TEMA: A EFICÁCIA CONSTITUCIONAL DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA PROTEÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DAS VÍTIMAS DA DITADURA MILITAR[1]

Aline Lobato da Silva[2]

Vitor Matheus da Silva Santos[3]

Luenna Costa Oliveira Braga[4]

Luíza de Fátima Amorim Oliveira[5]

 

RESUMO

Entre as décadas de 1960 e início de 1980 eclodiu o período marcado por grande repressão e violação das garantias fundamentais dos cidadãos. Diversos foram os crimes que ocorreram durante a ditadura militar brasileira, que, inclusive, ceifaram a vida de diversas pessoas que se mostravam contrárias a este regime, enquanto outras permanecem desaparecidas até os dias atuais. Ressurge, então, com a Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direito e, entre ele, a volta da efetivação e garantia dos direitos fundamentais. Vítimas e familiares buscam, então, tentar encontrar informações para tentar entender o que aconteceu àqueles que foram mantidos nos quartéis, que desaparecem misteriosamente e, para isso, é necessário se utilizar da justiça constitucional e seus remédios constitucionais, dentro do espaço da jurisdição constitucional como forma de garantir o acesso à informação. Assim, efetivam-se a democracia e os direitos fundamentais instituídos pela Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Ditadura Militar; Estado Democrático de Direito; Justiça Constitucional; Garantia; Remédios constitucionais; Acesso à informação.

 

INTRODUÇÃO

 

A história brasileira foi marcada por diversos períodos, dos quais, surgiram constituições relativas a eles. A Constituição de 1967 teve sua ruptura com a Emenda Constitucional nº 1, que ficou conhecida como Constituição de 1969. A partir daí os Atos Institucionais, a exemplo do Ato Institucional nº5, instituíram arbitrariedades, que tornaram possíveis a suspensão do Habeas Corpus, o recesso do Congresso Nacional, a cassação de mandatos políticos, entre outros cerceamentos aos direitos individuais e coletivos. Torna-se importante ressaltar que no final do período os últimos presidentes-generais já vinham instaurando mudanças, como a anistia a todos os presos políticos, e aos crimes políticos possibilitando a impunidade e arquivamento de provas dos crimes que os militares cometeram. Em 1988 houve a promulgação de uma nova constituição, com características republicanas, voto direto e o pluripartidarismo, e também não menos importante, um reforço nos “remédios constitucionais” para a garantia dos direitos fundamentais pessoais e coletivos da sociedade, que justamente vão de encontro a estes arquivamentos. (GONÇALVES, 2013, p. 271-278).

Importante centrar o olhar para o fato de que neste período, tratado acima, houve inúmeras quebras dos denominados direitos fundamentais. Devemos lembrar que, ainda hoje, é difícil o acesso de dados pelas vítimas da Ditadura Militar ou parentes das que desapareceram, visto que possuem interesse em desvelar o passado, e retirar acusações falsas sobre os mesmos.

O trabalho em questão visa informar sobre como os cidadãos (não só os parentes das vítimas desaparecidas) podem ter acesso a esses dados, através da utilização da justiça constitucional (especificamente o instrumento, mandado de segurança), intrinsecamente ligada à jurisdição constitucional, e descobrir o que realmente aconteceu para assim honrar a luta dos que foram injustamente acusados, consagrando e efetivando o direito à memória e possibilitando tanto uma reparação aos falsamente acusados quanto auxiliando na construção de uma sociedade mais justa, democrática, e solidária preconizada pela Constituição Federal de 1988 conjuntamente com seus direitos e garantias.

O artigo busca estudar o mandado de segurança como o remédio constitucional certo para assegurar o direito de acesso à informação sobre os acontecimentos que levaram a quebra de diversos direitos fundamentais durante a ditadura militar, ampliando o alcance do instituto constitucional como forma de resolver tanto problemas do passado, quanto futuros, efetivando a jurisdição constitucional. O instrumento em pauta é o necessário, pois muita das vezes se quer garantir uma informação sobre o outro, e não sobre a própria pessoa que está impetrando o remédio constitucional.

