A escola como uma instituição política em Paulo Freire: um artigo inspirado em Leonardo Ferreira (Brasil) - por Rabim Saize Chiria

O que é educar? Segundo Paulo Freire educar é um acto político, ensinar é educar o aluno a se posicionar politicamente no mundo. Pois, na concepção de Ferreira, o autor afirma que existe dois grupos na sociedade: os opressores e os oprimidos. No entanto, esses estão num estado de luta constante, onde os opressores lutam para poderem oprimir mais, os oprimidos lutam para se dêsvencilhar da opressão. E, portanto, educar é o reconhecimento desta luta, ou seja, o reconhecimento do seu perecimento aos opressores ou aos oprimidos, educar é o reconhecimento deste quadro social, que analisando descobre essa luta entre o opressor e oprimido.

Educar é o acto de conhecer a contradição que está no cuotidiano, ou seja, é acto de perceber que a nossa sociedade é uma sociedade dividida; opressores e oprimidos; é acto de perceber que a nossa sociedade é injusta. Uma sociedade onde o menor numero usufrui do trabalho duma maioria oprimida. E, no meio dessa luta não há meio-termo, ou você faz parte dos opressores ou você faz parte dos oprimidos, aqui não há neutralidade e muito menos imparcialidade, pese embora alguns insistam em ser neutros. Ser neutro é estar a favor de manutenção de coisas, portanto a favor dos opressores.

Quem são os opressores? Segundo Freire apud Ferreira, os opressores são aquele que se realizam na posse, na conquista do mundo e dos outros seres humanos, são sujeitos que se aproveitam do poder do oprimido para enriquecer. Os opressores criam leis, justiça, moral, religião e educação. Os opressores organizam esse todo sistema, e, os oprimidos lutam para quebrar o sistema, no entanto, a maioria deles acabam sendo convencido anão faze-lo. Ora, na concepção Freriana não é possível haver neutralidade na sociedade, pois, assim como as redes sociais, religiões, leis, a escola também é instrumento de consciencialização das pessoas, ou seja, instrumento de dominação ou de libertação, ou ainda, é instrumento de transformação da ordem ou da manutenção de uma ordem. Então, isto monstro claramente que a escola é também uma instituição política, no sentido em que ela pode ensinar o aluno a ser um cordeirinho, a respeitar estado de coisas, ou ser um revolucionário, ensinar o aluno a reflectir, a dialogar e a criticar. Segundo Paulo Freire apud Ferreira, a essência do homem é a capacidade que o homem tem de reflectir e construir o mundo, portanto, este é o verdadeiro exercício da humanização.

A humanização não é a imposição da minha visão do mundo sobre o outro, isto não é humanização, pois, a verdadeira humanização é construção do mundo em conjunto, ou melhor, a construção colectiva do mundo. A humanidade é um exercício colectivo e não uma opinião de imposição sobre o mundo nos outros homens. Entretanto, por mais que a natureza humana tenha como característica a construção colectiva do mundo, o homem sempre tem apetites de agir de forma contrária, visto que o homem gosta de desumanizar.

E o que é desumanizar? Desumanizar é descaracterizar a essência humana do outro através da dominação, transformar o outro em coisa, em objecto, explora-lo, destruir a sua capacidade de ser humano. E mais do que isso, desumanizar significa: tirar do outro a capacidade de opinar sobre o mundo, tirar do outro a capacidade de pronunciar sobre o mundo.

Segundo Freire apud Ferreira, “o exercício legítimo da humanização é a pronúncia do mundo”. Pois todos tem o direito de pronunciar sobre mundo, de dizer como o mundo poderia ser. E por sua vez, o desumanizador tira esse direito, desumaniza, transforma o outro em coisa, o outro que existe para si, desumanizado passa a existir para o outro. O mais dramático é que quando opressor desumaniza outro homem, ele, não só tira a própria humanidade, ele também se desumaniza porque quando ele tira a humanidade de outro, ele também tira a própria humanidade, ele também se desumaniza porque nega a oportunidade de participar no mundo criativamente com os outros, ele nega o diálogo, nega ouvir outra opinião, nega aprender com o outro, pois, assim se desumaniza.

Neste contexto, Paulo Freire salienta que a marca de opressão é a “coisificação”, transformar em coisa. Isto acontece quando eu pego o outro que tem os mesmos direitos que eu, e transformo-o em coisa, transformo-o num objecto da minha felicidade, quando o outro existir por mim, o escravo. Por seu turno, os opressores incentivam os oprimidos uma visão fatalista da realidade. Isto significa que os opressores ensinam aos oprimidos a enxergar o mundo como estático, automático, imutável, os opressores ensinam os oprimidos que o mundo é o resultado de uma construção histórica, ensinam que o mundo é ordem natural, Deus quis que fosse assim, não é uma construção social. Um sentimento de fatalidade, ou seja, uma visão fatalista sobre o mundo. 

