A ESSÊNCIA DO PENSAMENTO DE JOHANN FRIEDRICH HERBART:UMA CIÊNCIA EDUCACIONAL

GREICE HERÉDIA DOS SANTOS MOURA

RESUMO

           O filosofo Herbart nasceu na Alemanha, em 1776 e dedicou sua vida à Educação. Sua filosofia pendeu para o Realismo Crítico. Esta aplicada à sua teoria educacional o tornou precursor da Pedagogia Científica, que contava com a colaboração da Psicologia e da Ética. Sua teoria propõe a sala de aula como o espaço do esforço lógico-intelectual e psicológico-mental de construção de idéias, onde o planejamento curricular, a organização do espaço escolar e a metodologia educacional devem estar de acordo com as leis de funcionamento da mente. Depois de atender a emergência da mente, a contribuição mais duradoura de Herbart para a educação é o princípio de que a doutrina pedagógica precisa comprovar-se experimentalmente, num processo de atualização e aperfeiçoamento constantes.

Palavras Chave: Herbart, Filosofia, Moral, Psicologia e Pedagogia.

ABSTRACT

The philosophy Herbart was born inGermany, in 1776, and dedicated his life to the Education. His philosophy turned to Criticism Realism. The philosophy applied to his educational theory made him the precursor of the Scientific Pedagogy, with the collaboration of the Psychology and of the Ethics. In the proposal’s Herbart, the class room is the logical-intellectual effort’s space and psychological-mental of construction of ideas, where the curricular planning, the organization of the school space and the educational methodology should be in argument with the laws of operation of the mind. After assisting the emergency of the mind, the most durable contribution of Herbart for the education it is the principle that the pedagogic doctrine needs to be experimentally proven, in a modernization and constant improvement.

Keywords: Herbart, Philosophy, Moral, Psychology and Pedagogy.

Introdução

 

Herbart trouxe para o ensino, antes de sistematizado, a idéia de Educação como Ciência, inaugurando o empirismo na educação e definindo como seu objeto e fim, o governo das crianças. Para isto, contou com a colaboração da Psicologia e da Ética, com seus meios e fins rigorosamente definidos. Assim vemos que Herbart não se limitou a teorias especulativas, mas avançou para teorias testadas e balizadas pelos métodos científicos conforme seu discurso. Na tentativa de resgatar este grande pensador que resistiu à prova do tempo, questiona-se quais as relevantes contribuições de Herbart para a Educação contemporânea?

Este artigo apresenta um estudo sobre as relevantes contribuições de Herbart ao campo da educação, de acordo com as obras do próprio pensador e de outros escritores da área. O tema desperta interesse devido ao impacto que teve os estudos de Herbart à área educacional de sua época, impacto este que sentimos até os dias atuais, como podemos perceber através da citação abaixo:

Com o filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841), a pedagogia foi formulada pela primeira vez como uma ciência, sobriamente organizada, abrangente e sistemática, com fins claros e meios definidos. A estrutura teórica construída por Herbart se baseia numa filosofia do funcionamento da mente, o que a torna duplamente pioneira: não só por seu caráter científico mas também por adotar a psicologia aplicada como eixo central da educação. (Ferrari, 2004)

A Metodologia desta pesquisa compreende a realização de procedimentos de coleta de dados, organização e análise destes dados, utilizando-se da pesquisa bibliográfica. Desta forma cremos ter alcançado os objetivos propostos para o presente trabalho. Objetivos estes, que foram construídos de forma a contribuir na busca da resposta ao problema levantado e que possui como fim principal, o resgate da essência do pensamento herbartiano, tão pouco conhecido por nosso corpo discente, e a verificação das relevantes contribuições de Herbart na educação contemporânea.

Johann Friedrich Herbart e sua Época

 

O filósofo alemão Johann Friedrich Herbart, nasceu em Oldenburg, Alemanha, no ano de 1776, foi considerado o pai da psicologia científica e da moderna ciência da educação, pois inaugurou o empirismo na educação e definiu como seu objeto e fim, o governo das crianças. Para isto, contou com a colaboração da Psicologia e da Ética, com seus meios e fins rigorosamente definidos. (Cambi, 1999)

Segundo Larroyo (1970, p. 670-671), Herbart não foi “somente um teórico puro”, este durante toda a sua vida, dedicada à educação, não se limitou a refletir sobre as experiências alheias a sala de aula, ao contrário, sempre manteve seu foco na tarefa de comprovar sua teoria através da experiência metódica.

