A EDUCAÇÃO COMO FERRAMENTA DE LIBERTAÇÃO


Arlindo Aparecido Madoenho




Resumo: Este artigo propõe uma discussão sobre a educação como meio de construção de cidadãos autônomos, portadores de opiniões próprias, analisando a educação nos diferentes períodos históricos no processo de formação da humanidade, enfatizando principalmente a época pós Revolução com a consolidação do Estado Burguês e o novo significado da educação a partir do século XVIII, quando se passa a objetivar apenas a formação dos indivíduos para servir o mercado de trabalho. E a necessidade de cidadãos autônomos para atuarem em busca das transformações na sociedade atual. .

Palavras-chave: Educação. Autonomia. Liberdade.



INTRODUÇÃO

Este trabalho abordará a questão educacional levando em consideração o que representou a educação em diferentes períodos na história da sociedade ocidental, enfatizando principalmente as transformações ocorridas a partir do estado moderno, e na atualidade, considerando a proposta de formar cidadãos autônomos.
Dentro do referido assunto, nota-se, que a educação enquanto meio de formação já aparecia nas sociedades clássicas, em Athenas com o papel de formar cidadãos para atuarem na política, dentro da democracia atheniense. Em Esparta a escola tinha a preocupação de instruir os meninos militarmente, objetivando a organização de grupos de bons combatentes para o exército.
Já na Idade Média, como a Igreja Católica tinha total controle social e político, então esta instituição era detentora de todo o conhecimento, tornando-se responsável pelo processo educacional no período medieval.
Dentro da fase transitória do sistema feudal para o capitalismo inicia-se também mudanças significativas, relacionada à formação dos indivíduos, a partir dos humanistas e dos iluministas, quando as práticas da Igreja Católica estão sendo questionadas, com o movimento renascentista que provocou importantes mudanças culturais, influenciando a formação das pessoas no continente europeu. A mudança inicia-se por volta do século X, com o surgimento de novas mentalidades, a partir do contato dos europeus cristãos, que pertenciam as Cruzadas, com culturas diferentes, embora o referido processo de transição tenha se fortalecido, entre os séculos XVI e XVIII, as mudanças se dão tanto no aspecto político, econômico e cultural. Uma nova forma de pensar e de agir, aos poucos está sendo colocada em prática.
Com a consolidação do capitalismo no século XVIII, a educação passa a ter um novo papel na vida das pessoas, o estudo passa a ser visto como algo necessário apenas para formação de mão de obra pra servir os donos dos meios de produção, também chamados de capitalistas ou burgueses. Paulo Freire em seu livro intitulado como: A Importância do Ato de Ler, fala sobre este assunto referindo-se a esta educação, como educação nos moldes burguês. (Freire, 1981- p. 16)

Não foi por exemplo, costumo sempre dizer , a educação que criou informou a burguesia, mas a mesma, chegando ao poder, teve a capacidade de sistematizar a educação voltando-a ao sua própria conveniência. Os burgueses, antes da tomada do poder, simplesmente não poderiam esperar da aristocracia no poder que pusesse em prática a educação que lhe interessava. A educação burguesa, por outro lado, começou a se constituir, historicamente, muito antes mesmo da tomada do poder pela burguesia. Sua sistematização e generalização é que só foram viáveis com a burguesia como classe dominante e não mais contestatória.

Infelizmente chegamos ao século XXI, com parte relevante da sociedade defendendo estas mesmas convicções, é preciso qualificar mão de obra para servir a nossa economia, é comum, em dias de hoje, professores reproduzirem a idéia de que é preciso estudar um pouco mais, pra poder conseguir um emprego melhor, "os capitalistas, proprietários dos meios de produção agradece", pois enquanto as pessoas estudarem apenas para trabalhar e não para pensar, não representariam, qualquer ameaça para o sistema, assim, o "bonde da alienação" vai prosseguindo e este modelo vai sobrevivendo.
Um sinal de transformação existe, valores construídos pelas ideologias capitalistas passaram a ser questionados. Desponta um novo jeito de pensar a educação visando levar o educando a tornar-se um sujeito mais consciente, portando o mínimo de senso crítico, entendedor de sua própria realidade e ciente do seu papel como agente histórico dentro da sociedade no seu tempo, não sendo meros espectadores enquanto "a banda passa". Lembrando que o processo de transformação é lento, os resquícios do passado permanecem presente na sociedade, continuam sendo reproduzidos até mesmo nos meios educacionais. Um fato importante: há muitos profissionais atuando, cuja formação é do período da ditadura militar no Brasil, e que, pouco fizeram na busca de atualização de seus conhecimentos, é importante enfatizar que no contexto educacional, "ninguém pode dar aquilo que não tem", ou seja, nenhum educador partilhará com os educandos o conhecimento que não possui, sendo mais fácil para certos profissionais continuar repassando teorias alienantes, ultrapassadas, incapaz de ajudar os indivíduos a formar suas próprias opiniões.
O sociólogo Pedrinho Guareschi em sua obra intitulada como Sociologia Crítica, chama a atenção de educadores que usam formas arcaicas de repassar conhecimento (Guareschi -1999, p. 108)

