Gustavo Medeiros Mota Andrade
Carlos Vinícius Lauande Franco

                                                          RESUMO

O presente paper visa analisar a eficácia da coisa julgada inconstitucional. Para isto, se faz necessário caracterizar a coisa julgada em seu sentido estrito, sendo ainda feita a distinção desta nos sentido formal e material, além de seus limites objetivos e subjetivos. Será utilizado como objeto de estudo a doutrina e julgados que tratem da matéria supracitada.

 

                                                PALAVRAS – CHAVE

Coisa julgada; coisa julgada inconstitucional; coisa julgada formal e material.

 

INTRODUÇÃO

 

     Para o início deste estudo, é necessário que se explique que o processo se divide em quatro fases: a postulatória, onde se dá o início do processo, expondo as causas, o pedido e os meios de prova que deverão ser analisados. A ordinatória onde o juiz toma as providências preliminares e, se for o caso, profere o despacho saneador. A fase instrutória é a fase na qual pode ocorrer o julgamento antecipado da lide, onde é feita a produção de provas e há a audiência de instrução e julgamento, é fase de serve de arcabouço para a decisão do juiz, decisão esta que será proferida na fase decisória do processo, que é onde o magistrado profere a sua sentença, visando por fim à lide.

     Na fase decisória, como dita anteriormente, é o momento onde é proferida a sentença e esta é passível de recurso ou não a ser apreciado por outro órgão jurisdicional, em geral um órgão colegiado. Sabe-se que existe um grande número de recursos e de graus de jurisdição, porém quando se dá o encerramento da possibilidade de recorrer, temos a dita coisa julgada, que trataremos mais detalhadamente a seguir.

           

1          A COISA JULGADA

 

Assim como vários institutos do direito, a coisa julgada teve origem no direito romano, naquela época a coisa julgada era a “expressão de exigência de certeza e segurança no gozo dos bens da vida; era a res in iudicium deducta”[1]. Sabemos que o juiz profere a melhor decisão através da análise das provas expostas, mesmo que esta decisão não agrade a todas as partes envolvidas no processo. Os romanos tinham apenas a sentença como coisa julgada, pois sendo o juiz o responsável por proferir a resolução da demanda esta se presumia com certeza e segurança já que para os romanos a coisa julgada se assentava, sobretudo num pressuposto de ordem prática, pois visava garantir ao vencedor da demanda o bem da vida reconhecido pela sentença[2].

A partir daí, o conceito de coisa julgada evoluiu, sobretudo após a posição defendida por Liebman que definiu esta por: “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença em sua existência formal, e ainda dos efeitos dela provenientes” [3], que norteou o processo civil brasileiro, como podemos observar na Lei de Introdução do Código Civil que conceitua em seu art. 6.º, §3.º a coisa julgada como sendo a decisão judicial de que já não caiba recurso[4].

 

 

2          A COISA JULGADA FORMAL E A COISA JULGADA MATERIAL

 

Como já foi observada, a coisa julgada é o momento pelo qual a sentença se torna indiscutível e imutável, sem mais possibilidades de recurso. Ao longo do tempo sofreu várias mutações, a priori os romanos não fizeram distinção entre a coisa julgada formal e material, somente posteriormente na Idade Média criou-se tal distinção. Valendo-se dos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, podemos definir a coisa julgada formal simplesmente

 

“pela imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição do vencido, que porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado a sua interposição” [5].

 

 

Como visto a coisa julgada formal somente é capaz de por fim ao processo impedindo assim que se discuta o mesmo objeto no mesmo processo, “a mera existência da coisa julgada formal é incapaz de impedir que tal discussão ressurja em outro processo” [6].

Por outro lado, a coisa julgada material está conceituada conforme o art. 467 do Código de Processo Civil. Denomina-se coisa julgada material “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” [7]. Com isto, tem-se a coisa julgada material quando torna imutáveis os efeitos produzidos pela sentença no mesmo processo ou em qualquer outro entre as mesmas partes, por isto nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes a peticionar sobre esta relação jurídica.

Conforme as lições de Ada Pellegrini Grinover em companhia de Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco na clássica obra Teoria Geral do Processo, “nem a coisa julgada formal, nem a material, são efeitos da sentença, mas qualidade da sentença e de seus efeitos, uma e outros tornados imutáveis. A eficácia natural da sentença vale erga omnes, enquanto a autoridade da coisa julgada somente existe entre as partes” [8].

 

3          LIMITES SUBJETIVOS E OBJETIVOS DA COISA JULGADA

 

Falar sobre os limites da coisa julgada é verificar até que ponto é imutável e indiscutível a sentença transitada em julgado. O Código de Processo Civil, em seu artigo 468, afirma que a sentença que julgar a lide, seja ela total ou parcial tem força de lei em seus limites das questões decididas, ou seja, a sentença faz coisa julgada nos limites do objeto do processo o que podemos dizer nos limites do pedido.