Herbart viveu no final do século XVIII e início do século XIX, associando-se ao grande movimento de filósofos de sua época, sendo um dos pensadores que deram glória a sua pátria alemã nos dias em que estava subjugada pelo jugo napoleônico. Por esses tempos acentuou-se a participação do povo na vida política, o que também acentuou a inclinação separatista entre Escola e igreja, que já se manifestava na Revolução Francesa.

Sob a influência de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suiço que cria na natureza como grande elemento para o processo educativo e que centralizava sua visão nas peculiaridades da mente infantil para formar suas teorias educativas, os pedagogos começam a inclinar seus estudos para o desenvolvimento da aprendizagem na mente da criança e posteriormente formar suas teorias e práticas educativas.

Os filósofos desta época estavam, também inspirados sob influência, do filósofo e poeta Frederico Schiller (1759-1805) que aperfeiçoou e estendeu o ideal do Neo-humanismo. Já no aspecto da educação, naquele período do pestalozzianismo, onde o suíço João Henrique Pestalozzi (1746-1827) muda o conceito de ‘escola popular’, esta não passava de escola de primeiras letras e religião, agora ela se converte numa instituição que propõe despertar e aperfeiçoar as faculdades do aluno, dando-lhe uma verdadeira formação. Foi nesse contexto que Herbart chega com suas teorias nada românticas acerca da instrução.

Herbart possuía um gosto eclético, estendeu seus estudos pelas Ciências, pelas Letras, pela Matemática e pela Arte. Aos onze anos de idade estudou Lógica e aos doze, Metafísica. (Eby, 1976) e aos vinte anos, Herbart já havia estudado todos os principais sistemas da Filosofia antiga e moderna nas melhores escolas da Alemanha.

Em 1802 esteve em Göttingen, onde doutorou-se através de várias teses, dentre elas, três tratavam de Educação. Três anos depois foi chamado para lecionar Filosofia nesta mesma universidade. Mais tarde, na Universidade de Königsberg lecionou de1809 a1833, ocupando a cátedra de Filósofo ocupada anteriormente por Immanuel Kant. Ali ele dirigiu uma escola de aplicação, idéia já iniciada por Kant, onde seus alunos colocavam em prática os princípios aprendidos na sala de aula. Foi através desta mesma idéia que surgiu mais tarde, por meio dos discípulos de Herbart, as escolas experimentais e os cursos regulares para professores do ensino secundário onde eles podiam aplicar o conhecimento adquiridos através dos estágios.

Em 1833, Herbart volta para Göttingen, ocupando cátedra na Universidade de Schulze. Nesta Universidade permaneceu ensinando com entusiasmo e disposição até três dias antes da morte lhe sobrevir aos sessenta e cinco anos de idade, a 14 de Agosto de 1841, por causa de uma hemorragia cerebral. (Abbagnano & Visalberghi, 2001)

 

Influências na construção do pensamento de Herbart

 

Com Schiller, o jovem Herbart absorveu o ideal de uma plena, harmônica, unilateral, formação humana, e o conceito de que um tal ideal é ao mesmo tempo de natureza ética e estética. Foi sob a influência dessas idéias que Herbart toma a decisão de deixar o curso de Direito para se dedicar a Educação e Filosofia. Com a influência de Fichte o jovem Herbart é fortemente fisgado para o aprofundamento filosófico. (ibdem, p. 490)

Hubert (1976, p. 288) vê outras influências no pensamento desse filósofo, para ele "... Herbart deve suas mais fecundas idéias a seus predecessores, Comenius Rousseau, Kant e Pestalozzi.” Assim como Pestalozzi, Herbart tomou a intuição como ponto de partida no ensino. Percebemos que Herbart se aproxima mais do pensamento desse teórico, pois como ele, desenvolveu uma concepção mais realista da natureza da criança e sua escolarização, mas este não se deixou estagnar no tempo, desenvolveu, pois as teorias e conceitos absorvidos de outros pensadores a partir da prática educacional, aperfeiçoando-as e elevando-as ao posto de ciência.

