Grasiele de Souza Bezerra[1]

Thaís Rejane Ribeiro Lima Sales1

Joelma de Matos Viana2

O presente estudo trata do trabalho em equipe, que representa um dos principais pilares da assistência à Saúde da Família. Teve como objetivo compreender as interrelações da equipe de saúde da família, e como esta busca desenvolver o trabalho coletivo em saúde. Buscou-se identificar evidências de interação entre os profissionais visando abranger as relações de trabalho quando são planejadas as ações para a comunidade. Possui uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, cujos participantes foram os profissionais de uma USF na cidade de Barreiras, localizada no Oeste da Bahia. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada, bem como observação da dinâmica de trabalho, no período de agosto a setembro de 2009. Envolveu a análise de dados seguindo a teoria de Bardin, onde estes foram divididos por categorias para melhor visualização dos resultados. O estudo permitiu identificar que os projetos assistenciais têm seu planejamento e execução concentrados nos profissionais de nível superior, mais especificamente atribuídos à enfermeira da unidade, e a esta profissional compete a discussão com a equipe durante a realização das reuniões semanais, sendo este momento visto pelos profissionais como uma etapa para a integração e discussão dos problemas existentes na comunidade. Através da observação da dinâmica de trabalho percebemos que a comunicação no interior da equipe se destina apenas para troca de informações de caráter técnico, e que há poucas discussões sobre os problemas e necessidades da equipe e da população na busca de soluções coletivas. A pesquisa permitiu identificar importantes pontos que nos levaram a reflexões, que de forma complementar puderam contribuir para a análise final do estudo. Dentre estes destacamos o trabalho em equipe como um fator imprescindível para a garantia da assistência integral ao paciente e família, permitindo ainda a abertura para um trabalho técnico e hierarquizado, tornando-se mais flexível e possibilitando maior autonomia e integração da equipe.

PALAVRAS CHAVE: Trabalho em Equipe, Saúde Coletiva, interação profissional.

INTRODUÇÃO

Esta monografia aborda questões relacionadas à prática do trabalho de equipe em saúde, bem como a articulação dos profissionais em desenvolver ações para o atendimento da população assistida pela unidade.

O trabalho em saúde é considerado como um trabalho coletivo, e realizado por diferentes áreas profissionais para atender as necessidades de saúde do ser humano. O Ministério da Saúde configura que as ações são estruturadas no trabalho em equipe e buscam humanizar as práticas de saúde, com o objetivo de obter a satisfação do usuário através do estreito relacionamento dos profissionais com a comunidade (BRASIL, 2001).

Já, o trabalho em equipe consiste numa modalidade coletiva que se configura na relação recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas profissionais (ROSA; LABATE, 2005). Sendo assim se constitui como uma forma eficiente de estruturação, organização e de aproveitamento das habilidades humanas. Possibilita uma visão mais global e coletiva do trabalho, reforça o compartilhamento de tarefas e a necessidade de cooperação para alcançar objetivos comuns (MOTTA, 2001).

Nesse contexto, deferiu-se a seguinte problemática: embora as ações de saúde tenham caráter de complementaridade e sejam baseadas na interação, apoio e divisão de tarefas, observa-se que o trabalho da equipe do Programa de Saúde da Família (PSF), concentra-se no profissional de nível superior, em especial e com maior freqüência, o profissional enfermeiro, já que é uma característica deste serviço. Nota-se, portanto a ausência de responsabilidade coletiva e baixo grau de interação entre as categorias profissionais.

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo de natureza qualitativa, que utilizou como base de dados as literaturas nacionais e eletrônicas, bem como pesquisa de campo em Saúde Coletiva. Este aborda a equipe de saúde da família na busca pelo trabalho coletivo em saúde, e se fez importante pela necessidade de compreender a interação entre todos os membros para o planejamento das ações integrais, fornecendo a gestores públicos e atores envolvidos, subsídios e procedimentos de readequação ou replicação destas práticas. Além disto serve de incentivo para que outros pesquisadores possam desenvolver projetos em prol de uma assistência à saúde mais qualificada e humanizada com uma interação mais condizente com a realidade apresentada em cada comunidade, direcionando um caminho para a busca de conhecimentos de ações preventivas.