Já vimos que o nome que gostaríamos sempre de usar no processo de aprendizagem seria o de "educação", que significa "tirar de dentro das pessoas algo já existente como potencialidade". Do mesmo modo, o nome que gostaríamos de usar para quem está engajado nessa prática é o de educador. Com isso evitaríamos o nome de "professor", que na sua etimologia significa algo um tanto equivocado: "falar na frente das pessoas". Há muitos professores que na realidade fazem o que a palavra significa: ficam fazendo discursos diante dos alunos, sem nunca estabelecer um dialogo. Numa aula de 50 minutos, ficam falando 45, não deixando que o educando possa também dizer sua palavra. Isso leva, pela própria prática conseqüente, ao estabelecimento, de relações verticais, dominadores. O verdadeiro educador, ao contrário, é o que sabe fazer a pergunta, no momento exato, colocando o aluno em contradição, obrigando-o, assim, a solucionar ele mesmo essa contradição e colocando-o num processo de caminhada autônoma, independente. É essa prática que leva a uma educação autônoma e libertadora.

Na condição de educadores, precisamos romper com as metodologias tradicionais, a educação no mínimo deve ajudar o indivíduo a formar sua própria opinião, o que lhe garantirá autonomia, isso lhe possibilitará melhores condições de enfrentamento das dificuldades impostas pela realidade do mundo pós-moderno. Quando paramos para avaliar a sociedade contemporânea, nos deparamos com tantas incertezas, falta de esperança, pessoas desinformadas, problemas sociais gravíssimos. De quem é o erro? (?) O fato é que a educação minimamente, deve, preparar as pessoas para mudarem a si mesmas, levando-os a um comprometimento para com a sociedade. Um fato importante: "ninguém transforma algo que desconhece", por isso, "de nada adianta saber ler e escrever, se não aprendermos ler a nossa própria realidade". Como podemos transformar o meio em que vivemos, se muitas vezes somos incapazes de mudar a nossa forma de pensar e agir? Ou seja, mudar a nós mesmos. Dentro da educação, ainda há profissionais muito mais na condição de opressores, do que na condição de libertadores, é papel dos educadores, ajudarem os educandos a se libertarem. Lembrando que a liberdade em questão significa a conquista da sua própria independência. Dentro desta proposta de educação, visando a busca das transformações que são necessárias que ocorram no meio social em que fazemos parte, assim, como argumenta Paulo Freire em sua obra intitulada como Pedagogia da Autonomia, educador e educando são parte do processo educacional.( Freire ? 1996, p. 26)

Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.

Para que seja possível desenvolver este modelo de educação, em que educador e educando são partes do mesmo processo, é preciso, que seja estabelecida uma relação de diálogo entre as partes envolvidas. Mas nem sempre este tipo de relação ocorre. Infelizmente, muitos cumprem a função de professor como sendo o detentor do saber, e não a função de educador o que impossibilita qualquer situação de diálogo, conforme o sociólogo Pedrinho Guareschi vem abordar este assunto. (Guareschi-1999, p. 107)

E aqui chegamos à palavra principal: diálogo. O diálogo, para ser verdadeiro, tem de se dar em igualdade de posições. Isto é. O verdadeiro diálogo exige que um esteja ao lado do outro e não que um se coloque em posição de superioridade, como é ocaso do professor que "está convencido" de que sabe. O diálogo exige respeito total ao mundo do outro, exige verdadeira democracia. E somente quando um está ao lado do outro, é possível, na pergunta e resposta, a formação e o reconhecimento das posições cognitivas, mentais, de ambos. Nessa reciprocidade, na provocação de um para com o outro, dá-se o verdadeiro diálogo que leva ao crescimento mútuo.

