A ESTERILIZAÇÃO DO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ

Anderson Silva[1]

 Natália Andrade Calderoni[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Instituto daCuratela;2. A Esterilização e a sua reversão; 3. O Princípio da dignidade da pessoa humana e outros princípios garantidores de uma vida digna e salutar; Conclusão; Referências.

RESUMO

 

Este tem como escopo analisar o instituto da curatela do absolutamente incapaz frente à realização da esterilização do curatelado, por autorização do curador, com enfoque sobre os princípios da dignidade da pessoa humana, do planejamento familiar, e outros atinentes a matéria.

Palavras-chave: Absolutamente Incapaz. Curatela. Esterilização.

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como finalidade analisar criticamente o instituto jurídico da curatela, o princípio da dignidade da pessoa humana e a esterilização do curatelado, no que tange a possibilidade do curador autorizar o procedimento no interdito sem que dessa maneira arranhe seus direitos de ter uma vida digna e salutar.

Em um primeiro momento far-se-á uma análise sobre o instituto da curatela, abordando suas características principais, a sua aplicação e finalidade.

No segundo momento, será analisado o processo de esterilização, suas características e conseqüências do ponto de vista médico e jurídico.

E por fim, a esterilização do curatelado frente ao princípio da dignidade humana, da paternidade responsável e do planejamento familiar, bem como o princípio de constituir uma comunhão de vida familiar.

  1. 1.                  O INSTITUTO DA CURATELA

Conceito:

“ [...] instituto que visa à representação de maiores incapazes, havendo um encargo público cometido, por lei, a alguém para reger e defender uma pessoa e administrar os bens de maiores incapazes, que, por si sós, não estão em condição de fazê-lo, em razão de enfermidade ou deficiência mental[...]” (DINIZ, apud TARTUCE, 2011, p.518).

O instituto jurídico em comento, albergado nos artigos 1.767 e seguintes do Código Civil, nasce da necessidade de garantir os direitos e deveres de quem por motivos de deficiência, seja transitória ou absoluta, não pode por si só garanti-lo.

Os relativamente incapazes devem ser representados necessariamente sob pena de anulabilidade da prática dos atos, o mesmo ocorre com os absolutamente incapazes, no entanto, com conseqüências mais graves, pois a não representação acarreta na nulidade dos atos praticados.

Como visto no conceito acima, a curatela destina-se à proteção dos maiores, embora já tenha havido algumas decisões concedendo a curatela à menores com certas doenças (TJPR, Acórdão 4757), como regra geral, é determinada à maiores necessariamente interditados, tendo em vista a impossibilidade da incapacidade ser presumida.

No que tange a interdição, o Código Civil no art. 1768, prevê que ela deverá ser promovida pelos pais ou tutores, pelo cônjuge ou qualquer parente, e pelo Ministério Público.  Este último, segundo o art. 1769, só poderá promover em casos de doenças graves, quandonão houver outros parentescos que o faça, ou por fim, quando os parentescos forem incapazes para tal competência, e por este motivo, percebe-se que a “legitimidade do MP é somente subsidiária e extraordinária, funcionando como substituto processual.” (TARTUCE, 2011, p. 520)

Quando o pedido for feito por qualquer dos legitimados que não o MP, este será o defensor do futuro interditando, porém, se o pedido for feito pelo MP, será nomeado um curador especial e posteriormente, se concedida a curatela, um curador definitivo.E dependendo do tipo de interdição a ser concedida a curatela poderá ser total ou parcial. Na primeira, o curatelado deverá ser representado em todos os seus atos; na segunda, somente nos atos para que foi interditado, como exemplo, os pródigos, que segundo o art. 1782 do CC, deverão ser representados quando praticarem atos como emprestar, dar quitação, transigir, etc.

A sentença que decreta a interdição produzirá efeitos desde logo (art. 1773 do CC). Nesse contexto, percebe-se a proteção que é dada ao terceiro de boa fé que tenha contratado com o interditado antes de ser promovida a interdição (art. 167, parágrafo 2° do CC), pois os efeitos da concessão da curatela são ex nunc.

No que tange e possibilidade de recuperação do interdito, segundo o art. 1776 do CC, o curador deverá proporcionar um tratamento em estabelecimento apropriado. Alguns doutrinadores afirmam que possibilitar um tratamento em sua própria residência, próximo à família é preferível em virtude de poder garantir um bem estar ao curatelado. Se por ventura este curatelado vier a se recuperar, o mesmo poderá pleitear a cessação da interdição perante o juízo competente que enviará um perito para averiguar a atual situação. Verificando que o interditado de fato recuperou-se o juiz pronunciará o levantamento da interdição. Caso permaneça a dúvida quanto a capacidade do curatelado, permanece a aplicação residual à curatela das regras previstas para a tutela.