Diante das fundamentações acima apresentadas esta pesquisa buscou compreender as interrelações da equipe de saúde da família, e como esta busca desenvolver o trabalho coletivo em saúde, bem como avaliar a interação da equipe de saúde da família no planejamento de ações de saúde; descrever evidências de interação entre os profissionais da equipe de saúde da família na construção de um projeto assistencial que seja compartilhado por todos, bem como compreender os fatores que facilitam e/ou dificultam o trabalho da equipe.

Este trabalho se apresenta da seguinte forma, a introdução que aborda a temática, justificativa, problemática e os objetivos da presente pesquisa; o desenvolvimento versa os aspectos referentes à fundamentação teórica do estudo abordando temas como a definição de Saúde, o Sistema Único de Saúde e o Programa de Saúde da Família, o Planejamento em Saúde, bem como a Equipe Multiprofissional e Interação Profissional, os quais contribuíram para a construção do objeto de estudo e dão-lhe sustentação; a metodologia que descreve o caminho metodológico traçado para responder os objetivos propostos nesse estudo. Este ainda contém os resultados e discussões que apresentam a análise e interpretação dos resultados a partir dos dados obtidos nos depoimentos. A conclusão apresenta algumas reflexões e implicações a respeito do trabalho coletivo em saúde, além de responder aos objetivos traçados. Mencionam-se também as referências utilizadas para subsidiar o estudo, assim como apêndices, elementos que o complementam.

METODOLOGIA

Trata-se de uma abordagem exploratória/descritiva de natureza qualitativa, que segundo Gil (2002), o tipo exploratória tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito, e descritiva, poistem como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos, e a mesma procura observar, registrar, analisar, classificar e interpretar os fatos ou fenômenos sem que o pesquisador interfira neles ou os manipule.

O local de estudo foi em um PSF no município de Barreiras Bahia, o qual se encontra inserido em uma área periférica, e se caracteriza por ser populosa e carente. A pesquisa desenvolveu-se no período de Agosto a setembro de 2009 mediante a liberação do Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição de acordo com Conselho Nacional Saúde196/96, sob processo nº 002/09.

Definiu-se para o estudo a amostra não probabilística.Por conveniência teve como participantes os membros atuantes na equipe de um PSF localizado cidade de Barreiras-Ba. A seleção foi realizada, através de convite e após explicação da pesquisa a ser realizada, mediante a aceitação dos envolvidos no estudo com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Como instrumento de coleta de dados optou-se por realizar uma entrevista semi-estruturada com questões de fácil compreensão e flexibilidade de respostas, e ainda a observação da dinâmica de trabalho da equipe, para tanto foi elaborado um questionário semi-estruturado. E no intuito de registrar os depoimentos da equipe entrevistada foi utilizado um gravador para registrar suas falas, onde por meio deste pode-se obter as respostas necessárias à análise dos dados. Posteriormente estes foram agrupados e ordenados (transcrevendo as entrevistas), e em seguida analisados fazendo uma leitura repetida e interpretação das mesmas.

Essa pesquisa usou os princípios da análise de dados de Bardin (2002), que trata de um conjunto de recursos que analisa a comunicação utilizando procedimentos sistemáticos e objetivos para a descrição do conteúdo das mensagens, e organiza-se em três pólos cronológicos como a pré-analise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Para realizar a interpretação e a divisão do material coletado utilizamos a análise por categorias, que segundo Minayo (2004), são elementos ou aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si.

Os dados obtidos foram analisados e revistos a fim de obter respostas similares, e dessa forma estabelecer as categorias que perfazem idéias centrais para comparação posterior com as teorias já existentes para interpretação e análise final. Após a leitura exaustiva das falas foram eleitas as seguintes categorias:

Categoria I: Definição de trabalho em equipe;

Categoria II: As relações de trabalho na ESF – busca pela interação profissional;

Categoria III: Aspectos que facilitam e/ou dificultam a construção do trabalho coletivo.

Resultados e Discussão

Esta pesquisa contempla dados referentes à caracterização da equipe representado através de tabela, e na seqüência apresentamos questões que corroboram como se dá o trabalho em equipe na prestação de serviços à comunidade.

