Gema Parenti Araújo
Pedagoga Pesquisadora

Palavras-chave: Avanços tecnológicos, gestão, mal-estar docente, motivação.

O mundo contemporâneo vem sofrendo diversas transformações em múltiplos setores da sociedade, inclusive na educação, provocadas especialmente pelo avanço das tecnologias, pela produção incessante de conhecimento e pela criação de novos meios de comunicação.Essas transformações são, ao mesmo tempo, responsáveis por esse processo e resultantes desse processo, que é irreversível e tende a avançar rapidamente a cada dia.

Na visão de Anthony Giddens (2005), a modernidade deveria ser vista como um fator multidimensional que inclui mudanças sociais, intelectuais e políticas; ao invés disso, a modernidade busca valorizar a multiplicidade de valores atingindo assim a identidade dos sujeitos. Diz o autor que, "em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as conseqüências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes" (GIDDENS, 2005, p.12).

Na percepção de Stuart Hall (2003), de certa forma, o indivíduo possuía uma única identidade, mas com a modernidade o mesmo indivíduo tem que adaptar-se a várias identidades "formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam" (HALL, 2003, p. 13).

Alberto Melucci (2001) adota a expressão identização para referir o "caráter processual, auto-reflexivo e construído da definição de nós mesmos" (MELUCCI, 2001, p. 34). A identidade é, para este autor, "um processo de constante negociação entre as diversas partes do eu, tempos diversos do eu e ambientes ou sistemas diversos de relações, nos quais cada um está inserido", capacitando o indivíduo a responder pelos múltiplos e contraditórios elementos que lhe compõem em cada momento (MELUCCI, 2004, p. 67).

O mal-estar docente, fenômeno contemporâneo, pode estar relacionado a todas essas mudanças que vêm ocorrendo e que afetam também os professores e suas identidades.O professor, em meio a tantas exigências e necessidades que se transformam continuamente, questionando seu papel e suas funções, acaba por desenvolver sentimentos de insatisfação profissional e falta de disposição para buscar aperfeiçoamento; esgotamento pelo acúmulo de tensões; depressões. Esses sentimentos, muitas vezes, o levam ao abandono da própria profissão,visto que as mudanças acontecem com tanta rapidez e não conseguem seracompanhadas pelos educadores.

Segundo Moacir Gadotti, em sua obra Boniteza de um Sonho (2001, p. 14), essas mudanças vão além da sala de aula "através da rede de computadores interligados",com isso, informações são passadas velozmente para o mundo todo em qualquer ocasião, sejam elas de qualquer natureza, permitindo que o aluno traga para a sala de aula informações muitas vezes ignoradas pelo professor.

Em meio a toda essa corrida ao progresso, podemos dizer que a escola acaba perdendo-se em relação ao ensino e à aprendizagem, tanto pela falta de recursos para atender a toda essa demanda de novos conhecimentos e competências, como pela falta de formação dos que precisam acrescentar à sua função de transmissores do conhecimento, a de animadores culturais, assistentes sociais e responsáveis administrativos. Esta concepção multifuncional pode traduzir-se num fator de perturbação e de stress, levando o educador ao desânimo.

Além da constante formação do educador, para que possa acompanhar as mudanças e assim evitar o mal-estar, acredito na importância da construção de um bom relacionamento no ambiente escolar, incluindo osmomentos de construção e reconstrução dos significados das práticas em sala de aula, como afirma Philippe Meirieu (2006), dizendo que "todo nosso esforço consiste em despertar a motivação no próprio movimento do trabalho", pois é trabalhando e investigando que se constrói a motivação" (MEIRIEU 2006, p. 51).

O acesso à informação está se tornando cada vez mais um problema com o qual a escola tem de lidar. A informação hoje circula em revistas, jornais, Internet, TV e outros. À escola cabe redirecionar suas práticas para a viabilização e democratização do acesso a essa informação, visando a criação de condições para que o aluno possa gerenciarde forma coerente este acesso em questão.

Vivemos em uma sociedade rotulada de vários nomes[1], mas que aflui para a mesma idéia de avanços tecnológicos. Seja qual for o rótulo, incontestavelmente os tempos são outros e, portanto, são tempos que pedem uma nova escola e que requer uma inovação daqueles que dela participam. A gestão pedagógica é uma parte importante desse processo, pois a ela cabe estabelecer objetivos específicos, definir as ações em função dos objetivos e do perfil dos alunos e da comunidade, como afirma Heloisa Lück: "gestão educacional corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo" (LÜCK, 2006, p. 36).