No entendimento de Alexandra Câmara, “o que não tiver sido objeto do pedido, por não integrar o objeto do processo, não será alcançado pelo manto da coisa julgada” [9]. J.E. Carreira Alvim por sua vez, conceitua o limite objetivo da coisa julgada como sendo “a concreta decisão sobre a demanda proposta em juízo: a decisão que acerta como fundada ou infundada a demanda proposta; como existente ou inexistente o direito feito valer em juízo, e dispõe sobre os efeitos conseqüentes (condenação, efeito constitutivo)” [10].

Por outro lado, ao falarmos de limites subjetivos da coisa julgada devemos cuidar de estabelecer esta em relação a que pessoas a sentença transita em julgado, valendo-se novamente dos entendimentos de Carreira Alvim a “sentença passa em julgado em relação as partes na causa (res iudicata facit ius inter partes – a coisa julgada não faz efeito entre as partes - ), não em relação a terceiros, estranhos à demanda (res inter alios iudicata tertio non nocet – a coisa julgada não prejudica a terceiro)” [11].

Estas considerações sobre os limites subjetivos da coisa julgada estão contidas no artigo 472 do Código de Processo Civil.

 

4          A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E A SUA EFICÁCIA

 

Sem embargos, como já caracterizado neste artigo, a coisa julgada torna imutável e indiscutível o conteúdo da sentença, porém, há casos em que é preciso desconsiderá-la, abrindo a possibilidade a uma nova discussão sobre aquilo que fora decidido pela sentença transitada em julgado[12]. Somente a ofensa literal à Carta Magna é que autoriza o pedido de re-análise da sentença transitada em julgado.

Na obra Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery é encontrado que para nova análise da sentença transitada em julgado é necessária

 

“a violação da Constituição Federal por desentendimento a texto constitucional expresso, por princípio constitucional não positivado ou, ainda, por ofensa ao espírito ou ao sistema da Constituição Federal. Decisão inconstitucional transitada em julgado não pode ficar imune ao controle jurisdicional (...) porque incide o princípio do estado democrático de direito, sendo a coisa julgada um de seus elementos formadores (CF. art. 1.º, caput)” [13].

 

 

Tal afirmação nos mostra que não se pode admitir que uma das partes volte a juízo alegando que a sentença foi proferida de maneira injusta ou errada sendo necessário o seu reexame, se isto fosse possível estaríamos admitindo a possibilidade de discussão sobre matéria já analisada, o que feriria a garantia de segurança e a estabilidade representada pela coisa julgada.

Nestes termos, a doutrina chama coisa julgada inconstitucional,

 

 “o que contraria a Constituição mesmo antes da sentença, sendo esta, pois, e não a coisa julgada, que pode ser inconstitucional (...) a inconstitucionalidade é vício insanável, assim, não parece razoável admitir que ao transitar em julgado a sentença inconstitucional estaria ela à salvo de qualquer controle de constitucionalidade” [14].

 

 

Ao se averiguar uma sentença transitada em julgado inconstitucional, deve-se desconsiderar tal sentença, partindo a uma nova decisão como se jamais houvesse existido. A doutrina defendida por Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery admite serem três os momentos em que se pode impugnar atos jurisdicionais proferidos contra a Constituição Federal:

 

“a) a sentença pode ser impugnada pela apelação (CPC, art. 513); b) o acórdão pode ser impugnado por recurso extraordinário (CF, art. 102, III, a); c) a sentença ou acórdão de mérito, transitados em julgado, que tiverem sido proferidos contra a CF, são impugnáveis por ação rescisória, com fundamento no CPC, art. 485, V” [15].

 

 

À margem de quaisquer considerações já enumeradas neste artigo sobre coisa julgada inconstitucional, podemos auferir que conforme a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XXXVI que a coisa julgada seria imune à irretroatividade da lei. Porém como visto tal inciso não traça o que poderíamos ter como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Araken de Assis afirma que à margem deste artigo podemos traçar três pontos que colocam em foco tal assunto:

 

“Em primeiro lugar, a proibição se dirige ao legislador, ante a explícita menção inicial à figura da "lei", notório e conspícuo produto do processo legislativo, nele apontada como o potencial vetor deliqüescente. Ademais, o bem jurídico tutelado consiste na segurança jurídica: na ausência desse veto, o legislador assumiria funções onipotentes, quiçá sucumbindo à influência de fatores conjunturais para subtrair dos particulares seus direitos, inclusive aqueles reconhecidos por pronunciamento judiciário. E, finalmente, incumbe à lei infraconstitucional definir objeto da garantia” [16].