Vale ressaltar que dos dezesseis integrantes da equipe pesquisada, apenas sete aceitaram participar da pesquisa assinando assim o termo de consentimento livre e esclarecido.

Tabela 1 - Caracterização do Perfil da Equipe de Saúde Pesquisada.

NOME

IDADE

SEXO

PROFISSÃO

TEMPO DE FORMAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO

TEMPO DE TRABALHO NA USF

1

E1

26

F

Enfermeira

0 A 5 ANOS

Saúde Pública

2 ANOS OU MAIS

2

E2

47

F

Médico

5 A 10ANOS

Clínico Geral

2 ANOS OU MAIS

3

E3

45

M

Dentista

10 ANOS OU MAIS

Saúde Pública

2 ANOS OU MAIS

4

E4

27

F

Fisioterapeuta

5 A 10ANOS

Ortopedia e Traumatologia

1 A 2 ANOS

5

E5

24

M

Assistente Administrativo

0 A 5 ANOS

-

6 MESES A 1 ANO

6

E6

53

F

Tec. De Enfermagem

10 ANOS OU MAIS

Capacitação para o atendimento em sala de vacinação

2 ANOS OU MAIS

7

E7

37

F

Agente Comunitário de Saúde

5 A 10ANOS

-

2 ANOS OU MAIS

Fonte: Pesquisa de Campo – Setembro 2009.

2.3.1 CATEGORIA I: Definição de Trabalho em Equipe

As dificuldades do trabalho em equipe estão relacionadas às diferentes concepções sobre o conceito de equipe, conforme é citado por Piancastelli (2000).

Para Fortuna (1999), o trabalho em equipe é considerado essencial para o funcionamento adequado do processo de trabalho no PSF, pois ele é constituído de um trabalho com base em relações entre pessoas, entre poderes, saberes, afetos, interesses e desejos, de forma que seja possível identificar interação e processos grupais, pois trabalhar em equipe equivale a se relacionar.

Os sujeitos pesquisados ao serem questionados sobre a definição de trabalho em equipe, fizeram referências sobre a importância de se trabalhar em união com os integrantes, na busca de objetivos comuns pertinentes às necessidades de saúde da população assistida.

"Eu acho que é união, colaboração mútua, a gente trabalha em prol de objetivos comuns que é atender a população" (E5).

 

"Troca de experiências troca de informações, trabalho em conjunto" (E4).

 

Fortuna et al. (2005) ressalta que o trabalho em equipe constitui-se no fazer de todo dia, e precisa estar sempre analisando as atividades desenvolvidas pela equipe, trabalhando sempre em união e com cumplicidade onde todos possam compartilhar de idéias e que estas possam ajudar nas ações ofertadas para a população de forma satisfatória e eficaz que supra as necessidades de todos os envolvidos.

Os sujeitos consideram ainda que o trabalho deva ser pautado em respeito, que este ocorra de forma parcelar e que haja consenso nas ações a serem prestadas aos indivíduos.

"Trabalho em equipe é união, significa amor, respeito e todos caminharem de mãos dadas, discutirem sempre juntos todos os problemas para se tomarem uma decisão. Não existe uma situação unilateral, não existe o chefe, não existe subordinado, existe uma equipe consciente, uma equipe responsável e uma equipe voltada para todas as situações que venham a aparecer para que possa resolver todos os problemas referenciados à equipe" (E2).

 

"Quando todos trabalham na mesma proposta, com interação, a equipe consegue solucionar os problemas" (E7).

Segundo Almeida e Mishima (2001) para que um trabalho seja satisfatório no programa saúde da família é necessário que haja um trabalho com interação social entre os trabalhadores e que exista a horizontalidade e flexibilidade dos diferentes poderes, possibilitando maior autonomia e criatividade entre todos, e uma maior integração da equipe.

Ainda quando investigados sobre como os mesmos definem trabalho em equipe, relataram que é preciso falar a mesma língua a fim de tornar o trabalho melhor, onde todos compartilham suas idéias e chegam sempre a um consenso e dessa forma faz com que eles consigam suprir as metas determinadas pela unidade de saúde.

