Ianna Talyta Campos Arruda[1]

Rômulo Alves Dias[2]

Sumário: 1 Introdução; 2 A origem das agências reguladoras no Brasil; 3 A regulação do petróleo, gás natural e biocombustível realizada pela ANP; 3.1 A efetividade do poder de polícia da ANP; 4 Conclusão; Referências

RESUMO

O presente paper analisa a efetividade do poder de polícia da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural, e Biocombustíveis (ANP). Aborda a origem e a implementação das agências reguladoras no Brasil. Expõe a artificialidade do modelo regulador brasileiro derivado da experiência norte-americana. Apresenta a ANP como reguladora dos serviços de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Descreve a efetividade do poder de polícia da ANP, mostrando os entraves sofridos para que o mesmo tenha sua efetividade garantida. Aponta a fragilidade do poder de polícia da ANP em face de influências externas que minam a sua autonomia. Apresenta os pequenos avanços já alcançados, a despeito da falta de plenitude no desempenho das funções da ANP.

Palavras-chave: Agências Reguladoras. Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP). Poder de polícia. Efetividade.                                              

1 INTRODUÇÃO

Constantes crises econômicas e a nítida ineficiência do Estado enquanto Estado- empresário fizeram surgir no cenário econômico, novas formas de atuação econômica. O Estado deixa de ser o agente principal, passando a ficar em segundo plano, e o particular passa a atuar no mercado como o fornecedor principal. Contudo, ao Estado é dada a função de agente regulador das atividades exercidas pelo particular (ALMEIDA, 2012). Serviços essenciais como energia, gás, petróleo, dentre outros passam a ser fornecidos pelos particulares sob a regulação do Estado por meio das agências reguladoras.

Nesse diapasão, surge, por meio da Lei 9.478 de 1997, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, conhecida como ANP. É uma agência submetida ao regime autárquico especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energias e com a finalidade de promover a regulação, promoção e fiscalização das atividades econômicas ligadas ao petróleo, gás e biocombustível (LIMA, 2008).

A ANP possui poderes, como de polícia e normativo. Em se tratando do poder de polícia, esse tem o condão de limitar ou disciplinar direito, interesse ou liberdade, prática de ato ou abstenção de fato em razão do interesse público, conforme está previsto no artigo 78 do CTN (Código Tributário Nacional). O poder de polícia deve ser exercido por órgão competente, dentro dos limites legais, respeitando o processo legal, sem abuso ou desvio de poder, pois, caso contrário, estará sendo exercido ilegalmente.

As regras aplicadas pela administração pública são pautadas, diretamente ou indiretamente, na Constituição. A ordem constitucional garante a liberdade e o direito à propriedade, entretanto, eles não podem ser exercidos de qualquer forma. É preciso haver o respeito à individualidade, bem como à coletividade (ARAGÃO, 2013).

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por fazer parte da administração pública, tem como base esse respeito à individualidade e à coletividade, pois através de sua promoção na regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas pertencentes à indústria do petróleo, respeitando a previsão legal, ela põe em prática seu respeito ao bem comum. Porém, ao longo do estudo, se percebeu que a efetividade do dever/poder de regular, fiscalizar e contratar exercidos pela ANP tem sua efetividade duvidosa, por enfrentar entraves na seara política, dentre outros problemas.

O presente trabalho tem o intuito de analisar a efetividade do poder de polícia da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, abordar a origem e implantação das agências reguladoras no Brasil e apresentar a ANP como reguladora dos serviços da indústria do petróleo, gás e biocombustível.

Trata-se, portanto de um tema atual, de extrema relevância e que gera muitas discussões no âmbito do Direito Administrativo. Daí surge o interesse dos autores, pois como futuros operadores do Direito, devemos sempre estar atentos às atualidades e inovações ocorridas no campo do Direito.

2 A ORIGEM DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

Até chegar aos dias atuais o Estado passou por três fases. Primeiro pré-modernidade, depois modernidade e atualmente estamos na pós-modernidade. A pós-modernidade chegou aos anos 90 junto com a crise existencial de nascer no momento do primeiro processo de impeachment ocorrido no país (BARROSO, 2005). E foi na fase moderna que começaram, no início de forma discreta, a surgir as primeiras empresas estatais no Brasil.

