A ECOFORMAÇÃO DE TRABALHADORES PELA PERSPECTIVA DA ARTE

* Autor: Sebastião Vieira Maia Filho

(Arte-educador pela FA7 - Pedagogo pela UFC) 

“Se estamos falando sobre educar a sensibilidade, falamos sobre abrir a percepção, qualificar os sentidos, ver o mundo e seus elementos, naturais e culturais como importantes em si mesmos, interligados e interdependentes, ao invés da visão utilitarista e funcional a que estamos acostumados a lançar sobre os ambientes que habitamos”. (Goldberg, 2006, p. 167). 

RESUMO

O presente artigo apresenta a visão de teóricos sobre a articulação entre saberes ambientais e estéticos, numa perspectiva de relação formativa profissional de trabalhadores, isto, a partir de elementos estéticos intrínsecos às artes, os quais, para Löbach (2001) não dizem respeito à beleza de um produto artístico, mas a capacidade que a arte tem de sensibilizar pelo menos um dos sentidos humanos. Contribuir na motivação de trabalhadores para a formação ambiental e o comprometimento ético-profissional com a comunidade e os ecossistemas que os cercam, é o objetivo central deste artigo. Neste sentido, iremos abordar neste a importância da participação de trabalhadores na fruição de experiências estéticas e / ou no ensino de artes, pois segundo Godberg (2006), o ensino da arte é essencial na formação de indivíduos mais sensíveis e criativos, isto, pelo fato de resgatar a autoestima do aprendiz e proporcionar-lhe o autoconhecimento. Assim, este artigo busca mostrar a articulação epistemológica entre os conhecimentos estéticos e ambientais, numa perspectiva de tentar apontar elementos educativos – intrínsecos à arte e aos conteúdos ecológicos – capazes de compor um processo de formação ambiental de trabalhadores onde a reflexão crítica destes possam vir a transitar entre a decência e a beleza – Freire (1996) ao falar da prática educativa, numa perspectiva de construção da autonomia de aprendizes.

Árvore de lápis de cor

Árvore de lápis de cor 

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PALAVRAS CHAVE

Arte, educação, ética, estética, trabalho, formação ambiental, autonomia.

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda a importância da experiência estética e do ensino de artes para compor o rol de elementos pedagógicos de um programa de formação de trabalhadores. Baseado nisto, a pesquisa bibliográfica que embasa esse texto procura mostrar uma articulação epistemológica entre os conhecimentos estéticos e ambientais, isto numa perspectiva de tentar apontar elementos educativos, intrínsecos à dinâmica de ensino-aprendizagem que visa formar trabalhadores autônomos de visão ética e estética diante da vida que o cerca, como em Freire (1996, p.32), ao falar da prática educativa, numa perspectiva de construção da autonomia, evidencia que “[...] a necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética e estética”

O direcionamento dado a este estudo justifica-se pela inquietação em querer demonstrar a possibilidade da construção de uma práxis pedagógica que seja capaz de unir, em uma só proposta educacional, saberes e fazeres artísticos e ambientais, articulados em torno de um programa de educação profissional, onde os trabalhadores aprendizes possam ser levados a um nível de conscientização ambiental bem mais refinada e profunda, do que a que os mesmos podem chegar através de uma prática formativa convencional, ou seja, puramente técnica. 

Neste sentido, traçou-se como objetivo central da pesquisa: descrever como a arte pode se constituir num elemento educativo na relação de ensino-aprendizagem de conteúdos ambientais. Elegeu-se, portanto, essa objetivação, como norte central deste trabalho, no intuito de tentar apontar elementos didático-pedagógicos, pertinentes a uma abordagem de ensino, que considere a Educação Ambiental como dimensão de uma formação estética, isto, à luz de uma reflexão crítica acerca de sua significação no percurso educacional de sujeitos trabalhadores. 

Destacou-se a Educação Ambiental como a área do conhecimento humano capaz de unir formação científica e estética de indivíduos, numa só proposta pedagógica, por se acreditar que, através dela fosse possível recompor o homem cindido de hoje, para a evolução de suas inter-relações, integrando-o a partir de aspectos sociais, ecológicos, éticos, tecnológicos, econômicos, políticos, estéticos e culturais em constante interação, transformação e interdependência. Sobre isto, sentencia Goldberg (2006, p.149): 

“A Educação Ambiental depende diretamente do conceito de meio ambiente que as pessoas envolvidas apresentam, da sua visão e percepção dos elementos que integram o todo e suas inter-relações. Percebe-se que meio ambiente não deve estar restrito apenas aos aspectos naturais, excluindo o homem e construindo uma visão fragmentada. ”. 

