INTRODUÇÃO

O direito á liberdade é um dos preceitos máximos da nossa sociedade vez que permeia o principio da dignidade da pessoa humana, sendo fundamental no nosso Estado Democrático de Direito.

Prevê a Constituição Federal em seu Título II, intitulado das Dos Direitos e Das Garantias Fundamentais, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

A liberdade de locomoção se encontra insculpida na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Já o inciso LXI, do art. 5º da referida Carta Magna estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. 

Daí a significativa importância que o direito à liberdade assume nos dias atuais, pois ao mesmo tempo em que o Estado tem que se valer de instrumentos próprios capazes de assegurar a persecução penal, com o escopo de trazer o bem estar social e segurança jurídica à sociedade, também deve observar os direitos e garantias individuais do apenado, como nossa própria Carta Magna assegura. Pois nenhum direito fundamental é absoluto tendo que ser freqüentemente limitado pelo próprio Estado a fim de assegurar sua máxima efetividade, bem como a convivência pacífica frente às liberdades que todos fazemos jus.  

 De fato é o que leciona Renato Brasileiro:

“A prisão cautelar e a imposição de outras medidas cautelares de natureza pessoal põem em evidência uma enorme tensão no processo penal, pois, ao mesmo tempo em que o Estado se vale de instrumentos extremamente gravosos para assegurar a eficácia da persecução penal – privação absoluta ou relativa da liberdade de locomoção antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória -, deve também preservar o indispensável respeito a direitos e liberdades individuais que tão caro custaram para serem reconhecidos e que, em verdade, condicionaram a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito” (De Lima, 2011, p.121).

A Lei nº 12.403 introduzida no nosso ordenamento jurídico através do Código de Processo Penal traz mudanças processuais que permeiam o direito à liberdade dos indivíduos, vez que trata sobre as possibilidades da manutenção da prisão e as demais medidas cautelares. Acredita-se ser imprescindível, observar o percurso que a sociedade brasileira percorreu e sua evolução através do tempo até se chegar hoje ao advento da referida lei.

 

1 -EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL ATÉ O ADVENTO DA LEI 12.403

 

1.1 - Conceitos de Pena, Direito Penal e Direito Processual Penal

 O termo “pena” teve seu significado primeiro definido pelos gregos poine,em latim poena, significando dor, castigo, punição, sofrimento, trabalho, fadiga, submissão e vingança.

Francesco Carrara doutrina, de uma forma abrangente, sobre os três significados que a palavra pena pode assumir, atualmente:

“A palavra pena tem três significados distintos: 1º - em sentido geral, exprime qualquer dor, ou mal que ocasione dor, 2º - em sentido especial, designa um mal que sofremos por causa de um fato nosso, perverso ou incauto; e desse modo compreende todas as penas naturais; 3º - em sentido especialíssimo, indica aquele mal que a autoridade pública inflige a um culpado em razão de delito por ele praticado.” (Carrara, 2002, p. 43)

 Dessa feita, entendemos que a pena tratada pelo direito penal é aquela em seu sentido especialíssimo, assim sendo, será o mal sofrido pelo acusado pela infração a uma norma penal, ou seja, é a sanção como conseqüência jurídica de um crime praticado, entendida com a perda de um bem ou um direito imposto pelo Estado ao autor da prática delituosa.  

 Assim também entende Capez, quando explicita o sentido de pena para o direito penal:

“Sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade.” (Capez, 2003, p. 332)

 Dessa forma, o direito penal é entendido como conjunto de normas jurídicas voltadas à fixação dos limites desse poder punitivo do Estado, estabelecendo quais serão as infrações penais e respectivas sanções, assim como as regras atinentes à sua aplicação.

 O Direito Penal, portanto, tem o objetivo de proteger juridicamente bens, valores ou interesses de relevante valor social, cominando uma sanção penal a cada conduta que possa trazer prejuízo a esses bens juridicamente protegidos.

Diferencia-se dos outros ramos jurídicos pelo meio utilizado para coagir e tutelar, sendo único capaz de restringir o direito à liberdade, outros ramos da ciência jurídica não podem estabelecer em seu preceito uma cominação de pena, tampouco uma pena privativa de liberdade ou mesmo medida de segurança, limitando-se a imposições pecuniárias. 

