Vania da Silva Fontes Santos ([email protected])
Maria da Piedade Santos Oliveira ([email protected])

Resumo: O presente artigo tem como objetivo explicitar como era a sociedade do século XIX e de que maneira a mulher vivia e era educada. Busca-se especificamente informar através de pesquisas bibliográficas todas as dificuldades encontradas pelas mulheres para ter acesso à educação bem como de que forma era essa educação, buscando trazer à tona a verdadeira realidade histórica em que esta estava inserida.
Palavras-chave: Mulher. Educação. Século XIX. Sociedade.

Introdução

De acordo com Maria Ângela D?Incao e Margareth Rago, o século XIX juntamente com a Proclamação da República foi marcado por várias transformações sociais e econômicas trazendo consigo a consolidação do capitalismo e a modernização das cidades. A urbanização e o desenvolvimento comercial e industrial começava a exigir da mulher sua participação na vida pública e no mundo do trabalho, mas ao mesmo tempo essa época pregava uma representação simbólica da mulher em que esta deveria se restringir ao ambiente familiar e estar desobrigada de qualquer trabalho produtivo, dependendo da mulher burguesa o sucesso da família, onde submetida à opinião pública, ela tinha que aprender a se comportar em público e a conviver de maneira educada nos locais em que freqüentava.
Afirma Miridan knox que inserida numa sociedade fundamentada no patriarcalismo, essa mulher era excluída de participação na sociedade, não sendo considerada cidadã política, pois mesmo a mulher da elite com certo grau de instrução estava restrita ao espaço privado. Toda essa pressão desempenhada acerca do comportamento feminino atingia também as camadas populares e as mulheres que precisavam trabalhar enfrentaram todo tipo de preconceito e dificuldades para ter acesso a uma profissão, já que o discurso moralista pregava que a participação das mulheres no mercado de trabalho seria um "pecado", afirmando que elas abandonariam o lar, os filhos e o marido, sendo mal vistas pela sociedade.
Em virtude desse contexto social em que as mulheres estavam inseridas o acesso delas à educação era bem restrito. Apenas algumas mulheres da elite conseguiam estudar através de professoras particulares contratadas pelos pais para dar aula em suas próprias casas. Elas sempre foram educadas para o serviço doméstico, não sendo permitido a mulher exercer outra função, o trabalho era sinônimo de homem, mulher não podia ou eles achavam que elas não eram capazes de desenvolver outra atividade a não ser cuidar da casa e dos filhos. A Educação das mulheres se restringia a atividades que fossem úteis ao ambiente doméstico, desprovidas de valor no mercado de trabalho da época, como costurar, aprender música ou desenvolver habilidades artísticas. O machismo perdurou por várias décadas, não permitindo o sexo feminino liberar seu lado profissional.
Segundo Norma Telles, todas as transformações sociais e econômicas da Europa acabaram afetando o mundo, dando origem aos movimentos socialistas e feministas e fazendo surgir uma nova mulher. O Brasil foi atingido mais lentamente, mas as idéias européias acabaram afetando a mulher brasileira e desencadeando nelas um espírito de luta e igualdade social, pois as reivindicações das mulheres para alcançar o seu espaço data deste século. A autora destaca Nísia Floresta, uma das grandes escritoras do século XIX que lutou incansavelmente pelos seus direitos e pelos direitos de uma minoria que foram apagadas da história da literatura brasileira, sendo considerada a primeira feminista do Brasil.
Mais tarde a educação foi ampliada, sendo criadas escolas normais no meio do século permitindo à mulher brasileira ter mais acesso à educação, e estas tentaram através da instrução participar da vida pública atuando mais na sociedade, seja através da política ou da escrita.
Esclarece Guacira Lopes Louro que a legislação de 1827 determinava que houvesse "escolas de primeiras letras", em todas as cidades, vilas e lugarejos mais populosos do Império. Essas escolas consistiam em ensinar a ler e escrever e transmitir o conhecimento das quatro operações. Mas numa sociedade escravocrata e predominantemente rural a realidade era bem diferente, já que os coronéis, que eram os políticos que governavam as cidades não tinham interesse algum que a população tivesse acesso a alguma instrução. De acordo com Louro (2004, P.444)
Latifundiários e coronéis teciam as tramas políticas e silenciavam agregados, mulheres e crianças, os arranjos sociais se faziam, na maior parte das vezes, por acordos tácitos, pelo submetimento ou pela palavra empenhada.
