A educação é política e o Estado é a política. Desta forma, não há como separá-los, sendo Estado e escola sinônimos. E para provar tal "tese" é muito simples: o Estado gira em torno de números/gráficos, sob a "ilusão" de que se os números apontam um sinal "positivo", tudo vai bem. A escola caminha na mesma direção: gira em torno de números/planilhas e se ela apresenta números "positivos", seja boas notas no ENEM, seja aprovações nos vestibulares, tudo vai bem.
No entanto, isto representa uma fachada, uma venda. A educação vai mal, e muito mal. Na verdade, a escola nada mais faz do que reproduzir as relações sociais duma sociedade que há muito se reproduz.
É possível que a educação progrida o espírito, como afirmara Kant* , mas também é possível que massifique, embruteça**. E a fórmula para o embrutecimento, no âmbito pedagógico, e que o Estado muito se apóia, é a seguinte: 1º deixar o professor com muitas aulas*** ; 2º pagar mal**** . É esta pérfida combinação que encaminha a sociedade e a profissão professor não rumo à emancipação, mas à alienação, à acriticidade, enfim, à barbárie.
Um outro fator que contribui para a manutenção do status quo é a fragmentação das disciplinas, pois gera uma cegueira generalizada, semelhante a do erudito. O erudito é um grande cego, seja porque vive de remoer o passado pelo passado, perdendo sua possível singularidade nele, seja porque não vê nada inteiro.
É óbvio que aqui se trata de uma análise posta em perspectiva, a saber, na perspectiva daquele sujeito que, pretendendo tratar o indivíduo a "ser educado" de forma singularizada, se depara com uma burocracia tão brutal que ele se sente uma barata*****. E baratas são úteis para quem queira fazer da educação algo asqueroso: torná-la algo nojento, na qual se a pessoa estuda muito pode até ficar louca.
A ignorância é um mal que o Estado e a escola mantém: é a publicidade mais pérfida que há, é o joio em meio ao trigo. Em um ambiente onde impera a ignorância, novelas, Big Brother, "sertanejo universitário", etc., são ingredientes imanentes, dignos do homem médio, do indivíduo morno. No entanto, é neste tipo de sujeito que o ressentimento impregna e se alastra e produz sentenças de que quem estuda fica louco... A moral dos escravos versus a moral dos senhores torna-se evidente, mas representa, antes, algo antiguíssimo...
A escola, longe de questionar tais situações sociais, antes, a reproduz dia-a-dia na boca de seus "educadores". E não questiona por vários motivos, podendo sintetizá-los desta maneira: é bom para "todos" ? a massa ? que as coisas permaneçam como estão.
Professores com boas intenções obviamente que existem, mas podem se tornar meros lampejos em meio a uma estrutura sufocante, altamente burocrática, na qual o professor passa mais tempo "planejando aula" ? leia-se: cuidando de burocracias, tabelas, gráficos, corrigindo um monte de avaliações que são estéreis em si mesmas ? do que propriamente ensinando.
O problema da pedagogia não é tanto o que ensinar, mas como ensinar****** e as ditas reuniões "pedagógicas" se justificam dramaticamente através disso: "aqui planejamos como ensinar". Fachada, pura fachada! Reuniões pedagógicas tornam-se meros momentos desprovidos de organicidade crítica, até porque depois dela deve vir a ata, os gráficos, as metas.
Um professor, de início de carreira, e que seja ou tenha a pretensão de ser um educador extremado em sua área ? digo em sua área porque há a fragmentação do conhecimento, mesmo que este busque, dia-a-dia, a crítica organicidade do conhecimento em sua forma mais abrangente ? poderá se frustrar, porque o peso burocrático abafa, suprime o tempo e, junto a este, a própria singularidade. Se tempo livre e crítico e burocracia não combinam, quando se junta uma profissão que seu foco seja a educação via um meio altamente burocrático, a catástrofe está feita, selada e a fórmula para se manter o status quo está absolutizada. O romantismo do indivíduo tende a ir embora e ele a se tornar um andarilho, um indivíduo que, abandonando a massa, busca outros ares, outros ares...

* "Cada geração, de posse de conhecimentos das gerações precedentes, está sempre melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção e conformidade com a finalidade daquelas, e, assim, guie toda espécie ao seu destino" (KANT, 2006, p. 19).
** "Quem ensina sem emancipar embrutece" (RANCIÈRE, 2002, p. 30).
*** É fato que um professor com uma boa metodologia muito contribui para o interesse do aluno, porém, responsabilizar por inteiro o docente pode se tornar uma covardia.
****Professores pessimamente pagos, eis um problema brasileiro que pode ser visualizado de forma muito prática: basta acessar editais de concursos públicos para contratação de docentes para o ensino fundamental.
***** "Certa manhã, após um sono conturbado, Gregor Samsa acordou e viu-se em sua cama transformado em um inseto monstruoso. Deitado de costas sobre a própria carapaça, ergueu a cabeça e enxergou seu ventre escurecido, acentuadamente curvo, com profundas saliências onduladas, sobre o qual a colcha deslizava, prestes a cair. Suas inumeráveis pernas, terrivelmente finas se comparadas ao volume do corpo, agitavam-se pateticamente diante de seus olhos" (KAFKA, 2010, p. 11).
******Devo esta valiosa consideração a Rubens Berger numa conversa "informal".



Referências bibliográficas

KAFKA, Franz. A metamorfose. Trad. de Lourival Holt Albuquerque. São Paulo: Abril, 2010.
KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Trad. de Francisco Cock Fontanella. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2006.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Trad. de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.