Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR 

Assim como se fala em concentração de rendas, concentração de capital etc., agora está-se falando também em concentração de torcidas. É a “espanholização” dos campeonatos, que tendem a se resumir a confrontos dicotômicos (maniqueístas), tipo Barcelona x Real Madrid.

Quem mais perde com esse modelo centralizador são os pequenos clubes das capitais. Alguns sobrevivem com dificuldades. Outros foram sumariamente extintos. Quais são as causas estruturais desse modelo, que afunila campeonatos e concentra torcidas em poucos clubes de massa?

Ao longo de minhas pesquisas sobre futebol, conversei com vários jornalistas, pesquisadores e dirigentes de clubes pequenos e, sem pretensão de esgotar o tema, posso resumir a cinco os principais fatores por eles citados. Em síntese, são os seguintes:

1) Profissionalização. Muitos clubes não resistiram ao movimento, pois não tinham capital suficiente para armar equipes competitivas. Os que sobreviveram, viraram apenas sombras do próprio passado. E competem, desigualmente, com times de ocasião (não verdadeiros “clubes”) apoiados por prefeituras ou grandes empresas. O apoio da prefeitura não existe se o pequeno clube é da capital. Alguns se vêem obrigados a mandar jogos em outros municípios: alguns caraminguás em troco da perda da torcida, da tradição e das raízes. Patrocínio de grandes empresas também não existe, pois o marketing depende da visibilidade da marca, i.e., do tamanho da torcida que o clube atinge.

2) Grandes estádios. Albertão em Teresina, Vivaldão em Manaus, Almeidão em João Pessoa, Rei Pelé em Maceió. É a tese de Raymundo Quadros, que debita na conta do Maracanã uma das razões do apequenamento de clubes como o São Cristóvão (QUADROS, Raymundo. Chuva de glórias. Campinas: Pontes, 2004. p. 39-40). Suas torcidas modestas, de bairro, que se instalam confortavelmente em estádios acanhados, onde conseguem fazer barulho e pressão (“alçapões”), ficam deslocadas, acuadas e parecem ainda menores em estádios de grande porte.

“... os clubes pequenos – encarados simpaticamente por alguns e qualificados positivamente por seus esforços e/ou tradição no ambiente esportivo, – ou vistos como elemento perturbador da verdadeira profissionalização do futebol pelo prejuízo que acarretariam aos grandes clubes dos maiores centros nacionais de futebol – não se caracterizam principalmente pela composição social de suas torcidas, sendo antes encarados como ‘clubes de bairro’, de torcida muito reduzida, inconstante e que não recebem adjetivação continuada, específica, distintiva” (FLORES, Luiz Felipe Baeta Neves. Na zona do agrião. In: DAMATTA, Roberto (org.). Universo do futebol. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982. p. 53).

3) Televisão. O rádio acompanha o torcedor no estádio; a TV o retira de lá. Principalmente o torcedor de time pequeno, que, pelo motivo acima, não tem muito incentivo para ir ao estádio, enfrentar a massa de torcedores adversários. Como são televisionados os jogos de outras praças, na realidade o torcedor é cativado por times de fora - não só da cidade, mas do país.

“Também, o leitor quer saber sobre o futebol piauiense. Parece piada, porque, para eles, vale mais um estrangeiro do que aquilo que é nosso; é passado para nós de que estas equipes são ruins. Mas cabe a cada cidadão repensar suas atitudes ou você prefere continuar como filho do colonizador a vida inteira? Torcer para o futebol piauiense não é vergonha não, eu me sinto envergonhado é de torcer para o Barcelona, Manchester, isso sim me envergonha” (SILVA, Eulárnio Santos. História do futebol do Norte e Nordeste. Rio de Janeiro: Litteris, 2002. p. 86).

Ademais, as emissoras dão preferência aos times de grandes torcidas, porque evidentemente dão maior audiência. O resultado é um círculo vicioso, pois mais pessoas, principalmente das novas gerações, passam a admirar esses times, cujas torcidas crescem ainda mais. Enquanto isso, minguam as torcidas dos pequenos clubes das capitais.

4) Regulamentos que favorecem os grandes clubes. Além das competições em que os grandes times só entram depois que os pequenos se engalfinharam para disputar uma ou duas vagas, há aquelas em que, em vez de a renda de todos os jogos ser dividida, ela fica inteira com o mandante da partida. Com isso, clubes pequenos das capitais pouco conseguem arrecadar durante a competição, pois nos seus jogos “em casa”, não têm renda; e nos jogos do interior, a torcida pode até ser maior, mas a renda não é sua.

5) Lei Pelé. No frigir dos ovos, a maior parte dos recursos que antes ia para os clubes, agora fica com os empresários. Mas quem forma os jogadores? O clube ou o empresário? Assim, os custos de formação de novos jogadores não são satisfatoriamente cobertos.

“Quero, aqui, deixar alguma contribuição para que algo seja feito em prol dos clubes pequenos. Se acabarem com os times menores, morre o futebol no Brasil. É a mesma coisa que tirar a categoria de base, dali sai o craque” (SILVA, Eulárnio Santos. Op. cit., p. 5). Como exemplo máximo, basta lembrar que Ronaldo Fenômeno surgiu no São Cristóvão.

6) Fusão Guanabara – Rio de Janeiro. No caso dos pequenos clubes cariocas, essa é considerada uma causa fundamental. Com a fusão, eles passaram a sofrer a concorrência direta de times do interior, que angariam a torcida da cidade e/ou apoio da prefeitura.