INTRODUÇÃO
Ao buscar-se compreender as disposições legais em torno do que versam as leis que regulamentam o direito aos serviços de saúde do trabalhador, considerando a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu Artigo 2° "a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício" (BRASIL, 2005); e, ainda observando-se in lócus como se processa esse "direito", nasceu a curiosidade em se buscar os fundamentos legais, a fim de tecer opinião sobre a distância existente entre a lei e a forma como a saúde do trabalhador é processada na realidade. Dessa forma, cabe neste artigo questionar "a exclusão da saúde do trabalhador pela Estratégia Saúde da Família", por meio de uma revisão bibliográfica, envolvendo a análise crítica de leis que vem sendo as âncoras de todo processo que envolve a saúde do trabalhador.
Para refletir sobre a ausência de uma Política Nacional com finalidade de tratar da saúde do trabalhador, observar-se o que nos dizem Gomes e Lacaz (2005), a respeito da não existência de princípios norteadores, de diretrizes, de estratégias, de metas sucintas e de um corpo profissional técnico político organizado, conectado e durável, que possa garantir a realização de ações capazes da promoção da saúde do trabalhador, que ao estarem interagidos com outros setores da sociedade, possam estar em constante processo de realimentação, em relação ao setor produtivo de um determinado espaço sócio econômico.
Para Lacaz (1997), a Saúde dos Trabalhadores apresenta um cenário histórico que se inicia no final dos anos 70, com o campo do conhecimento das relações saúde/doença-trabalho dentro da Medicina Social Latino americana, a qual construiu sua estrutura teórica e metodológica desde então, enfatizando-se por meio de uma vertente programática, o que se coloca na interconexão com a Saúde Pública, a Medicina Social e a Saúde Coletiva, o que se diferencia de maneira tal da Saúde Ocupacional e da Medicina do Trabalho.
Assim sendo, tomando por base essas informações, pode-se então definir o objetivo central deste estudo bibliográfico. Ou seja, deixa evidente que trata-se de um artigo que busca perceber até que ponto a Saúde do Trabalho se tornou um processo interativo com outros tipos de interesses relativos à medicina pública no país, a fim de que se possa demonstrar como há necessidade da retomada dos direitos do trabalhador, no que concerne ao seu estado de bem-estar físico e mental, durante o processo produtivo.

HISTÓRICO DA SAÚDE DO TRABALHO
O ponto culminante para o início da preocupação com a Saúde do Trabalhador, de acordo com Lacaz (1997), parece ser os anos de 1978 a 1979, quando ocorreram mudanças significativas no cenário nacional em torno da política envolvendo o assunto em questão. Iniciando-se, possivelmente, por meio do início das greves no ABC Paulista, nas indústrias automobilísticas, fato que logo se estenderia a todo território brasileiro.
De acordo com Ladaz (1997, p.2),
a acumulação de forças para dar sustentação a esta luta parte de uma articulação de vários setores do movimento sindical que, em 1978, criam a Comissão Intersindical de Saúde e Trabalho (CISAT) em São Paulo a qual, dois anos depois, tornar-se-ia o "DIEESE da Saúde", isto é, o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT), de caráter nacional, fundado em agosto de 1980, seguindo a experiência vivenciada pelos sindicatos desde 1955 quando da criação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), cujo papel foi articular o conhecimento de intelectuais de esquerda sem alinhamento partidário, com a necessidade dos sindicatos construírem instrumentos técnico políticos para um enfrentamento com a tecnoburocracia estatal no que dizia respeito, já naquela época, à manipulação dos índices do custo de vida. Posteriormente o DIESAT terá importante papel ao subsidiar os sindicatos na discussão sobre a superação da estrutura voltada para o assistencialismo, teimosa herança do Estado Novo, transformando a em meados dos anos 80 nas assessorias sindicais em saúde e trabalho, importante instrumento de luta pela saúde no trabalho e na sua relação com o Estado.