Alimentando essa idéia e desejando conhecer um pouco mais acerca dos elementos socioeducacionais que perpassam as categorias: cuidado, sentido, memória, trabalho, arte e educação, buscou-se aqui dialogar com os pensamentos de Boff sobre o saber cuidar e a ética do cuidado essencial; com Duarte Júnior sobre os fundamentos estéticos da educação, a realidade e a beleza; com Ecléa Bosi sobre memória e sociedade; com Paulo Freire e Moacir Gadotti sobre educação e a formação do educador; com Fritjof Capra e Mauro Grün sobre educação ambiental e, finalmente com Friedrich Schiller sobre a dimensão do sentimento. 

Nesta perspectiva, o texto começa mostrando a visão desses teóricos sobre a articulação entre os saberes ambientais e estéticos, buscando apontar para caminhos artístico-pedagógicos capazes fundar um ambiente dialogal, para a interpenetração de conteúdos, os quais possibilitem o compartilhamento da estruturação de um novo contexto educativo capaz de fazer com que trabalhadores se sensibilizem diante de uma proposta arteducativa voltada para a cultura de sustentabilidade e paz, que vem sendo construída, gradativamente, nas últimas décadas, no âmbito do movimento ecológico. 

Seguindo a isto, o autor deste artigo segue falando das dimensões ética e estética da educação ambiental essenciais para a formação de trabalhadores, ou seja, quais são os elementos socioeducativos intrínsecos aos saberes estéticos e ecológicos capazes de revelar princípios e valores que possam emergir dessa relação dialogal – entre a prática e a teoria – numa perspectiva de demonstrar aos leitores deste texto, que a construção de uma formação profissional ética, moral e estética passa, invariavelmente, por uma questão de método. 

Ressalta-se que a estruturação ideológica e metodológica edificada aqui, neste trabalho, visa explicitar o refinamento sensitivo que a arte pode proporcionar naquele que a vivencia e a frui de forma plena. Pois, através da educação de sentimentos – suscitadas pelas experiências estéticas – é possível despertar no homem o desejo pelo autoconhecimento construtor de autonomias, e, que, essa aventura do conhecer a si próprio pode proporcionar à descoberta do eu – o individual humano – a partir do outro e no outro, ambos integrados num sentido maior: a vida multidimensional, essência mobilizadora da Natureza.

1. O QUE DIZEM OS TEÓRICOS SOBRE A ARTICULAÇÃO ENTRE OS SABERES AMBIENTAIS E ESTÉTICOS

Capra (2005, apud Trigueiro et. al., 2005, p. 25) na defesa epistemológica de uma concepção de sociedade sustentável, tece vários comentários acerca da dinâmica da vida e constrói, a partir daí, as bases de fundamentação para a conceituação e análise crítica de alguns princípios básicos do viver em sociedade.  A essa construção epistemológica ele passou a chamar de pensamento sistêmico – o qual deve ser aplicado, na sua visão, ao estudo das múltiplas relações de interligação entre todos os membros coabitantes da casa Terra.

Seguindo essa linha de raciocínio, Capra insere nessa discussão a necessidade de se estabelecer um currículo educacional capaz de ensinar as crianças os fatos circunstanciais do viver e do conviver, os quais estão diretamente interligados aos princípios ecológicos, também conhecidos como sustentáveis, ou, ainda, comunitários, são eles: 

  • “Nenhum ecossistema produz resíduo, já que os resíduos de uma espécie são o alimento de outra;

  • a matéria circula continuamente pela teia da vida;

  • a energia que sustenta estes ciclos ecológicos vem do sol;

  • a diversidade assegura a resiliência;

  • a vida, desde o seu início há mais de três bilhões de anos, não conquistou o planeta pela força, e sim através de cooperação, parcerias e trabalho em rede” (id, p.25). 

Nesse contexto de princípios ecológicos, o referido autor continua evidenciando que “Ensinar esse saber ecológico, que também corresponde à sabedoria dos antigos, será o papel mais importante da educação no século 21” (ibid). Desta forma, o autor mostra-se favorável à inclusão do ensino desse saber, nos planejamentos educacionais em todos os níveis – do ensino fundamental às universidades – estendendo-se, por conseguinte, aos cursos de educação continuada e treinamento de profissionais (id, p.25). 

Baseado nisto, e aprofundando ainda mais a sua reflexão acerca do progresso do pensamento sistêmico no meio acadêmico, ele lança mão da tensão existente entre as abordagens epistemológicas de compreensão da dinâmica do meio natural: os estudos da matéria e da forma, para evidenciar a predominância, nos dias atuais, do estudo da forma, que articula a compreensão de padrões integrada a de relações. 

Ele, por sua vez, constrói essa linha de raciocínio para reforçar a sua idéia de integração das Artes ao currículo escolar. “Não há praticamente nada mais eficaz que as Artes (as Artes visuais, a música, as Artes cênicas) para desenvolver e refinar a capacidade natural de uma criança de reconhecer e expressar padrões” (id, p.24). 