De Kant, Herbart herdou a idéia de escolas de aplicação. De Rousseau recebeu a influência de uma educação que centralizava sua visão na mente do aprendiz. Já Comenius (1592-1670) objetivava a aproximação do homem a Deus, sendo ponto central tornar os homens bons cristãos, sábios no pensamento, capazes de praticar ações virtuosas. Em concordância com Comenius, “a educação concebida por Herbart aspira sobretudo a formar o indivíduo. É uma proposta de educação altamente moral, a qual enfatiza que o fim supremo da instrução é a moralidade e a virtude; é um processo de instrução moral onde o principal resultado esperado é moldar os desejos e a vontade das pessoas.” (Zacharias, 2007)

 

 

As Obras de Herbart

 

A inteligência de Herbart amadureceu muito cedo, já aos quatorze anos de idade realizou seu primeiro inscrito: um ensaio sobre a Liberdade da Vontade. Foi um exímio estudioso, dedicou-se ao estudo silencioso e a meditação solitária, que o levaram a escrever obras nas seguintes áreas: Filosofia, sendo Metafísica Geral (1828-1829) seu trabalho mais importante nesta área; Psicologia, com destaque nas seguintes obras, A Psicologia como Ciência Fundamentada Seguindo um Novo Método Sobre a Experiência I e II (1824-1825) e Cartas de Aplicação da Psicologia à Educação (1831); e Pedagogia, aqui destacamos o livro Pedagogia Geral Deduzida do Fim da Educação (1806), que continha os princípios fundamentais do seu sistema educacional.

Os inscritos de Herbart são o resultado de sua dedicação à Educação, nestes vemos o fundamento de uma Psicologia e Filosofia moral e estética aplicadas a mesma. Enfim, toda a obra que Herbart deixou, em conjunto, revelam além destes pensamentos aqui citados, a sistematização de uma teoria pedagógica, da qual vem desbravar. Teoria esta que está fundamentadaem suas Concepções Filosóficase sua Psicologia Educacional.

 

Concepções Filosóficas

 

Herbart afastou-se muito da filosofia corrente de seu tempo, que possuía um caráter idealista e romântico. Seu sistema educacional foi construído com base na sua concepção filosófica realista crítica, baseada na observação. Apesar de todas as suas atividades e descobrimentos, Herbart não conquistou a fama e o reconhecimento que lhe era devido. Pois, o seu realismo, quaisquer que sejam seus méritos ou deméritos, estavam claramente fora de moda. Contudo ele persistiu, sentindo que seria um traidor de si mesmo e da sua verdade se trocasse sua posição meramente para se ajustar aos tempos. Sua decisão, como dissemos, não o fez popular no seu tempo, mas o fez revolucionário após sua morte.

Metafísica realista e educação herbartiana

 

Os realistas afirmam que o universo existe independente de nós e é governado por leis naturais imutáveis e absolutas, sobre as quais exercemos reduzida influência. Ao comentar sobre o referido tema Knight afirma que, “o vasto cosmos segue sua rota normalmente a despeito da espécie humana e do seu conhecimento”. São o ambiente e as influências externas que definem em grande parte o que nós somos, “a esta radicada convicção se liga certamente a solicitação realistica de Herbart”. Para ele existe efetivamente uma quantidade de entes fora de nós, cuja natureza simples e própria nos é desconhecida, mas sobre cujas condições internas e externas podemos adquirir uma soma de conhecimentos que pode aumentar até ao infinito. (Abbagnano & Visalberghi, 2001, p. 491)

 Nessa concepção realista, os alunos são meros observadores, e os professores são observadores mais experientes que tem a função de fornecer as informações necessárias ao aluno, para que este saiba se portar diante da realidade universal. (Knight, 2001, p. 49-54). A educação, neste contexto, deve ter o propósito de preparar a pessoa para estar bem ajustada, mental e fisicamente no meio físico e social deste mundo. A criança deve-se tornar adaptável, mas sempre mantendo a sua individual capacidade criadora, a sua curiosidade e iniciativa.

Epistemologia realista e educação herbartiana

A verdade, para o realista, vai ser provada através da observação, seus métodos se baseiam na percepção sensorial. A verdade é vista, portanto, como um fato observável e a percepção sensorial é o meio para se adquirir conhecimento. (Knight, 2001, p. 51-53)

Concordando com sua metafísica, os realistas afirmam que a matéria existe independente da percepção, e estabelecemos um contato direto com esta. Tudo o que experimentamos sensorialmente não são apenas impressões, mas a própria matéria, a própria coisa.

