A ESCRITA DA HISTÓRIA NO SÉCULO XIX

(incluindo a historiografia de Sergipe no séc. XIX)

 

  A história do século XIX esteve em uma posição de disciplina dominante, mas ao longo do tempo sofreu mudanças, as quais proporcionam a crise da história, como disciplina na questão ideológica, política e valores.

Antes de entrarmos nessa discussão, vale ressaltar a posição do Positivismo em elação a escrita da história. O que é Positivismo? Sistema filosófico criado por Auguste Comte, que pretende emancipar-se da metafísica e basear-se somente nos fatos. Tendência para encara à vida só pelo lado prático[1]. Não! Trata-se de uma corrente historiográfica que buscava a formulação de leis para explicar o passado e, quem sabe, poder até chegar a prever o futuro.

 O positivismo defende a questão que a escrita da história pode ser entendida através apenas da leitura de um documento oficial, onde os fatos falam por si mesmo sem avaliação de um ser humano.

 No final do século XIX a história foi uma disciplina pré-paradimática, ou seja, um modelo a ser seguido, mas em virtude da crise na história, da qual se aplica o modo em questão da escrita da história, das dificuldades de escrever e de investigar a história, alguns problemas da história intelectual vieram a serem questionados, problemas esses difíceis de resolver por alguns motivos como as mudanças de vocabulários.

  As duas Guerras Mundiais para historiadores franceses foi o que incitou novas maneiras na escrita da história fazendo brotar tendências inovadoras na historiografia francesa, como a Annales, estando essa voltada para atividades econômicas, organização social, política, em fim fazendo uma reflexão geral da história, deixando de lado os paradigmas tradicionais da historiografia.

   A utilização de fontes na escrita da nova história também obteve mudanças, os quais antes eram apenas utilizadas caso fossem oficiais, e com o paradigma da escrita da nova história qualquer espécie de documento é utilizado, como fotográficas, arqueológicas, orais, em fim de todos os tipos.

   Nesse caso, a própria obra dos homens preocupados em registrar o passado passa a ser foco do historiador atento ao movimento dos Annales. É o caso da produção corográfica de Severiano Cardoso, originária da última década do século XIX e dos primeiros anos da República. Nesse caso, temos em mãos um documento produzido por um intelectual de formação monárquica que busca registrar a cultura popular nos primeiros anos republicanos, ocasião marcada pelas incertezas e preocupação com o desaparecimento das tradições diante da emergente modernidade.

 Febvre[2] ressalta em Chartier a utilização do novo método de pesquisa como fonte. Assim “...a utensilagem mental que manipula os homens de uma época é pensada como um determinado stock de <<material de ideias>>.[3]

     A geração de historiadores dos Annales contribuiu firmemente com a evolução intelectual francesa, sem limites em arrecadar conhecimentos de modo coletivo.

    A cultura tem uma ligação importante com a intelectualidade, pois cultura é um conjunto de significados históricos, os quais mostram uma estrutura social de um povo, estabelecendo a relação do objeto intelectual com os inúmeros aparecimentos culturais.

    As práticas da leitura com a nova escrita da história proporcionou condições de liberdade ao leitor sem precisar limitar a maneira e linguagem, assim ele tem a oportunidade de imaginar irredutivelmente cada forma, sentido e gestos, construindo então sua própria significação em um texto. Nos textos antigos essa liberdade não era dada, existiam edições que o corretor de impressão dizia como deveria ser feita a leitura, privatizando o leitor da sua imaginação.

    Para compreensão dos textos produzidos no século XIX muitos obstáculos eram enfrentados, a narrativa de um texto proporcionava inúmeros entendimentos, ou até mesmo entendimento algum.

   Diante disso, mergulhar no universo do oitocentos significa buscar os sentidos que os intelectuais atribuíam ao passado e, particularmente, a cultura. São homens que tentam aproximar as inovações do campo da história (em diálogo com a metodologia cientificista) com a emergente área de estudos da cultura popular, denominada folclore. Severiano Cardoso parece que trilhou esse percurso escorregadio, perigoso, entre o falado popular e o escrito presunçosamente cientifico. Para Chartier, “é grande a distância entre o relato pronunciado e a escrita impressa.[4]

   O processo para uma obra ter harmonia é preciso semelhanças entre texto, leitor, sinais textuais e expectativas, pois sem elas os textos sofrem mudanças de significados. Os textos podem edições nos capítulos, títulos e resumos, para facilitar a leitura, até mesmo para alguém menos apito a ler.

  As leituras e compreensão de livros e textos são realizadas através do engajamento entre disciplina e invenção sendo elas trabalhadas juntas, uma impulsionando a outra e trazendo excelentes resultados. A leitura camponesa francesa realizada no século XVII sobre as histórias particulares de vida, não foram o bastante, eles necessitavam de algo diferente, com valores inovadores; remete-se ai a falta da disciplina e invenções da qual refere-se o parágrafo a cima.