As escolas que existiam eram em número muito pequeno, escolas fundadas por congregações e ordens religiosas masculinas ou femininas, sendo em um maior número para meninos e havia também escolas mantidas por leigos, com professoras para as classes das meninas e professores para as classes dos meninos. Além de ensinar as "primeiras letras" a doutrina cristã também fazia parte dos conteúdos de ambos os sexos, sendo que algumas diferenças se apresentavam, os meninos receberiam aula de geometria e as meninas, bordado e costura.
É importante ressaltar que o contexto social em que a lei foi promulgada não dava acesso universal a toda população à educação. Predominava o escravismo e o preconceito racial, havendo divisões de classe, etnia, raça e religião. Às crianças negras eram negadas qualquer forma de escolarização, acontecendo o mesmo com os descendentes indígenas. Quanto aos trabalhadores livres, suas práticas educativas eram diferentes e construíam escolas para meninos e meninas, com o auxílio próprio de suas regiões de origem.
Quanto às meninas, as das camadas populares se dedicavam ao trabalho doméstico, da roça e aos cuidados com irmãos menores, deixando de lado a educação escolarizada. Algumas órfãs eram educadas por ordens religiosas femininas, que tinham a intenção de preservá-las de qualquer vício e do mau caminho. As meninas filhas das elites privilegiadas tinham além das noções básicas da leitura e da escrita, aulas de piano e de francês que eram ministradas em suas próprias casas por professoras particulares ou em escolas religiosas. Eram acrescentadas também à sua educação as "habilidades com a agulha, os bordados, as rendas, as habilidades culinárias, bem como as habilidades de mando das criadas e serviçais" (LOURO, 2004, p. 446), fazendo todo esse aparato parte da educação das moças da alta sociedade.
A concepção da sociedade da época era de que as "mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas", haja vista, elas não precisariam de conhecimentos ou informações, mas sim de formação moral e bons princípios, já que o seu destino era o de esposa, mãe e dona de casa, sendo o seu atributo social de educadora dos filhos, ou melhor, de responsável pela formação de dignos cidadãos. Segundo Louro (2004), isso pode ser percebido na primeira lei de instrução pública do Brasil, de 1827, citada por Lopes (1991, p.4):
As mulheres carecem tanto mais de instrução, porquanto são elas que dão a primeira educação aos seus filhos, São elas que fazem os homens bons e maus; são as origens das grandes desordens, como dos grandes bens; os homens moldam a sua conduta aos sentimentos delas.
O século XIX trouxe a modernização da sociedade e junto com ela a necessidade de uma educação para as mulheres, vinculando-se o trabalho à ordem e ao progresso e a modernização da sociedade à construção da cidadania dos jovens. Às mulheres das classes populares caberia a tarefa de construir um lar sem perturbações e distúrbios, cabendo a elas controlar seus homens e formar os novos trabalhadores e trabalhadoras do país. A formação cristã era questão essencial na educação das mulheres, assim sendo estas buscariam constantemente a perfeição moral, a pureza feminina e se prontificariam a dedicar-se à
Mas para a inserção de um número maior de mulheres no âmbito educacional era necessária a implantação de escolas de preparação de professores e professoras, pois havia um abandono geral da educação desde o início do Império, fato devido à falta de mestres e mestras que atuassem nessa área. Em meados do século XIX tentou-se resolver essa situação criando-se as primeiras escolas normais para a formação de docentes.
Apesar de serem abertas instituições para ambos os sexos obedecendo ao regulamento de que moças e rapazes deveriam estudar em classes separadas, verificava-se que as escolas normais estavam recebendo mais mulheres do que homens em várias regiões do Brasil e até em outros países, fato ligado provavelmente à urbanização e à industrialização que ampliava as oportunidades de trabalho para os homens.
Entretanto, a mulher era tão marginalizada socialmente que a sua identificação com a atividade docente gerou muitas críticas e polêmicas, chegando-se a ser considerado um mal, um perigo, entregar as mulheres, consideradas inexperientes à educação das crianças.
Por outro lado surgiam argumentos para defender o lado feminino afirmando-se que se a principal vocação da mulher era a maternidade, nada mais adequado para esta do que o magistério, que era tido como uma "extensão da maternidade", representado como uma atividade de amor entrega e doação.