 Já o direito processual penal tem o objetivo de garantir a plena aplicação da lei penal vigente, é o instrumento de que se vale o Estado, para satisfazer o ius puniendi.

 De acordo com Fernando Capez, Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo (Capez, 2006, p. 1).

É, pois o processo, o instrumento utilizado pelo estado para satisfazer sua pretensão punitiva, sendo o direito processual penal um complexo de regras que regem o exercício da Jurisdição, ou seja, regem os atos processuais praticados pela acusação, defesa, juiz, policia judiciária e demais partes auxiliares dentro do processo penal.

  

1.2  – Origem da Pena

A primeira pena noticiada pela humanidade é narrada pela bíblia, em seu livro Gênesis, quando no paraíso Eva, após ser seduzida pela serpente, come do fruto proibido da arvore da ciência (do “conhecimento do bem e mal”) e induz Adão a cometer o mesmo pecado. Após comerem do fruto proibido Adão e Eva infringiram a lei suprema, e como sanção, Deus os expulsou do Jardim do Éden.

 Segundo Rogério Greco depois da primeira condenação aplicada por Deus, o homem, a partir do momento em que passou a viver em comunidade, também adotou o sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da sociedade na qual estavam inseridos eram violadas (Greco, 2008, p.487).

  Desse nexo entre o descumprimento de uma norma e a imposição de uma penalidade, as várias legislações que surgiram ao logo dos tempos estabeleciam as sanções cominadas a cada infração.


1.2.1 -  Da vingança privada à vingança pública

 Primitivamente a idéia de pena estava intimamente ligada ao conceito de vingança, passando da vingança privada, à vingança divina e chegando por fim à vingança pública, vivenciada nos dias atuais.

 

1.2.1.1 –Da vingança privada

 Quando o homem passou a conviver em sociedade não se tinham a idéia de um Estado constituído capaz de regular e limitar direitos e deveres, a questão da pena era relacionada com a própria defesa do individuo, este se utilizava de meios próprios para salvaguardar seus bens e sua própria existência.

Nessa fase, denominada pela doutrina de Vingança Privada, verifica-se uma ausência do poder regulador do Estado, cometida a ofensa, a vitima se provia dos meios necessários a sua vingança, e esta era atingida sem a devida proporção à agressão sofrida. Havia a prevalência do mais forte que sustentava o poder maior, não havendo, pois, qualquer meio que limitasse a punição.

Prevalecia na Antiguidade a incidência da pena sobre o corpo humano. Dessa forma, o castigo era aplicado de maneira impiedosa no corpo do infrator, portanto o corpo era o responsável por suportar as conseqüências da conduta delituosa.

 Até o século XVII persistiu essa pratica de verdadeira tortura, era um “suplício” como descreve Foucault (1987, p. 28):

“Finalmente foi esquartejado (relata a Gazette d’Amsterdam). Em ultima operação foi muito longo, porque os cavalos utilizados não estavam feitos à atração, de modo que, em vez de quatro foi preciso de seis: e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, corta-lhes os nervos e retalha-lhes as juntas”. 

 Percebe-se que as penas eram de extrema crueldade, onde a violência ocorria a olhos públicos, sem qualquer tipo de censura, com o aval de toda sociedade. Esta não era só complacente com esse tipo de prática, mas comparecia a verdadeiros espetáculos públicos, onde pessoas eram massacradas das piores formas possíveis.


1.2.1.2Da vingança divina

 Concomitante com a vingança privada surge à vingança divina, que se ergueu com o poder que a instituição da Igreja detinha sobre a sociedade. Dessa forma todos os fenômenos maléficos como a seca e a peste eram vistos como verdadeiros castigos divinos pelos pecados da sociedade. Para então evitar a tal ira divina a sociedade deveria seguir as regras de Deus, e quando essas proibições eram desrespeitadas resultavam em severos castigos.

 Dessa forma o crime era visto como pecado, e a pena era um castigo divino para a purificação e salvação da alma do infrator.