O aluno, na concepção realista, é visto como um “organismo funcional” que pode conhecer o mundo e as verdades através da experiência sensorial. Concordando com essa concepção, Herbart propõe um método sistematizado de instrução com cinco passos formais, que começam de experiências concretas até o momento em que o aluno já é capaz de abstrair e fazer generalizações. O aluno deve ainda, dominar os conceitos que resistiram à prova do tempo, e para isso nosso educador disseca a “Odisséia de Homero” na instrução de seus educandos.

Axiologia realista e educação herbartiana

 

O objetivo final da concepção educativa herbartiana está ligado à formação do homem como ser harmônico e responsável, “mostrando a importância do caráter no âmbito da educação moral e da educação estética”. (Cambi, 1999, p. 431)

Por esses valores serem derivados de uma fonte cujas leis regentes são absolutas e imutáveis, estes também são permanentes. Herbart (In Sarto, 1937, p. 1562) vê o bem e a beleza como inseparáveis; um juízo moral é um juízo estético. Logo, os juízos estéticos são absolutos e, assim como os juízos morais, não necessitam de demonstração. À Educação cabe a tarefa passar aos educandos esses conceitos, pois para os realistas, qualquer sistema educacional deve ser engrenado para certos valores bem definidos.

 

A Psicologia Educacional herbartiana

 

Foi com Herbart que a Psicologia foi finalmente introduzida na Pedagogia. Este educador desenvolveu sua teoria psicológica a partir de suas experiências como professor, por isso esta teoria não é meramente de processos mentais, mas primariamente educacionais. Podemos dizer, então que para entender melhor a Pedagogia de Herbart, é necessário compreender sua Psicologia.

Dentre as contribuições deste pensador para este campo de estudos, há uma rejeição de Herbart no que se refere à doutrina das “faculdades isoladas da alma”, ele entende a vida como uma unidade em suas operações básicas, a saber: de conhecer, sentir e querer – “enquanto representa ou concebe, a alma é denominada mente; esta é a função de conhecer. Enquanto sente e deseja, é chamada coração ou disposição; estas são as funções de sentir e querer.” (Eby, 1976, p. 415)

Para entender esse processo é necessário levar em conta os conceitos de consciência, limiar da consciência e inconsciente, que são uma novidade introduzida por Herbart. “Para ele, o fluxo da consciência é oscilante, já que várias representações dos objetos permanecem algum tempo na consciência, com intensidade diferente, algumas no limiar, subindo para o foco de atenção ou desaparecendo depois, no inconsciente” (Aranha, 1996, p. 144). A massa de idéias que foi para o inconsciente, jamais é esquecida, ela pode voltar à consciência a qualquer momento, se for oportuno ou necessário. Esse campo mental é o reservatório das percepções, idéias e imagens que adquirimos através de toda a nossa experiência. Assim, a mente é composta de uma seqüência de representações, que sempre sobem à consciência e são, então, novamente substituídas por outras idéias. . Na ilustração abaixo é possível o porto de entrada de novas representações e o seu percurso na mente humana, segundo a teoria herbartiana.

 
   

Compreender a concepção de representações é a primeira exigência para uma compreensão da Psicologia e teoria educacional herbartiana. Representações são objetos de pensamento que foram trazidos à consciência, seja através da percepção sensorial, seja por construções feitas da junção de novas representações com as antigas.

Nesta proposta herbartiana, a sala de aula é o espaço do “esforço lógico-intelectual e psicológico-mental de construção de idéias” (Hilsdorf, 1998, p. 110). O planejamento curricular, a organização do espaço escolar e a metodologia educacional devem estar de acordo com as leis de funcionamento da mente, só assim, defende Herbart, a pedagogia terá o título de Ciência. Vejamos então, os princípio e métodos educacionais herbartianos, onde o leitor poderá notar as influências provenientes de sua Psicologia e Filosofia.

