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A educação ambiental nas entrelinhas da fenomenologia de
Maurice Merleau-Ponty.
Kelly Cristina Pereira de Souza.1
Resumo: A percepção ambiental é um dos estudos realizados nas pesquisas em educação ambiental. Entretanto, necessitamos realizar uma reflexão e compreender a percepção ambiental de acordo com a fenomenologia da percepção de este artigo, Maurice Merleau-Ponty. Durante o levantamento bibliográfico no livro, foram realizadas algumas reflexões sobre a educação ambiental em unidades de conservação nas entrelinhas do texto do autor.
Palavra - chave: Educação ambiental, fenomenologia, unidades de conservação, Merleau-Ponty.
Introdução
Este artigo consiste num levantamento bibliográfico sobre fenomenologia de Merleau-Ponty, com o objetivo de iniciar uma reflexão a respeito da fenomenologia e entender está filosofia interligada a educação ambiental. Primeiramente foi realizado o fichamento do livro foi traduzido por Carlos Alberto Ribeiro de Moura, sendo o autor, Maurice Merleau-Ponty, publicado em 1945, com o título original: Phénoménologie de la Perception. Como se trata do o inicio de um estudo bibliográfico foram estudados apenas as páginas 02 a 20 do livro.
Neste estudo foi realizado um viés com a educação ambiental no universo da conservação da natureza. Onde as pesquisas, programas e projetos de educação ambiental desenvolvidas em comunidades ao entorno de parques ou dentro de reservas têm utilizado também a percepção ambiental principalmente sobre o uso de recursos naturais.
INICIANDO O ESTUDO.
Maurice Merleau-Ponty inicia descrevendo a fenomenologia como o:
1 Mestranda em Educação - Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte. Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. GPEA – email [email protected].
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“estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de sua "facticidade". Pg 1
O autor no apogeu da ciência propõe compreender o homem e o mundo a partir dos fatos, fenômenos. Considerando o ser em toda a sua essência, aonde vive? Como? Onde vive? Por quê? Ele trás a visão ao educador de compreender o TODO e não em partes.
Gostaríamos de deixar explicito que deixaremos de utilizar as palavras homem e indivíduo. Considerando o SER, com suas características biológicas, culturais, sociais, ambientais e religiosos. Neste texto, o autor apresenta a percepção e a consciência de maneira distinta baseado principalmente na existência dos seres. Encontramos neste trecho uma educação ambiental que aprecia de fato o SER como TODO levando em consideração principalmente o FENÔMENO ou FATO.
Encontramos um filósofo, onde em sua época, que propunha uma educação ambiental onde precisamos compreender o SER e SEU MUNDO a partir do fato. Ora, por que as pessoas pescam e caçam numa determinada região? Por que fazer a roça respeitando os ciclos da lua? Esses fatos enquanto ciência e pesquisa não podem ser levados em consideração? A partir da fenomenologia encontramos as respostas de como realizar a pesquisa em educação ambiental.
Mas Merleau-Ponty desabafa a sua dificuldade de realizar a pesquisa, segundo no trecho abaixo:
“Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu "psiquismo", eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como o simples objeto da biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo da ciência.” Pg 3
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Para entender o autor precisamos entender a sua época, ou seja, neste período foi publicado a Teoria de Charles Darwin “A origem das espécies” em 1859 sendo a pedra fundamental da biologia. Acredito que a citação acima de Merleau-Ponty afirma que não podemos considerar como um SER apenas como objeto e nem como parte do mundo. Associando a educação ambiental é possível entender o pensamento da comunidade escolar, por exemplo, por acreditar que os projetos de educação ambiental são realizados na maioria das vezes por professores de ciências. Neste período Merleau-Ponty nas entrelinhas busca uma educação ambiental que compreendia o SER e seu MUNDO. Não podemos considerar apenas os aspectos biológicos e nem excluí-los, mas entender o fato, as relações SER e MUNDO.
“Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda”. Pg 3
Quão maravilhoso! No apogeu da valorização a ciência, a pesquisa, Merleau-Ponty considera a experiência de mundo. Podemos considerar a experiência de mundo do pesquisador? Do objeto de pesquisa? Merleau-Ponty nos dá suporte para considerarmos a visão de mundo de todos que fazem parte da pesquisa em educação ambiental, baseado na concepção de grupo pesquisador. Todos têm a sua visão e experiências de mundo devem ser consideradas na pesquisa.