A origem das primeiras empresas estatais brasileiras se deu nos anos 40, sendo elas a Companhia Siderúrgica Nacional, Fábrica Nacional de Motores, Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Posteriormente nos anos 50 surgiram o Banco Nacional do desenvolvimento Econômico (conhecido como BNDE e hoje como BNDES) e a Petróleo Brasileiro S.A (Petrobrás). Entretanto, a grande explosão de empresas estatais se deu logo após o movimento militar de 1964 com a criação de mais de 300 empresas (BARROSO, 2005).

“Diante desse cenário o estado brasileiro chegou ao fim do século XX grande, ineficiente, com bolsões endêmicos de corrupção e sem conseguir vencer a luta contra a pobreza” (BARROSO, 2005, p. 3). O Estado já não tinha condições de gerir seus negócios e foi nesse dado momento que se pensou na alternativa de privatização das estatais.

A privatização das empresas estatais brasileiras se deu por conta da total ineficiência do Estado em administrar. A corrupção e o desrespeito às conquistas do povo brasileiro levaram o governo a importar o modelo norte-americano de privatização e implantá-lo no Brasil.

Constatou-se que o Estado não tinha recursos suficientes para todos os investimentos e nem condições de administrar de forma eficiente seus serviços e se passou esse papel a empresas privadas. Embora alguns serviços públicos passassem a ser administrados por empresas privadas concessionárias, estes não perderiam sua natureza pública, pois o Estado continuava com sua responsabilidade em relação a uma prestação adequada e digna (LIMA, 2008). Nesse contexto surgem as agências reguladoras, como meio de regular o trabalho prestado pelo setor privado.

As agências reguladoras no direito norte-americano existem desde o nascimento do seu Estado. A cultura administrativa americana é pautada toda em cima de órgãos reguladores (LIMA, 2008). Diferentemente do Brasil em que tais figuras só foram surgir nos anos noventa, após percepção que o então responsável por administrar não teria condições eficientes para tal.

Reforçando, o Estado norte-americano pouco tem de empresário. Desde o início de sua história os serviços públicos eram prestados por particulares, por isso nas terras do "Tio Sam" não houve a concessão de um serviço público a um ente privado (ALMEIDA, 2012). Os EUA perceberam que os serviços oferecidos à coletividade necessitavam de uma regulação por estarem sendo prestados por um particular. Isso difere da realidade pátria, porque lá surgiu de forma natural e aqui surgiu como algo de extrema necessidade.

Contudo, até chegar o modelo atual, as agências reguladoras americanas passaram por quatro fases. Na primeira fase as agências tinham o intuito de cuidar da regulação de empresas e corporações que formavam monopólios, favorecendo a competitividade desleal. O segundo momento foi entre os anos 1930 e 1945, período em que as agências ganharam mais autonomia devido à exacerbada intervenção na economia. Houve também a necessidade de que mais agências fossem criadas nesse período. O terceiro momento foi aquele em que os entes que deveriam ser regulados passaram a influenciar nas decisões das mesmas, de modo a ditarem a atividade regulatória destinada a eles, enfraquecendo dessa forma o poder regulador das agências. Por fim a quarta fase, fase atual que teve início nos anos 80, no qual as agências sofrem um controle externo maior, porém sem perder autonomia (ALMEIDA, 2012). A quarta fase das agências reguladoras nos Estados Unidos foi o momento em que se percebeu o seu enfraquecimento, enquanto reguladora de atividade particular, e buscou-se aperfeiçoar o seu papel, dada a sua importância para a economia.

No Brasil, como dito anteriormente, as agências surgiram como item de extrema necessidade. O Estado enquanto agente econômico faliu e para mudar esse panorama a Lei 8.031/90 formalizou a institucionalização do Programa Nacional de Desestatização. Posteriormente essa norma foi revogada pela Lei 9.491/97 que transferiu à iniciativa privada atividades que até então eram prestadas pelo setor público. Desta forma buscava-se reordenar o papel do Estado na economia (ALMEIDA, 2012).

O Programa Nacional de Desestatização buscava melhorar o setor público, reestruturar a economia, permitir que novos investimentos fossem feitos nas empresas, modernizar a infraestrutura da indústria brasileira (reforçando sua competitividade e capacidade empresarial) e permitir ao Estado que sua concentração fosse destinada apenas a serviços em que sua presença fosse fundamental (ALMEIDA, 2012). Entretanto, o desenrolar dessas atividades não poderia ficar a mercê única e exclusivamente dos entes privados. O Estado precisava regular esses serviços para saber se os direitos dos cidadãos de fato estavam sendo atendidos.