"Eu acho que se resume em interatividade, tem que ta bem interado, tem que trabalhar falando a mesma língua, eu acho que equipe é isso" (E6).

 

Os sujeitos aqui pesquisados compreendem de acordo Kell (2009) que falar a mesma língua é estar em sintonia e chegar ao mesmo consenso das ações a serem prestadas ao indivíduo, família ou comunidade.

2.3.2 CATEGORIA II: As Relações de Trabalho na USF - Busca Pela Interação Profissional

A equipe interdisciplinar não se constitui apenas em função da objetividade dos vários saberes científicos, mas também a partir do encontro das várias subjetividades dos indivíduos que a compõem. Ao falar de uma equipe interdisciplinar, estamos falando do encontro de diferenças, tanto objetivas quanto subjetivas, através dos quais se dá o trabalho coletivo (CARDOSO, 2004).

Os discursos dos sujeitos nos revelam que as relações de trabalho pressupõem uma relação recíproca de comunicação, respeito e interação.

"Acho que é respeito, que a relação tem que ser baseada no respeito mútuo entre os colegas e assim a gente consegue fazer um bom trabalho" (E5).

 

"A relação é agradável, uma relação de carinho, de respeito, porque eu não tomo decisões sozinha, sempre estou buscando opiniões, discutindo sobre tudo no que diz respeito à equipe, então se forma uma relação coesa, uma relação firme" (E2).

 

No que diz respeito à relação de planejamento de atividades e ações a serem desenvolvidas, notoumos que este é realizado de forma individualizada pelos profissionais, sendo estas socializadas apenas no momento em que se fazem reuniões semanais.

Ao observarmos as reuniões realizadas pela equipe, percebemos que esta se destina apenas a resolução de problemas existentes dentro da unidade, momento também em que os ACS podem sanar possíveis dúvidas, além de relatar problemas existentes na comunidade, bem como questionar a buscar soluções de natureza administrativas.

"Eu parto da premissa que não deve haver a mesmice, agente sempre tem que estar renovando, trabalhando temas, por que nós temos por exemplo os agentes comunitários que lidam com certas situações na área e que tem dúvidas, até pelo grau de formação e instrução, então eu sempre me deixo disponível para eles, para que possamos discutir todos os casos, apresentar temas para elucidar todas as dúvidas que eles tem sobre problemas que eles enfrentam diretamente na comunidade" (E2).

 

As reuniões realizadas na equipe nos são entendidas como um espaço onde as pessoas que compõem a equipe de saúde possam trocar experiências, expectativas e somar esforços no sentido de melhorar a convivência e a oferta de serviços prestados à comunidade, momento onde todos se comunicam a respeito do que é pertinente para o grupo de trabalho e que todos desse grupo estejam presentes e sejam participantes.

Nesse contexto, no que se refere à participação e aceitação do grupo na colocação de idéias para melhoria da assistência prestada, a seguinte fala demonstra que:

"Existe uma aceitabilidade muito boa, não existe resistência, as pessoas sempre se fazem presentes, não dão desculpas para não comparecerem, tem todo o interesse de estar aqui, justamente para não deixar nada a se resolver, muito pelo contrário, procura-se trabalhar de uma forma que aconteça a resolução de todos os problemas que realmente passam pela equipe" (E2).

 

Em contrapartida pudemos evidenciar que existe uma ausência de integrantes dessa equipe nas reuniões semanais, e, além disso, há profissionais que não participam de forma alguma dessas, como revelam as seguintes falas:

"Bom, eu não participo das reuniões, nunca participei, estou sempre na área atendendo os pacientes, e nunca foi solicitado que eu participasse, quando tem algum assunto eu falo diretamente com a médica ou enfermeira, ou com os agentes de saúde, mas em particular, e nunca estou em reuniões" (E4).

 

[...] quando é reunião extraordinária para resolver algum problema [...] aí precisa de todos juntos [...] mas muitas vezes nem todos vem para reunião, aí a gente expõe o que está acontecendo e na medida do possível vamos resolvendo (E7).

