A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL EM FACE DO DIREITO À VIDA DIGNA

* Antônio Dagoberto de Jesus Rios



DIREITOS FUNDAMENTAIS:

Em 26 de agosto de 1789, influenciada pelo movimento Iluminista, a Revolução Francesa brindou os cidadãos do mundo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mais tarde, em 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas ratificou as bases fundamentais do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que encontrou guarida na Lei Fundamental Alemã de 1949, tornando-se um princípio fundamental e constitucionalizado.

A codificação Alemã positivou a dignidade da pessoa humana, obrigando o Estado e consequentemente, o Poder Público, a respeitá-la e protegê-la. Essa normatização serviu de base para que as Constituições que elencavam o Estado Democrático de Direito, pudessem dar um destaque especial a estes direitos fundamentais e essenciais à vivência do homem em uma sociedade justa e solidária.

Nossa Constituição de 1988 em seu Art. 1º, caput, eleva o nosso Estado Democrático ao patamar de Estado Democrático de Direito e coloca entre a cidadania, inciso II e os valores sociais do trabalho, inciso IV, a dignidade da pessoa humana, inciso III.

Não foi sem nexo que o Constituinte Originário coloca a Dignidade da Pessoa Humana entre a cidadania e o trabalho, a nossa Carta Magna ? modelo de Constituição Cidadã para todo o mundo ? magnanimamente erigiu em seu Artigo 1º toda a base da sua sabedoria: Sem Cidadania e Trabalho, não existe uma vida Digna.

Quando tratamos de Cidadania e Trabalho, não podemos esquecer que a influência econômica é mister para que o cidadão possa desfrutar de uma vida digna e fazer valer seus direitos. Toda a nossa Constituição está fundada e, tem como prerrogativa, o conceito de dignidade humana que vincula uma igualdade formal e abstrata de direitos. Neste aspecto, considerando-se o homem como premissa do universo jurídico, confere-lhe a nossa Constituição, um tratamento igualitário e sem distinção de fronteiras e nem de raças, não no sentido de distinção geográfica, mas como idéia de oportunidade de trabalho digno que seja capaz de suprir as necessidades básicas do cidadão, enquanto detentos de direitos e fonte original de poder.

Um recente artigo publicado na revista Época intitulado Os Dilemas da Inclusão Social 1, traz números interessantes acerca da diminuição do grau de pobreza absoluta no Brasil, segundo o Governo Federal de 1992 a 2007 a proporção de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza caiu de 40,8 % para 24,1 % com a inclusão de 11,2 milhões de famílias beneficiadas com o Programa Bolsa Família, mesmo assim, o Brasil ocupa a 11ª Posição dos Países com altos índices de desigualdade social ficando a frente da África do Sul, Colômbia, Serra Leoa, Lesoto e Naníbia. Para se ter uma idéia do que esse índice representa, a Dinamarca ocupa a 126ª posição e os Estados Unidos a 54ª, Países considerados de baixa desigualdade social.

O Doutor em Direito e professor de História do Direito e do Pensamento Jurídico da Faculdade de Direito da USP, José Reinaldo de Lima Lopes 2, divide em três núcleos a efetividade dos direitos sociais da perspectiva dos direitos humanos, sejam eles: os direitos sociais e seu objeto, os direitos sociais e a discussão se eles são direitos próprios e o terceiro, foco da nossa Palestra, a efetivação dos direitos sociais enquanto garantidor de vida digna.


1. REVISTA Época, 10 de novembro de 2008, p. 76 ? 84

2. HUMANOS, Direitos ? Visões Contemporâneas , p. 91



Encontramos o Brasil em duas fases, quando falamos de direitos sociais, como valor de dignidade da pessoa humana, uma antes e outra depois da Constituição de 1988, nessa fase, o silogismo entre direito social e direito humano, e isso concordamos com o professor José Reinaldo, foi de uma superficialidade aberrante. O Estado que garante a soberania, a cidadania, o pluralismo político, ainda não é eficaz quanto à garantia dos valores sociais do trabalho e por conseguinte, da dignidade da pessoa humana, olhando a ótica de que o trabalho é por si só a única forma de assegurar ao cidadão uma vida digna, não submissa e à mercê das benesses do próprio Estado.