E foi para desenvolver esse controle do Estado que as agências reguladoras surgiram, como já referido anteriormente, copiadas do modelo norte-americano. Almeida apud Carvalho Filho (2012) afirma que a função precípua das Agências era controlar a prestação de serviços e o exercício de atividades econômicas, sempre pautadas nos fins traçados pelo governo para alcançar a efetiva prestação de serviços.

A Constituição Federal de 1988 já previu em seu artigo 21, inciso XI, a criação de um órgão regulador dos serviços de telecomunicações, e no artigo 177, § 2°, inciso III um órgão do setor petrolífero, o que veio ser posteriormente a ANATEL (Agência Nacional de telecomunicações) e a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás natural e Biocombustível). Todas as demais agências não estão previstas na Constituição; dando azo, assim, a questionamentos acerca da constitucionalidade das mesmas, contudo, a discussão perdeu sentido a partir do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI-MC n° 1949/RS, de Relatoria do Min. Sepúlvera (ALMEIDA, 2012, p[?])

 

O entendimento do Supremo é que não há inconstitucionalidade na criação de outras Agências Reguladoras.

Em meados de 2002 já existiam a ANATEL, ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANP, ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ANA (Agência Nacional das Águas), e as mais recentes são ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ANTAQ (Agência Nacional de Transporte Aquaviário) (BARROSO, 2005). Isso decorre diretamente do entendimento do STF de que a criação de outras agências além da ANP e da ANATEL não acarretaria em inconstitucionalidade.

Alguns estados também criaram agências de âmbito estadual, como é o caso do Rio de Janeiro que criou a ASEP-RJ, com a função de regular uma pluralidade de áreas de atuação de entes privados, o Ceará que criou o ARCE, o Rio Grande do Sul que criou a AGERGS, bem como o Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe que criaram uma única agência para regular os serviços públicos estaduais de forma genérica (BARROSO, 2005).

  

3 A REGULAÇÃO DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEL REALIZADA PELA ANP

 

A Lei 8031/90 criou o Programa Nacional de Desestatização e logo em seguida foram promulgadas diversas emendas constitucionais. Dentre essas emendas foi promulgada a n° 9/95 com o intuito de flexibilizar o monopólio estatal em relação a atividades atinentes aos recursos minerais do subsolo (NEGREIROS; NUNES apud RIBEIRO, 2003). Após a referida emenda, os primeiros passos para a privatização das atividades de exploração e produção dos recursos minerais do subsolo, leia-se petróleo, gás natural e biocombustível, começaram a surgir.

Com a emenda 9/95 a iniciativa privada, por meio de processo licitatório, começou a celebrar contratos de concessão ou partilha de produção, atividade antes prestada apenas pela Petrobrás (NEGREIROS; NUNES, [?]). É de se notar que nesse contexto histórico o Estado começa a perder seu monopólio, afastando-se da função de agente prestador do serviço para agente fiscalizador, sempre atento ao desenvolvimento adequado das atividades.

Para que essa regulação dos serviços atinentes aos recursos minerais do subsolo fosse prestada, promulgou-se a Lei 9.478/97 conhecida como Lei ou Estatuto do Petróleo, implantada pelo Decreto n° 2.455/98. A referida Lei dava origem à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP), sob a forma de autarquia e com regime jurídico autárquico especial. Foi instituída com a missão de garantir e administrar os interesses da união, que aqui representava o interesse dos cidadãos brasileiros, no âmbito de exploração/produção dos recursos minerais acima citados (NEGREIROS; NUNES, [?]). A autarquia nascia com o propósito de regular atividades que outrora eram prestadas pelo Estado, mas que atualmente são desempenhadas também por particulares e que devem sempre prestá-las da melhor forma possível a fim de atender às necessidades de todos.

As atribuições das agências reguladoras, no que diz respeito à concessão, permissão e autorização de serviço público resumem-se ou deveriam resumir-se às funções que o poder concedente exerce nesses tipos de contratos ou atos de delegação: regulamentar os serviços que constituem objeto de delegação, realizar o procedimento licitatório para a escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário, celebrar o contrato de concessão ou permissão unilateral de outorga da autorização, definir o valor da tarifa e de sua revisão ou reajuste, controlar a execução de serviços, aplicar sanções, encampar, decretar a caducidade, intervir, fazer a rescisão amigável, fazer a reversão de bens ao término da concessão, exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários, enfim, exercer todas as prerrogativas que a lei outorga ao poder público de concessão, permissão e autorização. Isto significa que a lei, ao criar a agência reguladora, está tirando do poder executivo todas essas atribuições para colocá-las nas mãos das agências (Di Pietro, 2009, p.[?]). 