 O mediador da divindade e da sociedade era o Sacerdote, que como encarregado de Deus era incumbido da tarefa de administrar as penas e promover a justiça. Nessa época registram-se as mais cruéis penas aplicadas sobre o corpo humano, sem nenhum tipo de limite ou piedade.

 A autoridade religiosa se utilizava do escopo da repreensão divina para não só apenar o infrator como garantir a superioridade da Igreja e sua disciplina perante a sociedade. Dessa época se datam as famosas caça ás bruxas, onde pessoas que descumpriam as ordens divinas eram queimadas, esquartejadas e alvejadas em praça pública, sem qualquer pudor.

 Aos poucos com uma maior organização social apoiado a um pensamento político que vem a questionar tais dogmas, a Igreja foi perdendo força e influencia, quando então começa a surgir a figura do Estado, passando então à vingança pública.

 

 1.2.1.3Da vingança pública

 Nesse período da história, devido a uma maior organização social, o Estado se constituindo, passou a então disciplinar as sanções cabíveis a cada tipo de penalidade praticada. A autoridade representativa dos interesses da comunidade ganhou espaço frente às autoridades sacras. O soberano era então o enviado por Deus e o responsável por disciplinar a vida em sociedade. O Estado, dessa forma, passa a ser a única instituição dotada de soberania, titular exclusivo do jus puniendi.

Paulatinamente surgiram às primeiras leis escritas, que determinavam alguns limites ao sofrimento do infrator visando um maior controle sobre as punições, como o Código de Hamurabi fundado na Lei de Talião, que pregava o “olho por olho e dente por dente”, ou seja, a equivalência entre a punição e o crime praticado. Como se depreende a punição passou a ser restrita a apenas retribuir ao agressor em igual proporção o mal causado á vítima, mas ainda era o corpo físico que respondia pelas infrações cometidas.

 Foi só a partir do séc. XVII, no período iluminista, que começou uma mudança de comportamento e pensamento da sociedade, com o marco da publicação da obra de Beccaria, Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, sendo este o primeiro a revoltar-se com a realidade de crueldade e atrocidade com que eram apenados os infratores. 

 Muniz Sodré, em seu livro As três escolas penais, assevera que coube a Beccaria:

“a honra inexcedível de haver sido o primeiro que se empenhara em uma luta ingente e famosa, que iniciara uma campanha inteligente e sistemática contra a maneira iníqua e desumana por que, naqueles tempos de opressão e barbaria, se tratavam os acusados, muitas vezes inocentes e vítimas sempre da ignorância e perversidade dos seus julgadores. Ao seu espírito, altamente humanitário, repugnavam os crudelíssimos suplícios que se inventavam como meios de punição ou de mera investigação da verdade, em que, não raro, supostos criminosos passavam por todos os transes amargurados de um sofrimento atroz e horrorizante, em uma longa agonia, sem tréguas e lentamente assassina” (ARAGÃO, 1955, p.35).

Atualmente percebemos que há uma preocupação maior com a integridade física e mental do ofensor, bem como a proteção à vida dos seres humanos. Os países vêem se reunindo visando preservar a dignidade da pessoa humana, como com a Declaração Universal dos Direitos e do Homem, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, buscando afastar de um modo geral, em todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Esse pensamento vem principalmente após a Segunda Guerra Mundial, onde o mundo se deparou com o massacre de aproximadamente 6 (seis) milhões de judeus pelos nazistas. (Greco, 2008, p.488).

           

 1.3 - A evolução do Direito Penal e Processual Penal no Brasil

Desde seu implemento na sociedade brasileira, as normas penais e processuais penais vem sofrendo gradativas mudanças, afim de acompanhar a evolução social. Dessa forma o Estado deve sempre tornar as leis compatíveis no tempo e espaço, para que esta não se defasasse e perdesse sua finalidade.

 

 1.3.1-Das Ordenações á Constituição de 1824

  No Brasil a primeira noção de legislação penal foi implantada por nossos colonizadores portugueses, estes aplicaram nesta colônia as leis que vigiam na metrópole. Portanto desde o descobrimento até a proclamação da República, o Brasil teve suas leis reguladas por Portugal, com as chamadas “Ordenações do Reino”.