Desta forma, esse físico americano conclui que a Arte pode constituir-se num elemento pedagógico significativo no processo de ensino-aprendizagem de qualquer conteúdo, inclusive, os que tratam da temática ambiental, pois, segundo ele, ela trabalha diretamente a dimensão emocional do aprendiz: 

“Assim, as Artes podem ser um instrumento poderoso para ensinar o pensamento sistêmico, além de reforçarem a dimensão emocional que tem sido cada vez mais reconhecida como um componente essencial do processo de ensino-aprendizagem” (Capra, 2005, pp. 24 – 25). 

Sobre essa concepção de essencialidade da dimensão emocional, como elemento significativo do processo de ensino-aprendizagem, Moacir Gadotti evidencia a importância da educação de sentimentos para o desenvolvimento humano e para o fortalecimento dos aspectos sensitivos no homem. Pois, para ele, esse processo educacional permite que o homem construa e desenvolva mecanismos que o interligue a outras formas de compreensão da vida, que não pela racionalização. 

“Educar para sentir e ter sentido, para cuidar e cuidar-se, para viver com sentido cada instante da nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos parte de um todo em construção e reconstrução” (Gadotti, 2003, p. 38). 

É nesta perspectiva de construção simbólica da vida humana, a partir da experiência sensitiva do meio, que este autor fala da valoração que surge a partir das impressões que são construídas na relação entre o homem e o meio ambiente, as quais, para ele, são o que realmente dá sentido à vida. Para explicitar tal assertiva, o autor utiliza-se da ambientação de um jardim para traduzir a sua concepção acerca dessa relação. 

“Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço de terra, é um microcosmo de todo o mundo natural () Ele nos ensina os valores da emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a sobrevivência, os valores da paciência, da perseverança, da adaptação, da renovação” (Gadotti, 2003, p. 40). 

Essa relação, por sua vez, desencadeia um processo construtivo de um arcabouço de símbolos, o qual leva ao desenvolvimento de representações significativas no imaginário humano. É por intermédio disto, ou seja, pelo exercício da dimensão simbólica, que o homem transcende a simples esfera física e biológica, para tomar o mundo e a si próprio, como objetos de sua compreensão, afirma Duarte Jr. (1988, p.15). 

Baseado nisto, Duarte Júnior aprofunda a sua análise acerca da dimensão do sentir, no processo educativo, dizendo que essa capacidade que o homem tem de atribuir significações as coisas e aos fenômenos que o cercam para emprestar sentido à sua vida, seria impensável sem o advento da palavra. “Pela palavra, o universo adquire um sentido, e o homem pode vir a conhecê-lo, emprestando-lhe significações. Portanto, na raiz de todo conhecimento subjazem a palavra e os demais processos simbólicos empregados pelo homem” (ibid). 

Por isto, é que, para ele o conhecimento do mundo surge sempre das relações onde o sentir e o simbolizar se articulam e se completam no interior dos processos. Neste sentido, o autor busca evidenciar a similaridade interpretativa sobre a necessidade de se compreender o processo lingüístico para o entendimento dos mecanismos de que se valem o homem, para conhecer a vida, para tanto, ele cita Postman & Weingartner: “A linguagem é o nosso mais profundo e, possivelmente, menos visível meio ambiente” (Postman & Weingartner, 1974. loc. cit., p.123, apud, ibid, p. 15). 

Contudo, esse mesmo autor restabelece a discussão em torno do processo de articulação entre o sentir e o simbolizar no interior das relações vivenciais – entre o homem e o mundo a sua volta – para reafirmar, desta forma, que nesse diálogo interdimensional existe um envolvimento de percepções e estados afetivos que se dão anteriores às representações simbólicas do pensar, pois, na sua concepção, há sempre uma região que fica fora do alcance do pensamento e da linguagem: o sentimento humano. “O sentir é anterior ao pensar, e compreende aspectos perceptivos (internos e externos) e aspectos emocionais. Por isso pode se afirmar que antes de ser razão, o homem é emoção” (Duarte Jr. 1988, p.16). 

A dimensão do sentir perpassa, também, a construção epistemológica de Boff (2003, p. 30) quando ele fala sobre a categoria ética e busca fundamentar que esta não brota da razão, como quer a ideologia Ocidental – penso, logo existo – e sim da base última da existência humana, o afeto – sinto, logo existo. Na raiz de tudo não está a razão (logos), mas a paixão (pathos). 

E, como, segundo esse autor, a base de tudo no existir humano está nas relações afetivas – que são estabelecidas com os outros – denota-se daí que quanto mais a dimensão afetiva no homem estiver ativamente pulsante em si, mais este estará próximo da verdadeira ética, tanto quanto essa afeição for ao encontro do outro. 

Essa afeição pelo outro é o que confere ao homem o modo-de-ser ternura, necessário para fazer brotar o cuidado essencial. Quando amamos, diz o autor, cuidamos e esse cuidar, em sua perspectiva ética e moral, é o que fortalece as relações entre os homens e, entre estes e tudo que existe.  É o que consubstancia a vida humana, é o que lhe empresta uma dimensão valorativa e lhe confere sentido. 