  1. 2.      ESTERILIZAÇÃO E SUA REVERSÃO

 

O procedimento para esterilização no indivíduo pode ser realizado de duas maneiras: a vasectomia - realizada no homem nos canais deferentes do aparelho reprodutor masculino que podem ser cortados, amarrados ou fechados com grampos, impedindo que os espermatozóides saiam; e a laqueadura – método realizado na mulher em que as trompas podem ser cortadas, amarradas, cauterizadas, obstruídas ou fechadas com grampos ou anéis, impedindo que os espermatozóides encontrem com os óvulos.Ambos os métodos são reversíveis e não afetam a função sexual e não provocam diminuição da libido.

As formas de esterilização supracitadas apresentam implicações em alguns casos, pelo fato de serem procedimentos ambulatoriaise cirúrgicos, respectivamente, dentre elas estão: 1) No homem (Vasectomia): A anestesia local podem não fazer efeito e gerar um desconforto; Os tecidos ao redor do corte podem inchar; pode haver sangramento na região da operação; existe o risco de infecção; e em casos mais raros pode haver reação alérgica ao anestésico. 2) Na mulher (Laqueadura): Alteração do ciclo menstrual; existe o risco de infecção; e em casos mais raros pode haver reação alérgica ao anestésico. No entanto, como bem abordam especialistas da área da saúde, não decorre desses procedimentos, qualquer alteração na função sexual (ereção ou libido).

Outro ponto importante a se ressaltar dentro da esterilização é o de que, embora sejam os procedimentos de Vasectomia e Laqueadura, definitivos. É possível a reversão, conforme especialistas a taxa de reversão é de 90% (na Vasectomia) e de 70%-80% (na Laqueadura, se foi realizada com cuidados microcirúrgicos).

Do ponto de vista sócio jurídico a Esterilização requer alguns requisitos mais para sua realização, são eles, um acompanhamento do(a) paciente quanto ao planejamento familiar e o prazo mínimo de 60 dias entre a solicitação e a realização do procedimento (vasectomia ou laqueadura), conforme prevê o art. 10, Lei 9263 (Lei do Planejamento Familiar)

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

        I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

Percebe-se que quanto à pessoa do curatelado, embora o legislador tenha sido omisso, quem deve passar pelo acompanhamento da equipe multidisciplinar acerca do planejamento familiar, deve ser a pessoa do curador, a qual tem competência para discernir e decidir qual a melhor escolha para proporcionar as melhores condições de vida ao curatelado.

  1. 3.      PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E OUTROS PRINCÍPIOS GARANTIDORES PARA UMAVIDA DIGNA E SALUTAR.

A família é a célula básica da organização social no Brasil; é a estrutura base para a sociedade e por este motivo encontra expressa proteção do Estado que disponibiliza na CF um capítulo específico para tal instituto, albergado nos arts. 226 ao 230.

O conceito de família no Brasil é amplo e, atualmente, está diretamente relacionado à afetividade e felicidade, e por este motivo,possuidiversas espécies, a saber, a família padrão constituída pelo casamento; a monoparental, em que há a figura de apenas um parente responsável, aqui estão relacionadas as chamadas “produções independentes”; multiparental ou mosaico, tem se verificado com mais frequência no Brasil em virtude da facilidade dos divórcios e o aumento no número de casamentos; anaparental, em que há ausência de parentesco entre os conviventes; a homoafetiva, emergente da relação entre homossexuais; e por fim, a união estável, cada vez mais freqüente, obtida através da convivência entre casais sem que haja a constituição do casamento.(TARTUCE, 2011, p. 55 e 56)

A partir dessa compreensão dos diversos tipos de famílias, como afirmar que a esterilização de um absolutamente incapaz pode tolher o seu direito à constituição familiar, se não é possível saber a que tipo de uma família este indivíduo pretende pertencer? Dessa maneira, conceder-lhe uma família (não realização da esterilização) somente para garantir-lhe o princípio à dignidade humana, ou de constituir uma comunhão de vida familiar, seria impor a alguém um desejo que na realidade não é seu, mas do seu responsável, do curador. Esta decisão iguala-se à tomada quantoa esterilização, tendo em vista não possuir o consentimento do favorecido. No entanto, a tomada de decisão de esterilização do absolutamente incapaz só lhe resta benefícios, na medida em que não coloca em risco a vida do curatelado, bem como, não deixa de proporcionar uma vida digna a que um possível filho merece ter.