  As mudanças nas leituras de camponeses aconteceram a partir das extinções habituais e culturais, estas estimularam um desejo de leituras impressas e novas, construídas por inúmeras pesquisas, as quais deixaram a leitura mais clara, permitindo assim o não uso da leitura ultrapassada do século XVIII.

 A historiografia em Sergipe no século XIX também não foi diferente da francesa. Ela estabelecia limites na utilização de fontes para escrever a história, tendo assim um valor pouco confiável (fictício), pois “oitocentos é o século da invenção de Sergipe” [5]; razões como essas permitem estudar as escritas e história local.

 Os títulos e as escritas das obras grafadas no século XIX em Sergipe sempre remetem a geografia, topografia e política, mas nada concreto, pois os autores não tinham grande conhecimento e não eram especializados, a final para os historiadores, escrever história era narrar minuciosamente os fatos registrados em ordem cronológica.

Ao que tudo indica, Severiano Cardoso parece que tentou de alguma forma seguir esse padrão, mas não escrevendo sobre história. Ele buscou escrever sobre a área de conhecimento que vivia o seu apogeu no alvorecer da República: a corografia.

 As obras corográficas representam muito bem a história crônica, autores como Laudelino Freire e Armindo Guaraná, e entre muitos outros mostram em seus escritos detalhes de Sergipe. Obras desse tipo passam a ser publicadas logo que iniciou a Republica, e dentro de pouco tempo utilizadas nas escolas, sendo elas de grande importância, pois fala do passado local, o que ajudou na construção da sua historiografia.

  No século XX a escrita da história permanece obtendo mudanças com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe tendo a responsabilidade em agrupar fontes e preparar escrita sobre os municípios sergipanos através de união entre pesquisas, o que possibilita inúmeras escritas, como as monografias e artigos.

 Os objetos indispensáveis para executar pesquisas no século XX eram o tempo e o impresso almanaque. Com eles os historiadores vertem as evoluções e identificam os sinais gráficos da história cientifica, e ainda controla e seguem o tempo social, tendo como exemplo o Almanaque Sergipano, que passou a ser conhecido do final do século XIX para inicio do século XX.

O Almanaque Sergipano foi uma obra abrangente. Muitos historiadores sergipanos e até de outros estados colaboraram para sua construção e publicação com textos de caráter voltado para história, retratando o passado cultural do século XIX ao século XX. Podemos citar como exemplo de autor e obra, Severiano Cardoso, Corografia de Sergipe onde ele mostra a originalidade de Lagarto, os costumes local e populacional. Esses estudos de traços de história dos municípios e também de vidas ilustres, ganharam o clímax no IHGS.[6]

 Obras com características ressaltadas a cima, apareceram no século XIX em forma de livros didáticos, sendo utilizados em escola primária e apresentada no estudo da história pátria. E por que na história pátria? A priori a linguagem apresentada em obras com esse contexto é de fácil compreensão, a descrição detalhada do lugar de origem, isso trazia um claro entendimento.

  Vale ressaltar que apesar dessas respostas a criação do livro didático encontra-se com lacunas enfraquecidas e a espera de ser preenchida, e que merecem ser pesquisadas, investigação essas que com as mudanças ocorridas na escrita da história permitem inúmeras possibilidades de fontes a serem utilizadas.

 Esses surgimentos na mudança da escrita da história no decorrer dos séculos ganharam o verdadeiro impulso com os estudos dos Annales, estes proporcionaram estudos mais amplos, permitindo aos estudiosos um olhar mais aprofundado em analises, e ainda liberdade de autoquestionar e assim obter clareza em suas edições. Ao contrario do Positivismo que não permitia opiniões do autor em suas pesquisas, fazendo delas uma transcrição documental.

 Os estudos de Chartier e Freitas seguem com os mesmos critérios em relação às mudanças na escrita da história, ainda que, sendo de lugares diferentes, isso não os impediu de apresentar uma linha textual que permitisse fazer uma relação aparente entre Sergipe e França em suas mudanças escriturárias no final do século XIX e inicio do século XX.

 Diante das entre linhas estudadas em relação às mudanças na escrita da história ao longo dos séculos, nos deparamos a uma interrogação. Será mesmo as mudanças ocorridas na escrita, ou na forma em que os pesquisadores passaram a ver e analisar a história?

 O Estado de Sergipe no século XIX, mas precisamente em 1895 se encontrava em uma escassez de livros didáticos sobre a geografia de Sergipe, para ensino primário, tanto que muitos professores sergipanos tornavam-se autores, pois escreviam ao seu modo sobre o assunto referente.