“Quando amamos, cuidamos e quando cuidamos, amamos. Por isso o ethos que ama se completa com o ethos que cuida. O “cuidado” constitui a categoria central do novo paradigma de civilização que forceja por emergir em todas as partes do mundo” (Boff, 2003, p. 48). 

Há no pensamento de Boff a evidência do desejo de ruptura paradigmática, numa perspectiva constitutiva de uma nova civilização, centrada no cuidado essencial, que, para ele é o que serve de crítica à nossa civilização contemporânea agonizante, chamada de sociedade do conhecimento e da comunicação. Mas, que, contraditoriamente, está cada vez mais criando incomunicação e solidão entre as pessoas. Essa sociedade, extremamente tecnológica, inadvertidamente, tem provocado a ruptura de relações do homem com a realidade concreta que o envolve: os cheiros, as cores, as texturas, os paladares, sobre isto diz o autor: 

“O pé não sente mais o macio da grama verde. A mão não pega mais um punhado de terra escura. O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano” (Boff, 2003, p. 11). 

Para Leonardo Boff a investida tecnológica sobre a dimensão afetiva do homem fere a vida humana naquilo que ela tem de mais essencial: o cuidado e a compaixão. E isto, afirma o autor, está sendo disseminado por todos os lares dos mais diversos lugares do planeta, através dos computadores; pela internet. 

“A internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não precisamos sair de casa. Tudo vem à nossa casa via on-line” (Boff, 1999, p.11). 

Esse autor é categórico ao afirmar que esse tipo de sociedade, dita do conhecimento e da comunicação, que temos desenvolvido há algum tempo, ameaça severamente o que há de essencial no homem: a sua afetividade, que o liga e religa a criação engendrada a partir do cuidado original. 

Contestando a sociedade atual, no que diz respeito ao modo-de-ser produção tecnológica, competitiva, insensível e excludente, Boff abre um parêntese em sua análise sobre as categorias afeto e cuidado, para fazer o seguinte questionamento acerca da contemporaneidade tecnológica da nossa civilização: “Na medida em que avança tecnologicamente na produção e serviço de bens materiais, será que não produz mais empobrecidos e excluídos, quase dois terços da humanidade, condenados a morrer antes do tempo?” (id, ibid, p.12). 

Ao questionar isso, em paralelo à discussão de um novo paradigma civilizacional, centrado no cuidado e na compaixão por tudo que existe e vive esse autor coloca para serem analisadas duas categorias fundamentais para o entendimento da realidade, que são a educação e o trabalho. 

Sobre isto, Duarte Júnior questiona-se, no seu livro – O que é realidade – justamente, acerca do que seja a categoria realidade, na qual estão em constante relação à educação e o trabalho. Para ele, esta é uma palavra habitualmente proferida por muitos, porém, compreendida por poucos. Ela é dita em vários textos, está inserida em vários contextos, contudo, poucos são os que buscam saber o seu significado epistemológico. Aqueles que não o fazem, diz o autor, procedem assim por acharem isto muito óbvio. Sobre tal raciocínio ele comenta: 

“Todavia, segundo uma asserção que já se tornou popular, o óbvio é mais difícil de ser percebido. Aliás, a este respeito, já dizia um antigo professor que se o homem vivesse no fundo mar provavelmente a última coisa que ele descobriria seria a água” (Duarte Jr., 2004, p.8). 

Não obstante, esse autor, baseado em suas análises acerca da realidade, diz “que não deveríamos falar de realidade, e sim de realidades” (id, ibid, p.11). Ele coloca que o conceito de realidade é bastante complexo e merece reflexões filosóficas aprofundadas. Afinal, continua ele “[...] toda construção humana, seja na ciência, na Arte, na filosofia ou na religião, trabalham com o real, ou têm nele o seu fundamento ou ponto de partida (e de chegada)”. (ibid, p.12). 

Para Duarte Júnior a realidade não é algo dado, concedido, ofertado aos olhos dos espectadores, mas, antes de tudo, construído e, isto, é o que precisa ser compreendido pelos homens: 

“O homem não é um ser passivo, que apenas grava aquilo que se apresenta aos seus sentidos. Pelo contrário: o homem é o construtor do mundo, o edificador da realidade. Esta é construída, forjada no encontro incessante entre os sujeitos humanos e o mundo onde vivem” (id, ibid, p.12). 

Ao falar da não passividade humana frente ao mundo real e, ao dizer que o homem é o construtor da realidade, o autor não pretendeu construir a idéia de que a Natureza, e as forças físicas, químicas e biológicas que a perpassam, são criadas pelo homem. Mas, dizer que a maneira de percebê-las, de interpretá-las e de manter um relacionamento com elas, isto, sim está sob a égide da intencionalidade humana. 