A autora ressalta a importância do projeto pedagógico para acompanhar toda essa transformação que a escola vem sofrendo na atualidade, sendo que o projeto deveria ser revisto a cada ano e em alguns casos, reformulado, pois é através da prática que novas idéias vão surgindo e alimentando o aprendizado. A escola está deixando de ser um espaço para acumular conhecimento, onde o educador é visto apenas como um depositário do saber; hoje, o papel do professor passa a ser o de e facilitador do aprendizado, também o de criar situações de aprendizagem que sirvam para toda a vida do aluno, através de metodologias que organizem e criem condições para um ambiente educacional autônomo.

Para facilitar essa construção mencionada, é fundamental que se crie na escola, um clima agradável entre professor e gestores, pois dessa forma o professor terá mais facilidade de compartilhar seus saberes e as suas idéias. Sentir-se-á apoiado nas suas propostas e nos seus protestos. Terá liberdade para expressar seus sentimentos em relação ao ensino e às aprendizagens e não aprendizagens de seus alunos, estes últimos como um dos motivos já comprovados de intenso mal-estar dos professores.

Colocando-se numa posição de aprendente, disposto a aprender sempre, com certeza será ouvido pelos colegas e pela equipe gestora da escola, tendo assim a liberdade de expressão nas trocas de experiências entre os colegas, tão importantes para o aprimoramento do ensino. Para isso, se faz necessário uma constante reflexão da sua prática docente, para que se torne consciente do que faz, de como faz e do que não faz, porque na medida em que constrói essa consciência, o professor, como afirma Jaume Carbonel, "passa a se deparar com as suas potencialidades e fragilidades e esse é o ponto de partida de um processo de mudanças e de avanços pessoais e profissionais".

Os profissionais da educação devem lembrar-se continuamente de sua vocação, paixão, compromisso. A vocação é um compromisso com a paixão pelas diversas dimensões do conhecimento – psicológicas, epistemológicas, sociais, éticas e políticas – e pela curiosidade permanente quanto a tudo que acontece na sala de aula, na escola e na comunidade, no município, no estado, no país e no mundo; porque "a vocação é uma decisão individual que se projeta no coletivo." (CARBONEL, 2001, p. 110)

José Manuel Zaragoza (1993) faz referência à acelerada transformação no contexto social em que se desempenha a educação, fazendo novas exigências a cada dia. "O sistema educacional, rapidamente massificado nas últimas décadas, ainda não dispõe de uma capacidade de reação para atender às novas demandas sociais" (1993, p. 13). Por outro lado, os educadores, como profissionais responsáveis pela mediação do conhecimento, que desempenham papéis importantes na transformação dos indivíduos, precisam estar atualizados e aptos a enfrentarem as mudanças e, que para não se sentirem inferiorizados, deveriam buscar novos conhecimentos através de continuas capacitações, a fim de estarem sintonizados com os acontecimentos que ocorrem no mundo.

Nesse sentido, Gadotti (2001) faz menção à necessidade do educador de buscar atualizar-se para que consiga acompanhar essas constantes mudanças.

Em sua essência, ser professor hoje, não é nem mais difícil nem mais fácil do que era há algumas décadas atrás. É diferente. Diante da velocidade com que a informação se desloca, envelhece e morre, diante de um mundo em constante mudança, seu papel vem mudando, senão na essencial tarefa de educar, pelo menos na tarefa de ensinar,de conduzir a aprendizagem e na sua própria formação que se tornou permanentemente necessária. (GADOTTI, 2001, p. 7)

Em nossa atividade de formação de professores, numa escola pública de ensino fundamental, por ocasião de nosso estágio do último semestre do Curso de Pedagogia,durante um debate sobre a necessidade de o educador atualizar-se e participar de cursos para que possa estar sempre bem ciente no que diz respeito ao ensino e aprendizagem, a fim de que não venha sofrer os sintomas que o mal-estar causa, ouvimos de uma professora a seguinte fala: "Mas como fazer tudo isso com o salário que ganhamos? Como dar conta de toda essa demanda e ainda ter tempo para nossa vida pessoal, nossa família, nossos amigos?".

Isso mostra que o professor é muito cobrado e pouco valorizado, especialmente no que tange à remuneração e às condições de trabalho. As pessoas esquecem que um professor também é um ser humano e precisa de cuidados, e que tem direito à vida. Mas quem se preocupa com isso? Zaragoza (1994, p. 25) faz uma alusão a isso, afirmando que "são os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência." Esses fatores impedem que o trabalho do professor seja eficaz, gerando o desânimo e a auto-depreciação, distanciando-o do contexto em beneficio da aprendizagem significativa.