1. Prescrição

Segundo Freire apud Ferreira, prescrição é quando os opressores colocam a sua imagem no oprimido. O opressor coloca dentro da consciência do oprimido a imagem do opressor, e o oprimido passa a viver de acordo com os valores do opressor. O oprimido passa ater medo de ser livre, não porque ele não goste de ser livre, mas talvez porque foi ensinado que a liberdade é ruim para ele. No entanto, o opressor constitui como uma espécie de sombra dentro do oprimido. O oprimido é ensinado a respeitar a ordem estabelecida, respeitar a constituição, é ensinado também anão respeitar a democracia.

O opressor entra na consciência do oprimido, portanto, o oprimido não consegue enxergar mais além, além dele mesmo. O opressor diviniza os critérios, do tipo, a ordem é justa, a constituição é justa e deve ser respeitada. Na concepção Freriana, existe uma figura de auto-desvalia um sentimento de inferioridade que o opressor coloca dentro do oprimido, uma opinião que é proferida pelo próprio oprimido. O oprimido dá uma opinião que é dele, ele próprio se desvaloriza porque aprendeu que é inferior. Auto-desvalia é a opinião que o opressor tem dentro do oprimido, uma opinião que é proferida pelo próprio oprimido, pois, o oprimido da uma opinião que não é dele, ele próprio se desvaloriza porque aprendeu que é inferior.

Na sala de aula isto acontece quando o aluno acha que é inferior, ou quando acha que não sabe ler, ele não consegue enxergar que não existe grau de superioridade entre professores e alunos, pois, o professor é apenas o detentor de alguns conhecimentos que o aluno não tem, no entanto podem construir junto. Falsa generosidade Segundo Freire citado por Ferreira, o outro instrumento de dominação é a falsa generosidade.

A falsa generosidade é o sentimento que o opressor sente por ele, e faz com que ele dê algumas esmolas para o oprimido, não para liberta-lo, mas para acalmar a sua própria consciência opressora.

Falsa generosidade – o opressor até um certo ponto tem tido a consciência da sua agressão, e para acalmar essa agressão interna que ele sente, finge ser generoso, finge preocupar-se com o oprimido, e, ele dá algumas esmolas ao oprimo sobre o tom de ajuda, sem libertar o oprimido da relação de opressão.

-A falsa generosidade é a compra do perdão que o opressor precisa fazer para ele mesmo. No entanto, ele mantém o estado de injustiça, escraviza pessoas e depois da uma pequena ajuda para tranquilizar a sua própria consciência.

-A falsa generosidade é aquela generosidade que não liberta, alias, acentua a escravidão. A falsa generosidade sempre aparece como um símbolo de doação, aparece como um momento de benevolência do opressor. Talvez desse esmola, mas de onde as tira, senão de sua rapinas de sofrimentos, das lágrimas, dos suspiros.

Se o pobre soubesse de onde vem o teu pão, ele recusaria porque teria a impressão de morder a carne dos seus irmãos, e sugar a o sangue do seu próximo, ele te diria essas apalavras corajosas: não sacieis a minha sede com lágrimas dos meus irmãos, não dê ao pobre o pão endurecido com soluço dos meus companheiros de miséria, devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste, eu te serei muito grato. Do que vale consolar um pobre se você faz outros 100 (SÃO GREGORIO apud FREIRE). O que vale consolar um pobre se com a sua actuação no mundo você faz outros “cem”. Neste caso, a pedagogia do oprimido ensina a posição que o oprimido tem na sociedade, e não só, estimula-o a tomar atitude para mudar a sociedade.

É a pedagogia que tira o véu da hipocrisia que existe no mundo, portanto, expõe a ferida da opressão, critica a opressão e exorta o oprimido a transforma-la, a lutar contra ela, a tomar atitudes concretas. Ora, segundo, Ferreira, a pedagogia do oprimido não é verbalismo, não é idealismo, é uma análise consciente, crítica do mundo concreto, buscando reconhece-lo e conhece-lo, e buscando construir o mundo duma forma conjunta, professor e aluno.

No entanto, Paulo Freire aconselha que a actuação dos oprimidos não pode ser uma troca de posições. Pois, existe um grande risco quando os oprimidos lutam para a sua libertação. O risco é que os oprimidos de hoje pode-se tornar opressores de a manhã, no entanto, não devemos lutar para nos tornar opressores de a manha, devemos lutar para libertar a nós e aos opressores, assim voltando ao humanismo que é o nosso.

A luta deve ser da destruição da relação de opressão. “Quando os oprimidos alcançarem a sua libertação, os opressores logo denunciarão a sua rebeldia, a sua ordem, o seu ataque ao estado do direito: olha esses oprimidos são vândalos, violentos, etc.