“O peixe que vive no rio percebe-o de maneira radicalmente distinta do pescador que mora a sua margem. Só o homem pode pensar no rio, tomá-lo como objeto de seu raciocínio e interpretação. A realidade do rio, construída no mundo humano, tão somente se apresenta assim para o homem. Qual seria a realidade do rio para um habitante de outra galáxia que nos visitasse? Não se pode saber” (Duarte Jr., 2004, p.13). 

Sobre essa intencionalidade humana de agir e interagir com o mundo real, Capra (2003) atribui a essa atividade à necessidade de que o homem possui de captar o sentido de seus mundos interior e exterior, de encontrar o significado do ambiente aonde este se encontra inserido e compreender as relações que se dão com os outros seres humanos, para agir conforme tais significações. 

Para ele, esse sentido mais profundo do significado tem uma dimensão emocional e, isto, se evidencia cada vez mais, quando, essas relações de significações nos envolvem contextualizando-nos na idéia ou na expressão gerada a partir desta. Para Capra, é na experiência direta que certas coisas podem vir a se constituírem profundamente significativas para o homem sujeito da ação. 

Nessa discussão de relações de significações entre os homens e as coisas do entorno, há tanto em Capra, como em Duarte Júnior a concordância de que foi pela linguagem que o homem se fez humano, se desprendeu do seu meio ambiente, imediatamente, colocado pelos seus sentidos, para pôr-se a descobrir o mundo a sua volta e emprestar-lhe significações valorativas. 

Para ambos, essa articulação entre linguagem, pensamento conceitual e mundo de relações socioculturais, foi o que desenvolveu no homem a autoconsciência, a consciência reflexiva – o homem pode tomá-lo como objeto de suas próprias reflexões. 

O primeiro diz que “consequentemente, a compreensão da consciência reflexiva está inextrincavelmente ligada à da linguagem e à do contexto social desta” (Capra, 2003, p.85). Já o segundo, diz que “o que funda esta diferença, o que torna o homem humano é, básica e decisivamente, a palavra, a linguagem. A consciência humana é uma consciência reflexiva” (Duarte Jr., 2004, p.18). 

Essa capacidade humana de refletir sobre o meio em que vive e sobre si mesma tem em Freire (1996) a compreensão de que radica aí a nossa educabilidade. Para ele é o que nos coloca, permanentemente, na busca de significados, tornando-nos seres curiosos e indagadores. 

Para Freire, essa capacidade não nos coloca, apenas, na condição de aprendente, para a adaptação ao meio, mas, sobretudo, para sermos protagonistas no processo de transformação da realidade, isto, através da intervenção laborativa, numa perspectiva recriacionista. 

Segundo ele, é dessa capacidade de aprender que se desenvolveu no homem a capacidade de ensinar. Essa capacidade continua o autor, “fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível de adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas” (Freire, 1996, p. 69). 

O nível educacional diferenciado, relatado por Paulo Freire, no seu livro Pedagogia da Autonomia, diz respeito à capacidade criativa que o homem tem de desenvolver o processo de ensino-aprendizagem, orientado para a ação construtiva e reconstrutiva do mundo, de forma intencional, baseado em constatações, que, ao seu modo de ver, podem trazer-lhe mudanças significativas para a sua vida. É sobre essa capacidade de aprender e ensinar com criatividade – que para Freire trata-se da estética do educar.

2. AS DIMENSÕES ÉTICA E ESTÉTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DE TRABALHADORES

“Assim, se a Arte é essencial na formação de indivíduos mais sensíveis e criativos, resgatando a autoestima e proporcionando seu autoconhecimento, seu ensino é indispensável ao desenvolvimento de uma consciência estética valorativa dos ambientes” (Godberg 2006, p.154)

Repousa sobre o cartesianismo o legado de ser o indutor do processo de depreciação dos sistemas de valores praticados pelos povos que constituem a cultura Ocidental. Essa depreciação valorativa, por sua vez, tem levado o homem contemporâneo à ruptura dos princípios éticos e morais que conferiram ao homem do passado o modo-de-ser cuidado, como afirma Boff (1999). 

A ética antropocêntrica – o homem como o centro do mundo – constituiu-se como uma das principais causas da degradação ambiental em curso. No interior desse sistema de valores, formado a partir e, sob a égide dessa ética, encontramos as pontes epistemológicas que levam a compreensão da origem da transformação paradigmática que inaugurou a visão antropocêntrica da vida. 

Essa origem pode ser esclarecida por intermédio da análise das raízes culturais do pensamento cartesiano – o Velho Testamento – como afirma Grün (1996, p.23): “[...] na verdade, a ética antropocêntrica não é algo tão novo como se pensa e nem é ela uma criação exclusiva de Descartes. As raízes da ética antropocêntrica já se encontram no Velho Testamento”

A predominância do humano sobre todas as coisas, trazida pelo antropocentrismo, vem da transição da Idade Média – o homem na condição de subserviência a Deus – para a Idade Moderna – o homem em condição de igualdade com Deus – contexto, este, criado pela insatisfação humana de estar submetido aos ditames da Igreja. 