 

Muitos autores já escreveram sobre a importância das reuniões para as equipes e de acordo com Fortuna et al. (2005), alguns chamam a atenção para o fato de que esse espaço pode servir para que nada se modifique, para que tudo permaneça da mesma forma, fatos como atrasos freqüentes, o entrar e sair a toda hora, a dificuldade de encerrar, o término que se dá pelo esvaziamento, a dificuldade de concluir com propostas, são alguns indicativos de que a reunião não está sendo operativa, nem contribuindo para mudar o jeito de trabalhar; ao contrário, está a serviço da reprodução do velho jeito de atender.

Um elemento de forte consenso entre os entrevistados está no fato de que é nas reuniões que o trabalho em equipe fica mais evidente, pois é nesta ocasião que todos compartilham do planejamento, fazem a divisão de tarefas, e que existe a cooperação e colaboração de todos que se fazem presentes.

"Quando se faz as reuniões é para se trocar idéias [...]" (E5).

"[...] todos dão idéias, todos falam, todos questionam [...]" (E1).

"[...] um momento de sugestões, a gente se interage[...] com a finalidade do cliente se sentir cada vez mais satisfeito com nosso serviço" (E3).

Surgem muitos conflitos entre os membros da equipe pois há uma variedade de opiniões e posturas. Pedrosa e Telles (2001) inferem que os conflitos podem surgir no relacionamento entre as pessoas, quando enfrentam situações difíceis ou que geram competição. Trench e Peduzzi (2000) complementam afirmando que esses conflitos revelam a falta de responsabilidade pela continuidade do trabalho de cada profissional muitas vezes causada pela baixa interação entre os membros da equipe, como podemos visualizar na seguinte fala:

"[...] geralmente a gente tem idéias diferentes, que geram conflitos [...]" (E5).

"[...] às vezes tenho problemas com médica, porque é um pouco complicado lidar com alguns questionamentos, por que você acaba sendo mal interpretado" (E1).

Almeida e Mishima (2001), descrevem que devemos lembrar, que atuar em PSF não requer apenas conhecimento, mas também interação, vinculando, participação e co-responsabilidade em uma equipe integrada e disposta a lutar pela melhoria da qualidade de vida da população, pois vale ressaltar que as dificuldades existem, e cabe aos profissionais atuantes superar de forma qualificada e oferecer uma assistência humanizada e eficaz para a comunidade assistida

Segundo Benito et al. (2003), o que se espera dos profissionais que trabalham com Saúde da Família é que esses estejam preparados para serem resolutivos diante dos problemas de saúde, e devem entender a Saúde da Família como estratégia de mudança significa repensar práticas, valores e conhecimentos de todas as pessoas envolvidas no processo de produção social da saúde.

2.3.3 CATEGORIA III: Aspectos que Dificultam e/ou Facilitam a Construção do Trabalho Coletivo

Ao questionarmos os sujeitos pesquisados sobre o que facilita ou dificulta o trabalho em equipe, obtivemos respostas contraditórias, pois enquanto alguns relataram a existência de dissociação de idéias nas reuniões como uma dificuldade nos trabalhos ofertados na comunidade, outros afirmam que o diálogo existente entre os membros da equipe nas reuniões facilita o serviço das ações desenvolvidas por eles, isso fica explicito nas falas a seguir:

"O que dificulta o trabalho e que às vezes na reuniões, por exemplo eu dou uma idéia de realizar uma palestra com os adolescentes, vem uma outra pessoa e diz que a palestra deve ser com os idosos, isso dificulta porque cada um tem uma opinião diferente, daí é discutido e a idéia melhor vence isso dificulta o trabalho sim" (E7).

"Os valores pessoais, porque como a equipe é formada por várias pessoas e cada um tem uma forma de pensar, de agir, ou seja, cada um com sua educação peculiar é lógico que torna difícil você fazer um pensamento comum, e isso requer exatamente reuniões freqüentes, palestras, abordagem de temas voltados para esse aspecto, porque se não a equipe não funciona e não caminha" (E2).

"O que facilita o trabalho é o diálogo existente nas reuniões com compartilhamento de idéias, as discussões sobre os problemas e isso facilita muito o trabalho". (E6).