Quando os oprimidos levantarem a sua voz exigindo o seu direito de opinar, o direito de ter o que os opressores julgam ser de sua exclusiva posse, quando os oprimidos tentarem exigir o que deveriam possuir por direito, os opressores levantarão a sua ousadia”. Neste caso, quando os oprimidos exigem, os seus direitos são chamados de vândalos, de violentos e injustos.

Na verdade quem inaugura a violência é o opressor, o opressor é que inaugura a violência dentro da legalidade, visto que, a própria legalidade é opressora, portanto, os reais violentos são aqueles que constrói um sistema que violenta, a violência legítima está ao lado do opressor e não do oprimido.

Ora, a luta entre opressor e oprimido se reflecte em todo canto da sociedade, e naturalmente ele se reflecte na escola. Existe um ensino do opressor e também existe um ensino do oprimido. O ensino que o opressor constituir para o oprimido, só responde as necessidades do opressor. Pois, “Freirre” chama isso de concepção bancária da educação. 

2.As marcas da concepção bancária da educação

O primeiro sinal é a doação do conhecimento, o conhecimento não é construído entre o professor e aluno, ou seja, entre o educador e o educando, mas sim, o conhecimento é doado. Aqui a ideia é de que o professor sabe, então o professor transfere o conhecimento para o aluno, a actuação do professor na sala de aula é um grande monólogo, uma narrativa, ou seja, um discurso, sem dar abertura para a intervenção do aluno.

Assim como diz Freire citado por Ferreira: “ no lugar de se comunicar, o educador faz comunicado”, por seu turno, o aluno torna um grande arquivo. A demais, nesta educação o que vale é a memorização do conteúdo. Pulo Freire não critica a memorização em si, o que critica é o processo educacional construído na base da memorização, pois uma educação que se resume na memorização, não há espaço para criatividade, não há espaço para debate, para o novo e saber autêntico, para inovação, em última instancia, não há avanço. Neste caso, o processo de educação se torna um processo vertical de cópia, o aluno não é consultado quanto ao conteúdo. Exemplo: qual é a relevância social do conteúdo? Porque estudar o conteúdo?

Ora, segundo Freire citado por Ferreira a educação bancária cria uma domesticação da realidade, uma realidade mutável é transformada numa realidade imutável, estática e divina. Forma os alunos como seres adaptativos, seres que devem adaptar-se ao mundo como ele é. Busca construir alunos que não questionam a ordem estabelecida, se adaptem ao mundo.

Diz Freire: quando se forma alunos para serem seres adaptativos, vocês os desumanizam, os tornam úteis, ser útil é servir para alguém, são seres em algo, portanto, este seria o atributo da utilidade, servir para alguém ou algo determinado. Transformar as pessoas em parafusos, em seres para cidadania para o mundo do trabalho. Exemplo das escolas técnica: transformam pessoas em máquinas. Hoje a maioria das pessoas estão incapacitadas de reflectir sobre a realidade.

A educação bancária ensina os professores a serem pacíficos. Uma crença ingénua e pacifica, de que a realidade é imutável. Entretanto, a firma Freire que a opressão, a exploração moderna não é física, mas simbólica. O facto de eu pensar que só devemos fazer uma manifestação pacífica, isto já é um instrumento de dominação, essa é uma ingenuidade pensar que a ordem é a melhor possível.

Ensina-se também que o mundo não tem problema, mas sim a pessoa que tem problema e deve mudar. No entanto, a sociedade não deve mudar, mas sim o seu olhar sobre a sociedade deve mudar, a sociedade, ela é boa em si, se você tem problema sobre a sociedade o problema é seu. Adapte-se a sociedade.

3.A concepção libertadora

O mundo é tão criticável, alias, tudo no mundo passa pelo crivo social. A discussão é aberta para tudo, pois, o mundo é construído socialmente, o professor deve construir o conhecimento com o aluno, mediados pelo mundo, o professor deve problematizar o mundo, criticar com o aluno. Aqui a relação é horizontal, aluno e professor estão no mesmo nível, não há uma relação de hierarquia, estão no mesmo patamar. Aqui permanece o diálogo, preocupação com a liberdade do outro, ambos conversam sobre o mundo, portanto, o homem torna algo inconcluso, ambos podem aprender um com outro.

O aluno deve estar inserido no processo educacional. E professor aqui se torna um problematizador, um canalizador e um planejador, com o aluno e para o aluno, e não só, passa a ser uma construção conjunta e não doação. O professor tem autoridade sim, mas essa autoridade não pode ser reduzida em despotismo. Um professor autoritário nega o contributo do aluno. Portanto, há um traço entre o professor e aluno, o mundo servirá de base para a sua convivência e a construção sobre o mesmo.

Por Rabim Saize Chiria

Licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane [email protected]