No tocante ao exercício do poder familiar, o princípio dos pais responsáveisestá diretamente ligado à autonomia do indivíduo em decidir de maneira responsável e consciente sobre ter filhos ou não, bem como a quantidade. Trata-se de um preceito que regeo dever parental em decidir sobre o planejamento familiar,situação que não pode ser observada e praticada por um absolutamente incapaz por motivos lógicos.

O atual Estado Democrático de Direito reconhece a legitimidade que seus cidadãos possuem em colocar em prática direitos que lhes são resguardados constitucionalmente, e portanto, lhes concede e garante a não interferência na vida privada de seus membros, compreendendo nesse sentido, o respeito quanto ao planejamento familiar que cada cidadão constrói para a sua família.

Nestes termos, com fundamentos na Lei de Planejamento Familiar – 9263/96 que possibilita a esterilização do absolutamente incapaz, in verbis,

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações

 II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9263.htm)

compreendemos que para que seja garantida uma vida digna ao absolutamente incapaz, devem ser observados os instrumentos que a legislação brasileira disponibiliza a este indivíduo, como forma de proteção a sua integridade física e psíquica, bem como, de um possível filho que não terá resguardado seus direitos constitucionais à uma comunhão de vida familiar, como demonstra decisão a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL - ALVARA JUDICIAL - POSSIBILIDADE - ESTERILIZAÇÃO DE PESSOA INTERDITA - ALIENAÇÃO MENTAL - ESTUPRO - ESTERILIZAÇÃO CIRÚRGICA (LAQUEADURA TUBÁRIA) - GESTAÇÃO REPRESENTANDO RISCO A SAÚDE DA PARTURIENTE E DO SEU DESCENDENTE - CURATELA - PLANEJAMENTO FAMILIAR - LEI 9.263/96 - RECURSO PROVIDO - REFORMA DA SENTENÇA.

Comprovado que a interdita é portadora de deficiência mental permanente e de déficit psicomotor, incapaz de reger sua própria pessoa e sem receber de sua mãe os cuidados devidos, pelo estado de pobreza em que vivem, considerando ter sido vítima de estupro, impõe-se a autorização da cirurgia de laqueadura de trompas, de forma a evitar nova gravidez, ante os riscos previsíveis à sua saúde e do nascituro. (Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4666985/apelaçao-civel-ac-1228188-pr-apelacao-civel-0122818-8-tjpr)

CONCLUSÃO

Diante do exposto de que na Curatelatotal (no caso dos absolutamente incapazes), a figura do curador é responsável por representar o curatelado em todos os atos. E de que a Esterilização é um meio contraceptivo sem maiores implicações para a saúde do paciente e que tem a taxa de reversão de 90% (na vasectomia) e 70%-80% (na Laqueadura, se foi realizada com cuidados microcirúrgicos). Conclui-se que o Curador pode solicitar/autorizar a realização da Esterilização do Curatelado, para fins de resguardar a vida do Curatelado, como também, a vida e a dignidade de um possível filho do Curatelado, caso não fosse feita a esterilização.

Diante do analisado, infere-se também, que nada impede que sanada a situação que gera a incapacidade absoluta, logo, a curatela. Possa o anteriormente interditado, realizar um procedimento para reversão da Esterilização, visto que os especialistas apontam que as taxas de reversão da esterilização são altas. Ademais, pode o antigamente curatelado, caso não consiga a reversão da esterilização, adotar um filho,ou até mesmo preferir uma família anaparental.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, J.F. Direito Civil, v.5: direito de família. 6ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011.

BRASIL. Lei de Planejamento Familiar. Disponível em http://www.planalto .gov.br/ccivil _03/Leis/L9263.htm. Acessado em 2 de nov. 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acessado em 2nov. 2011.

AC 1228188 PR. Disponível em http://www.jusbrasil .com.br/jurisprudencia /4666985 /apelacao-civel-ac-1228188-pr-apelacao-civel-0122818-8-tjpr. Acessado em 2 de nov. 2011.

Taxa da possibilidade de reversão da Vasectomia. Disponível em:  http://www.protesepeniana.adv.br/tratamento-vasectomia-reversao.html?gclid=CND5146Ij6wCFU6Q7Qod-FjL8Q



[1]Aluno do 6º período do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2]Aluna do 6º período do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco([email protected])