De acordo Pedrosa e Teles (2001), é importante que haja sempre um bom relacionamento entre os membros de uma equipe, isso faz com que facilite o contato das famílias com os programas ofertados pela unidade.Souza (2003) complementa ainda que promover o diálogo entre as pessoas para melhorar a convivência e elevar a motivação da equipe e delinear com todos os membros ações a serem implantadas e objetivos a serem cumpridos são medidas que promovem a integração da equipe e qualidade da assistência.

Quando questionamos sobre que estratégias a equipe utiliza para tentar resolver os problemas existentes, percebeu-se que as respostas condiziam entre si, quando todos relatam a importância de se realizar as reuniões para tentar solucionar os problemas que vem a aparecer ao longo da semana. Eles percebem que apesar das diferentes idéias, as reuniões ajudam nos trabalhos prestados a comunidade e que se ela não existisse o serviço seria individualizado e sem perspectiva de melhora das ações prestadas, o que se expressa claramente nas falas abaixo:

"Para resolver os problemas existentes dentro da equipe, tentamos mostrar a realidade, pois ninguém é melhor que ninguém [...] precisa ouvir a opinião, ouvir o que as pessoas tem de dentro para colocar para fora, sem partir para critica, para não estar apontando negativamente, então a gente tem essa necessidade de respeitar a individualidade de cada um" (E2).

"Para resolver sentamos e conversamos nas reuniões e vendo o que está errado e como devemos fazer para melhorar essas dificuldades" (E1).

"Fazemos reuniões toda semana e juntamos toda a equipe para discutir o que está de errado" (E6).

Questionamos os entrevistados a cerca da hierarquia profissional dificultar o trabalho na unidade e neste momento percebemos opiniões divididas, pois alguns acham que a hierarquia atrapalha e outros acreditam que ela seja necessário, por acreditarem que se ela não existisse o serviço se tornaria desestruturado e sem respeito entre os profissionais existentes na unidade. As falas abaixo corroboram bem isso:

"Sim, porque as pessoas não estão acostumadas, elas não foram trabalhadas para respeitar esse processo de hierarquia, [...] acham que é porque a pessoa está querendo se sobressair, que aquela pessoa esta querendo ser melhor que a outra, quando na verdade todas as pessoas são iguais, são importantes cada um com seu papel" (E2).

"Não, não dificulta porque onde existe hierarquia há respeito e o trabalho sem respeito não funciona, só funciona com respeito, nós temos um chefe aqui, onde todos nós respeitamos e é por isso que dá certo" (E6).

Kell (2009) contradiz com as falas acima quando relata que a hierarquia é importante, mas não deve ser estabelecida de forma rígida, destaca ainda a importância da clareza dos limites das funções de cada um.

Silva e Trad (2005) afirmam ainda que a hierarquia é vista em quase todos grupos, seja ele de qualquer natureza, e isso não seria diferente na equipe de saúde da família.

Portanto Sampaio e Lima (2004) relatam que as equipes de saúde devem contemplar a interação entre seus profissionais, de uma maneira em que possam acolher a população e resolver, dentro da própria Unidade de Saúde da Família (USF), as questões e os problemas mais freqüentes relacionados à saúde daquela coletividade a qual está vinculada, e assim torna a assistência qualificada, seguido da promoção, prevenção, recuperação da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho em equipe multiprofissional é considerado um pressuposto orientador para a reorganização do processo de trabalho nos serviços de saúde com vista a transformações nas formas de agir sobre os fatores que interferem no processo saúde-doença da população a partir de uma maior interação entre os profissionais e as ações que desenvolvem (COSTA; ENDERS; MENEZES, 2008).Ao falar de uma equipe multiprofissional, estamos nos referindo ao encontro de diferenças, tanto objetivas quanto subjetivas. É a partir desses encontros que o trabalho coletivo se desenvolve.

O estudo realizado evidenciou que o planejamento das ações concentram nos profissionais de nível superior, principalmente na enfermeira, percebeu-se que estas ações são socializadas nas reuniões semanais entre a equipe, na qual há liberdade para expor idéias. Porém, observamos que apesar de haver uma boa interação entre a equipe nas reuniões, as idéias não são totalmente definidas neste momento, pois de certa forma são avaliadas pela enfermeira e esta determina ser relevante ou não para a comunidade. Esta atitude acaba comprometendo a construção de projetos coletivos, uma vez contraria a participação de todos os membros nos diversos segmentos do processo de trabalho.