Carbonel (2002, p.109), afirma que "nos ombros do educador são depositadas esperanças por uma revolução social e que o caminho para o desenvolvimento é a educação". Com todo esse excesso de responsabilidade, e pelo pouco tempo e pelos meios de que dispõe para cumprir seus deveres como educador, o professor acaba, muitas vezes, realizando mal seu próprio trabalho. Com isso é levado a fazer uma avaliação prejudicial de si próprio e do seu trabalho. Isso faz com se sinta frágil e se questione até que ponto está sendo útil na aprendizagem do aluno, o que afeta a imagem que tem de si mesmo, colocando em dúvida até mesmo seu grau de importância na profissão de educador e deixando-o com vontade de largar tudo, surgindo, aí, provavelmente, uma importante crise de identidade.

Charles Taylor (1994) avalia essa situação como decorrente da falta de reconhecimento de si próprio e do outro. Se o professor não conseguir fazer-se visível e sustentar seu estado de legitimidade não terá como ser reconhecido pelo outro. "O não-reconhecimento ou o reconhecimento inadequado pode prejudicar, pode ser uma forma de opressão, aprisionando uma pessoa em um modo de ser falso, distorcido e limitado" (TAYLOR, 1994, p. 25). Segundo o autor, a construção da identidade tem que passar pelo reconhecimento da singularidade por parte do outro, sem isso, o indivíduo poderá ficar à margem da cidadania plena.

Taylor (1994) ainda nos aponta que "um indivíduo ou um grupo de pessoas pode sofrer um verdadeiro dano, uma autêntica deformação se a gente ou a sociedade que os rodeiam lhes mostram como reflexo, uma imagem limitada, degradante, depreciada sobre ele" (1994, p. 58). Para que isso seja minimizado, acredito que uma das maneiras mais apropriadas, diante das dificuldades apresentadas, é pensar com seriedade na formação continuada e contextualizada. Ela pode representar uma grande possibilidade de inovação coletiva, se desenvolvida de forma crítica e reflexiva e com total envolvimento dos professores e da gestão, no sentido de oferecer mais oportunidades para que os professores se qualifiquem mútua e profissionalmente.

A formação continuada é uma oportunidade para trocar experiências e aprender um com o outro, motivando-se diante das dificuldades que se apresentam no cotidiano. Meirieu (2006) salienta a importância da motivação para um desempenho virtuoso do professor no ensino e aprendizagem. O autor afirma que "todo nosso esforço consiste em despertar a motivação no próprio movimento do trabalho", criando um ambiente de trocas e investigações, pois é partilhando que se constrói a motivação, e tendo em mente que a ética, a competência e o reconhecimento são fatores-chave deste esforço (2006, p. 51).

O professor precisa ter uma mente aberta e preparar-se para acompanhar o ritmo acelerado das mudanças; precisa abrir espaços para as novas tecnologias e buscar novas formas de ensinar, que vão muito além das tradicionalmente utilizadas, onde o professor fala e o aluno fica na condição de ouvinte, sem poder opinar, complementar, discutir, discordar ou questionar. O professor tem o dever de educar cidadãos para que possam incluir-se na sociedade por uma participação ativa nas decisões.

Embora essas colocações possam parecer um pouco utópicas, acredito que vale a pena sonhar e lembrar que na educação todas as utopias são temporárias.Edgar Morin (2000) nos leva a crer que o conhecimento é mutável e que, por isso, se deve buscar sempre atribuir o conhecimento ao sujeito, buscando ensinar em todos os aspectos para a melhor qualidade de vida da pessoa.

A escola que desejamos é uma escola significativa para o aluno, através da qual ele possa formar-se plenamente, sendo capaz de tomar decisões adequadas às exigênciasdo mundo contemporâneo, sem com isso abandonar sua humanidade. Para isso se faz necessário que os padrões escolares se adaptem à nova mentalidade, aos novos tempos. É preciso reformular a escola e acrescentar inovações, quem sabe reinventá-la, a partir do compromisso de todos com as transformações sociais desejadas e tendo em vista o bem-estar de toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

CARBONELL, Jaume. A aventura de Inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artmed, 2002.

CODO, Wanderley. Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999.

GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole: o que a globalização está fazendo de nós.4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: Ensinar e Aprender com Sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 8ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

LÜCK, Heloísa. Gestão Educacional: Uma questão paradigmática. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006.

MEIRIEU, Philippe. Carta A Um Jovem Professor: Porto Alegre, Artmed, 2006.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2 ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.

TAYLOR, Charles. Multiculturalismo.Instituto Piaget: Universiy Press, 1994.

ZARAGOZA, José Esteve Manoel.O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. EDUSC. Bauru, SP. 1994.



[1] Esses rótulos são adotados por uma referência simbólica ao modo de pensar o mundo característico dos tempos em questão. Vários termos são utilizados para se referir a este momento: "sociedade da informação", "sociedade informática", "sociedade do conhecimento". (CODO, 1999)