“O real deve ser descrito, não construído ou constituído. Isso quer dizer que não posso assimilar a percepção às sínteses que são da ordem do juízo, dos atos ou da predicação. A cada momento, meu campo perceptivo é preenchido de reflexos, de estalidos, de impressões táteis fugazes que não posso ligar de maneira precisa ao contexto percebido e que, todavia, eu situo imediatamente no mundo, sem confundi-los nunca com minhas divagações.” Pg 6
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E como fazer a pesquisa? Qual o método? Neste trecho o autor apresenta um caminho, descrever o real. Quando descrevemos o SER no MUNDO, não estamos utilizando a verdade absoluta, mas o fato e a realidade. Neste olhar de Merleau-Ponty, encontramos a possibilidade de realizar a pesquisa em educação ambiental, observando além das questões ambientais. Compreender os problemas, conflitos, questões culturais, sociais e outros aspectos importantíssimos no decorrer da pesquisa em determinada região, fato ou fenômeno. Cada momento é único, logo a percepção dos SERES a respeito de seu MUNDO é diferente, conforme a situação, o momento.
“A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não "habita" apenas o "homem interior", ou, antes, não existe homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece. Quando volto a mim a partir do dogmatismo do senso comum ou do dogmatismo da ciência, encontro não um foco de verdade intrínseca, mas um sujeito consagrado ao mundo. Pg 8
No princípio do texto Merleau-Ponty, descreve a fenomenologia e suas bases e descreve de onde fala, referendando Descartes um dos percussores da revolução científica e outros como Kant. Neste momento no texto, o autor apresenta a percepção como um pano de fundo ou uma tela de quadro que retrata naquele momento as impressões de mundo do artista. Novamente Merleau-Ponty, revela nas entrelinhas o cuidado ao realizar a pesquisa sobre a percepção. Enquanto pesquisadores em educação ambiental deveram revelar o verdadeiro MUNDO, por exemplo, das comunidades ao entorno de parques e reservas por exemplo. A pesquisa apresentará em seus dados as impressões destas comunidades sobre uma área que muitas vezes resulta na descrição de um MUNDO satisfatório ou insatisfatório.
Precisamos considerar os aspectos biológicos, as questões culturais, sociais, ambientais e religiosos. Merleau-Ponty propõe a educação ambiental
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nas premissas da fenomenologia considere o SER no e em seu MUNDO. O autor afirma que precisamos considerar o conhecimento, a experiência do pesquisador, o SER – a comunidade e o seu MUNDO – a onde estão. Ao realizar pesquisas a respeito da percepção das comunidades, em geral estão mais preocupados com as questões ambientais/ naturais e deixamos de lado as impressões de MUNDO.
“O mundo é aquilo mesmo que nós nos representamos, não como homens ou como sujeitos empíricos, mas enquanto somos todos uma única luz e enquanto participamos do Uno sem dividi-lo.” Pg 8.
Quanta atualidade! Encontramos nestas palavras de Merleau-Ponty, no MUNDO das dentro de reservas ou ao entorno de parque é aquele representado pelos SERES que habitam essas áreas. Encontramos um MUNDO completamente diferente nestas áreas, aonde as políticas públicas, principalmente as ambientais. No universo da conservação ambiental, desconsiderada a representação de MUNDO destas comunidades. São populações, são seres com uma única força e energia.
A análise reflexiva ignora o problema do outro assim como o problema do mundo, porque ela faz surgir em mim, com o primeiro lampejo de consciência, o poder de dirigir-me a uma verdade de direito universal, e porque sendo o outro também sem ecceidade, sem lugar e sem corpo, o Alter e o Ego são um só no mundo verdadeiro, elo dos espíritos. Não existe dificuldade para se compreender como Eu posso pensar o Outro porque o Eu e, por conseguinte, o Outro não estão presos no tecido dos fenômenos e mais valem do que existem.” Pg 8.
No decorrer deste trecho abaixo encontramos uma situação típica na educação ambiental, o remédio milagroso, muitas vezes pensamos e agimos de maneira individualista. Por isso a concepção de MUNDO, preciso compreender EU e o OUTRO. Ao realizar a pesquisa precisamos compreender EU (pesquisador), o OUTRO (a comunidade) e o MUNDO (a onde vive). A fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, no viés da educação ambiental com as comunidades ao entorno dos parques e reservas, deverá compreender e não apenas interpretar. É necessário que o pesquisador (EU) entenda a comunidade (OUTRO) sobre o seu o parque ou reserva (MUNDO).
