A expressão “família” origina-se da língua dos oscos[1]. Farias e Rosenvald (2010) aduzem, inclusive, que essa terminologia serve apenas para demonstrar a ideia de agrupamento de pessoas, pois não há possibilidades de saber, definitivamente, a real procedência da família. Nessa consonância, compreende-se que no decorrer da história humana, desde a era das cavernas[2], os seres humanos se reuniam em grupos formados, a priori, com o objetivo de sobrevivência, sem que houvesse a presença de sentimentos afetuosos.

Gama (2007) menciona que, apesar da escassez de documentos, existem muitas suposições e registros históricos sobre a estrutura e organização do surgimento dos primeiros agrupamentos familiares, sendo que os historiadores buscam relatar as ocorrências encontradas por meio de utensílios e objetos retirados de escavações e estudados pela arqueologia. Dessa maneira é que se originam as fases históricas.

Seguindo a orientação deste mesmo autor, importante dizer que a Idade Antiga[3] comportou variadas entidades familiares. As primordiais civilizações surgiram no Egito e na Mesopotâmia e a ordem estatal era o patriarcalismo. A preferência era dada à monogamia[4], mas ainda havia ocorrências de poligamia[5] por parte do homem, vez que a traição advinda da mulher era tratada com maior rigidez.

Quanto à família grega, o estado patriarcal ainda era mantido, juntamente com a existência da monogamia e adultério cometido pelo homem. As mulheres dedicavam-se aos serviços domésticos e aos cuidados com a prole.(GAMA, Ibidem).

Somente no Direito Romano a entidade familiar foi reconhecida e, partindo dessas premissas, Gonçalves (2008) ressalta que a família se organizava sob o princípio da autoridade, pelo qual o pater famílias – ascendente comum vivo mais velho – possuía direitos absolutos sobre a esposa e filhos, além de exercer o papel de chefe político, sacerdote e juiz. Assim, a família era considerada uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. A família rígida patriarcal dispunha de relativa autonomia diante do Estado Romano. Entretanto, com o tempo, as necessidades militares estimularam a criação de patrimônio independente para os filhos, e somente a partir do século IV a concepção cristã familiar influenciou o Direito Romano, momento em que as preocupações passaram a ser de ordem moral, tal como menciona Ramos (2005).

Para os romanos o casamento era regido pela afeição, sendo o divórcio uma consequencia da falta de afeto e convivência. Durante a Idade Média[6], mesmo com a predominância do Direito Canônico, o Direito Romano continuava a influenciar as relações de patrimoniais e as de pátrio poder entre os cônjuges. Além disso, ainda existiam algumas regras de origem germânica (GONÇALVES, 2008).

Gama (2007, p. 117) sobressai que “a família medieval estabeleceu os primeiros cerimoniais constituidores do agrupamento familiar, emergindo regras patriarcais em combinação com as religiosas”. Observa-se que, na época, apenas o casamento religioso constituía uma família.

A partir do renascimento[7] houve a estruturação familiar emanada pelo comércio. No entanto, o domínio por meio dos poderes patriarcais permanecia, sendo que a educação dos filhos era responsabilidade de famílias estranhas, nas quais o mestre transferia algum ofício ao protegido. No Brasil, a família imperial contava com a intervenção da Igreja e ainda operava o casamento como única forma de concretização da família. Os avanços aconteceram somente com a vinda da família real.

Nesta mesma dimensão, Gama (2007, p. 120) infere que:

Os atrasos impostos pelo período colonial começaram a dar lugar a nova estrutura familiar, desenvolvendo-se a vida nas vilas e cidades. Muitas mudanças na estrutura familiar imperial começaram com a vinda da família real para o Brasil, principalmente pelo fato de se criar infra-estrututa sólida para tornar possível a estada dela aqui.

No que tange à Idade Moderna[8], o autor esclarece que foi uma época marcada por ideais filosóficos relacionados à liberdade e à igualdade. Isto gerou diversas mudanças na base familiar, inclusive o fim do feudalismo. A cidade passou a concentrar maior número de pessoas. Ao destacar que a revolução industrial promoveu modificações no núcleo familiar, o doutrinador faz questão de frisar sobre a supervalorização da mulher ao assumir tarefas estranhas ao lar, bem como a transformação do pátrio poder em poder familiar, ao qual transferiu para a mulher o mesmo poder-dever do homem para com os filhos.