Princípios e Métodos Educacionais herbartianos

 

Quando Herbart formula seus princípios educacionais, procura atender as seguintes leis: a “lei da freqüência”, que afirma que a mente apreende uma idéia quando o interesse a traz de volta à mente, em primazia às outras, e quanto mais frequentemente um conceito ou idéia for trazido à consciência, mais fácil se torna a sua volta e maior o seu poder sobre a mente, isto ocorre devido à “lei do hábito”; e à lei da associação, que diz que há coordenação de idéias simples pela associação de idéias semelhantes e contraste com idéias não semelhantes. Essas leis quando aplicadas ao currículo “permitem a concentração de todos os conteúdos nos temas centrais das matérias” (Hilsdorf, 1998, p. 110). Herbart introduz, assim, a teoria dos interesses, que nada mais é do que um “poder ativo, residindo no conteúdo da mente, que determina quais idéias e experiências receberão atenção”. Nesta teoria, a concepção herbartiana liga-se com seu princípio da instrução educativa: despertar no aluno o interesse profundo por determinado conhecimento como o fim principal da instrução e base para a educação. (Eby, 1976, p. 412)

E qual será então o fim principal e a base da educação herbartiana? O objetivo fundamental da educação herbartiana é a formação do caráter pela aquisição de uma cultura moral. Esta cultura é que futuramente servirá para a formação do caráter do homem agora independente (Cambi, 1999, p. 433). Um homem moralmente valioso, na concepção herbartiana, é aquele que, independente das forças externas, mantém sua ética inquebrantável graças a uma resoluta e clara atitude moral. Esta atitude inclui ao mesmo tempo “o digno, o belo, o moral, o justo; numa palavra: o que agrada em seu estado perfeito, depois de uma contemplação perfeita.” (Herbart In Larroyo, 1970, p. 665)

Para Herbart, a cultura moral é mais importante do que a cultura intelectual, percebemos isso em sua afirmação de que “El valor de un hombre no se mide por su saber, sino por su querer” (Herbart In Labor, p. 1560). A instrução só terá valor se incutiu no aluno estes princípios morais. Entretanto, valorizar a cultura moral não significa descartar a cultural erudita, pois esta é para Herbart, tão educativa quanto o controle disciplinar. “não é por outra razão que um mesmo vocábulo, disciplina, designa ascese moral e rigor psicológico”.

Tendo imposto a moral como o objetivo máximo da educação, Herbart empenhou-se em descobrir o melhor método para alcançá-lo. Sua teoria, como vimos trabalha sobre a mente do educando, buscando despertar o interesse deste para uma moral autônoma e não imposta. Para isso, busca o tempo todo manter o equilíbrio entre o governo da criança e sua liberdade.

Metodologia da Educação herbartiana

 

Para Herbart, o ensino passa por três processos, o narrativo, o analítico e o sintético, estes se combinam e se vivificam reciprocamente. A forma narrativa se enquadra no início da vida escolar. Os resultados nesta fase serão satisfatórios se o professor souber descrever e narrar com clareza e vocabulário apropriado o conhecimento que queira passar para os alunos. A análise vem a seguir para fazer o registro das representações, “decompõe os conhecimentos nos seus elementos cujas qualidade dá a conhecer, abre oportunidades para leitura, pesquisa e discussão sobre o tema estudado. O ensino sintético completa a educação do pensamento. Vai do simples ao composto, através da associação e comparação. O campo desse ensino é imenso e inesgotável (Riboulet, 1951). Com relação à conduta pedagógica, Herbart propõe três procedimentos básicos que irão conduzir o aluno por esses três processos: Governo, Instrução e Disciplina.

O governo é uma ação externa para manter o controle da agitação da criança. É aplicado primeiramente pelos pais e depois pelos professores, com a intenção de fazê-las obedecer as regras do mundo adulto. Pode ser promovida por recompensas de prêmios, punições, proibições, vigilância ou ameaças, sempre respeitando a criança e evitando os excessos. “Para tanto, é preciso combinar autoridade e amor e manter a criança sempre ocupada.” (Aranha, 1996, p. 161)

A instrução educativa se baseia no desenvolvimento dos “interesses”. Herbart não separa a instrução moral da intelectual, para ele, uma é condição da outra. Para Eby (1976, p. 426), o método de instrução de Herbart é completamente original em seu contexto histórico. A fala a seguir explica mais detalhadamente a visão do autor sobre essa afirmativa: “Herbart fora impressionado pela inutilidade óbvia de muito do que era ensinado” (ibdem). Embora nosso educador se enquadre numa concepção filosófica realista e numa educação tradicional (que imaginamos ser descontextualizada e sempre baseada na memorização) onde o aluno atua somente como receptor do conhecimento, este aprendizado devia ser contextualizado e possuir um caráter pragmático. Diante do quadro histórico da educação nos temposem que Herbart viveu, podemos dizer que este pragmatismo vinha para melhorar o campo educacional, que, como já dissemos, concebia uma educação romântica e desvinculada da vida.

