A primeira fase do direito penal brasileiro está caracterizada pelo período colonial. Antes do domínio português, não havia um conjunto uniformizado de sistema penal, predominando a vingança privada e regras consuetodinárias, baseadas na vivência. Após o ano de 1500, com a chegada dos portugueses em terras indígenas, passou a vigorar no Brasil ordenamentos que não conseguiram atingir eficácia. (BITENCOURT, 2014).

Nucci (2014) acrescenta que no período pós-domínio português instalou-se no país a legislação vigente em Portugal, primeiramente as Ordenações Afonsivas e, depois, as Ordenações Manuelinas, ambas não atingiram a finalidade.

Depois destas ordenações, surgiu um regime baseado no neofeudalismo, onde cada senhor poderia julgar e administrar seus direitos por livre arbítrio, de acordo com seus interesses. A lei que deveria vigorar nesta época, legalmente, era as Ordenações Filipinas, que possuíam uma forte característica brutal, com sanções severas, incluindo a pena de morte e ficando ao livre arbítrio a penalidade aplicável (BITENCOURT, 2014).

Ainda, nas Ordenações Filipinas, segundo Prado (2014, p. 97) “O delito era confundido com pecado ou vício; a medida da pena vinculava-se à preocupação de conter maus pelo terror e a sua aplicação dependia da qualidade das pessoas”. Ou seja, explica o autor que as Ordenações Filipinas buscavam reprimir os delitos com crueldades, de forma que não havia legalidade, sendo aplicada a pena que se entendesse estar de acordo, considerando para isso as características do delinquente.

Após esta fase obscura do direito penal no período colonial, surge o Código Criminal do Império, devido a necessidade de um sistema penal que visasse a justiça e a equidade, segundo Bitencourt (2014). O autor explica que foi Bernardo Pereira de Vasconcellos que, em 1827, projetou o código criminal, que devidamente aprovado, passou a vigorar no país. Contudo, ainda não havia surgido a previsão da medida de segurança.

Com a proclamação da República, sentiu-se a necessidade de elaboração de um novo Código Criminal que veio a ser sancionado em 1890. Ocorre que o novo Código representou um retrocesso, com graves defeitos de técnica, fazendo-se a necessidade em substitui-lo. Contudo, nesse Código, foi estipulado as consequências que deveriam ser aplicadas aos loucos criminosos, porém assimilavam os semi-imputáveis aos inimputáveis, sem oferecer tratamento diverso (PRADO, 2014).

Com o Código de 1940 surgiu o sistema penal da medida de segurança. Segundo Ferrari (2001, p. 34):

 

Com a sua codificação, adotou-se o sistema do duplo binário, vindo a medida de segurança a ser normatizada ao lado da pena, tendo ora o fim de completá-la, quando relacionada aos responsáveis, ora o objetivo de substituí-la, quando aplicada aos irresponsáveis.

 

Assim, conforme o autor expõe, o sistema penal de 1940 caracteriza-se pela aplicação de pena cumulada com medida de segurança, o chamado sistema duplo binário.

Logo, também aduz Prado (2014, p. 561):

 

O Código Penal de 1940, redação pretérita, agasalhou, como critério de verificação da responsabilidade penal, a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se segundo esse entendimento (art. 22). Assim, é considerado inimputável aquele inteiramente incapaz de entender o caráter delituoso do dato e de orientar seu atuar de acordo com aquela compreensão, e semi-imputável quem não possui plenamente esse discernimento. Ao semi-imputável são aplicáveis pena e medida de segurança, cumulativamente, ao passo que ao inimputável está reservada apenas esta última medida.

 

Aqui, o autor também cita o sistema duplo binário, ao explicar que, no antigo art. 22 do Código Penal de 1940, era aplicada a pena, juntamente com a medida de segurança, ao criminoso semi-imputável. Ou seja, ocorrência de dois tipos de sanções sobre o mesmo fato delituoso.

Segundo Carvalho (2013), a pena e a medida de segurança poderiam ser aplicadas cumulativamente tanto ao imputável, quanto ao semi-imputável, bastando estar caracterizado o estado de perigo do agente. Ou seja, até mesmo o imputável, caso presente a periculosidade, ganharia aplicação das duas formas de sanção.