 

Tratando-se especificamente da ANP, para compor seu o corpo colegiado tem-se um Diretor Geral e quatro Diretores nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, nos termos da alínea f, inciso III do artigo 52 da Constituição Federal, com mandato de quatro anos. Ao término do mandato ou em caso de exoneração do cargo, o ex Diretor da ANP ficará impedido de prestar qualquer serviço, direta ou indiretamente, à empresa integrante das indústrias do petróleo, biocombustíveis e gás natural por doze meses, com previsão no artigo 11 da Lei 9.478/97 (NEGREIROS; NUNES, [?]).

A ANP é uma autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia, por tempo indeterminado, possui personalidade jurídica de Direito Público e autonomia patrimonial, administrativa financeira, com fulcro no Decreto n° 2.455/98. De acordo com a doutrina, suas atividades são divididas em três setores. O primeiro setor diz respeito às atividades de pesquisa, desenvolvimento e produção; o segundo relaciona-se com o refino, processamento, transporte, importação e exportação do petróleo, seus derivados e o gás natural; e por fim o terceiro setor que está ligado às atividades de distribuição e revenda dos recursos minerais (NEGREIROS; NUNES, [?]). Dessa forma, tem-se uma melhor organização e por consequência um melhor resultado no desempenho de suas funções.

Diante dessa estrutura da ANP percebemos ser ela uma instituição de caráter permanente, encarregada de algumas especificações como: contratação, fiscalização e regulação do setor petrolífero brasileiro. É válido frisar que também é pertinente a suas funções abrir e acompanhar os procedimentos licitatórios nessa seara. Outorgar concessões e autorizações também faz parte de seu dever/poder e em casos de não cumprimento de suas funções, por parte do particular, pode a autarquia aplicar sanções administrativas, pois possui poder de polícia enquanto autarquia especial (NEGREIROS; NUNES, [?]).

Por seu turno, importa ressaltar que embora a ANP possua independência política, autonomia decisional, normativa e gerencial orçamentária e financeira, dada a qualidade de autarquia, seu poder normativo não é ilimitado, pois se sujeita a limites de ordem interna e externa, ou seja, possui limites constitucionais e infraconstitucionais (NEGREIROS; NUNES [?]). Na opinião de Di Pietro (2009), toda essa independência das agências, e aqui se inclui a ANP, só acontece em relação ao executivo, ficando submissa ao controle do judiciário e do legislativo.

Contudo, outra parte doutrinária entende que, apesar de compor a estrutura do Ministério de Minas e Energia, as decisões emanadas da ANP, por óbvio que estando elas dentro de seus limites, não sofre revisão de seus atos decisórios. Suas decisões fazem coisa julgada em nível administrativo e embasada no artigo 20 da Lei do Petróleo, podem fazer uso de métodos alternativos para a resolução de conflitos administrativos, com ênfase na conciliação e arbitragem (NEGREIROS; NUNES, [?]). Nesse contexto, a ANP mostra sua efetiva regulação incidente sobre o petróleo, gás natural e biocombustível.

A bem da verdade, existe uma discussão doutrinária para se saber se de fato o poder de policia da ANP é efetivo, assunto que será tratado mais detalhadamente no capítulo que se segue.

Por agora precisamos entender que o poder de policia que passou a existir a partir do século XX, é um poder que incide também sobre a ordem social, econômica e ecológica, e não mais só em relação à paz social e tranquilidade pública (ARAGÃO, 2013).

O poder de polícia administrativo faz parte da evolução histórica sofrida por nossa sociedade. Ele sempre procura manter os traços característicos de limitar a liberdade, mas sempre procurando dosar de maneira equilibrada as obrigações dos particulares e o contexto social e jurídico (ARAGÃO, 2013). Busca sempre atender os anseios sociais sem perder o equilíbrio entre direito e obrigação.

 

3.1 A efetividade do poder de polícia da ANP

 

“Etimologicamente o poder de polícia (politeia) equivale à própria organização do Estado e da Cidade. No absolutismo correspondia à soberania dos reis em qualquer matéria e à impossibilidade de controle dos seus atos” (ARAGÃO, 2013, p. 387).