Seguindo o entendimento do autor, nota-se, claramente, que a partir da Idade Contemporânea a igualdade entre o homem e a mulher se propagou, com modificações quanto ao matrimônio e à liberdade afetiva, o que ofereceu outra finalidade ao ato reprodutivo. Contudo, somente após a Proclamação da República (1889) uma estruturação própria de agrupamento familiar surgiu com maior força.

Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes (DIAS, 2009, p. 28).

Imperioso, portanto, estabelecer que, nos dias atuais, a família já não se constitui mediante a hierarquia do patriarcalismo, pois estabelece relações de cunho afetivo, baseadas no respeito e na dignidade de cada ente que compõe tal agrupamento de pessoas.

 

 

 

[1] Nos dizeres de Farias e Rosenvald (2010), os oscos eram um povo do norte da península italiana, identificado como servos ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão.

 [2] “[…] A Pré-História não se trata de um período anterior à História. Este termo foi cunhado por historiadores do século XIX, que acreditavam ser impossível julgar o passado por documentos que não fossem escritos. No entanto, o período pré-histórico, conta com um riquíssimo aparato documental que relata as descobertas e costumes do homem. Além disso, nos traz à tona uma série de questões de interesse atual, como a que se refere à relação do homem com a natureza” (SOUSA, [entre 2000 e 2010], texto digital).

[3]  “Idade Antiga, ou Antiguidade, compreende o período que vai desde a invenção da escrita (por volta de 4000 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.)” (MUNDO DA EDUCAÇÃO, [entre 2008 e 2011], texto digital).

 [4]  Dias (2009) salienta que o atual Estado brasileiro dota o regime monogâmico. Portanto, fica vedada a constituição de novo casamento às pessoas que mantém outro vínculo conjugal (CC, 1.521, VI). A bigamia é preceituada como crime (CP, 235).

 [5] “A poligamia se configura quando ‘[...] cada esposo pode ter dois ou mais cônjuges’” (MAIA, [2009?], texto digital).

 [6] “[...] A Idade Média compreende o período que parte da queda do Império Romano até o surgimento do movimento renascentista. Longe de ser a chamada “idade das trevas”, esse período histórico possui uma diversidade que não se encerra no predomínio das concepções religiosas em detrimento da busca pelo conhecimento. É durante o período medieval que se estabelece a complexa fusão de valores culturais romanos e germânicos. Ao mesmo tempo, é nesse período que vemos a formação do Império Bizantino, da expansão dos árabes e o surgimento das primeiras universidades” (SOUSA, [entre 2000 e 2010], texto digital).

 [7] “O Renascimento foi um importante movimento de ordem artística, cultural e científica que se deflagrou na passagem da Idade Média para a Moderna. Em um quadro de sensíveis transformações que não mais correspondiam ao conjunto de valores apregoados pelo pensamento medieval, o renascimento apresentou um novo conjunto de temas e interesses aos meios científicos e culturais de sua época. [...] Ao abrir o mundo à intervenção do homem, o Renascimento sugeriu uma mudança da posição a ser ocupada pelo homem no mundo. Ao longo dos séculos posteriores ao Renascimento, os valores por ele empreendidos vigoraram ainda por diversos campos da arte, da cultura e da ciência. Graças a essa preocupação em revelar o mundo, o Renascimento suscitou valores e questões que ainda se fizeram presentes em outros movimentos concebidos ao logo da história ocidental” (SOUSA, [2006 ou 2007], texto digital).

 [8] “Um mundo em transformação. Essa poderia ser uma das mais gerais perspectivas que poderíamos ter do período que compreende os anos entre 1453 e 1789. O reaquecimento das atividades comerciais e o Renascimento marcam o período em que o individualismo e o enfrentamento do mundo tornam-se práticas vigentes do pensamento moderno. A hegemonia do cristianismo católico foi abalada com os movimentos reformistas e a economia deixou de ser uma prática envolvendo curtas distâncias. As Grandes Navegações e o ‘descobrimento’ da América são um dos mais ricos assuntos desta seção” (SOUSA, [entre 2000 e 2010], texto digital).