A eficácia horizontal dos direitos fundamentais.


Paulo Constantino Thomopoulos

Espero, neste modesto ensaio, contribuir com o importante tema sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sobretudo, porque existe pouco material disponibilizado por parte de nossos doutrinadores, embora nossa jurisprudência já tenha reconhecido a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas de forma direita e imediata de acordo com o perfil axiológico da Constituição Federal de 1988.

Em primeiro lugar mister salientar que o jusnaturalismo contratualista muito contribuiu com a evolução dos direitos humanos na medida em que os mesmos já eram considerados politicamente antes da formação dos Estados modernos.

Ao contrário deste entendimento, o liberalismo-burguês acolheu os direitos fundamentais apenas como um limite imposto ao poder do Estado na relação entre governante e governados, sem imiscuir-se na autonomia privada, onde o que importava era o individualismo e a proteção à propriedade privada da classe burguesa.

Através da mão invisível do mercado, tinha-se a nítida idéia de que existia uma igualdade entre os particulares e que a autonomia privada não enfrentava nenhuma espécie de assimetria no campo material. Para o Estado Liberal todos eram iguais perante a lei; a liberdade era exercida perante o Estado e não através dele.

Com esta falsa garantia jurídica da isonomia formal em relação aos direitos fundamentais de segunda dimensão, o Estado Liberal viu-se fadado ao seu colapso ante a gritante desigualdade material imposta aos hipossuficientes nas relações privadas, operando-se daí sua evolução para o Estado Social. Reconhecida a opressão do mais forte sobre o mais fraco, os direitos fundamentais foram promovidos a uma condição de superação da limitação de sua atuação não somente entre governantes e governados mas, também em outros campos como o mercado, as relações de trabalho e a família. Como consequência, o Código Civil deixa de ser o centro do ordenamento jurídico em face do surgimento de inúmeras leis extravagantes que começaram a disciplinar várias áreas do Direito não alcançadas e disciplinadas pelo Código Civil , o que ocasionou o fortalecimento da legislação constitucional que assegurou uma maior intervenção do Estado na economia e nas relações privadas e o fortalecimento dos direitos fundamentais de primeira e segunda dimensões.

Através desta nova concepção a Constituição foi elevada ao centro da ordem jurídica, inclusive do direito privado, através do que ficou conhecido como "filtragem constitucional", tendo em vista o seu avanço axiológico. As constituições passam a disciplinar as relações econômicas e privadas e não mais o modelo pré-weimariano onde a ela era assegurado somente o controle da organização do Estado e das relações entre governantes e governados.

Fortalece a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas. A eficácia vertical dos direitos fundamentais não é o bastante para o controle destes princípios constitucionais face a grande demanda social originada no Estado Social. Diante desta realidade, o reconhecimento da vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais não são aplicados da mesma forma que norteiam a relação entre cidadão e Estado, vez que os particulares são também titulares de direitos fundamentais, devendo ser respeitada sua autonomia privada, constitucionalmente protegida. Assim, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais entre particulares abriga várias situações de ordem existencial e patrimonial. Assim, segue que nas questões ligadas às opções existenciais da pessoa, a proteção à autonomia privada é maior; já nos casos em que a autonomia do sujeito de direito ligar-se a alguma decisão de cunho puramente econômico ou patrimonial, tenderá a ser mais intensa a tutela ao direito fundamental contraposto. Em outras palavras, quanto maior for a desigualdade, mais intensa será a proteção ao direito fundamental em jogo, e menor a tutela da autonomia privada. Ao inverso, numa situação de tendencial igualdade entre as partes, a autonomia privada vai receber uma proteção mais intensa, abrindo espaço para restrições mais profundas ao direito fundamental com ela em conflito.

Fato é que havendo colisão entre direitos fundamentais e autonomia privada, por não serem irrenunciáveis os primeiros, mesmo que exista igualdade entre os atores e, por não ser absoluta a segunda, será aplicada a ponderação para solucionar tais assimetrias, sempre tendo como vertente o princípio da dignidade da pessoa humana.

É de destacar, assim que:

"(...) a dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais. Ao deparar-se com uma colisão entre princípios constitucionais, tem o operador do direito de , observada a proporcionalidade, adotar a solução mais consentânea com os valores humanitários que este princípio promove". SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição, op.cit., p. 74.

Conclusão.

Ideologicamente, é de maior interesse aos adeptos do neo-liberalismo a prevalência da autonomia privada nas relações privadas, sem a observância do direito fundamental de igualdade, nos moldes do Estado Liberal, ou seja, apenas formalmente . Diante da constatação de grandes assimetrias que assolam o mundo ocidental civilizado, e, em especial no caso brasileiro, onde cada vez mais, constata-se uma enorme distância entre as classes sociais, não vemos com simpatia tal concepção. Por outro lado, o Estado Social, com a crise do Welfare State, não consegue atender a todas as necessidades de ordem material que a sociedade reclama; porém, devemos rebater as críticas dos adeptos do neo-liberalismo e do pós-modernismo, sobretudo, jurídico, por não condizer com a realidade hodierna na ordem mundial, incluindo aí também o mundo oriental, uma vez que, direitos humanos, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, estão cada vez mais sendo, por ironia ao próprio neo-liberalismo e do pós-modernismo, sendo GLOBALIZADOS de forma a ser o único caminho para a governabilidade e o exercício do poder nos Estados modernos. Exatamente pela eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais , pelo surgimento do neo-constitucionalismo e do pós-positivismo, é que , está sendo proporcionando ao planeta uma sobrevida nestes tempos de total esquecimento e desrespeito não só aos direitos fundamentais, ao principio da dignidade da pessoa humana, mas , também , aos direitos fundamentais de solidariedade.

Ideologias existem e fazem parte do jogo, porém, sem uma coordenação entre o público e o privado, " a praça e o jardim" estaremos fadados a uma vida mais triste e sem perspectivas humanitárias globalizadas.

Bibliografia

SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal.Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2000.
Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2006.