Então, observar-se que as discussões sobre a Saúde do Trabalhador não foi um processo democrático, mas uma luta entre as classes trabalhadoras, representadas pelos seus sindicatos, que levou o Estado a fazer parte disso, criando as leis que a regulamentariam.
Todavia, não se pode afirmar que essa foi uma conquista somente dos trabalhadores e seus sindicatos, mas, também, dos órgãos internacionais, como a Organização Internacional da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), quando durante 71 Conferência Internacional do Trabalho, em 05 de junho de 1985, a Convenção n° 161 e a Recomendação n° 171, cuja denominação a "Convenção e Recomendação sobre os Serviços de Saúde no Trabalho", tem como principais características a ampla participação dos trabalhadores em equipes multiprofissionais e a prática das políticas públicas para garantia dessa participação (LACAZ, 1997).
No entanto, segundo Lacaz (1997, p.4),
Não se pode, contudo, negar as conquistas no campo da saúde do movimento social a partir da Constituição de 1988, já que tiveram influências e desdobramentos nas constituições estaduais, da Lei Orgânica da Saúde de setembro de 1990, das Leis Orgânicas Municipais e dos Códigos de Saúde, abrindo espaço para o movimento pela descentralização da saúde na perspectiva da meta de municipalização da saúde.

Os avanços em termos de legislação são muito contundentes, contudo, não garantiam que a Saúde do Trabalhador seja considerada como meta a ser alcançada pelo Ministério do Trabalho, mesmo a saúde sendo considerada "uma condição sine qua non para o desempenho e a uma ótima produtividade" (FERRAZ, ET AL, 2009, p.16), uma vez que a regularização de leis que como a Estratégia Saúde da Família (ESF), enquanto proposta governamental de ação para a saúde tem como foco o cuidado de famílias inseridas em um contexto social, desconhecendo a necessidade da manutenção da qualidade de vida do trabalhador, porque aqueles que trabalham com o Programa de Saúde da Família (PSF), se mantem em constantes desafios cotidianos, que terminam por afetar essa qualidade de vida necessária ao bom exercício da profissão.

A ESTRATÉGIA DA SAÚDE DA FAMÍLIA X EXCLUSÃO DO TRABALHADOR
Neste contexto, cabem ressaltar que a Saúde da Família é um programa do Ministério da Saúde (2004), que culminou com a formação do Agente Comunitário de Saúde (ASC), cujo objetivo maior é a interação deste com um determinado espaço geográfico brasileiro. As equipes estão localizadas geralmente, nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobilização da comunidade, em um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde. Então, sob a responsabilidade do agente se encontram seus espaços de trabalhos determinados, considerando-se que cada espaço contém uma especificidade peculiar, e que o trabalhador está sempre exposto aos fatores de riscos determinantes de cada comunidade atendida pelo programa. Cabe ainda a esse trabalhador a organização de comunidades, atividades de educação e promoção da saúde, além da assistência integral e permanente de qualidade aos usuários da saúde (FERRAZ ET AL, 2009).
Ferraz et al (2009, p.21),
elucida que quando o trabalhador não conta com um bom planejamento de prevenção no trabalho somando aos inúmeros problemas de saúde, sobretudo relacionados ao ambiente, sobrecarga e desmotivação com o trabalho, tensões emocionais, problemas de ordem familiar/genética, implicam de forma indireta na saúde mental do trabalhador resultando em alto índice de absenteísmo. O homem precisa encontrar condições capazes de lhe proporcionar o máximo de proteção e, ao mesmo tempo, satisfação no trabalho.