“Ao todo, três Ordenações exerceram influência no Brasil: as Ordenações Afonsinas (1500 – 1514), em um breve período, sendo muito pouco utilizadas; as Ordenações Manuelinas (1514 – 1603), sob a égide das quais teve início a organização judiciária brasileira, em 1532; e as Ordenações Filipinas (1603 – 1830), as de maior duração, que regeram o Direito Português e Brasileiro em uma época de renovações, revoluções e descobertas nunca antes imaginadas possíveis” (CHAVES, Leandro Santos e SANCHEZ, Cláudio José Palma)

 Foi só em 1824, após a proclamação da república, que o Brasil ganhou sua primeira Constituição, quando Dom Pedro I, dissolveu a Assembléia Constituinte Brasileira em 1823, e impôs seu próprio projeto.

 A chamada Constituição do Império durou mais de 65 (sessenta e cinco) anos e ao mesmo tempo em que era centralizadora prevendo o poder moderador do imperador ao lado dos poderes executivo, legislativo e judiciário, trouxe inovações no tocante à previsão das garantias individuais, expressas em seu Título 8º, intitulado “Das Disposições Geraes, e Garantias os Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros”.

 Dentre essas liberdades destacamos as enunciadas no art. 179 da referida Constituição, como a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicilio e da correspondência, a abolição das penas cruéis e da tortura, as formalidades exigidas para a prisão, a intransmissibilidade das penas e demais garantias que confrontavam abertamente as disposições das Ordenações. Previa expressamente ainda neste artigo, em seu inciso XVIII a criação de um Código Civil e Criminal: “Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.”

 

1.3.2 - O Código Criminal de 1830

 Com fortes influências liberalistas e humanitárias o Código Criminal do Império foi um documento que ficou conhecido naquela época pela valorização da dignidade e cidadania nacional. Ressalta-se, todavia, que a dignidade a que se refere é aquela que fazia jus os brasileiros livres, pois ainda apregoava a permanência da escravidão, previa ainda, a pena de morte em três casos: homicídio agravado, latrocínio e insurreição de escravos.

Sobre essa dicotomia, assevera Raúl Zaffaroni e Nilo Batista:

“A compreensão da programação criminalizante que teve seu núcleo no Código Criminal do Império do Brasil de 1830, bem como do sistema penal montado a partir dela, pode ser facilitada pela análise de dois grandes eixos, no primeiro dos quais encontramos a contradição entre o liberalismo e a escravidão, e no segundo o movimento político de descentralização e centralização, que se valeu intensamente do processo penal”. (ZAFFARONI, et.al. 2003, p. 423)

 Podemos destacar ainda que o Código Criminal trouxe em seu Título II, intitulado Das Penas, um esboço de um Processo Penal, vez que apregoava no Capítulo I: “Da Qualidade das Penas, e da Maneira como se hão de Impor, e Cumprir”.

 Em 1832 foi compilado o Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em que previa as regras de execução das penas, seguindo a ideologia do Código Criminal foi uma segurança a permanência da força liberal. Posteriormente revisado em 1841.

  

1.3.3 - O Código Penal de 1890

 Proclamada a República em 1889, o governo de Marechal Teodoro da Fonseca fomentou o Código Penal, pois face às mudanças sociais e em principal no cenário político e institucional do País, se fazia necessário um novo Código capaz de acompanhar esses avanços.

O Código de 1890 deixou de ser Criminal, e eliminou diversos tipos penais, como os relacionados aos escravos, vez que a escravidão fora abolida em 1888, extinguiu também o poder moderador, que era destinado ao Imperador.

“Classificadas em principais (mais severas) e acessórias (mais brandas), as penas previstas eram a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, a prisão disciplinar, o banimento, a interdição, a suspensão e perda de serviço público e a multa, fixada em dias. O Código republicano declarava expressamente que não deveria haver penas infamantes e que a prisão não deveria exceder 30 anos, além de abolir definitivamente a pena de morte, como, aliás, previu a Constituição promulgada quatro meses depois. Por fim, adotou os Princípios de Personalidade e Personificação da pena, demonstrando forte influencia do Positivismo Jurídico do século XIX” (CHAVES, Leandro Santos e SANCHEZ, Cláudio José Palma).

