. As provas não são adaptadas aos surdos e, esses ficam sempre com a impressão de que são menos qualificados que seus colegas de classe. Nada mais dolorido para uma mãe do que ver seu filho discriminado e relegado ao segundo plano em uma escola que deveria dar total suporte ao aluno com deficiência. As escolas estão fazendo somente o que a Lei manda, e algumas só cumprem a Lei, quando são denunciadas ao Ministério Publico (caso da escola de meu filho).

             Lutei muito para que não acabassem as escolas especiais para deficientes. Recolhi mais de quatro mil assinaturas com a ajuda de minha família e de meus amigos. Isso é passado, se a lei passou, é para ser cumprida. Os governantes se esqueceram de qualificar os professores para saber como passar o conhecimento ao aluno surdo. Os professores sequer sabem LIBRAS. Na escola de meu filho, nenhum professor domina LIBRAS, nas escolas públicas também. Os diretores só cobram o domínio de LIBRAS dos professores quando algum aluno surdo é matriculado na instituição. A lei é clara quanto ao suporte que uma escola regular deve ofertar ao aluno:

 Art.25 (...)

 1. Acessibilidade do prédio escolar, dos equipamentos, do mobiliário, do currículo, sua organização e operacionalização dos recursos didáticos específicos disponíveis e recursos para comunicação alternativa;

2.   O atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais na escola, distribuição desses alunos nas classes comuns e processos de avaliação pedagógica;

3. O serviço pedagógico especializado, articulação com os atendimentos educacionais especializados, com as famílias dos alunos, com os serviços da área de saúde, trabalho e assistência social e esporte e lazer;

4. Formação dos professores e dos outros profissionais que prestam atendimento educacional e serviços pedagógicos e especializados.

           O Pará está na frente da maioria dos estados brasileiros no que tange ao suporte educacional aos alunos surdos. Temos o Instituto Felipe Smaldone (Tv. 14 de Março, 854, Umarizal, Belém - Pará ) que é referência em educação para surdos, temos o U.E.ES Profº. Astério de Campos (Av Almirante Barroso, nº 2800 - Bairro: Souza). Podemos nos transformar em Estado modelo para o resto do Brasil. Possuímos profissionais multiplicadores da questão do ensino para surdos em classe regular. Um exemplo é o rendimento dos alunos quando são ensinados por professores do Smaldone ou do Astério de Campos, eles captam muito mais o conteúdo e apresentam resultados muito mais satisfatórios do que os resultados de avaliações em que são acompanhados por professores que não dominam LIBRAS ou por tradutores de LIBRAS.

            Tenho dificuldades diárias com meu filho, desde o nascimento. Não sou pessoa de fácil desistência, mas, existem dias em que nós mães, exaurimos, principalmente após passarmos semanas estudando com nossos filhos, sabendo da capacidade deles e, ao recebermos as provas, constatamos que a nota poderia ser 10 ao invés de 5 ou 6, se a avaliação fosse adaptada para eles. Muitas vezes meu filho sabe a resposta, mas, a pergunta não foi feita de forma que ele entenda. Consequência disso; Resposta limitada. Não raras vezes, o surdo sofre de depressão, pois, não consegue se fazer entender, e com isso vai se calando e se afastando do convívio das pessoas.        

  A solução é promover encontros entre os profissionais que ensinam somente surdos com profissionais da rede regular de ensino, se não podemos ter escolas bilíngües (LIBRAS como linguagem alternativa para os surdos). Somente assim esses profissionais saberão o que se passa na cabeça de um surdo quando ele entra em uma sala de aula de “ouvintes”. Eles entenderão que muitas vezes quando um surdo finalmente diz; “Entendi”, quer dizer; “Me deixe em paz, estou cansado de tentar, mas, eu não te entendo”.

             Esse é apenas um desabafo de uma mãe que muitas, inúmeras vezes, chorou sozinha abraçada a seu filho que adormeceu após um dia exaustivo de tanto estudar, muitas vezes sem ao menos ter tempo de um lazer. Surdo minha gente, precisa estudar dobrado, ele não tem memória auditiva como nós, então tem que ler várias vezes pra aprender.  Ele não consegue aprender com a mesma facilidade que nós. E quando aprende, sempre falta algo. Portanto, se conhecer um surdo, não pense que ele é preguiçoso, ou, sem interesse, a maioria das vezes ele está apenas cansado de não ser compreendido.

"Nós não devemos deixar que as incapacidades das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades." ( Hallahan e Kauffman, 1994).