Surge o Humanismo, trazendo o homem como protagonista do processo de ruptura do paradigma sociocultural vigente. Estava nascendo um outro homem para estabelecer o mundo Renascentista, que levou à extinção a velha ordem. E isto se deu “de um modo múltiplo e complexo, na Arte, política, religião e filosofia”. (id, ibid, p.24). 

Nesse novo mundo que surgia, a lógica temporal que antes se destinava à contemplação do Divino, com o advento das relações comerciais – Mercado – algo diferente passa a acontecer. Novas regras político-econômicas entram em jogo, se apropriam da categoria tempo, e passam a “vendê-lo” nas compras a prazo baseada na cobrança de juros. 

A partir daí surge um novo lema “tempo é dinheiro”.  Nesta perspectiva, a Natureza e seus tempos cíclicos de relações ecodependentes, entre suas cadeias tróficas, passam para a égide humana, como afirma Grün (1996, p. 25): “[...] o tempo da Natureza passa a ser o tempo da racionalidade humana. A Natureza é mercantilizada. Tempo, negócios e Natureza passam a andar juntos. Relações de Mercado, Natureza e lógica temporal antropocêntrica passam a formar um sistema complexo de inter-relações”

Nesse período, observa-se que a noção de espaço, igualmente a de tempo, passa por transformações radicais. É na Arte da Renascença onde acontece a ruptura mais significativa da noção de espaço. Forjando a partir de si o mundo, o artista dá forma à matéria, diferentemente do artista grego que, apenas, extraía o potencial da forma. Há no homem renascentista o desejo de ser uma espécie de Deus. Buscando ser ele o senhor de seu próprio destino, ele procura resumir no microcosmo a unidade do macrocosmo, como coloca Grün: 

“Leonardo da Vinci sintetiza bem estas idéias ao dizer que o caráter da cultura é divino, uma vez que “faz com que o espírito do pintor se transforme numa imagem do espírito de Deus”. O homem começa a se divinizar. Existe uma ponta de arrogância neste homem que se reflete na escolha do material usado pelos artistas. Neste período os artistas buscam materiais duráveis como a tinta e o óleo. Eles querem eternizar-se através de suas obras” (id, ibid, p.26). 

A utilização da Matemática, pelos artistas dessa época fora impulsionada pelo objetivo maior destes: recriar a ordem Divina. Para tanto, o artista busca a “justa medida” para aprimorar sua Arte de retratação de objetos em um plano bidimensional, capaz de proporcionar ao observador a visão tridimensional da realidade. Nasce desta forma, a técnica predominante na Arte renascentista, que viria revolucionar o pensamento científico subsequente – a perspectiva. É a partir desse novo ponto de vista que o artista olha e constrói o mundo. 

Para Mauro Grün, essa busca pela perfeição matemática da forma, através da aquisição da técnica da perspectiva, foi o que permitiu que o homem construísse a capacidade estética plena de interferir na Natureza. Para o referido autor essa nova forma de ver e perceber o mundo natural foi o que fez o homem abandonar a concepção organísmica da Natureza – visão aristotélica – em favor da concepção mecanicista – o mundo como máquina – estava sendo inaugurado o paradigma mecanicista, centrado na ética antropocêntrica. O cogito cartesiano reduz o homem à dimensão racional, em detrimento de sua sensibilidade. 

“A idéia aristotélica de Natureza como algo animado e vivo, na qual as espécies procuram realizar seus fins naturais, é substituída pela idéia de uma Natureza sem vida e mecânica. A Natureza de cores, tamanhos, sons, cheiros, e toque é substituída por um mundo “sem qualidades”. Um mundo que evita a associação com a sensibilidade” (Grün, 1996, p.27). 

Neste sentido, Descartes consegue legitimar a unidade da razão a expensas da objetivação da Natureza, diz Grün. Cria-se, nessa perspectiva, o dualismo categórico entre sujeito e objeto – o cogito humano dominando o mundo, seu objeto. É na base desse dualismo, afirma o autor, que se encontra a gênese filosófica da crise ecológica moderna. A Natureza aqui passa a ser, apenas, um objeto passivo à espera do corte analítico. Corte este, idealizado pela educação de então – a Natureza e a cultura, como duas coisas bastante distintas. 

Em contraposição à concepção cartesiana dual entre sujeito e objeto, numa perspectiva ética e esteticamente educacional, Freire (1996, p. 18) diz: 

“Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que reconhecendo a outra presença como um “não–eu” se reconhece como “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade”. 

Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia da Autonomia”, coloca a sua crítica acerca da ideologia fatalista do Mercado, que prega a passividade humana, diante das injustiças e desvios éticos e morais, que insistem em tentar convencer-nos de que nada pode ser feito contra essa realidade social, que de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”, para apresentar, em contraposição, a necessidade de se repensar a educação a partir da promoção da ingenuidade à criticidade, isto, pelo viés do processo formativo ético e estético do homem: 

“A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar” (id, ibid, p.33). 