Posteriormente com o liberalismo e a submissão à administração pública, ele foi tomando forma até chegar ao que temos atualmente. Embasado nisso, existe uma grande divergência na doutrina acerca das limitações administrativas e o poder de polícia. Para parte da doutrina, dentre eles Augustin Gordillo, o conceito de poder de polícia deve ser abolido, devido o seu surgimento ter sido no absolutismo como um poder geral e ilimitado da administração pública. Em contrapartida, outra parte da doutrina entende que a conotação que o poder de polícia possuía no absolutismo fora enfraquecido. Atualmente o poder de polícia visa adequar as liberdades individuais e o bem estar da coletividade (ARAGÃO, 2013). Decerto que ele existe ainda como um ditame do Estado Democrático de Direito. Entretanto, hoje busca o bem estar de forma geral e não só impor a vontade do Estado como era anteriormente. Está previsto no artigo 78 do Código Tributário Nacional com a seguinte redação: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública, que limitando, ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes [...]” (CTN, 1966, p[?]).

O fato é que as controvérsias sobre o poder de polícia são muitas. Vão desde seu conceito até sua efetividade. Segundo Alves (2000) a excessiva intervenção do poder executivo, judiciário e legislativo é um dos grandes entraves à efetividade do poder de polícia da ANP, enquanto agência reguladora. A autora aduz que prevalecem os aspectos políticos aos técnicos na tomada de decisões e no acesso a informações orçamentárias.

Ainda que a doutrina e a legislação refiram que a ANP têm poder decisional, no Brasil suas decisões são passiveis de questionamentos judiciais, diminuindo seu poder e sua autonomia, bem como tornando o processo decisório mais lento (ALVES, 2000).

Em relação ao setor privado a ANP tem sérios problemas, pois existe uma cultura forte de intervenção estatal direta e a existência de concorrência é quase nula. A Petrobrás faz parte desse entrave, uma vez que é detentora de quase todo o mercado (ALVES, 2000). A grande questão é: terá a ANP real poder para favorecer a competitividade no setor petrolífero, tendo em vista que o Estado está presente tanto nela (ANP) como na Petrobrás, que é uma sociedade de economia mista? Terá a ANP força normativa para fomentar a competitividade entre uma empresa de grandes poderes políticos, como a Petrobrás? Há divergências.

A Lei n° 12.351/10 institui que a Petrobrás é a única autorizada a operar nos campos de produção do pré-sal e possui o direito de 30% na participação em todas as áreas de exploração na camada pré-sal. Tal autorização, no entender de Chaves e Dourado (2012) levará ao enfraquecimento do mercado de bens e serviços do setor do petróleo no país, dado ao fato de ter apenas um comprador. Não bastasse isso, o mercado de engenharia e de produção de bens ficará limitado, porque usará apenas as especificações ditadas pela Petrobrás, dificultando a diversidade de tecnologia que poderia existir no país caso esse monopólio não existisse.

Outro ponto a se destacar é que o processo recente de capitalização da Petrobrás foi feito com recursos do fundo social criado pela Lei 12.351/10. Tal fundo tinha como intuito captar recursos para serem investidos na área de combate à pobreza, incentivo à cultura, educação, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento tecnológico. No entanto, parte dele foi usado para investimento na empresa petrolífera, contrariando prerrogativas da própria lei (CHAVES; DOURADO, 2012). Situações como essa nos levam ao entendimento de que o governo favoreceu o fortalecimento da Petrobras, incentivou o monopólio no mercado petrolífero e ratifica a fragilidade do poder de polícia da ANP, que nesse caso nada fez.

A divisão dos ganhos oriundos do pré-sal, os chamados royalties, tem cada vez mais intervenção estatal e com isso a união passa a ter um controle maior sobre a produção e exportação de petróleo e gás natural. Para Chaves e Dourado (2012) chega a ser um insulto à ANP que é quem deve exercer esse poder e mostra de forma clara a ineficiência da Agência Reguladora no setor privado.

Lima (2004) assevera que o controle social por parte da ANP é imprescindível para o bom funcionamento das atividades de regulação e fiscalização e que o cenário nacional mostra um caráter deficitário. Como solução sugere um maior rigor na delimitação dos poderes da agência, um controle mais eficaz da sua atuação pelos órgãos especializados do Congresso Nacional e maior legitimidade da função regulatória. Com isso se evitaria que as agências se distanciassem do seu objetivo maior que é atender o interesse público. O autor ainda cita como soluções para um efetivo funcionamento da agência normativa a ampliação dos mecanismos de controle e transparência, através de consultas públicas, divulgação de resultados, o direito de associações em defesa do consumidor participarem como espectadores dos processos, a criação de uma ouvidoria, dentre outros (LIMA, 2004). Algumas dessas soluções citadas acima até já existem, como por exemplo, as consultas públicas, contudo, a realidade é que muito ainda precisa ser galgado para chegar próximo a excelência, ou seja, próximo ao que se propôs a fazer, de acordo com a lei.

