Autores: Prof. Ms. Silvio Sena

Graduando: Valter Nespolo

Sobre fatores que influenciam a formação da personalidade, a edição do programa da Rede Globo de Televisão FANTÁSTICO, exibida no dia 29/03/2007, apresentou o quadro: Novos olhares: educação dos filhos. Naquela matéria, o tema em questão foi a educação de filhos gêmeos. Investigou-se o porquê de irmãos gêmeos, criados pela mesma família e submetidos ao mesmo regime educacional, apresentarem personalidades tão distintas.

O programa recorreu à explicação da psicóloga americana Judith Harris. Segundo a citada profissional, a argumentação de que as diferenças de personalidade entre irmãos gêmeos se justificam através de uma explicação voltada à genética ou ao biológico de cada indivíduo está superada.

Para Judith Harris, a personalidade humana é estruturada por meio de três sistemas, que são: o dos Relacionamentos, o da Socialização e o do Status. Segundo Harris, esses três sistemas interagem na esfera de nossas atividades de forma complementar e dialética. Ao nascermos, nossas personalidades sofrem a primeira intervenção externa por meio de nosso relacionamento com pessoas próximas – pai, mãe, irmãos, tios, entre outras. Nessa tendência, conforme a criança avança em seu desenvolvimento, pela sua interação com as regras e convenções sociais, às quais terá que se moldar, progressivamente constrói a sua autorregulação. O terceiro sistema a compor esse processo se caracteriza pelo Status. A criança quer ser bem reconhecida pelo meio do qual faz parte; para isso, de modo inconsciente, tenta se destacar nesta ou naquela atividade, a fim de ser valorizada por seus coêtaneos e adultos que se postam como alvo de sua admiração.

Esse processo não acontece de maneira fragmentada, porém os três sistemas interatuam de maneira inter-relacionada, durante o desenvolvimento da criança, prolongando-se ao longo de toda a sua existência.

Por sua vez, a professora psiquiatra da PUC do Rio Grande do Sul, Norma Ecosteguy, também convidada pelo programa, reiterou as afirmações da psicóloga americana. Segundo Ecosteguy, está superada a idéia de que os aspectos genéticos ou biológicos são os únicos responsáveis pelo delineamento da personalidade do ser humano. Nesse sentido, reforçou a teoria de Harris, afirmando que, em nosso processo de formação, há uma eterna oposição entre o interno (indivíduo) e o externo (social). Para ela, as Interações e a Socialização são forças externas que se contrapõem ao Status, isto é, aos desejos, vontades e impulsos individuais. Nessa perspectiva, tanto Harris quanto Ecosteguy comungam da idéia de que gêmeos idênticos podem ter a mesma carga genética, porém, cada um é um. Cada indivíduo busca de maneira singular e própria a construção de seu Status. Inclusive, gêmeos idênticos.

Todavia, esse processo não acontece de forma espontânea, mas a influência de outras pessoas tem um papel decisivo. Para uma formação positiva da personalidade infantil, faz-se necessária a estruturação de um ambiente no qual prevaleçam referenciais respaldados em valores de natureza nobre, como a cooperação, solidariedade e respeito mútuo. Nessa perspectiva, na comunidade da qual a criança faz parte (família, igreja, escola, amigos etc.), perante um possível fracasso, sofrido por ela ou por qualquer outro integrante, o grupo deve praticar atitudes de apoio e estímulo voltadas à necessidade de se perseverar.

Nesse entendimento e trazendo a discussão para o enfoque educacional, em especial para a Educação Física, acreditamos que essa disciplina não deve secundarizar seus conteúdos específicos, como as habilidades motoras, as noções de espaço, de tempo e de esquema corporal, a coordenação motora ampla e seletiva, entre outros. Todavia, defendemos a idéia de que os conteúdos que implicam decisivamente a formação da personalidade da criança merecem valorização simétrica, na prática educativa dos profissionais dessa disciplina.

No contexto escolar, é na Educação Física que a criança experiencia de maneira mais intensa as suas primeiras derrotas. Explicando melhor, ao contrário da realidade das demais disciplinas, por pertencer a um grupamento em um jogo, como, por exemplo, pré-desportivo de futebol, basquete, vôlei ou handebol etc., o seu fracasso representará não apenas o seu insucesso, mas o de todos os membros que compõem o respectivo grupo. Portanto, este se revela como ambiente privilegiado para que a criança possa vir a viver e, paulatinamente, entender essa possibilidade como natural e provisória.

Na perspectiva apontada, a criança tem que superar o medo da possibilidade do fracasso, que pode ter como conseqüência a sua exposição a uma situação de constrangimento. Para tanto, ela tem que aprender a lidar com suas próprias possibilidades e limitações e, do mesmo modo, respeitar as possibilidades e limitações de cada um de seus companheiros. Em outras palavras, apesar de estar com uma intensa vontade de agredir ou discriminar o companheiro, terá que se conter, pois as regras não permitem esse tipo de comportamento.

Por conseguinte, o Professor de Educação Física deve planejar e ordenar sua prática pedagógica, a fim de que esta venha ao encontro dos conteúdos específicos da área, bem como intencionar de maneira crítico-reflexiva a instauração de um ambiente democrático e acolhedor, que favoreça a contemplação das finalidades educacionais, as quais se resumem naquelas metas respaldadas na concepção de cidadão e sociedade que se pretende formar.

Nesse entendimento, a Educação Física deve propiciar condições para que o pleno desenvolvimento do educando se efetive. Quer dizer, por meio de atividades que oportunizem o desenvolvimento motriz da criança e da consideração de cada individualidade, como bem afirma Harris e Ecosteguy, as aulas de Educação Física e das demais disciplinas que integram a grade curricular do atual sistema de ensino, por meio das inter-relações (Relacionamentos) precisam, de forma positiva, favorecer a estruturação da Socialização e do Status da criança.

Ao finalizarmos, salientamos que a intenção deste artigo se fundamenta na urgência de refletirmos no sentido da necessidade de considerarmos cada criança como um ser único, com características e necessidades próprias, que devem ser respeitadas, tanto no âmbito familiar como no educacional. Desse modo, nossas crianças poderão desenvolver o seu personalismo integrado a um pleno desenvolvimento de suas dimensões pessoal e interpessoal. Nessa tendência, acreditamos que a Educação Física, como disciplina integrante do atual sistema de ensino, tem uma grande contribuição a ofertar em prol de uma formação global de nossas crianças, em especial na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.