Para propiciar o desenvolvimento do aluno e garantir a conquista de seus objetivos, Herbart propôs cinco passos para a instrução, a saber:

  • Preparação: neste momento o professor, antes de iniciar um novo conteúdo, deverá trazer à memória do aluno um conhecimento já ensinado anteriormente ou algo de sua vivência que sirva de base para a aquisição do novo conteúdo. Dessa maneira o professor irá despertar o interesse do aprendiz para a construção do novo conhecimento.
  • Apresentação: neste segundo passo deve-se apresentar o conteúdo chefe do processo de ensino-aprendizagem. Herbart defende a idéia de que a exposição do conteúdo deve ocorrer com “clareza”, o que para ele é, partir do concreto para o abstrato; ou, quando se referir à moral, partir das experiências mais simples e compreensíveis para as mais complexas.
  • Assimilação (ou associação ou comparação): uma vez que o novo assunto foi introduzido, isto é, uma vez que foram apresentadas novas idéias e conceitos morais, históricos e científicos, estes serão completamente assimilados pelos alunos à medida que forem relacionados com as idéias e conceitos já conhecidos. O aluno já é capaz de fazer comparações (diferenças e semelhanças) dos conceitos novos com os antigos e fazer associações entre estes, assim a aquisição do novo conhecimento encontra o seu lugar na mente.
  • Generalização (ou sistematização): esse é o passo onde a mente é desenvolvida na sua capacidade máxima. O aluno já não precisa tanto de experiências concretas, ele já é capaz de abstrair, chegando a concepções gerais. Esse passo tem grande importância para a instrução na fase da adolescência.
  • Aplicação: esse é o passo final. É o exercício daquilo que o aluno aprendeu. Agora, a idéia aprendida fará parte da mente funcional e auxiliará o ser na sua interpretação da vida e de tudo que o rodeia. Um conhecimento assimilado e aplicado é a segurança de que as informações que passamos para o aluno não serão sobrecargas de dados sem valor para a mente. Assim, as novas idéias adquirem um sentido vital e deixam de ser um acúmulo inútil de informações.

Todo esse enfoque era taxonômico e estava ordenado de modo a ser considerado um método científico de uma investigação indutiva. Herbart cria que por estes meios podia criar-se um aluno com uma visão de mundo verdadeiramente objetiva, científica e assim eliminaria a possibilidade de erro. Dessa forma ainda, desenvolveria a moral, pois, conforme esse aluno adquirisse um “círculo de pensamento” sistematizado, teria auto-controle sobre suas vontades. (Bowen, p. 312, 1985)

E finalmente, disciplina. Esse é o procedimento que tem a função de preservar e manter firme a vontade no caminho e propósito da virtude. Essa ação é dirigida para o futuro (a longo prazo), resultando na estável conquista da personalidade (SARTO, 1937). Percebemos então que, enquanto o governo é uma ação extrínseca e heterônoma, a disciplina é intrínseca, autônoma e fortalece a autodeterminação (característica do amadurecimento moral) como base para a formação do caráter.

 

Quanto ao Currículo

 

Herbart afirma que ele é extremamente importante na educação escolar, assim como a vida da alma abrange idéias que formam o círculo de pensamento. Dentro do que já foi abordado sobre as representações, podemos dizer que, referindo-se à totalidade do que a mente humana pode compreender, estas se resumem em dois tipos, os quais servirão de base para o currículo: as que nascem da experiência das coisas e das quais derivam o conhecimento dos objetos, das forças e das leis da natureza, ou seja, é o conhecimento empírico; e as que vêm do intercâmbio social ou relações sociais, destas podem-se aprender a natureza do homem, suas relações pessoais, moralidade e religião. Estas últimas, Herbart denomina solidariedade. (Eby, 1976, p. 424)

Herbart considera a poesia, juntamente com as matemáticas, os meios mais poderosos de cultura. Quanto aos estudos literários, dá preeminência ao grego sobre o latim, e pretende que desde a idade de oito a dez anos o ensino dessa língua tenha por base a leitura da Odisséia de Homero lida no idioma original, tomada como o centro de todo o ensino.