No Capítulo II, Artigo 6º, caput, a Carta Magna diz : "São Direitos Sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." Ainda no mesmo Capítulo o Art. 7º fala dos diretos dos trabalhadores que visam melhorar a sua condição social. É exatamente nessa linha de pensamento que temos a pretensão de levantar algumas considerações.

O Nordeste Brasileiro é detentor da maior fatia dos investimentos feitos no Programa Bolsa Família, cerca de 53% do Orçamento total do programa são investidos nos nove estados que compõem a região nordeste, destes a Bahia e Sergipe, por estarem nas regiões com altos índices de IDH baixo 3 abaixo de 0,549 contra IDH de 0,750 dos estados do Sul e Sudeste), levam fatias consideráveis. É interessante notar que, apesar dos efeitos positivos do Bolsa Família, se todo esse "investimento" fosse retirado hoje os índices de pobreza absoluta voltariam aos patamares de 1992, ou seja, a pobreza absoluta diminuiria, mas a pobreza relativa ainda estaria lá. O premio Nobel da Paz de 2006, o economista Muhammad Yunus diz que: "qualquer tipo de programa assistencialista é paliativo, não surte os efeitos a longo prazo, ao contrário, incute à sociedade uma grande responsabilidade econômica e social" 4, melhor seria então que o Estado, ao invés de dar dinheiro aos pobres, que estimulasse o empreendedorismo de cada um respeitando a vocação peculiar de cada região.


3. IDH ? Índice de Desenvolvimento Humano ? Criado pelas Nações Unidas em 1990 para medir o nível de desenvolvimento e o bem-estar das populações, o IDH se baseia em indicadores de alfabetização, educação, renda, esperança de vida e natalidade

4. YUNUS, Muhammad ? É Preciso Estimular o Auto Emprego, (R. Época, op. Cit. p. 87 ? 2008)


Consideremos o nordeste da Bahia e o leste de Sergipe, como regiões essencialmente agrícolas com foco nas cadeias produtivas do sisal, do milho e do feijão na agricultura e caprinovinocultura e bovinocultura na pecuária. A base econômica dessa região, segundo estudos da EMBRAPA e do IDRSISAL, é altamente rentável, desde que estimuladas de forma a garantir a fixação do homem no campo e transferência da tecnologia necessária à otimização dos fatores de produção.

Na cadeia produtiva do sisal, por exemplo, o processo de extração da fibra é feita a décadas, de modo rústico e sem nenhuma tecnologia. O desfibramento do sisal, executado nas obsoletas máquinas paraibanas, é a etapa de produção responsável pela mutilação de mãos e braços de aproximadamente dois mil trabalhadores, homens e crianças, segundo estatísticas do final do século XX.

Em 1985, o governo brasileiro, pressionado a solucionar esse problema, baixou uma portaria obrigando o uso de um dispositivo de segurança e incentivou a pesquisa para construção de equipamentos mais seguros. Entretanto, o descaso é grande: o dispositivo implantado é ineficaz, além de diminuir a produtividade, novas máquinas nunca foram fabricadas. Desprotegidos pelas leis trabalhistas, os trabalhadores do sisal não têm direito à aposentadoria, às férias remuneradas, nem à assistência médica e são muitos os casos de mutilados que não conseguiram se aposentar pela Previdência Social. A remuneração média desses trabalhadores é de R$ 100,00 (cem reais) por quinzena.

Outro grande problema social existentes na região sisaleira é a alta incidência do trabalho infantil. Segundo informações da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) 5, cerca de 9.000 crianças trabalham no corte e no processamento do sisal, em média, perfazendo uma jornada de 12 horas de trabalho, auferindo uma remuneração de R$ 2,50 por semana. Neste contexto, cabe uma reflexão: Pode haver vida digna em uma família cujo mantenedor recebe R$ 200,00 (duzentos reais) por mês, trabalhando dez, doze horas por dia e em muitos casos onde também a esposa e os filhos trabalham no mesmo campo, mesmo diante de uma Constituição que positiva o direito à vida digna e eleva a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e dever do Estado?