Mesmo com esse discurso em favor das mulheres, o trabalho feminino no século XIX não era visto com bons olhos. Sendo considerado o sexo frágil, era preciso tomar muito cuidado para que sua profissionalização não se chocasse com sua feminilidade e não afastasse a mulher da vida familiar e dos deveres domésticos, afinal tudo que levasse as mulheres a se afastarem desse caminho era considerado um desvio de norma. Nesse sentido o magistério parecia o mais adequado para as mulheres, pois era um trabalho de "um só turno", o que permitia que elas atendessem também suas atividades domésticas. Esse argumento serviria também para justificar o salário reduzido que as professoras recebiam.
Ao longo do tempo as instituições de ensino se ampliaram para atender à demanda de tantas mulheres que procuravam se profissionalizar no magistério. Foram criadas escolas normais públicas, colégios normais religiosos, internatos particulares, escolas laicas ou de orientação religiosa, além de cursos em diversas cidades. O perfil da estudante também foi alargado, sendo essas instituições freqüentadas por moças de origens sociais diversas.
É necessário frisar que embora o currículo tenha sofrido alterações apresentando disciplinas novas, algumas ainda ficaram restritas aos homens, como a geometria, e outras permaneciam fazendo parte do currículo feminino, como o cultivo de habilidades manuais e estéticas, incluindo-se também economia doméstica, que tratava da administração do lar, às vezes apresentada com outra denominação. Procurava-se vincular a educação escolar à educação do lar, e com isso as mulheres seriam incentivadas a cursar o magistério, haja vista estariam se preparando para ser professora e também para a função doméstica e maternal.
Afirma Louro que de acordo com um relato de 1873, que se referia a uma Escola Normal na capital da Província do Espírito Santo, para ingressar na Escola Normal eram cobradas algumas exigências como saber ler, escrever e contar, não ter menos de 16 anos de idade, ter bons costumes e não sofrer de moléstia contagiosa, além de ser de extrema importância ter uma "sólida formação moral", que só era conseguida com uma boa orientação religiosa. Tudo isso estava explícito nos regulamentos de admissão de estudantes, fato que demonstrava a identificação de moral e bons costumes com religião, mais propriamente a católica, que era a religião oficial do Império.
Ainda que o magistério ao longo do tempo tenha adquirido a função de um trabalho digno para as mulheres, o trabalho feminino no século XIX ainda apresentava uma incompatibilidade com o casamento. Esse fato gerava solidão para algumas mulheres, mas ao mesmo tempo dava certa autonomia rompendo estas com questões consideradas masculinas como ações políticas e sociais, já que, mantendo o seu próprio sustento poderiam usufruir de algumas prerrogativas masculinas.
Uma mulher que seguiu essa linha e lutou por seus direitos enfrentando os preconceitos da sociedade da época foi Nísia Floresta. Republicana e abolicionista escreveu em jornais do Rio de Janeiro, onde suas idéias provocaram polêmicas. Usou da escrita para reivindicar igualdade e educação, publicou vários livros nos quais sua preocupação primeira era com a educação. Exortava que a situação de ignorância em que a mulher vivia era responsável pelas dificuldades que encontrava na vida e que só a educação era capaz de mudar as consciênciase a vida material dessas mulheres.
Enfim, falar da mulher do século XIX é como entrar no campo minado, sempre vamos ter surpresas, foi símbolo do feminismo, lutando para alcançar um lugar no meio social valorizando seu conhecimento intelectual e mostrando que a mulher sabe pensar e agir. Não obstante, apesar de todas as conquistas alcançadas e de algumas mulheres no final do século XIX terem conseguido alguma autonomia e participação na sociedade através das suas lutas e reivindicações, graças à instrução que receberam, elas ainda permaneciam submetidas à autoridade masculina. Isso perdurou por muitos anos e ainda perdura, mas com menos intensidade. A mulher ao longo do século XIX até os dias atuais superou várias barreiras, lutou por seus direitos com discursos discordantes, construiu resistências, conseguiu se inserir no mercado de trabalho competindo com os homens profissionalmente e se integrou à política. No entanto, ainda é vista por muitos através de um discurso machista como um sexo frágil, um ser inferior ao homem que tem os seus limites definidos dentro da própria sociedade.

Referências:
D?INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
FALCI, Miridan Knox. Mulheres do sertão nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar Brasil 1890-1930. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
TELLES, Norma. Escritoras, escritas, escrituras. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 7. ed.São Paulo: Contexto, 2004.