Analisando as afirmações do sociólogo Pedrinho Guareschi, entendemos que para que seja estabelecida uma relação de diálogo, o educador precisa adequar seu discurso, dentro das possibilidades de compreensão dos educandos, e ainda mais, em termos de posturas, devem "descer dos seus pedestais" chegando ao nível dos alunos. Não é possível desenvolver relação alguma de diálogo quando as partes são de níveis tão diferentes, "um sabe tudo, enquanto o outro ainda tem que aprender" assim, são esgotadas, todas as possibilidades de diálogo. Como consequência, temos um monólogo com o professor que fala e os alunos que apenas ouvem, as aulas tornam-se cansativas, sem resultado em termos de conhecimento para nenhuma das partes envolvidas. Até o professor está deixando de acrescentar mais em termos de conhecimentos para si próprio. Assumindo às vezes posição de ditador ou até mesmo de opressor dentro de sala de aula, formando pessoas cheias de complexos ou traumatizadas para viverem na sociedade. Sendo que a função do educador é a de fazer ao contrário, ajudar estes indivíduos a se libertarem de traumas e complexos existentes, adquiridos pela vida inteira. Em se tratando de jovens e adultos, talvez tenham acumulado ainda mais traumas, sensações e complexos de inferioridade, tornando-se ainda mais difícil buscar novamente o caminho da sala de aula. Este é um fato que deve ser considerado na educação em todas as fazes, até os pequenos quando vão para a escolinha, levam com eles suas experiências. Tratando-se da EJA (Educação de Jovens e Adultos), que tem como público, grupos compostos por jovens e adultos, estes por sua vez trazem uma bagagem muito grande que acumularam em suas vidas, normalmente feitos por sonhos e frustrações ou por importantes realizações. Todos com suas realidades de vida, cheios de conhecimentos, que estão pautados nas experiências do dia a dia, ou então, frutos da sabedoria popular ou do senso comum. É necessário que os educadores observem este contexto, buscando dar cientificidade a todo conhecimento já adquirido, ajudando-os a fundamentar suas opiniões, o que lhes garantirá cada vez mais autonomia, passando a viver na condição de cidadãos livres.
O indivíduo que atinge a liberdade, passa, a se comportar de forma diferente dentro da sociedade, exercendo a sua cidadania de fato e ajudando para que mais pessoas tomem conhecimento de que uma outra realidade é possível. São os homens e mulheres autônomos e livres, conscientes que buscam organizar a sociedade objetivando conquistar melhores condições de vida e a transformação da mesma. Lembrando que fazemos parte do mundo sub-desenvolvido e, não é nenhuma nação desenvolvida ou instituição milionária que irá mudar esta situação, assim como não é nenhum político "salvador da pátria" que irá resolver todos os nossos problemas. O povo precisa descobrir que é possível conquistar este país diferente, essa conquista só acontece quando há participação. Assim como argumenta Pedro Demo em seu livro, Participação é Conquista.( Pedro Demo ? 2001, p 26)

Precisamente, o desenvolvimento do Terceiro Mundo não poderá
ser assumido como "ajuda ao desenvolvimento" por parte do mundo avançado ? está entre as maiores mentiras ou farsas do século, ao lado da ONU ? ou como esquema de empréstimos "favorecidos" por parte de bancos institucionais bem-intencionados, ou resultado do intercâmbio internacional baseado em "vantagens comparativas". Ou o Terceiro Mundo consegue conquistar seu espaço, ou ninguém lhe dará. Cruamente falando, não existem ajudas, mas negócios internacionais, pelo menos como tendência histórica.

Sendo assim, temos que ser conscientes de que não ganharemos nada de graça, nem enquanto cidadãos, nem enquanto nação. Partindo desta idéia, tudo leva-nos a crer que para se conquistar algo que venha a fazer a diferença na vida da coletividade, a principal ferramenta é termos a sociedade organizada. Não adianta pensarmos que o estado resolverá os problemas, pois o estado por si só, tem como vocação, defender a propriedade privada, ou seja, defender os mais ricos, os únicos que se enquadram nessa classificação, uma pequena porcentagem do número total de indivíduos do nosso país. Então é necessária a organização social, para que a sociedade possa conquistar alguma coisa, em termos de melhorias, principalmente os mais empobrecidos, Pedro Demo fala a respeito da organização desta sociedade. (Pedro Demo ? 2001, p 27)


Se dizemos sociedade, já nisto insinuamos alguma forma de organização. Caso contrário, seria mosaico ou amontoado. Não se trata disso aqui, portanto, mas de um nível mais específico de organização da sociedade. Entendemos por organização da sociedade civil a capacidade histórica de a sociedade assumir formas conscientes e políticas de organização.

Felizmente existe muita gente consciente de fato, embora em termos de porcentagem, ainda represente um número baixo, mas se temos atualmente uma série de direitos enquanto cidadãos, pelo menos os direitos mais significativos, foram conquistas e não benevolências de algum líder político bem intencionado. Sendo que tais políticas públicas foram conquistadas por organizações sociais formadas por pessoas livres, conscientes de seu papel como cidadãos autônomos que tiveram a capacidade de lutar por políticas mais justas.
Se a função da escola é realmente formar cidadãos, para atuarem em seu meio social, então na condição de educadores temos que aos poucos acabar com toda forma de alienação existente. Estes indivíduos precisam ser muito mais do que simples sujeitos aptos para servirem ao mercado de trabalho, e sim cidadãos pensantes, capazes de no mínimo saber entender sua própria realidade de vida, buscando melhorar a cada dia, não apenas o seu "mundo individual", mas todo o seu meio social, pois ninguém é uma "ilha" para viver isolado. É pensando nessa necessidade que devemos acreditar que a educação possa exercer o seu papel, se caracterizando como uma importante ferramenta de libertação.














Referências bibliográficas:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa, São Paulo, Paz e Terra ? 1996

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: Em Três Artigos que se Completam, 23 ed. São Paulo: Cortez, 1989

GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia Crítica Alternativas de Mudança, 44ª ed. - Porto Alegre, Mundo Jovem ? 1999 ? EDIPUCRS.

DEMO, Pedro. Participação é Conquista: noções de política Social Participativa, 5ª ed. ? São Paulo, Cortez - 2001