 No ano subseqüente ao Código Penal foi promulgada a Constituição de 1891, a qual seguiu o mesmo pensamento e consolidou as normas então positivadas, evidenciando cada vez mais um caráter garantidor, tentando assegurar maiores direito, e penas cada vez mais brandas e menos aflitivas aos infratores.

 

1.3.4 - O Código Penal de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941

 Foi o Decreto Lei nº 2.848 de 07 (sete) de dezembro de 1940, que originou o Código Penal, elaborado durante a Ditadura Vargas, reunindo as tendências jurídicas e humanitárias, porém com nítida base no regime autoritário de governo e paradigmas da Escola Técnico-Jurídica.

As reformas introduzidas pelo Código de 1940 foram principalmente:

“A reclusão (cominada em no máximo 30 anos para cerca de 130 tipos penais) e a detenção (cominada em no máximo três anos para cerca de 170 casos) constituíam as penas privativas de liberdade, reservada a prisão simples para as Contravenções Penais, exauridas em Decreto-Lei posterior. Juntamente com a multa, completava o elenco das penas principais. Note-se que havia pouquíssimas possibilidades de uma pena de multa substituir uma privativa de liberdade. As penas acessórias, por seu turno, consistiam na perda de função pública, interdições de direitos e publicação da sentença. Para as contravenções, funcionavam como penas acessórias a interdição de direitos e a publicação da sentença. Era admitida a possibilidade de aplicação de uma pena principal cumulada com uma acessória.

O Código Penal de 1940 trouxe ainda para o âmbito do Direito Penal as chamadas medidas de segurança, para os inimputáveis ou semi-imputáveis, consistentes em medidas detentivas, quais sejam, a internação em manicômio judiciário, em casa de custódia e tratamento, em colônia agrícola ou instituto de trabalho de reeducação ou de ensino profissional, e não detentivas, que seriam a liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados locais e o exílio local. A distribuição dos tipos de autor (inimputáveis ou semi-inimputáveis) era, contudo, confusa, inapropriada e pouco prática. Ao mesmo tempo, vigorava o sistema do duplo-binário, que permitia a imposição sucessiva de uma pena mais a medida de segurança para o condenado de periculosidade presumida”. (CHAVES, Leandro Santos e SANCHEZ, Cláudio José Palma).

 Verifica-se o posicionamento humanitário que o Código adotou, trazendo mais benefícios aos réus. E em 1941 foi então instituído o Código de Processual Penal, vigente até os dias atuais.

 Diversas leis posteriores foram incluídas, modificando alguns dispositivos dos postulados penais, tinham o escopo de adequar as leis à evolução constante por qual passa a nossa sociedade.

 Sobre a compilação do Código de Processo Penal, Hassan Choukr, com maestria contextualiza:

“Nascido em plena época de exceção ao Estado de Direito, sob a égide formal da Constituição de 1937, para atender ‘ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente’, conforme afirmava seu próprio preâmbulo, e sob a influência do regime fascista italiano, o direito processual penal brasileiro conheceu, fora do Parlamento e pelas mãos práticas de Francisco Campos, sua reunificação legislativa e com uma compreensão de democracia profundamente distinta da atual.” (CHOUKR, 2011, p. 13)

 Nota-se que o Código de Processo Penal, assim como o Código Penal, foram promulgados durante uma época em que alguns ideais eram erroneamente apoiados por nossos governantes, dessa forma, podemos observar que apesar da tendência humanitária, ainda havia grande influencia desses regimes totalitários em sua origem.

