A ESTERILIZAÇÃO LEGAL DO CURATELADO DEFICIENTE MENTAL 

Hibernon Marinho Alves de Andrade Filho   

RESUMO

O deficiente mental, portador de moléstia irreversível e incurável, quando não possui discernimento sobre o exercício de seus atos é considerado pelo Ordenamento Jurídico como absolutamente incapaz, estando sujeito a interdição e subordinação ao regime da curatela, passando a ter seus direitos e vontades representados pelo curador. A esterilização voluntária enquanto prática contraceptiva também é assegurada ao doente mental curatelado, desde que seja precedia de decisão judicial fundamentada e justificada, isto porque a Constituição Federal de 1988, baseada no principio da dignidade humana, amplia os poderes e a livre iniciativa do planejamento familiar.

PALAVRAS-CHAVES

Curatela. Deficiente Mental. Esterilização. Ordenamento Jurídico Brasileiro.

 

 INTRODUÇÃO

A condição do deficiente mental, que por suas limitações é considerado pelo ordenamento jurídico brasileiro como absolutamente incapaz, sempre foi debatida pela doutrina jurídica brasileira, pois ao mesmo tempo em que, baseado no princípio da igualdade, são assegurados a estes todos os direitos inerentes a legislação vigente, deve-se tomar determinadas precauções, pois não possuem condições de expressar conscientemente sua vontade, dependendo da intervenção e vontade de terceiros para o exercício pleno de seus direitos assegurados.

A proposta do trabalho é discorrer a respeito da possibilidade de se esterilizar um deficiente mental sob o regime da curatela, considerando os princípios e normas legais vigentes. Para isso, inicialmente será abordado os aspectos conceituais acerca da curatela, para que se compreenda a finalidade e os efeitos deste instituto regulado pelo novo Código Civil.

Diante disto, será analisado como esta questão vem sendo regulada pela legislação brasileira e como a Constituição Federal de 1988, ao ampliar a importância e a livre iniciativa do planejamento familiar modificou os entendimentos acerca da supracitada discussão.

 

1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA CURATELA

Em toda sociedade sempre vão existir pessoas que estão impossibilitadas de exercer seus direitos civis plenos, quer por deficiências físicas quer por deficiências psicológicas, congênitas ou adquiridas. Diante disto, o ordenamento jurídico precisou criar instrumentos legais que pudessem auxiliar estes considerados relativamente ou absolutamente incapazes.

            Na tentativa de proteger os interesses dos considerados incapazes, quando atingem a maioridade, o Código Civil Brasileiro trouxe o instituto da curatela com a finalidade de:

“suprir as incapacidades de fato existentes, permitindo a representação ou assistência do incapaz, a administração dos seus bens e o auxilio que for necessário para a sua manutenção, criação e educação” (WALD, pag.286)

            A partir deste instituto fica definida a figura do curador, que goza de plenos poderes para responder pelo curatelado sobre seus atos e vontades da vida civil, seja no âmbito pessoal ou patrimonial. No entanto para que seja estabelecida a curatela, o Código Civil prevê a obrigatoriedade de haver um devido processo legal, com sentença editada por juiz competente, pois será justamente esta que decretará a interdição do curatelado, fixará os limites de sua incapacidade e os poderes do curador.

            Os efeitos da curatela poderão ser permanentes ou transitórios, variando de acordo com o grau de incapacidade do curatelado a ser apurado pelo juiz, porém, para a decretação da curatela não é obrigatório que a incapacidade seja duradoura, no entanto precisa ser contínua (PEREIRA, 2006).

            Os portadores de deficiências graves, sejam de origem mental, motora ou psicomotora, objetos desse estudo, são considerados pela legislação como absolutamente incapazes, estando sujeitos a curatela no art. 1767, I do Código Civil de 2002. Sobre estes, como explica Maria Helena Diniz (2007, pág. 617):

“O curador tem direitos e deveres concernentes à pessoa e bens do curatelado, estendendo-se sua autoridade à pessoa e patrimônio dos filhos do curatelado (CC,art. 1.778), mesmo se nascituros (CC, art. 1.779, parágrafo único), pois o curador nomeado será o tutor dos filhos menores do incapaz submetido à curatela.”

Este fato, no entanto, não extingue os direitos inerentes a estes, porém os impede de exercê-los livremente, a proibição deste preceito é absoluta, sendo que sua violação resulta na nulidade do ato praticado, sendo atribuído ao curador sua representação em juízo para defesa de seus interesses.

 

2. A ESTERILIZAÇÃO DO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

A esterilização, através de intervenções artificiais, objetiva tornar o ser humano infértil ou infecundo para que assim se extinga sua possibilidade de reprodução.  Por esta prática resultar em uma mutilação física, sendo seus efeitos em grande parte irreversíveis, durante muito tempo foi visto como uma conduta reprovável passível inclusive de sanções por parte do estado.

            No entanto a Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer que:

Art. 226, § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficias ou privadas.

