Introdução

O processo de independência da América Latina teve fundamental influência dos ideais europeus, tanto no que diz respeito à encorajar suas elites e populações, quanto, e neste sentido teve papel fundamental, em auxiliar na construção de um imaginário coletivo que fizesse com que essas populações se reconhecessem como um povo. Em um processo lento que se iniciou ao final do século XVIII e perdurou até inicio do século XX. A necessidade da construção deste espírito uno de povo, filhos de uma Nação, dividindo as mesmas perspectivas de futuro estava na estrutura de um projeto que visava a formação do que viriam ser as novas Repúblicas americanas. As diferenças existentes entre os diversos grupos sociais que habitavam a América hispânica, bem como as especificidades dos espaços geográficas em que se localizavam, colocaram em risco o movimento de estabelecimento dessas Nações.
De fato, as Nações que daí originaram fogem ao objetivo do que foram os planos de suas elites para a construção dos Estados Nacionais americanos, tal como estes almejavam. O império espanhol na América se desmembrou em diversos paises menores de acordo com as especificidades de cada região da América Espanhola. Fazendo-se, assim, a cultura, os laços sociais, a língua, as determinações geográficas, os interesses políticos, etc. das populações envolvidas nesse processo falarem mais alto que os ambiciosos planos de construção de grandes Estados hispano-americanos.
Daí o fato de que neste trabalho nos ateremos aos processos de independência e construção dos Estados americanos relativos à América espanhola, a despeito da diferença em que se deu esses movimentos na América portuguesa. Esta, mergulhada em um outro contexto sócio-histórico, estruturou de maneira especifica seu processo de independência e construção Nacional.
É importante frisar, aqui, a suscetibilidade do imaginário latino americano no contexto de transição do sistema colonial para os Estados Nacionais independentes. Tendo em vista que o referencial que estabelecia a unidade no sistema colonial era o de espanhol, hispano-americano e criollo, logo após a independência sente-se a necessidade de um sentimento que una os povos em um mesmo espírito nacional. Desta maneira, fazia-se necessário suprir a falta de um sentimento nacional homogêneo, que identificasse os grupos sociais ali existentes como um povo, unidos pelo sentimento de pertencerem a mesma Nação.
Neste contexto, temos a importância dos ideais importados da Europa para a formação dos Estados Nacionais no decorrer do século XIX. Com o aumento da comunicação, fruto da tecnologia advinda da revolução industrial, disseminou-se pelo América Espanhola os ideais liberais, conservadores, republicanos, democráticos, racionalistas, socialistas, nacionalistas, românticos, etc. De fato, a relação de tais ideais manifestou-se de maneira diferente de acordo com as especificidades de cada uma das regiões das antigas províncias. Todavia, para um estudo analítico a despeito da relação dos ideais ocidentais com os grupos sociais americanos, é preciso que se considerem as idiossincrasias étnico-sociais de tais grupos, e de suas determinadas regiões, na influência que desempenharia tais ideais na constituição do imaginário desses grupos, bem como a interpretação que estes fizeram de tais ideais segundo os preceitos do contexto sócio-político em que estavam envolvidos. Gerando, desta maneira, diferentes interpretações para os ideais importados da Europa de acordo com os interesses e as necessidades de cada região ou grupo social que na América habitavam.
O desejo das Províncias Americanas de independer-se da Metrópole nem sempre permeou as aspirações das populações que ali habitavam. A idéia de emancipação desenvolveu-se juntamente com os ideais revolucionários advindos da revolução francesa, bem como com o acirramento das diferenças que se criaram entre as elites hispano-americanas ? descendentes de espanhóis residentes na América ? e espanholas. É neste sentido em que David Brading afirma que:

quando as noticias das revoluções americana e francesa começaram lentamente a serem conhecidas, os crioulos educados começaram a considerar a possibilidade da independência [...] a separação da Espanha podia ser baseada em argumentos que se faziam eco das doutrinas da revolução francesa e americana [...] imediatamente surgiram os problemas quando os crioulos quiseram delinear as fronteiras dos Estados futuros. Apenas eram conscientes de sua identidade de americanos, diferentes dos espanhóis americanos... (Brading, 1995, 07-08)

Desprovidos de um ideal que os unissem em um entendimento homogêneo, foram obrigados a chamar-se colombianos, mexicanos, rio pratense e bolivianos. Com a ausência desse espírito homogêneo as rivalidades entre as províncias ameaçaram, prontamente, a existência dessas novas repúblicas que se haviam constituindo.
As identidades nacionais das novas Repúblicas eram arbitrarias. Não existia um sentido de povo homogêneo, só conseguiam se reconhecer no que não eram, por exemplo seus vizinhos, o que acirrou as disputas regionais no interior das províncias. Isso acontecia porque as massas, tanto de camponeses quanto das cidades, eram constituídas por índios, negros, mulatos, mestiços e brancos pobres, e que a Igreja tratava de manter sua qualidade étnica cuidadosamente inalterada. Não houve, desta maneira, uma miscigenação dos sentimentos. O que possibilitou que os projetos, tanto de liberais quanto de conservadores, para a constituição de um Estado Nação, apoiados nos princípios democráticos e republicanos inspirados pelos ideais europeus, encontrasse na América um terreno fértil para o desenvolvimento de suas idéias.