5. Diagnóstico Sócio Econômico do Setor Sisaleiro do Nordeste Brasileiro, Maria Odete Alves e outros ? Banco do Nordeste ? 2005, p. 50


QUANDO O ESTADO CHEGA AO CIDADÃO:

A Constituição Federal de 1946 em seu Art. 145, parágrafo único, diz; " a todos? assegurado trabalho que possibilite (grifo nosso) existência digna. O trabalho é obrigação social." A Constituição de 1988 entende como "obrigação social" o dever do estado em propiciar ao cidadão meios de desenvolvimento material e intelectual para o seu aprimoramento social com base no trabalho digno suprindo as necessidades básicas dele e de sua família. Somente o trabalho digno e o próprio desenvolvimento do homem dentro do seu ambiente podem afastar o fantasma da pobreza que é a expressão máxima da tortura permanente, a fome é o avesso da dignidade. Dois bilhões de pessoas em todo o mundo estão em situação de pobreza, dessas, seiscentos milhões em estado de miséria e quinze milhões de crianças morrem por ano, vítimas da desnutrição. No Brasil, a deficiência de políticas públicas que incentivem o trabalho empreendedor e que alavanquem o setor produtivo, torna o quadro alarmante, as ações estruturantes no setor primário ainda são tímidas, os investimentos são baixos e a qualificação dos seus agentes quase não existe.

Mas importantes passos já foram dados, o governo brasileiro finalmente pegou o bonde do novo pensamento mundial e resolveu seguir a nova matriz de gestão: Quando o Estado não tem condições de atuar no campo da pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia deve procurar alternativas para a implantação da tecnologia aplicada à produção e produtividade com o objetivo na geração de emprego e renda. A descentralização de suas atuações no setor primário é oportunidade ímpar no efetivo desenvolvimento das cadeias produtivas. No nordeste e mais especificamente, na Bahia, polígono das secas, o incentivo ao empreendedorismo rural com o desenvolvimento de técnicas alternativas de produção, estão colocando o pequeno produtor rural num patamar mais elevando de ganhos e de dignidade humana.

Um exemplo claro está na cadeia produtiva da caprinovinocultura. Há alguns anos, o pequeno produtor de caprinos tinha como renda sobre cada cabeça vendida, uma média de R$ 150,00 reais por mês, com a introdução de uma nova raça, novas técnicas de criação e produção, que possibilitou uma agregação de valor ao seu produto, seu rendimento médio mensal subiu ao patamar de R$ 500,00.

A possibilidade deste incremento de renda se deu através de uma ação de governo feita por intermédio de um organismo não governamental, em apenas um ano, cem pequenos produtores do Território do Sisal na Bahia foram beneficiados com esse Programa, hoje essas ações tornaram-se permanentes e o mais importante é que estes produtores recuperaram a auto estima, independência financeira e sua dignidade enquanto pessoa humana.

O incentivo do Estado nas ações efetivas para a melhoria dos sistemas produtivos praticados atualmente, com ganhos de produção, produtividade e competitividade, com a ampliação da geração de emprego e renda, com benefícios para toda a região, oferecem a possibilidade de uma nova visão aos produtores rurais, dando ênfase na capacitação técnica gerencial e empreendedora, a fim de se alcançar a competitividade exigida em função da globalização da economia. Essa foi a visão que o Governo adotou em face das demandas sociais e do apelo de um mercado cada vez mais competitivo.

Tais ações estão na vanguarda de um novo modelo gerencial da Administração Pública e tornam eficazes os dispositivos constitucionais, possibilitando ao Estado a extensão do aporte de seus recursos no investimento humano, enquanto gerador de renda, através de um trabalho digno, que possibilite ao cidadão a manifestação de sua liberdade individual.

O termo "Inclusão Social" toma sentido, o indivíduo torna-se "senhor" do seu próprio destino, sua estima é elevada, sua família assistida e ele não é mais um órfão sócio político à mercê de programas assistenciais paliativos.



* Antônio Dagoberto Rios é Administrador de Empresas e Acadêmico de Direito.