O papel que todo operador do Direito empenha no Estado deve ter como finalidade a busca pela justiça, qual deve ser garantida a todos os cidadãos.

            Na visão do jurista Hans Kelsen, a justiça está ligada a diversos valores subjetivos e mutáveis, razão pela qual a incessante busca pela justiça é mais importante do que a definição do seu conceito[1]. Porém, assim como o conceito de justiça é mutável, os esforços despendidos para alcançá-la também variam no decorrer do tempo e de acordo com a cultura da sociedade.

            A análise das sociedades contemporâneas demonstra constantes modificações na postura do Estado para adequar a prestação jurisdicional às necessidades dos seus cidadãos. Para a análise do papel do juiz no Estado Democrático de Direito, necessário se faz o exame dos modelos de Estado que inspiraram as Constituições dos Estados Ocidentais até os dias atuais.

            O surgimento do Estado Liberal de Direito, surgiu a partir dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, defendidos pela Revolução Francesa do século XVIII. À época, buscava-se a liberdade do individuo e da sociedade contra abusos do absolutismo e da nobreza do Antigo Regime.

            Para esta liberdade, as Constituições e os Códigos visavam à limitação dos poderes atribuídos ao Estado, para assegurar os direitos individuais.

            Entende-se como fruto jurídico positivo do Estado Liberal, qual vê a legalidade e a segurança jurídica como as bases da justiça e restringe a função do jurista à mera aplicação da lei. Segundo a teoria positivista, o Direito é regido por uma cadeia hierárquica de normas que forma uma pirâmide de leis, cujo pilar principal é a “norma fundamental”.

            Nesse modelo, o Direito foi reduzido à lei, cuja condição de validade seria o fato de ter sido produzida por uma autoridade dotada de competência normativa. Na concepção deste modelo, a correspondência ou não da norma jurídica com a justiça em nada interfere na validade da norma e do Direito[2].

            O Poder Legislativo assumia uma predominância sobre os demais Poderes. A função jurisdicional é neutralizada pelo princípio da legalidade, pois se restringe a aplicar as leis previamente constituídas, sendo essa aplicação desprovida de referências sociais, éticas ou políticas[3].

            Nesse contexto, o sistema processual do Estado Liberal priorizava a segurança jurídica e a legalidade em detrimento da celeridade. Cabe, aqui, frisar que o Estado Liberal refletia os interesses da burguesia emergente à época, que podia arcar com uma longa espera por um provimento final em prol da segurança jurídica, conforme elucida Arruda Alvim:

“A nova ordem jurídica fora instituída com os olhos voltados para a burguesia emergente que, naturalmente, possuía recursos bastantes para suportar a espera da sentença e da coisa julgada. Para a classe social dominante fazia-se preferível aguardar desfecho seguro do processo do que obter celeridade (...),”[4].

            O movimento de “socialização dos direitos” ganhou efetivamente força após o colapso econômico e depois de 1945, diante da crise de consciência causada pelas atrocidades da Segunda Guerra Mundial, legitimadas pelo positivismo jurídico.

            Após, o papel do juiz deixa de restringir-se à descrição das leis, passando a este a atuar com a finalidade de dar efetividade aos princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição. Deste ponto, o processo passa a adquirir uma função social, visando tão somente a realização do Direito.

            Com o Estado Social, o acesso à justiça consagrou-se. Nas palavras de Mauro Cappelletti, “a idéia do ‘acesso’ tem sido afirmada como essencial critério de uma moderna concepção social-liberal do Estado, como Welfare State[5]. Assim, a segurança jurídica deu lugar à efetividade, a qual se apresenta fortemente ligada à idéia de celeridade.

            Entretanto, aos primeiros anos da década de 80, o modelo do Estado Social não mais correspondia aos anseios da sociedade. Deu-se, então, uma crise do Poder Judiciário que obstruiu as vias de acesso à justiça em razão da morosidade dos processos, das complicações procedimentais e da ampliação dos poderes do juiz sem que houvesse o seu correto uso, conforme sintetizou Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe:

“A sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização da justiça, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que deixa de fazer uso dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva a insuperável obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade latente, que freqüentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os ‘justiceiros’)”.[6]

            Diante este contexto, surge o Estado Democrático de Direito, na busca de garantir o amplo acesso à justiça. Este Estado consagrou-se pela Constituição Federal Brasileira de 1988.

            O novo modelo de Estado representou o início de uma ordem jurídica que combate o autoritarismo e a arbitrariedade dos modelos anteriores, prevendo, ainda, um amplo sistema de garantias e direitos fundamentais.

            Em dezembro de 2004, foi editada e aprovada a Emenda Constitucional nº 45, que, dentre outras coisas, acrescentou ao artigo 5º, da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

            Verifica-se, portanto, que a evolução do Estado acompanha a evolução do Direito e as formas de se perseguir a almejada justiça efetiva. O poder jurisdicional procura sempre refletir os anseios da sociedade de seu tempo, além dos seus traços culturais, o que auxilia a delimitação de seu papel no Estado Democrático de Direito vigente.

            A nossa sociedade atual se caracteriza pela redução das barreiras políticas, pela velocidade das comunicações e do comércio, pelo crescente avanço tecnológico, pela pluralidade e complexidade de relações jurídicas. Por conta dessas características, há uma maior diversidade de demandas e litígios, bem como novas exigências da sociedade.

            Em razão das mudanças sociais, os prévios modelos de Estado não são hábeis a propiciar o efetivo acesso à justiça. Para modificar essa situação, temos acompanhado constantes revisões legislativas como forma de adequar as leis aos anseios da sociedade atual.

            Nesse contexto, a otimização do sistema processual torna-se ainda mais importante para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional.



[1] Em sua obra “A Reforma do Processo Civil”, o Professor e Ministro do Superior Tribunal Justiça (“STJ”), Luiz Fux, abordou o posicionamento de Kelsen: “O valor justiça sempre foi a obsessão de muitos, dentre eles, Hans Kelsen, cujas obras sempre versavam sobre esse tema e, o consagrado jurista, com a humildade dos sábios, culminou a sua carreira literária, no ocaso da sua vida, com a obra intitulada O que é justiça?, confessando que o importante não era alcançar o conceito perseguido senão preservar em persegui-lo” (FUX, Luiz. A Reforma do Processo Civil. Niterói, RJ, Impetus, 2006)

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Contemporâneo. Estudos de Direito Processual Civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 15.

[3] SANTOS, Boaventura de Sousa, MARQUES, Maria Manuel Leitão. PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 30, ano 11, pp. 29 - 62. Disponível em http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm. Consulta realizada em 14 de abril de 2012.

[4] ALVIM, Arruda. In Evolução do Direito e a Tutela de Urgência - Estudo escrito em homenagem Prof. Ovídio Baptista da Silva; Disponível em: www.tex.pro.br. Acesso em 18/07/2012.

[5] CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. In Revista de Processo, Vol. 61, São Paulo: Revista dos Tribunais. jan/mar. 1991, p. 147.

[6] GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. WATANABE, Kazuo. In Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 278.