Outra redação dada pelo Código de 1940 era a possibilidade de medida profilática, de forma que em casos excepcionais, pudesse ser aplicada medida de segurança sem a ocorrência de falta delituosa. Assim, a lei enumerava as situações em que aplicável a medida, incluindo casos que houvesse indícios de risco à sociedade (FERRARI, 2001).

 

Nesse sentido, Carvalho (2013, p. 505):

 

[...]art. 78 do Código determinava que seriam considerados perigosos (presunção legal de periculosidade): (a) os inimputáveis; (b) os semi-imputáveis; (c) os condenados por crime cometido em estado de embriaguez, se habitual a embriaguez; (d) os reincidentes em crimes dolosos; (e) os condenados por crime cometido por associação, bando ou quadrilha. Além disso, poderia ser reconhecida a periculosidade do autor do ilícito pelo julgador em seguintes hipóteses: (a) se os antecedentes e a personalidade, os motivos determinantes e as circunstâncias do fato, os meios empregados e os modos de execução, a intensidade do dolo ou o grau da culpa, autorizassem a suposição de que o sujeito viria ou tornaria a delinquir; e (b) se, na prática do fato, fosse revelada torpeza, perversão, malvadez, cupidez ou insensibilidade moral (art. 77 do Código Penal de 1940 com redação dada pela Lei n. 6.416/77).

 

Ou seja, conforme entendimento do autor acima, o referido artigo previa a aplicação da medida, caso o agente já apresentasse antecedentes ou personalidade desviante, de forma a se presumir a possibilidade de ocorrência de fato delituoso, não havendo a necessidade de um caso concreto.

O Código antigo possuía diversas características diferentes sobre a medida de segurança. Segundo Prado (2014), outra destas características era a divisão das medidas em pessoais e patrimoniais. Na primeira divisão, caberia detenção, em manicômio judiciário; ou a liberdade sob vigia ou restrição de frequentar determinados locais. Na segunda divisão, as medidas patrimoniais buscariam a interdição de estabelecimentos.

As medidas patrimoniais se explicam de forma que, para Ferrari (2001, p. 35) “Tratava-se, assim, de uma resposta penal justificada pela periculosidade social, punindo o indivíduo não pelo que ele fez, mas pelo que ele era”.

Com o advento do Código Penal de 1984, surge o sistema vicariante, que prevê a pena e a medida de segurança como sanções com fins distintos, ou seja, não são mais aplicadas cumulativamente. Segundo Bitencourt (2014, p. 858):

 

Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado “fronteiriço”, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário.

 

Assim, ainda segundo o autor, ao semi-imputável é aplicada a pena, ou a medida de segurança. Tudo dependerá das suas condições pessoais, ou seja, o grau de periculosidade. Caso não haja necessidade de internamento ou tratamento ambulatorial, será submetido à pena, com redução prevista pelo art. 26, parágrafo único, do Código Penal. Na ocorrência de superveniência de periculosidade durante o cumprimento da pena, será essa convertida em medida de segurança, entendimento esse do autor acima.

A redação do antigo artigo 22 do Código de 1940 fica praticamente inalterada, modificando apenas a impossibilidade de cumulação das duas sanções e a inaplicabilidade de medida de segurança ao imputável (PRADO, 2014).

O novo Código também trouxe a distinção entre conduta antissocial e criminal, de forma que a medida de segurança devesse ser aplicada única e exclusivamente em casos com ocorrência delituosa. Assim, não haveria mais a possibilidade de aplicação da medida somente pela presunção de periculosidade (FERRARI, 2001).

Carvalho (2013) expõe que o Código de 1984 modifica a denominação de “manicômio judiciário” para “hospital de custódia”. Contudo, a estrutura das instituições permanecem nas mesmas condições manicomiais. Ademais, os hospitais de custódia possuem características semelhantes ao sistema penitenciário.

No meio de tantas reformas em relação à medida de segurança, indiscutível a importância da Lei de Execuções Penais, Lei n.º 7.210/84, que entre os artigos 171 e 179 estipula os meios e formas de execução da sanção. A Lei prevê desde a sentença que designa a medida de segurança, com a respectiva expedição para guia de recolhimento; até a ordem judicial para desinternação ou liberação, quando atingida seu fim (FERRARI, 2001).