Para a autora, os trabalhadores necessitam contar com um bom ambiente de trabalho para o exercício pleno de suas funções, caso contrário, os resultados não serão animadores, mas tenderão a se transformar em mais um problema para as políticas públicas da Saúde do Trabalhador.
Para elucidar mais amplamente essa questão, cabe citar que os critérios elaborados pelos Ministérios do Trabalho e Emprego e Ministério da Previdência e Assistência Social consideram como "doença do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente" (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Por isso que, aos trabalhadores da saúde, de forma geral, mas precisamente, aqueles que exercem a função diretamente aos usuários, convêm mencionar que os riscos da aquisição de doenças que poderão prejudicar lhes a saúde são muito grandes. Estando, portanto, aquém da legislação que defende os direitos dos trabalhadores em relação a sua saúde.
Para Ferraz et al (2009, p.22),
o ambiente de trabalho se constitui privilegiado para as ações de educação para a saúde, pois é o espaço organizacional que o indivíduo passa grande parte do seu dia e onde deve receber orientações voltadas para a promoção e proteção à saúde. Seria de grande valia que neste ambiente fosse oferecido ao trabalhador à oportunidade de refletir mais amplamente sobre sua saúde e sua qualidade de vida. Nesse sentido, a promoção da saúde no trabalho gera condições de trabalho e de vida gratificantes, agradáveis, seguras e estimulantes.

Um ambiente ideal para que o trabalhador pudesse ter condições de levar uma qualidade de vida dentro do contexto que prega o Ministério do Trabalho (2005) em relação à Saúde do Trabalhador, está aquém da realidade vivenciada pelos profissionais de saúde dentro do programa ESF, quando embora sejam portadores de direitos constitucionais, não recebem a devida orientação e proteção, nos momentos em que necessitam estar em contato com seus usuários atendidos, dentro da comunidade onde atuam. Para as autoras, a Promoção da Saúde deveria ser uma combinação de ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais. Portanto, não uma responsabilidade de um profissional ou alguns profissionais, mas de toda sociedade.
Em estudos realizados por uma equipe de estudantes de enfermagem em São Paulo, no ano de 2004, os resultados encontrados demonstram que os profissionais da saúde, como os enfermeiros, agentes comunitários de saúde, técnicos, entre outros, num percentual de 62% da população pesquisada se encontravam em situação de estresse, sendo que os mais afetados são, justamente, os ACS. Esse estresse tem como causa as situações enfrentadas pelos profissionais, em seus cotidianos, durante o trabalho comunitário é o resultado da exclusão dos mesmos no Programa de Saúde do Trabalhador do Poder Público (CAMELO E ANGERAMI, 2004).
De acordo com Camelo e Angerami (2004, p.19), "a presença do estresse e a incapacidade para enfrentá-lo podem resultar tanto em enfermidades físicas e mentais, como em manifestações menores, tais como insatisfação e desmotivação no trabalho". E isso influi diretamente na qualidade do trabalho prestado por esses profissionais, que terminam por passar de agente a doente, uma vez que, ao ser afetado por uma enfermidade, seja mental ou física, o mesmo deve se afastar do trabalho; fato que vai proporcionar perdas ao sistema de saúde do país.
A pesquisa ainda aponta que dos 37 profissionais pesquisados, em que 62% apontaram sofrer de estresse. Houve também 48% desses sofriam de estresse psicológico, como angústia, vontade de fugir, entre outros enquanto 39% de estresse físico, como cansaço, fadiga, entre outros. Em linhas gerais esse é um cenário comum em toda sociedade, pois os trabalhadores da Estratégia Saúde da Família passam pelas mesmas condições em todo país. Sem se falar no período que correm para aquisição de doenças contagiosas, uma vez que atuam diretamente com as pessoas em suas residências, ou no Posto de Saúde, muitas vezes sem saber o diagnóstico patológico do paciente (CAMELO E ANGERAMI, 2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, pode-se concluir que o Programa de Saúde do Trabalhador desenvolvido pelo Ministério da Saúde não contempla os profissionais da saúde, especialmente os que trabalho na Estratégia Saúde da Família (ESF), é desfavorável e limitante ao profissional que necessita desenvolver seu trabalho com as famílias inseridas no contexto onde o mesmo atua. Isto ocorre porque esses trabalhadores enfrentam os desafios cotidianos de sua profissão, que termina sendo determinante à sua qualidade de vida necessária para uma sobrevivência digna.
De acordo com Ferraz et al (2009), o trabalhador necessita de uma qualidade de vida tal, que lhe garanta construir sua vida, de modo que não tenha perdas irreparáveis necessárias a edificação histórica e social de seus objetivos e desejos pessoas, enquanto ser sócio cultural. No entanto, quando esse trabalhador se depara com situações problemáticas em seu local de trabalho, somados aos problemas pessoas, de remuneração, desmotivação, entre outros, automaticamente, todas essas condições o leva a uma doença, conhecida como profissional, em virtude dom lócus em que ela se processa.
Para se refletir sobre a exclusão do trabalho da ESF ao processo de saúde do trabalhador, previsto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), cujo texto prevê que a saúde do trabalhador deve ser um estado de completo bem estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, observa-se uma contradição nestes princípios em relação à realidade que por vezes se é protagonista, até porque, a previsão é que essa é um dever do Estado, considerando-se a própria legislação constitucional.
Trazendo-se mais precisamente ao Estado do Pará, percebe-se em suam Constituição Estadual, que o Artigo 270 prevê essa responsabilidade, especialmente no item: "VIII ? assegurar aos profissionais de saúde [...], condições adequadas de trabalho para execução de suas atividades em todos os níveis, incentivo à interiorização e à dedicação exclusiva e tempo integral". (BRASIL, 2005).
Como pode ser observada, a lei prevê também condições de trabalho para os profissionais de saúde, em nível nacional e estadual, mas o que falta para que isto se torne uma realidade? Por que a exclusão desse profissional em relação ao bem mais precioso que ele tem: a vida?
A resposta a essas perguntas ainda estão sendo construídas desde a mais tenra história do trabalho, desde quando o trabalhador realmente era considerado escravo. Mas agora, de acordo com os capitalistas, a mão de obra é remunerada e o trabalhador tem liberdade para consumir, escolher e, quem sabe, pagar pela sua saúde. Mas será que pode mesmo?
A reflexão em torno das dúvidas que pairam sobre as condições adequadas para que o profissional de saúde exerça sua função, tende ainda a ir mais longe, pois, para respondê-las se faz necessário arrancar o lacre que veda as políticas públicas do país, a fim de determinar em qual lado se encontra a ponta do fio que pode desencadear as respostas e soluções. Enquanto isso cabe ao profissional de saúde da ESF continuar lutando com as dificuldades e sonhando com um futuro melhor, para si e para todos aqueles que necessitam de seus esforços enquanto trabalhador da área em questão: saúde pública.




REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Legislação da Saúde: Caderno Legislação em Saúde do Trabalhador. 2ª ed. Secretaria de Atenção a Saúde. Brasília-DF, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Segurança e Saúde do trabalhador. Brasília, 2004. Disponível no site: < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf>. Acesso em: 10 de maio. 2011.

CAMELO, Sílvia H. Henrique e ANGERAMI, Emília Luigia Saporiti. Sintomas de estresse nos trabalhadores atuantes em cinco Núcleos de Saúde da Família. Rev Latino-am de Enfermagem 2004 janeiro-fevereiro; 12(1):14-21. Disponível no site: www.eerp.usp.br/rlaenf, acessado em 20 de abril de 2011.

FERRAZ, Eva B. da S.; GENEROSO, Luciane M. A. F.; ARAÚJO, Mailde G.; AZEVEDO, Maria S. de S.; SÁ, Marina G. D. A Saúde Do Trabalhador Da Estratégia Saúde Da Família: revisão na literatura dos fatores de risco relacionados a doenças ocupacionais. 2009. 52 p. Monografia ? Curso Bacharel em Enfermagem da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valares, 2009.

GOMES, Carlos Minayo e LACAZ, Francisco Antonio de Castro. Saúde do trabalhador: Novas velhas questões. Ciências Saúde Coletiva v.10 n.4 Rio de Janeiro out./dez. 2005.

LACAZ, Francisco Antonio de Castro. Saúde do trabalhador: Cenários e desafios. Ciências Saúde Pública, Rio de Janeiro, 13(Supl. 2):7-19, 1997.