Em princípio salientar que a filosofia de Freire se posiciona a favor da liberdade, da justiça, da ética, da autonomia do ser humano, da escola e da sociedade. Pois, na visão do autor, a democracia não acontece repentinamente, ou seja, não acontece por uma concessão de autoridade que se auto-intitula democrática, ou apenas quando uma sociedade deixar de ser capitalista. Ele entende que a democracia, tanto como a liberdade e autonomia é um processo. Porém, este processo não é vertical, mas sim, horizontal. Ou seja, uma conquista conjunta, colectiva, que exige respeito, diálogo, e o poder de decisão a todos os que fazem parte desse processo. No dizer do autor, este processo faz parte da própria humanização do ser humano e da sua vocação para ser mais.

1.O conceito da democracia em Paulo Freire

Segundo Freire (1969-66) a democracia não é uma doação de alguém, seja um governante, de um partido político ou ainda de uma burocracia estatal, mas é o governo do povo que exige sua participação permanente em todos os processos decisórios da vida social. É também um governo para o povo, e que não significa dizer que seja uma ditadura da maioria, pois de resguardar os direitos de todos. Uma tópia? Talvez. Mas não é possível sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia, se projecto. (…) os sonhos são projectos pelos quais se luta .

De acordo com o autor, não se pode falar em democracia e silenciar o povo, e muito menos falar em humanização e negar dos homens. Ora, essa abordagem de Freire é relevante no contexto moçambicano, sobretudo neste momento em que vivenciamos um cenário político-social extremamente antidemocrático e excludente. Pois não há espaço para o diálogo, os governantes continuam a desrespeitar a coisa pública, e os professores continuam a menosprezar os alunos carenciados. Quanto a democracia da sociedade e autonomia da escola continuam a ser um sonho e não uma realidade. Para falar como Paulo Freire:
Um desses sonhos (…) é o sonho por um mundo menos feio, em que as desigualdades diminuam, em que as discriminações de raça, de sexo de classe sejam sinais de vergonha e não de afirmação orgulhosa ou de lamentação puramente cavilosa. No fundo, é um sonho sem cuja realização a democracia de que tanto falamos, sobretudo hoje, é farsa ( Ibidem: 26).

No entanto, Freire monstra que é possível lutar para mudar a cara da escola, lutar por uma escola pública, popular e democrática. Neste sentido, a democracia aqui defendida pelo autor é “o governo do povo para o povo”. Em outras palavras, isto significa dizer que todo o governo é também um auto-governo, uma prática de sujeitos autónomos, livres, com igualdade de direitos e deveres fraternos e solidários.

“Falar em auto-governo (…) é defender uma organização na qual os sujeitos realmente tenham igualdade e liberdade de participação (…) em todos os processos decisórios que dizem respeito à sua vida quotidiana (…) em casa, na escola no bairro etc” (Ibidem: 23). Segundo o autor atarefa de todo ser humano é ser mais, é se humanizar, é se tornar senhor de si, autónomo, consciente, sujeito de história.

Para Freire (1969) a libertação, por isso, é um parto. E um parto doloroso. Pois, o homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se.

Neste contexto fica evidente o comprometimento de Freire com o povo, sobretudo com os oprimidos, com as minorias, os que sofrem por falta da democracia na sociedade. É o comprometimento concreto, visto que pretende lutar pela sua libertação sem eles, mas com eles. Para falar como autor, “ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feitos por outros” (Ibidem: 59).