Outrossim, outro avanço marcante foi a publicação da Lei da Reforma Psiquiátrica, Lei n.º 10.216/01, que busca a humanização dos manicômios e os direitos dos doentes mentais. Segundo Carvalho (2013, p. 509):

 

A Lei n. 10.216/2001 inegavelmente muda o estatuto jurídico e a lógica do tratamento dos portadores de sofrimento psíquico no Brasil. A Lei da Reforma Psiquiátrica não apenas determina como diretriz central que sejam realizadas políticas públicas de desinstitucionalização, como fixa como premissa o respeito à autonomia dos usuários do sistema de saúde mental. Assim, devem atuar como protagonistas na definição de sua terapêutica. Além disso, a Reforma Psiquiátrica procura alterar a linguagem que configurou historicamente a instituição manicomial, estabelecendo uma nova gramática nas práticas de internação.

 

A referida Lei questiona, inclusive, a eficácia das instituições manicomiais judiciárias quanto a sua finalidade. Isso porque as funções dos hospitais de custódia, tanto quanto os sistemas carcerários, seriam de ressocializar o doente mental ou readaptar o criminoso. Ocorre que, na realidade, as sanções penais acabam por marginalizar os excluídos. Nesse sentido que os movimentos antimanicomiais buscam a reestruturação do sentido da loucura e o modo de encarar a pessoa louca, para assim poder modificar todo o sistema que enquadra o inimputável ou semi-imputável (CARVALHO, 2013).

Ainda, continua o autor, a Lei da Reforma Psiquiátrica trouxe grandes questões para o conceito de periculosidade. A referida Lei mostra as inadequações quanto a alegação de ausência de responsabilidade do inimputável ou semi-imputável. Isso porque a Lei demonstra que o portador de sofrimento psíquico possui capacidade para intervir no seu processo de tratamento, já no manicômio judiciário não há essa possibilidade. O internado é apenas um objeto no sistema. Outra luta da Lei da Reforma psiquiátrica é designar direitos ao sujeito portador de transtorno mental, e não apenas um objeto ao judiciário (CARVALHO, 2013).

Nesse sentido, Carvalho (2013, p. 526):

 

Nota-se, inclusive, ao longo do percurso trilhado pela antipsiquiatria e pelo movimento antimanicomial, a importância terapêutica de que o sujeito com sofrimento psíquico seja visto como responsável: responsável pelos seus atos passados, responsável pelo seu processo terapêutico e responsável pelos seus projetos futuros. Negar ao portador de sofrimento psíquico a capacidade de responsabilizar-se é um dos principais atos de assujeitamento e de coisificação. Entender o portador de sofrimento psíquico como sujeito (de direitos) implica assegurar-lhe o direito à responsabilização, situação que deverá produzir efeitos jurídicos compatíveis com o grau ou o nível que esta responsabilidade sui generis pode gerar.

 

Ou seja, há a busca por caracterizar o sujeito portador de doença mental como um indivíduo de responsabilidade diferenciada, capaz de responder e entender seus atos passados e futuros. Consequentemente, sendo o indivíduo com transtorno psíquico capaz de ter responsabilidade, torna-se inviável o instituto da medida de segurança.

Mattos (2006) aposta na responsabilidade de todo agente criminoso, sendo pessoa sadia ou com sofrimento psíquico. Assim, a aplicação da sanção penal pertinente seria a pena. Contudo, para àquele que sofresse de algum transtorno mental, aplicável seria a redução, já prevista aos semi-imputáveis no artigo. 26, parágrafo único, do Código Penal.

Todas essas condições novas do portador de sofrimento psíquico, trazidas pela Lei da Reforma Psiquiátrica, amplia os direitos desses indivíduos, buscando, através de um movimento antimanicomial, uma sistematização de tratamento em hospitais gerais, com condições mais humanitárias. Assim, incoerente seria o portador de doença mental ter a liberdade de se hospitalizar em uma ala especial de um hospital geral, e o portador de doença mental que cometa um ato ilícito ser internado em uma instituição privativa de liberdade, embora diga ter a finalidade de tratamento. Sendo a necessidade de vantagem judicial manter a medida de segurança, deve-se buscar otimizar os direitos dos internados (CARVALHO, 2013).

Assim, o inimputável irá ganhar tratamento diverso da pena, sendo aplicado a medida de segurança, em virtude das conquistas realizadas em decorrência da evolução do direito penal.

 

 

 BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro: fundamentos e aplicação judicial. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.