O que pode se perceber é que a ANP e seu corpo técnico tem passado por um processo contínuo de aprendizado. Questões sobre concessão e regulação são absorvidas quase que ao mesmo tempo de sua implementação e mesmo com seus contratempos tem apresentado alguns resultados regulares. Os desafios, questionamentos, críticas que envolvem a efetividade do poder de polícia da ANP são muitos. São questões de ordem técnica, jurídica, econômica, administrativa, política e social. Entretanto, é inegável que avanços importantes já foram conseguidos como: o sucesso na realização de leilões na celebração de contratos de concessão, crescimento de investimentos na seara petrolífera, seus derivados e do gás natural, e alguns avanços no aspecto democrático. Tudo isso tem relação com a certa efetividade do poder de polícia, logicamente aquém da plenitude almejada (LIMA, 2004).  

4 CONCLUSÃO

A origem das agências reguladoras no Brasil se deu de forma artificial. Foi um modelo copiado dos Estados Unidos da América, que lá nasceu quase que praticamente junto com o Estado. Aqui surgiu no início da década de 90, como forma de regular e fiscalizar serviços prestados por particulares que antes eram prestados pelo Estado.

Dentre as várias agências reguladoras existentes no país o presente paper se ateve particularmente à ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), e constatou que a efetividade do seu poder de polícia, por hora, é frágil. Percebeu-se que o monopólio no setor petrolífero ainda é muito acentuado, que as decisões tomadas pela agência sofrem grandes interferências judiciais e que a transparência no desempenho de suas atividades deixa muito a desejar. Ou seja, o real conceito do poder de polícia de limitar, disciplinar direito, interesse ou liberdade, regular a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, ainda está longe do esperado. Muitas vezes o interesse do particular, infelizmente, se sobrepõe ao interesse da coletividade.

Contudo, grandes conquistas já foram alcançadas como: a permissão da abertura de empresas para competir com a Petrobrás (mesmo que questionável essa disputa), a realização de leilões na celebração de contratos de concessão, a realização de audiências públicas para tratar de assuntos pertinentes a agência, dentre outros.

Percebemos que alguns passos (mais curtos do que o esperado) já foram dados. De fato, carecemos de mais efetividade nas decisões da ANP. Noutras palavras, é necessário que o poder de polícia da agência cumpra o seu papel e que o interesse da coletividade seja concretamente levado em consideração.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Elizangela Santos de; XAVIER, Elton Dias. O poder normativo e regulador das agências reguladoras federais: abrangência e limites. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: . Acesso em mar. 2016.

ALVES, Bianca. A Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural no contexto da reforma do Estado. Encontro Nacional da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração. Florianópolis, 2000. Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2000/ADP/2000_ADP461.pdf. Acesso em: 04 maio 2016.  

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito administrativo.2.ed.rev.,atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

BARROSO, Luis Roberto.Constituição e Ordem Econômica e Agências reguladoras.Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico,Salvador,Instituo de Direito público da Bahia n°. 1, fevereiro, 2005.Disponível na Internet:HTTP://www.direitodoestado.com.br.acesso em: 23 abr. 2016.

CHAVES, Hernani Aquini Fernandes; DOURADO,Francisco. Análise sobre as alterações do Marco Regulatório do petróleo. 2012. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2016.

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo.22.ed.São Paulo:Atlas,2009.

LIMA, Maíra Oliveira. Agência Nacional de Petróleo (ANP): Aspectos da proteção ambiental em relação às atividades econômicas petrolíferas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 57, set 2008. Disponível em: . Acesso em mar. 2016.

LIMA, Paulo César Ribeiro. A ANP e o projeto de lei das agências reguladoras.Brasília:Câmara dos Deputados.Coordenação de Publicações,2004. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2016.

NEGREIROS, Maria Clara Damião de. A agência nacional do petróleo, gás natural e biocombustíveis e o fomento ao desenvolvimento nacional. Disponível em:< file:///C:/Users/Edvan%20Arruda/Downloads/A%20AG%C3%8ANCIA%20NACIONAL%20DO%20PETR%C3%93LEO,%20G%C3%81S%20NATURAL%20E%20BIOCOMBUST%C3%8DVEIS%20E%20O%20FOMENTO%20AO%20DESENVOLVIMENTO%20NACIONAL%20(1).pdf>. Acesso em: 23 abr. 2016.     

[1] autora

[2] autor