Nesta perspectiva de gestação de um novo paradigma civilizacional – uma ordem mundial – centrado em uma ética universal do ser humano, encontrada nos escritos de Freire, Boff e Gadotti, o autor de “Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária” – Mauro Grün – fala da impossibilidade radical de Educação Ambiental configurada com base na epistemologia cartesiana, pois, segundo ele, o modelo cartesiano é reducionista, fragmentário, sem vida e mecânico. 

Essas características, diz o autor, trouxe para o cenário contemporâneo o sentimento de que atravessamos uma crise generalizada. Crise de valores, das ideologias, da (ou de) ética, dos paradigmas, da modernidade, enfim, crise da cultura Ocidental. Desta forma, afirma Grün, esse sentimento de crise tem levado a humanidade a enquadrar tudo numa espécie de supercategoria – a crise ecológica – que estaria, por assim dizer, desencadeando a primeira crise planetária da história humana. 

Daí irrompe o “novo” paradigma, afirma ele. Para o autor esse discurso que aponta para uma “nova” perspectiva paradigmática torna-se cada vez mais vigoroso no âmbito da Educação Ambiental. “Dificilmente temos a oportunidade de ouvir ou ler algum discurso sobre Educação Ambiental que em algum momento não faça menção ao “novo” paradigma. ”. (id, ibid, p.61). 

Não obstante, se emerge em meio às discussões de ambientalistas e educadores ambientais a perspectiva de construção de um “novo” paradigma civilizacional é porque existe a demanda por uma mudança transformadora, revolucionária, capaz de suplantar o mecanicismo reducionista. E, isto, na concepção de Grün, implica necessariamente em esquecer, abandonar e deixar para trás o paradigma cartesiano em voga. 

Essa “virada” epistemológica suscitada pelos discursos da Educação Ambiental, colocado pelo referido autor, a qual busca superar o modelo cartesiano reducionista, fragmentário, sem vida e mecânico, por um complexo holístico, vivo e orgânico, corrobora com a práxis ambiental de Capra (2003, p. 49) baseada na concepção sistêmica de vida: “[...] o avanço decisivo da concepção sistêmica da vida foi o de ter abandonado a visão cartesiana da mente como uma coisa, e de ter percebido que a mente e a consciência não são coisas, mas processos”

Grün (1996) ao aprofundar-se em suas análises acerca da epistemologia sobre Educação Ambiental emergente, fala da necessidade de se buscar a sua dimensão ética. Neste sentido, ele coloca a necessidade de se ter e manter vivo, nas sociedades, um horizonte histórico de tematização, um referencial tradicional capaz de situar o ser humano no mundo, na história e na linguagem e, não como um sujeito senhor de si, separado dos objetos. 

Para tanto, ele aponta a hermenêutica como sendo o viés filosófico capaz de compreender o antagonismo criado entre o moderno e a tradição, pois, segundo ele, somente isto permitirá a tematização das áreas de silêncio do currículo da educação moderna. 

“As áreas de silêncio do currículo moderno, tamponados pelo processo brutal de aceitação axiomática do presente, ao serem abordados interrogativamente por meio da hermenêutica revelam-se à nossa compreensão. A hermenêutica é um encontro entre a herança da tradição e o horizonte do intérprete (presente)” (Grün 1996, p.103). 

Bosi (1994, pp. 82-83), no seu livro “Memória e Sociedade: lembrança de velhos”, tematiza a importância da tradição ao analisar as categorias memória e lembrança: 

“Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não conhecemos pode chegar-nos pela memória dos velhos. Momentos desse mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o presente. A conversa evocativa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, ressignificação pelo desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra de Arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora, pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com a mísera figura do consumidor atual”. 

Para essa autora não há evocação sem uma inteligência do presente, pois, segundo ela, não é possível sairmos das determinações atuais, sem termos a nítida compreensão do que somos e, isto, diz Bosi, só pode ser concretizado a partir do trabalho da reflexão dialógica entre passado e presente, numa perspectiva de localização: “uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito” (id, ibid, p.85). 

Freire (1996), comentando, também, esse trabalho reflexivo e dialogal, comentada por Bosi, diz que as experiências: histórica, política, cultural e social da humanidade jamais ocorrerão distante dos conflitos entre as forças que impedem a busca da assunção de si pelos outros indivíduos, pelos grupos e forças que lutam favoravelmente a essa assunção. 

É baseado nessa análise dos conflitos, que se dão em meio às relações sociais, que o referido autor tece a rede de saberes de sua Pedagogia, isto, a partir da dança dos fios teóricos que se articulam e se unem num só processo formativo, as dimensões ética e estética – decência e boniteza de mãos dadas – construindo possibilidades concretas de práticas educativas que dêem o “testemunho rigoroso de decência e pureza” (id, ibid, p.33). 