 

 

Sabe-se, porém, que o CPC passou a caracterizar a coisa julgada, em seu artigo 467, como aquela sentença não mais passível de recurso. Este conceito não tem total significado, pois como podemos ver, nem sempre a resolução judicial torna indiscutível o término do processo. A grande discussão existe entre os efeitos da coisa julgada e da sentença, pois esta já apresenta uma eficácia natural, que produz efeitos declarativos, constitutivos e condenatórios. Não obstante se vê que tais efeitos ficam tolhidos, em sua maioria, pela possibilidade de interposição de recurso suspensivo contra o ato decisório que julga o mérito.

Continua Assis,

 

“No entanto, a segurança jurídica é valor constitucional que entrou em flagrante declínio e retrocesso. Não interessam, aqui, as complexas razões desse fenômeno perturbador, e, sim, o fato de que ele atingiu diretamente a coisa julgada. Tornou-se corriqueiro afirmar que a eficácia de coisa julgada cederá passo, independentemente do emprego da ação rescisória ou da observância do prazo previsto no art. 485, em algumas hipóteses” [17].

 

 

Certamente, a sentença indiscutível é objeto da eficácia da coisa dando uma segurança jurídica. Por isto, como vimos, para se modificar este caráter imutável ou indiscutível da sentença, são necessários remédios específicos, como já expostos neste trabalho, através do CPC em seu artigo 485, que trata da ação rescisória.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Como foi visto, a coisa julgada apresenta várias nuances que ao serem analisadas demonstram a sua importância no ordenamento jurídico brasileiro. Tem por idéia primordial o pensamento de que a sua existência caracteriza a impossibilidade de se interpor recursos após as tramitações em cada juízo possível, seja esta por força da lei ou por preclusão de prazo.

Porém, com o instituto da coisa julgada inconstitucional vê-se um novo momento, uma nova “abertura” no ordenamento pátrio, pois sob a sua égide podemos notar uma nova possibilidade de interposição de recurso, pois como já citado a ofensa literal à Constituição Federal, permite uma re-análise do feito, abrindo precedentes a novas possibilidades de apreciação do decisum.Não basta que uma das partes esteja insatisfeita com a decisão, achando que ela não é a melhor possível para o caso concreto, como vimos, a decisão precisa ser inconstitucional, ir ao contrário do defendido por nossa Carta Magna.

Esta re-análise, na verdade, gera a desconsideração da sentença, como se esta nunca tivesse existido e, após elaboração de norma ou ainda, caso não seja elaborada uma nova norma, partir-se-á então para uma decisão elaborada do zero, como se a anterior jamais tivesse existido.

Visto isso, resta evidente que, a coisa julgada não é o último momento do processo como tanto é propalada, quando se fala em coisa julgada inconstitucional torna-se mais evidente ainda que, a decisão é propensa à nova apreciação do seu mérito e mais, podemos notar que de forma alguma tal reforma atacaria a segurança jurídica, pois, com esta revisão, a nosso ver, a segurança jurídica torna-se mais evidente, já que visa proteger a Lei Magna de ofensas a seus preceitos.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

ASSIS, Araken de. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional.  (Coordenação de Carlos Valder do Nascimento). Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005. Disponível em <www.datadez.com.br> Acesso em: 12.10.2009.

 

CAMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol.1, 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

 

GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Candido Rangel e CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria Geral do Processo. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

 

LIEBMAN, Eurico Tullio. Eficácia e autoridade das sentenças, trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 3. ed, 1984.

 

NERY Jr, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e Legislação Extravagante: atualizado até 1.º de março de 2006. 9. Ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006.

 

THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

 


 

[1] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007. Pág. 329 e 330.

 

[2] Ob. Cit. 4. Pág. 330.

 

[3] LIEBMAN, Eurico Tullio. Eficácia e autoridade das sentenças, trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 3.ed, 1984. Pág. 54.

 

[4] CAMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol.1, 16.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. Pág. 483.

 

[5] THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007. Pág. 587.

 

[6] Ob. Cit. 7. Pág. 488.

 

[7] Ob. Cit. 8.

 

[8] GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Candido Rangel e CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria Geral do Processo. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. Pág. 327.

 

[9] Ob. Cit. 7 e 9. Pág. 496.

 

[10] Ob. Cit. 4. Pág. 345.

 

[11] LIEBMAN, apud. Ob. Cit. 4, 13. Pág. 345.

 

[12] Ob. Cit. 12, pág. 491.

 

[13] NERY Jr, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e Legislação Extravagante: atualizado até 1.º de março de 2006. 9. Ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. Pág. 680.

 

[14] Ob. Cit. 15. Pág. 494.

 

[15] Ob. Cit. 16. Pág. 680.

 

[16] ASSIS, Araken de. Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional.  (Coordenação de Carlos Valder do Nascimento). Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005, Pág. 07.

 

[17] Ob. Cit. 19, Pág. 07.