Por fim, em seu primeiro ponto, falar-se-á sobre o período ditatorial e a garantia do direito à informação de pessoas que tiveram parentes e amigos que sofreram desaparecimentos forçados por causa da discordância com os atos do Governo Militar. Num segundo momento, comentar-se-á sobre a evolução da justiça constitucional e da jurisdição constitucional como espaços adequados à realização dos preceitos da Constituição Federal de 1988, tendo em vista o tema do artigo. Num terceiro momento, concluiremos o trabalho expondo o mandado de segurança como o meio para a defesa da constituição, saneamento do Estado Democrático de Direito e, como consequência natural, realização do acesso à informação de casos da ditadura não só pelos afetados direta ou indiretamente, mas por todos os cidadãos brasileiros.

 

1 A DITADURA MILITAR E A GARANTIA DO DIREITO À INFORMAÇÃO

O golpe de Estado de 1964 instalou o governo militar, o qual mediante os atos institucionais, a partir do mesmo ano, modificaram as Constituições de 1946 e 1967, restringindo direitos civis e dando poderes ao Executivo como: o direito de suspender direitos políticos, cassação de mandatos legislativos, instituição de eleições indiretas, suspensão da garantia do habeas corpus e muitas outras medidas arbitrárias para a manutenção do poder. Tais arbitrariedades elevaram o Poder Executivo em detrimento dos outros Poderes, constituindo uma afronta ao princípio da separação dos poderes já instituído na Constituição Federal de 1946 (BRASIL, 1946) em seu artigo 36 e na Constituição Federal de 1967 (BRASIL, 1967) em seu artigo 6º. 

Os “mandos e desmandos” continuaram com as emendas, desrespeitando as Constituições anteriores, passando por cima de institutos e requisitos processuais de alteração das leis. Tais modificações realizadas pelos militares não tinham qualquer autenticidade como Constituições ou como emendas constitucionais, pois ambos foram feitas autoritariamente, violando garantias constitucionais estabelecidas, todas realizadas sem a mínima participação popular, e/ou regulação dos outros Poderes, já que em muitos Atos Institucionais a regulação judicial era terminantemente vedada.

As manifestações contrárias a este período ganharam mais fôlego com estes “mandos e desmandos” dos generais-presidentes e aumentou ainda mais com o assassinato do estudante Edson Luís, durante uma passeata estudantil por policiais militares. Esse fato gerou indignação de boa parte da população, que começou a planejar movimentos grevistas. Um destes foi a proposta para que as mulheres dos militantes não tivessem mais relações com os mesmos e que o povo boicotasse o desfile de 07 de Setembro. Esse foi o estopim para a instauração do denominado “anos de chumbo”, que foi marcado pela assinatura do presidente Costa e Silva do Ato Institucional nº 5 (SOUSA, 2010, p.16-18).

Esse ato instituiu que o Presidente pudesse decretar estado de sítio e prolongá-lo, poderia, também, intervir, sem que houvesse limitação constitucional, na exclusão da apreciação do judiciário de atos advindos do AI-5 e seus efeitos, etc. (SOUSA, 2010, p. 18-19). A partir desse ato, inúmeras pessoas foram presas, torturadas e exiladas por possuírem pensamento contrário aos militares; políticos tiveram seus mandatos cassados e outros foram presos. Disso resultou a quebra de inúmeros direitos, os quais são buscados ainda hoje, pois, com a Lei da Anistia, todos que cometeram esses atos de barbárie, foram inocentados.

A grande maioria destes atos do Governo Militar são contados por parentes, pessoas que sobreviveram às torturas, tentativas de assassinato, vizinhos, amigos ou simpatizantes das vítimas, isto é, histórias não oficiais, porém verídicas, se comparadas às histórias oficiais, dadas pelos oficiais do Regime em colaboração, muitas vezes forçada, de diversos Institutos de Criminalística, e também o Instituto Médico Legal. Algo que acarreta um dano muito grande aos direitos e garantias como o da informação, da dignidade, entre outros previstos na Constituição vigente durante o período.

Importante se frisar também, que durante este período, muito pouca informação se tinha sobre o paradeiro das pessoas, e muitas vezes os testemunhos foram sufocados pelo medo, e pela ameaça real dos mesmos acontecimentos (morte, tortura, desaparecimento forçado) às testemunhas ou qualquer um que estivesse em posição contrária ao Governo Militar.  Portanto, ajuizar uma ação para a garantia do direito à informação, utilizando do mandado de segurança neste período, era quase que impensável para muitas pessoas, já que no curso do processo o lado requisitante poderia “simplesmente sumir”, dando azo a extinção do processo.