O estado brasileiro em seu ensino primário do século XIX teve uma marca registrada com obras de caráter corográfico, onde traz elementos importantes sobre a geografia brasileira. As escolas do estado sergipano também adquiriu a presença de obras desse caráter, as quais trazem detalhes sobre a geografia de Sergipe na época. Apesar de ser de grande importância para o Estado, as corografias sergipanas não eram tão enfatizadas nos currículos. “Somente a partir de 1894 começou-se a enfatizar o estuda da Geografia e História local.”[7]

 Sergipe veio a ter corografias depois de diversos estudos sobre a geografia local, essas foram feitas em forma de artigos, livros e dicionários, titulados com diversos temas e descrições, sendo utilizadas nas escolas como disciplina obrigatória, ajudando os alunos a conhecer o seu Estado. “As corografias foram os primeiros livros escolares que reuniram os múltiplos aspectos da vida sergipana de forma didática.”[8]

 Apenas seis obras desse tipo foram realizadas, entre 1897-1921, sendo elas, Quadro Chorographico de Sergipe, (1898) de Laudelino Freire; Meu Sergipe: ensino da História e Chorographia de Sergipe, (1916) e História e Chorographia de Maruim (1921) ambas de Elias do Rosário Montalvão; Choroqraphia do Município de Lagarto, de Eutychio de Novaes Lins; Dicionario Chorographico de Sergipe, de Manoel dos Passos Oliveira Telles; e Chorographia do estado de Sergipe, (1897).[9]

 É de importância ressaltar o surgimento da primeira obra corografica depois da proclamação da República, essa titulada como, Chorographia do Estado de Sergipe, do autor Luiz Carlos Lisboa, sendo o primeiro livro didático com conteúdo voltado para geografia de Sergipe.

 Laudelino de Oliveira Freire o qual, “abraçou o magistério e a advocacia, sendo professor catedrático do Colégio Militar e advogado notável no Rio de Janeiro”[10]  foi o responsável pela segunda obra com esse perfil, mas ele não achava viável referir-se-á como geografia, pois não abrangia todo Estado e sim algumas parte do mesmo.

 não tratamos do todo o vasto campo exigido pela palavra geographia e sim de partes fragmentorias, de descripção puramente regional, região que é território que constitue o Estado, julgamos mais cabível e expressivo o título de . Quadro Corographico de Sergipe.[11]

      Obra que recebeu vários elogios em nota de jornais da época, estimamente elaborada cuidadosamente, trazendo as mudanças daquele tempo.

 É importante ressaltar que a primeira tentativa na elaboração de um corografia sobre a história de Sergipe foi de Severiano no ano de 1895.

 Embora tenham sido elaboradas poucas obras desse caráter em Sergipe, sendo pelo menos em quatro e quatro anos para a realização de todas, mas foram de suma importância para a história social do Estado de Sergipe.

 

 

 

 FREITAS, Itamar. Bibliografia histórica do século XIX. A semana em foco, Aracaju, 6B, 2004.

GUARANÁ, Armindo. Dicionário Bio- Bibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Ponjenti, 1925. p.363

RIOS, Dermival Ribeiro. Minidicionário Escolar: Língua Portuguesa. São Paulo: DCL,1999.p.434.

SANTOS, Maria Fernanda dos. A escrita da história de Severiano Cardoso no Entardecer do século XIX. São Cristovão, 2007.

SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os seus livros didáticos sobre Sergipe: do século XIX ao século XX. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2004. p. 51.

 

 

 

 

 

 

 



[1] RIOS, Dermival Ribeiro. Minidicionário Escolar: Língua Portuguesa. São Paulo: DCL,1999.p.434.

[2]  Historiador modernista francês, cofundador da chamada Escola dos Annales.

[3] CHARTIER, Roger, A história cultural entre práticas e representações. Pompideu: Memória e sociedade 2002, p.39.

 

[4] CHARTIER, Roger, A história cultural entre práticas e representações. Pompideu: Memória e sociedade 2002, p.125.

[5]   FREITAS, Itamar. Bibliografia histórica do século XIX. A semana em foco, Aracaju, 6B, 2004.

[6] Santos, Maria Fernanda dos. A escrita da história de Severiano Cardoso no Entardecer do século XIX. São Cristovão, 2007.

[7] SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os seus livros didáticos sobre Sergipe: do século XIX ao século XX. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2004.

[8] SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os seus livros didáticos sobre Sergipe: do século XIX ao século XX. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2004.

[9] SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os seus livros didáticos sobre Sergipe: do século XIX ao século XX. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2004.

[10] GUARANÁ, Armindo. Dicionário Bio- Bibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Ponjenti, 1925. 

[11] SANTOS, Vera Maria dos. A Geografia e os seus livros didáticos sobre Sergipe: do século XIX ao século XX. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão, 2004.