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Se o outro é verdadeiramente para si para além de seu ser para mim, e se nós somos um para o outro e não um e outro para Deus, é preciso que apareçamos um ao outro, é preciso que ele tenha e que eu tenha um exterior, e que exista, além da perspectiva do Para Si — minha visão sobre mim e a visão do outro sobre ele mesmo —, uma perspectiva do Para Outro — minha visão sobre o Outro e a visão do Outro sobre mim. Pg 8
Quando houver esse quadro estiver preparado, as impressões, a visão de mundo é preciso que haja a exposição PARA OUTRO. A pesquisa é realizada e deve ser exposta para o pesquisador e PARA OUTRO, como uma exposição artística. Considerando a visão do outro sobre a pesquisa!
“O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável. "Há um mundo", ou, antes, "há o mundo"; dessa tese constante de minha vida não posso nunca inteiramente dar razão.” Pag 18
O autor chama atenção as pesquisas sobre esta visão de mundo, que é o vivo. Como estamos fazendo uma leitura a respeito das percepções das comunidades dentro de reservas, notamos que devemos considerar o modo de como vivem. Mas essas comunidades mudam, pois buscam muitas vezes a emancipação do modo de vida que lhes é imposto naquele momento. Por isso, podemos encontrar algumas comunidades que num determinado período de tempo estava de acordo com a criação da reserva. Em outro tempo, após estarem mais informadas e buscam mudar o seu mundo, seu modo de vida.
“... o que faz com que o mundo seja mundo, assim como a facticidade do Cogito não é nele uma imperfeição, mas, ao contrário, aquilo que me torna certo de minha existência.”
Merleau-Ponty retoma o quesito FATO relacionando à existência, neste trecho compreendo o cuidado que devemos enquanto ser num mundo, as minhas origens. O cuidado de olhar para trás e lembrarmos-nos de onde viemos, mas também olhar para frente e encontrar o outro. Depois subir num monte, numa montanha, olhar pelo avião e observar o mundo que nos vivemos. Contemplar a vida e suas diferenças, não esquecer que existem diferentes mundos dentro de um grande universo ainda desconhecido para muitos.
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“O mundo fenomenológico não é a explicitação de um ser prévio, mas a fundação do ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia mas, assim como a arte, é a realização de uma verdade. Perguntar-se-á como essa realização é possível e se ela não reencontra nas coisas uma Razão preexistente. Mas o único Logos que preexiste é o próprio mundo, e a filosofia que o faz passar à existência manifesta não começa por ser possível: ela é atual ou real, assim como o mundo, do qual ela faz parte, e nenhuma hipótese explicativa é mais clara do que o próprio ato pelo qual nós retomamos este mundo inacabado para tentar totalizá-lo e pensá-lo.” Pag 20.
A palavra-chave deste trecho é a VERDADE. As pesquisas em educação ambiental devem revelar a realidade, sem esconder as imperfeições, as frustrações, os dissabores e felicidades. Precisamos trazer a realidade de onde pesquisamos, não podemos escolher as telas mais belas. Mas expor todas as telas com as suas visões de mundo na exposição artística da verdadeira pesquisa em educação ambiental.
CONSIDERAÇÕES
Durante o estudo foi impossível deixar de lado a compreensão enquanto EU, pesquisadora a respeito do OUTRO as comunidades sobre a visão de MUNDO. As comunidades que vivem nessa região têm as suas próprias experiências de vida, seu olhar de mundo. Para compreender a percepção, sem dúvida necessitamos da fenomenologia. Este olhar do EU-OUTRO-MUNDO, permite que façamos primeiramente uma reflexão de onde estamos falando e qual o quadro que estamos contemplando.
É necessário realizar uma pesquisa bibliográfica dissertações e teses de pesquisas a respeito da percepção ambiental em unidades de conservação. Identificando principalmente as bases teóricas, como a fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty e os métodos utilizados no percurso da pesquisa. E concluir com o estudo do livro Fenomenologia da percepção e outras obras do autor.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. - 2- ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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