Dentro do âmbito dos pedidos oficiais às repartições públicas e até a Justiça não foi muito diferente, pois a maioria dos documentos, senão todos, estavam, e estão até hoje, protegidos pelo prazo de 30 anos por serem secretos e serem documentos de tamanha relevância para a segurança nacional, que não podem ser revelados ou ainda mais tempo se as informações envolvessem a honra e imagem de pessoas (notadamente de policiais, militares, e etc). Tal empecilho poderia seria enfrentado se a pessoa impetrasse um mandado de segurança, por exemplo, porém de acordo com o que já foi dito, tal ato poderia importar consequências muito mais negativas do que a consequência positiva do direito à informação de parentes. Assim, inúmeras famílias e amigos de vítimas dos crimes da ditadura militar continuam sem poder ter direito à memória dos parentes, sem poder devolver a dignidade destes, que foram rotulados de terroristas, ou por que simplesmente não concordavam com os mandos e desmandos, e por isto desapareceram. (MEYER, 2012, p. 242)

Observa-se, infelizmente, que o instrumento processual (mandado de segurança), que poderia garantir uma justiça constitucional, pouco foi interposto pelo perigo que isso podia trazer à pessoa. Esta, além da possibilidade de perder a própria vida, pouca chance tinha de ver seu direito ser realizado e, por conseguinte, o do parente ou amigo, pela descrição dos documentos. Dessa forma, reputa-se um ostensivo dano aos direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, incluindo a honra das pessoas, advindo do dano a garantia da informação.

 

2 NECESSIDADE DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL PARA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DAS VITIMAS DAS VIOLAÇÕES DO PERÍODO MILITAR E DE SEUS FAMILIARES

O controle de constitucionalidade difuso das leis, e outros atos se originou no modelo americano, em 1787, a partir da decisão Marbury v. Madson, proferida em 1803, que logo se expandiu rapidamente pela a América Latina. Apesar da adoção do modelo difuso, o constitucionalismo latino-americano é um fenômeno verdadeiramente particular, haja vista que após a segunda guerra mundial, o modelo concentrado, tipicamente europeu, eclodiu nesta região, trazendo influências das ideias europeias. No entanto, não há como negar que o constitucionalismo latino-americano, fora um fenômeno específico e diverso, que encontrou seu próprio caminho de desenvolvimento (TAVARES. 2014, p. 245-253).

É por isso, que tratá-lo como mera expansão do controle americano ou do controle europeu é ignorar suas origens e evolução própria. Sendo que, uma das suas grandes preocupações foi com os novos mecanismos de proteção da Constituição, utilizando instrumentos de diferentes tradições, o que o distanciou dos modelos tipicamente americano e europeu, pois demonstrou sua capacidade de tratar com independência conceitual suas resoluções constitucionais. Assim, nesta extensão ocorre a emergência do modelo misto, em que se verifica paradigmas “clássicos” em novos e únicos padrões (TAVARES. 2014, p. 253-254).

Tal modelo foi adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que além de expandir a legitimidade ativa para o uso do controle concentrado de constitucionalidade, legitimou ainda mais os remédios constitucionais, a exemplo do mandado de segurança para uso individual ou coletivo, este último introduzido pela Constituição de 1988. Flávia Piovesan (200-?) destaca que eles são importantes instrumentos para a proteção dos direitos humanos, entre eles: a dignidade, honra, e informação, direitos-chave deste trabalho. A autora estabelece que

Atente-se, ademais, que a Constituição de 1988, no intuito de reforçar a imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, institui o princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, nos termos de seu artigo 5º, parágrafo 1º. Inadmissível, por consequência, a inércia do Estado quanto à concretização de direito fundamental, posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais. Vale dizer, cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental. Esse princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Vê-se, portanto, a força normativa da Constituição de 1988 no tocante a garantia dos direitos fundamentais, lei que está sendo desrespeitada, levando em conta a grande quantidade de pessoas que ainda não sabem o que aconteceu com seus parentes e amigos, que têm assim, seus direitos violados por uma inércia do Estado, e, às vezes, até negação sobre a disponibilidade de documentos reveladores da situação de seus familiares.