            Ao ampliar a liberdade de ação dos envolvidos, principalmente no que tange ao planejamento familiar, a Carta Magna do país acabou por legalizar a esterilização voluntária, contanto que esta seja utilizada como método contraceptivo, nunca eugênico, assim assegurando os direitos de personalidade inerentes a cada ser humano.

            Baseado no princípio basilar da igualdade é consenso que aos deficientes mentais são asseguradas as mesmas benesses provenientes da legislação vigente, no entanto por se tratar da possibilidade de reprodução de um ser humano especial, que em razão de sua deficiência, carece de cuidados especiais, existem implicações legais e morais a serem consideradas.

“O caso da esterilização não terapêutica dos maiores incapazes é uma questão tortuosa e de solução sempre temerosa, tendo em vista que colidem direitos essenciais, posto que a não esterilização leva a uma vigilância redobrada na vida afetiva-sexual do incapaz, violando assim seu direito à intimidade; por outro lado, a esterilização sem requisitos fere seu direito de procriação (BOTTEGA, 2007. Pág. 58).”

Acontece que ao possibilitar a esterilização do curatelado não busca-se apenas facilitar o controle de vida sexual do mesmo, e sim evitar que este ao se reproduzir  coloque no mundo um novo ser humano ao qual não possui qualquer condição de fornecer assistência  física, psíquica ou moral, pois o maior absolutamente incapaz dificilmente compreende o ato sexual com fim de perpetuação da espécie, ou tem condição de assumir as responsabilidades inerentes aos progenitores.

É importante frisar que a lei nº 7.853/89, incumbiu também ao Estado algumas obrigações para que se possa assegurar de forma plena os direitos das pessoas portadoras de deficiência.

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das Leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos desta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras as seguintes medidas:

a) a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência; [...]

            Por fim, a Lei nº 9.263/96, em seu art. 10, IV, traz uma resposta definitiva a esta questão, pois prevê expressamente a possibilidade de esterilização voluntária em absolutamente incapaz desde que esta seja precedida de autorização judicial, e para isso esta deve estar em conformidade com um programa de planejamento familiar responsável.

            Ocorre que apesar das diversas previsões legais ainda não existe hoje um programa de planejamento familiar que realmente atenda ou pelo menos oriente os curadores dos absolutamente incapazes acerca das necessidades especiais dos curatelados, ficando a critério dos mesmos as ações a serem tomadas.

            Tal falta de direcionamento, que deveria ser fundamentalmente assistencial (com acompanhamento médico, psicológico, dentre outros) tem gerado inclusive divergências jurisprudenciais acerca do assunto, pois enquanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Cível nº 262.646-4/4) consideram “ser menos gravoso a concessão da laqueadura do que a possibilidade da curatelada ter mais filhos, dos quais não tem condições de cuidar”. Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul indeferiu um pedido de esterilização de incapaz alegando que:

“Se as condições de internamento da interdita são insatisfatórias, permitindo que ocasionais escapadas venham a ensejar o contato sexual com homens, o que poderá propiciar nova gravidez, o problema é do apelante, que deverá tomar precauções para que maior vigilância seja exercida sobre a enferma. O que não se pode é transferir para o Judiciário a responsabilidade por uma solução simplista, mas que representa uma forma fascista de resolver um problema individual. (Apelação cível n. 59.621.015-3)”

            Com isso, fica claro que o Ordenamento Jurídico objetivando proteger um livre planejamento familiar prevê sim a possibilidade de esterilização do incapaz curatelado, porém para que o ato seja possível, este deverá ser representado em juízo por seu curador e ficará a cargo do entendimento do juiz.

Diante da gravidade e irretroatividade de tal prática, é importante que esta não seja utilizada de maneira arbitrária, devendo ser utilizada como último recurso, pois existem hoje outros métodos contraceptivos existentes capazes de atender ao planejamento familiar deste incapaz, preservando a inviolabilidade de seu corpo e de sua dignidade. Para proteção do curatelado, como dita a própria lei, a ocorrência da esterilização está subordinada sempre a um devido processo legal onde se apresente a fundamentação da demanda devidamente justificada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BEVERVANÇO, Rosana Beraldi. A Esterilização. Disponível em: http://www.ampid.org.br/Artigos/EsterilizacaoPDeficiente.php. Acesso em 24 de outubro de 2011.

BOTTEGA, Clarissa. Liberdade de não Procriar e Esterilização Humana. Disponível em: http://www.clarissabottega.com/Arquivos/Artigos /Revista_Jur_ v_ 9_n_2 _jul_dez_ 2007_p_43_64.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, 5° vol. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de Família, vol. V. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 59.621.015-3, 7ª Câmara Cível, Desembargador Relator Eliseu Gomes Torres, Disponível em: http://www.tjrs.jus.br. Acesso em 26 de outubro de 2011.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 262.646-4/4. Desembargador Relator Quaglia Barbosa. Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 26 de outubro de 2011.

WALD, Arnold. O Novo Direito de Família, 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005.