 E. Raùl Zafarroni exalta sobre as varias leis ordinárias que vieram a reformular nossa matéria penal:

“Uma visão panorâmica da legislação penal extravagante das décadas posteriores ao CP 1940 revelará tendência político-criminais inteiramente compatíveis com o cenário de um sistema penal de bem-estar. Tais tendências prevalecerão mesmo após o golpe de estado de 1964, quando as oligarquias brasileiras, valendo-se das Forças Armadas e com dissimulado, mas incontestável apoio norte-americano, depuseram o presidente João Goulart e instauraram uma ditadura”. (ZAFARRONI, 2003, p. 475)

 Foi então após a atual Constituição de 1988, que uma tendência mais garantista vem se posicionando nas leis, buscando a aplicação de penas alternativas à de prisão. Assegurando ainda mais direito aos presos, o posicionamento moderno é o de conferir a prisão o caráter subsidiário, sendo preterida quando se verificar algum outro dispositivo menos gravoso que possa ser aplicado ao acusado.

 

1.4 -     As reformas processuais introduzidas no ordenamento e o advento da Lei nº 12.403

 O nosso ordenamento jurídico sofreu ao longo dos anos diversas modificações. Tais modificações destinaram-se a abrandar as penas, bem como a garantir mais direitos, restringindo a duração e crueldade com que estas eram aplicadas.

 As lentas reformas processuais introduzidas no nosso ordenamento estão intimamente ligadas a uma tendência moderna, que vislumbra o abrandamento do rigor punitivo do Estado e uma postura garantidora.

 Nesse contexto foi editada a Lei nº 12.403, em 4 (quatro) de maio do corrente ano, alterando dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares.

 Sob as reformas processuais modernas, Guilherme de Souza Nucci aborda:

“As reformas processuais penais vêm sendo feitas gradativamente, desde o advento das Leis 11.689/2008, 11.690/2008, 11.719/2008 e 11.900/2009, até atingir, hoje, a Lei 12.403/2011. As anteriores cuidaram de júri, provas, procedimentos, videoconferências e outros temas, provocando várias modificações, que estão sendo testadas na prática, já causando problemas e conflitos, a serem solucionados pela jurisprudência. Algumas dessas reformas, entretanto, aprimoraram o processo penal e deram maior efetividade à realização de justiça. Outras, infelizmente, deixaram a desejar, provocando mais desgaste do que solução”. (NUCCI, 2011, p.9)

A chamada Lei da Fiança ou Lei das Medidas Cautelares estabelece uma pauta de valores a ser seguida pelo magistrado na hora de escolher a medida a ser imposta. Dentre esta pauta de valores a prisão se encontra como última opção, tornando-a uma medida de evidente caráter excepcional, devendo ser preferível a adoção de outra medida cautelar.

 Dessa forma, o texto cria nove medidas cautelares positivadas no art. 319 do Código de Processo Penal, com o escopo de limitar os direitos do acusado e evitar que este torne a infringir a lei. As medidas cautelares devem ser adotadas com prioridade sobre a prisão. Nota-se o caráter apenas subsidiário que a lei confere a prisão, esta deve ser utilizada apenas como ultima alternativa cautelar que o Estado pode se valer para salvaguardar a utilidade do processo.

 O estabelecimento de uma pauta de valores a ser seguida pelo magistrado antes da decretação da prisão preventiva obriga que este observe se há qualquer medida menos gravosa a ser aplicada ao acusado.   

 Vemos, portanto, que a concepção de pena acompanha a humanidade desde o seu nascimento, porém o quantum e o bem sob o qual recai esta sofreram ao longo dos tempos mudanças, acompanhando a evolução da própria concepção de ser do homem.

 O corpo humano deixou de ser o suporte para a aplicação das sanções, que eram deveras cruéis e impiedosas e o bem a ser punido passou então a liberdade e alguns direitos.

Os códigos ganharam cada vez mais o caráter humanitário e garantista, prevendo vários direito dos presos e deveres a serem observados por parte do Estado.

 Seguindo essa tendência moderna, a Lei nº 12403, reforça esse entendimento no sentido de abrandamento das medidas penais, trazendo mudanças que poderão significar grande problemática, pois se o Estado não se amparar dos instrumentos necessários ao controle dos presos que retornarão para a convivência em sociedade, esta pode vir a se tornar, acredita-se, ainda mais perigosa e instável.