Importante lembrar que, para a realização de todos os instrumentos e direitos comentados até agora, é indispensável a garantia constitucional ao processo ou do processo. Não há como se realizar a justiça constitucional sem uma jurisdição constitucional. José Alfredo de Oliveira Baracho (2008, p. 12-14) assim destaca a importância do estudo do processo no âmbito constitucional: “As apreciações sobre as instituições essenciais do direito processual civil levam à compreensão de sua importância, para a concretização dos direitos fundamentais.”

Além de ter em conta os mandamentos processuais constitucionais para a concretização da jurisdição, e justiça constitucional, a Constituição Federal de 1988 é fonte primária do Direito, é fundamento de existência e validade de todas as demais normas jurídicas, integrantes de um dado sistema normativo, conferindo, portanto, coerência e coesão ao ordenamento estatal.

Luis Roberto Barroso (2014, p.22) destaca ainda:

“A Constituição passou para o centro do sistema jurídico, desfrutando de uma supremacia que já não é tão somente formal, mas também material, axiológica. Tornou-se a lente através da qual devem ser lidos e interpretados todas as normas e institutos do direito infraconstitucional. Nesse contexto, o direito constitucional passou a ser não apenas um modo de olhar o direito, mas também de pensar e de desejar o mundo: baseado na busca por justiça material, nos direitos fundamentais, na tolerância e na percepção do próximo, do outro, tanto o igual como o diferente. À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição”.

Percebe-se, então, que é imperativo a utilização da justiça constitucional para a efetivação da garantia à informação, na forma do mandado de segurança.

3 DEFESA DA CONSTITUIÇÃO E O SANEAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: MANDADO DE SEGURANÇA

 

O mandado de segurança é um dos writs disponíveis para a proteção de um direito fundamental, por conseguinte a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) que assim dispõe em seu artigo 5º:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

 Este mandamus é tanto uma garantia constitucional, quanto uma ação, têm estas duas naturezas. Como ação ele precisa cumprir certos requisitos processuais, daí a importância da Teoria Geral do Processo e do entendimento da necessidade da dualidade da Justiça Constitucional e Jurisdição Constitucional. Como requisitos processuais, tem-se: a necessidade de lesão ou ameaça de lesão ao direito líquido e certo. Assim no tema em questão, no momento que a autoridade se omite de prestar informações sobre os desaparecidos no período ditatorial, ou as nega, com base no documento estar protegido pela alcunha de secreto, ele lesa o direito líquido e certo do direito à informação. O ato comissivo ou omissivo explicitado precisa ser ilegal por parte de autoridade pública, e é, pois fere princípios constitucionais como o da publicidade, bem como direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana (BULOS, 2014, p. 756-758).

Barroso (2011) coloca que o Brasil é um país de redemocratização recente, e que está sofrendo um amadurecimento institucional. Este não é um processo fácil, e tem se dado de forma lenta e gradual. Ao consagrar direitos fundamentais, ainda que por decisão "contramajoritária” (que vai de encontro aos entendimentos majoritários, mas que garante o direito a grupos minoritários), o Judiciário, no espaço da jurisdição constitucional, garante a realização da democracia. Explicamos o porquê: a Constituição Federal de 1988 não “serve” apenas a maioria, mas ela “serve” também a minoria, quando disponibiliza instrumentos constitucionais para a garantia dos direitos preconizados na mesma Lei, quando permite também a alternância no poder, quando no seu preâmbulo (BRASIL, 1988) diz:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional [...]

Já é pacífico que o preâmbulo não possui força normativa, mas é entendimento que ele serve como um norte, como elemento difusor dos princípios constitucionais. Portanto, quando alguém, uma entidade impetra (mesmo sendo minoria) um mandado de segurança contra uma omissão ou negação já comentadas, ele está exercendo seu direito constitucional, e assim contribuindo com o saneamento do Estado Democrático de Direito.

 

3.1 GARANTIA DA EFETIVAÇÃO DO ACESSO À INFORMAÇÃO

 

O direito à informação está previsto no artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal de 1988 (BRASIL), e diz: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Como corolário deste direito, está a dignidade da pessoa humana e, ao negar o acesso à informação, ou omitir a mesma, o lesa diretamente, já que o sentimento de perda, de nunca poder ter dado uma explicação plausível para o desaparecimento daquela pessoa querida, ou da certeza de sua morte, continua a ferir continuamente as pessoas envolvidas. É diferente de alguém que sabe que o parente desapareceu e morreu - com a devida vênia ao sentimento deste alguém –, pois a “ferida” do acontecimento se fecha naturalmente, não sofrendo tanto quanto alguém que nunca descobriu o paradeiro de uma pessoa querida.