A interação dos membros de uma equipe permite que os profissionais troquem informações com o objetivo de alcançar soluções para os problemas existentes dentro de uma unidade de saúde. Vale ressaltar que cada membro tem seu papel no programa, e, desempenhá-lo com dedicação torna o trabalho gratificante e reconhecido pela comunidade bem como pela equipe, pois quando todos os membros conhecem as necessidades das famílias, a abordagem acontece em sua totalidade e é mais eficaz (OLIVEIRA; SPIRI, 2006).

O profissional de enfermagem tem assumido, preferencialmente, funções de gerência e administração nos serviços de saúde, o que para Oliveira (2000), a permanência prolongada de uma pessoa no poder pode contribuir para suscitar comportamentos e atitudes passivas dos demais membros da equipe, o que acaba comprometendo o trabalho nos processos decisórios e execução das ações.

Quanto às atividades desenvolvidas estas ocorrem de forma individual e complementar, como caracteriza o trabalho em equipe. Cada profissional realiza suas tarefas num processo de complementaridade do sistema, contudo a comunicação no interior da equipe se destina apenas a troca de informações de caráter técnico, o que resulta em poucas discussões sobre os problemas e necessidades da equipe e da população na busca de consensos coletivos. Peduzzi (1998) acredita que é por meio da prática comunicativa caracterizada pela busca de consenso, que os profissionais podem criticar mutuamente o trabalho cotidiano, a fim de construir e executar um projeto que seja comum às necessidades dos usuários de unidades de saúde da família.

Portanto para que as ações desenvolvidas pela equipe sejam realizadas de forma coletiva, é preciso que haja um esforço entre todos os membros da equipe, e que juntos possam compartilhar de uma mesma idéia, constituindo assim uma equipe verdadeiramente integrada. O trabalho não pode ser fragmentado, deve ser pautado no respeito mútuo, na não centralização das decisões, garantindo assim o seu bom desenvolvimento, proporcionando como conseqüência a satisfação da comunidade na qual essa unidade está inserida.

Os objetivos propostos foram alcançados, onde estes visaram conhecer e analisar como se desenvolve o trabalho em equipe bem como as dificuldades e perspectivas do processo de trabalho no planejamento das ações, sendo evidenciados pelos resultados demonstrados, proporcionando a aprendizagem relevante quando comparados e refletidos juntamente com literaturas e pesquisas que já trataram e/ou tratam desse assunto.

Vale ressaltar que durante a pesquisa, em caráter observacional da dinâmica de trabalho, das relações interpessoais da equipe, e durante os planejamentos, conseguimos identificar importantes pontos que nos levaram as reflexões que de forma complementar puderam contribuir para a análise final do estudo. Dentre estes destacamos o trabalho em equipe como um fator imprescindível para a garantia da assistência integral ao paciente e família, permitindo ainda a abertura para um trabalho técnico e hierarquizado, tornando-se mais flexível e possibilitando maior autonomia e integração da equipe.

Concluímos este estudo conscientes de que ele poderá não conter respostas prontas e completas para muitas indagações que possam ser feitas sobre o trabalho coletivo em equipe de saúde, dada a complexidade destas questões, mas, acreditamos que contribuiu para uma maior compreensão do significado deste fenômeno. Isso implica que outras investigações devem ser estimuladas e realizadas, inclusive com a ajuda de outros saberes profissionais que apontem alternativas, preenchendo as lacunas existentes, a fim de enfrentar e vencer os desafios do desenvolvimento do trabalho em equipe na busca da assistência coletiva em saúde.

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1-Acadêmicas do 8º Semestre do Curso de Enfermagem, pela Faculdade São Francisco de Barreiras – FASB. E-MAIL: [email protected]; [email protected].

2-Enfermeira, orientadora e professora do curso de Enfermagem da Faculdade São Francisco de Barreiras – FASB. E-MAIL: [email protected]