Esse é um fenômeno quase tão antigo quanto a primeira igreja evangélica e não é exclusivo do Brasil, mas percebi que hoje seus motivos estão fortes como há muito não estavam e tornou-se inevitável uma análise da situação ser feita. Trata-se da recorrência de muitas pessoas, de qualquer classe sócio-econômica, ao cristianismo pentecostal para se refugiar das falhas graves de moralidade que os provedores de cultura de massas vêm cometendo. Quem ainda não conheceu um evangélico que demonstre manifestamente a rejeição às imoralidades mundanas contemporâneas? É de se notar, no entanto, por quem tem sobriedade intelectual, senso crítico e conhecimento suficiente de abusos religiosos, que, por mais que se espere no cristianismo e na igreja um Eldorado da retidão moral e dos chamados bons costumes, ele não o é e muitas vezes exerce um papel totalmente inverso, o de provedor de outras imoralidades e vícios. Não é à toa que muitos ex-cristãos que hoje não têm mais religião concluem que, ao contrário do que o crescente número de evangélicos espera em seu novo padrão de comportamento, “aceitar Jesus” não é nem nunca foi garantia de se alcançar uma vida de salvação moral.

 

“Onde está essa tal decadência moral de que tanto falam?”, é necessário perguntar para querer compreender o ponto de vista cristão. Além daquelas tradicionais afirmações de que “as pessoas estão caindo cada vez mais facilmente na promiscuidade”, “não há mais respeito mútuo como antigamente(?)”, “os valores de hoje estão levando muitos às drogas, ao álcool, à autodestruição”, “o amor ao próximo está sendo desvalorizado” e outras que apontam, com ou sem razão, com ou sem vieses preconceituosos, a tendências de relaxamento do que chamam de “moral e bons costumes”, realmente são apontáveis diversos pontos em que os instrumentos que provêm cultura para as massas e influenciam decisivamente os seus hábitos estão atentando de fato contra a moralidade e agredindo diversos valores éticos sociais nos dias de hoje. Dois exemplos incontestáveis mostram-se à vista de quem quiser – e de quem não quer também – ver: o ritmo que chamam de “forró” estilizado, que nos últimos anos vem sendo provedor do que há de mais podre e desrespeitoso em cultura e moralidade – o que dizer de músicas que incentivam a traição conjugal e o alcoolismo, propagam erotismo e prostituição para todas as idades, esbanjam misoginia, valorizam a crueldade das vaquejadas e, de forma geral, induzem a um comportamento alienado e irresponsável? –, e a novela A Favorita, que tem escancarado a tendência relativamente recente da TV Globo em transformar em atração popular e “imperdível” uma dramaturgia repleta de vulgaridade, ódio, discórdia, brigas, violência, gritaria, humilhação e mortes trágicas. Desses casos já dá para se ter uma ideia do que é de que tanta gente vem correndo.

 

Agoniados por viverem numa sociedade que não preza pelos bons valores como queriam que fosse feito, milhares a cada ano vêm enxergando na vida evangélica a salvação. Não só aquela prometida após a morte e o apocalipse, como também a da vida moralmente desamparada e carente de parâmetros morais convenientes. É um fator na maioria das vezes secundário, considerando que os motivos de “aceitar Jesus” normalmente envolvem propósitos e necessidades espirituais de maior magnitude e às vezes experiências ditas sobrenaturais – na verdade induzidas por sugestão psicológica a longo prazo –, mas ainda muito importante na conversão da pessoa da vida mundana à regida pelo cristianismo, até pela sensação de que ser cristão praticante é muito melhor do que viver vulnerável à corrupção moral da cultura secular. É a oportunidade, segundo muitos, de abraçar uma vida regida pelo amor ao próximo, perdão, misericórdia, retidão, solidariedade, altruísmo, recusa incondicional à degradação causada pelo álcool e por outras drogas, combate à desvalorização dos “bons costumes” e outras benesses mais.

 

Mas, se a pessoa tem um senso crítico, o poder de questionar se realmente é válido aprofundar a crença no fantástico bíblico – para não dizer mitologia – e um conhecimento histórico antigo e contemporâneo de abusos motivados por religião, vai perceber que, ao contrário do que uma pessoa pouco instruída em Mitologia imparcial e História Religiosa espera de coração encontrar, o Evangelho não é garantia nenhuma de pureza e de morais exclusivamente benignas. Bom seria se o cristianismo promovesse e tivesse promovido, em seu histórico e doutrina, apenas o bem e a retidão, mas, para a infelicidade dos esperançosos, não é nem nunca foi assim. Muitos valores tidos por uma noção ética avançada como obsoletos, preconceituosos, inconvenientes e desarmônicos são adotados abertamente por muitos evangélicos – embora nem todos estes – como se fossem parte de uma moral direita. Muitos vícios e erros crônicos são praticados repetidamente por eles, tais como: homofobia; discriminação, hostilização e até ódio contra pessoas de outras religiões e de irreligiosos; aversão a muitos importantes ensinamentos científicos ainda que exaustivamente comprovados; o “evangelocentrismo”, a crença de que o evangélico é o único da sociedade que caminha na estrada certa e merece a salvação; a mercantilização da bênção, vide o comportamento dos pastores e fiéis neopentecostais em trocar dinheiro pela graça divina; o apoio ao zoonazismo, pela indiferença para com a vida e o bem-estar dos animais a partir de uma concepção de “superioridade” humana; e, o mais notado, a arrogância do “direito” de desrespeitar os limites da convivência harmônica entre crenças e descrenças fazendo panfletagem insistente, batendo de porta em porta, impondo a crença cristã como se fosse a única verdade absoluta, afirmando que todos deveriam “aceitar a palavra de Deus” nem que fosse à força.

 

Tornar-se evangélico é a porta para a salvação moral? A resposta, por mais que os “crentes” afirmem o contrário, é não. É certo que muitos vícios e faltas morais são coibidos pela religião, mas esta traz tantos outros, muitas vezes ainda mais nocivos do que o hedonismo de quem ouve “forró” estilizado ou o mau gosto de quem assiste A Favorita. A realidade é que, Muito mais do que recorrer à religiosidade apartada do secularismo promíscuo, o senso crítico, a seletividade cultural, o desenvolvimento intelectual e a edificação independente e própria dos valores morais e éticos mais retos ainda são insuperáveis para se blindar perante o que a cultura de massas vem oferecendo de ruim e desrespeitoso e seguir uma vida sadia.