É preciso então, através do instrumento processual do mandado de segurança, garantir uma memória coletiva, pois segundo Arnaldo Vieira Sousa (2010, p.48)

 A memória coletiva é o que garante um mundo em comum entre os homens, uma continuidade que ultrapassa a duração de cada geração, ligando-as em torno de narrativas comuns. Sem essa memória do passado público, as novas gerações ficam presas ao que Eric Hobsbawn (1995, p.13) chama de o “presente contínuo”, esse tempo paralisado em que as experiências pessoais do presente não encontram seu vínculo com a experiência das gerações anteriores.

Portanto, é estritamente necessária a garantia à informação pelo Poder Público que omite documentos da ditadura, nega o acesso a estes, pelo fato destes serem secretos ou envolverem a honra e imagem de alguém. Vive-se pela égide da Constituição Federal de 1988 que preconiza inúmeros direitos fundamentais, com prevalência dos coletivos sobre os individuais. Um exemplo é o direito, antes absoluto, da propriedade que está sendo relativizado em face da função social da propriedade, dos direitos coletivos de vizinhança.

Por fim, nas palavras de Arnaldo (2010, p.55):

[...] o dever de prestação da tutela jurisdicional ganha um novo contorno: é o dever de permitir que as memórias dos oprimidos, dos vencidos, venham à tona na formação da memória coletiva nacional e saiam da “bolha” de privatização a que submetidas através dos processos de esquecimento forçado presentes na fabricação da história oficial do Estado.

Vê-se, portanto, que para a concretização do Estado Democrático de Direito, por conseguinte dos direitos fundamentais, e da Constituição Federal de 1988, faz-se necessária, diante de tudo que foi dito, a utilização do mandado de segurança e não do habeas-data (tendo em vista as especificidades comentadas), como instrumento processual destinado a garantir à informação, além do direito a memória e a dignidade da pessoa humana.

 

4 CONCLUSÃO

 

Durante o período de 1960 até início da década de 1980, o Brasil passou por um período de ruptura com a democracia. O Governo Militar suprimiu diversos direitos e garantias constitucionais, impedindo também a utilização dos instrumentos processuais que poderiam garanti-los fazendo uso de métodos repressivos para silenciar aqueles que não eram favoráveis aos seus ideais, para evitar qualquer tipo de demérito, e oposição ao governo. Assim, diversas pessoas foram presas, torturadas, mortas, algumas foram exiladas e outras estão desaparecidas até os dias atuais.

A transição do período ditatorial para a democracia foi “lenta e gradual”, e se deu durante a década de 80. Apenas em 1988 houve a instauração de uma nova constituição, com garantias constitucionais e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, implementando e ampliando o poder dos remédios constitucionais na defesa da Constituição, e da democracia. No entanto, feridas psicológicas duram mais do que as físicas, e estas sequelas continuam a incomodar, quem não conhece o destino dos familiares que sumiram ou desapareceram dentro dos quartéis.

A partir disso, tenta-se solucionar esse problema através da efetivação da justiça constitucional, com o uso dos remédios constitucionais, em especial, o mandado de segurança, instituto processual de natureza de garantia constitucional de outros direitos e de ação. A escolha deste instituto adveio da sua definição e sua possibilidade de aplicação quando a autoridade pública for omissa quanto a dados relativos a terceiros.

Frisa-se a importância deste recurso para garantir o acesso à informação daqueles que ainda não obtiveram uma resposta do que efetivamente ocorreu com seus familiares ou conhecidos, que ainda encontram-se desaparecidos. Busca-se, então, garantir que, essas vítimas reflexas da ditadura militar brasileira, tenham o efetivo conhecimento e consigam o descanso para aqueles que pereceram. Por fim, ao se garantir o direito à informação, a dignidade daqueles que se foram, e a memória, caminha-se na construção de uma sociedade justa, efetivando a democracia, o Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal de 1988.



[1] Paper apresentado à disciplina Processo Constitucional, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] Aluna do 5º Período, do Curso de Direito, da UNDB – [email protected]

[3] Aluno do 5º Período, do Curso de Direito, da UNDB – [email protected]

[4] Aluna do 5º Período, do Curso de Direito, da UNDB – [email protected]

[5] Professora, orientadora