A pedagogia herbartiana procura ao máximo garantir a diversidade de interesses, abrangendo simultaneamente ensinos eruditos e morais. No quadro abaixo Herbart apresenta um resumo das correspondências entre o que ele considera os objetos de interesse dos alunos e as áreas de estudo nos quais se encontram.

Quadro 1: Correspondência entre interesses e disciplinas curriculares.

Interesses

Currículo

Empíricos – permitem conhecer o mundo                        externo (sensível) e interno                            (especulativo)

matemáticas e

ciências naturais

                  – permitem conhecer o mundo                       da intuição estética

artes e práticas

Simpatéticos – permitem conhecer o                                        mundo social

                        – permitem conhecer o                                      mundo humano

                        – permitem conhecer o                                      divino

história e geografia

língua e literatura

 

religião

Fonte: HERBART In HILSDORF, 1998, p. 109.

Considerações Finais

Grandes contribuições devemos ao educador Johann Friedrich Herbart, seu desbravar no campo da Ciência Educacional, suas idéias sobre o interesse, a criação de escolas experimentais como processo para reformar a educação, o caráter de objetividade de análise, o rigor nos passos seguidos e a sistematização são alguns aspectos que determinam a sua grande influência no pensamento pedagógico. Todo esse enfoque científico e experimental que Herbart preconizou no campo educacional causou grande impacto nessa área. Hoje podemos afirmar que não saberíamos fazer educação sem pensar que esta é uma ciência e deve ser pensada e refletida como tal.

Para Ghiraldelli (2007), nos séculos XIX e XX, no Ocidente, ocorreram três grandes revoluções na teoria educacional que nos afetam até os dias de hoje. Cada uma dessas revoluções girou em torno de uma emergência educacional. A primeira delas leva o nome de Herbart: é a emergência da mente. As contribuições de Herbart não perderam sua relevância, pois apesar de termos avançado muito em filosofia da mente “não seria possível fazer teoria educacional sem considerá-la. Assim, a herança de Herbart, está viva.”

Quando a educação se apercebeu sobre a emergência da mente, esta passou a pensar no processo de aquisição do conhecimento e o modo como se processa na mente do aluno, em contraste com os métodos educacionais que se preocupam somente com o produto final.

Numa avaliação do trabalho de Herbart é preciso reconhecer que esse fez, no séc. XIX, grande revolução no campo educacional, filosófico e psicológico. Este filósofo com a intenção de sair de um ponto extremo, onde havia chegado o Idealismo, pendeu para uma filosofia Realista onde “as pessoas encontraram o racionalismo no qual se desenvolveram as ciências modernas” (Knight, 2001, p. 50) e onde ele desenvolveu a sua ciência educacional, pena ter caminhado para o extremo do racionalismo e da educação utilitária. Hoje, as teorias herbartianas têm sido desvalorizadas por vários motivos. Entretanto, as deficiências encontradas na sua teoria, vistas à luz de sua época não anula seus rendimentos excepcionais.

No ponto de vista axiológico, verificamos um ponto positivo na concepção herbartiana: a criança deveria ser ensinada a partir de padrões morais absolutos e imutáveis dentro do universo, e esses valores, assim como o conceito de verdade, deveria ser buscado através da observação. – e isso sabemos que era também um hábito de Cristo, aprender com a observação, no caso aqui, da natureza especificamente (White, 2004). Entretanto, concordando com a metafísica realista, somente se pode ter com real aquilo que nossos sentidos podem captar. Assim, Deus, como o criador dessa natureza, de todo o universo, dos princípios absolutos é totalmente excluído e o homem passa a ver o próprio homem como um referencial a ser seguido.

Outros pontos que merecem destaque especial são aqueles referentes aos princípios e métodos educacionais herbartianos que revelam um respeito à criança ao afirmar que jamais devemos adquirir uma atitude sua através da obrigação. Essa pedagogia, busca constantemente desenvolver na criança um autocontrole, uma obediência a superioridade do adulto e à empatia. Para Herbart, assim como para White, a base da educação deve ser sólida e nós como educadores, temos a missão de formar alunos virtuosos, equilibrados e que encontrem o prazer no serviço divino, certamente que esta é uma tarefa árdua que requer de nós um foco bem definido. Portanto, nosso dever, como educadores, é sermos espelhos refletores do caráter de Cristo. (Confederação das Uniões Brasileiras da IASD, 2004)

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