Fechando esse ciclo analítico acerca da dimensão ética e estética da Educação Ambiental, apresenta-se o jogo da cultura e a formação estética articulada por Duarte Júnior (1988, p. 51), numa perspectiva de ressignificação da realidade, a partir da educação dos sentimentos humanos. 

“Criar a cultura é, portanto, humanizar a natureza, ordenando-a e atribuindo-lhe significações expressivas dos valores humanos: criar a cultura é concretizar tais valores. Fora de um ambiente cultural não existem seres humanos, isto é, o homem não pode existir enquanto tal senão através da cultura. É nela que nos tornamos humanos, que aprendemos a organizar e construir o mundo. Atribuindo-lhe significações”. 

É na busca pelo sentido da vida, que o homem se projeta na aventura do conhecer e do jogar com os dados do mundo material, para construir uma ordem estrutural significativa para a sua existência, afirma Duarte Jr. É nesse jogo que “é estruturada uma certa ordem de equilíbrio, através da atuação do corpo” (id, ibid, p. 52). 

Jogando, o homem promove a ruptura com o determinismo das forças naturais e passa a construir uma “nova” realidade mais harmônica, sem, contudo, deixar de compreender o nível de integração proporcionado por essa relação. “Portanto, o homem iniciou sua existência ludicamente: dispondo os elementos do mundo em torno de si, numa ordem que dava sentido a sua ação – o que significou a criação da cultura” (id, ibid, p.52). 

Goldberg (2006, p. 143) falando sobre essa ação humana, expressa no interior da vida cotidiana, nos diz que: “[...] ao nos expressarmos damos sentido para as vivências cotidianas, revelando nossa forma de ver, sentir e pensar o mundo e as coisas ao nosso redor”

Portanto, nessa busca pelo sentido primeiro da vida, tentando ordená-la de forma significativa, o homem uniu o jogo – a brincadeira lúdica – à procura da beleza – a estética – assinala o autor. E, isto, não seria possível sem o advento da linguagem, como já fora relatado anteriormente. 

A linguagem é o cerne de qualquer comunidade humana – de qualquer cultura. Contudo, salienta Duarte Júnior, a linguagem e a objetivação material desta, através da ação prática sobre o mundo, desenvolve-se concomitantemente. “A maneira como uma dada cultura sente o mundo, exprime-se em sua produção material” (id, ibid, p.53). 

Esse sentimento manifesto na produção material de uma determinada comunidade, a maneira – forma – como isto fora expresso, simbolizado e como fora dado à significação valorativa dessa relação constitutiva do “padrão” cultural, apresenta-se na ação humana que constrói a cultura, ao mesmo tempo vai se constituindo num elemento simbólico. 

Corroborando com a teorização desse autor, Goldberg (2006, p. 146) fala da abrangência conceitual da educação estética e da sua importância no processo de conexão do homem com o meio circundante: 

“Tendo em vista a abrangência do conceito de educação estética, podemos perceber sua importância enquanto conexão do indivíduo com o ambiente que habita, a forma como compreende, interpreta e age no exterior, expressando e construindo sua personalidade. Cada indivíduo é único e ao se comunicar e se expressar deixa sua marca no mundo, revela a sua singularidade e interage na esfera social através da linguagem dentro de uma determinada cultura”. 

Sobre tais considerações o autor apresenta, de forma explícita, a sua visão descritiva da cultura como uma estrutura simbólica: “pode-se tomar o vocábulo “estrutura” como sinônimo de “forma”, isto é, a maneira de uma coisa (um fenômeno) aparecer à nossa consciência” (id, ibid, p.54). 

São essas aparições dos fenômenos à consciência humana que vão compondo, enquanto elementos culturais de valor simbólico – significantes – e constituindo-se estruturas culturais, vão estabelecendo padrões representativos do modo como uma determinada comunidade vê e interpreta o mundo a sua volta, diz o mesmo autor. 

Desta forma, diz Duarte Júnior, cada alteração civilizacional: cada novo valor, cada novo sentido construído, constitui-se num processo que, invariavelmente, leva a sociedade a reestruturar a sua cultura, construindo, assim, o seu conceito de História.  

Nesta perspectiva, o autor coloca que cada indivíduo expressa um padrão contínuo de sentimento, que lhe é peculiar num interior de uma estrutura, contribuindo assim, com a construção de sua cultura. A essa expressão de padrão individual ele chama de personalidade, a qual se reflete no comportamento, na fala, no porte físico, no gesto de cada indivíduo – estilo individual – quando articulados, entre si, produz uma subcorrente de sentimento geral que se transforma na estrutura social maior – a cultura de um povo, afirma Duarte Júnior.  

Corroborando com o pensamento freiriano de educar com esperança, na transformação das pessoas e, por consequência, das realidades estudadas por Duarte Júnior, Gadotti (2003, p. 46) coloca que isto se confunde com o processo de humanização. Para esse autor, pensar a educação futura, numa perspectiva de futuro da humanidade é pensar de forma holística, pensando à totalidade. 

“E educar holisticamente é estimular o desenvolvimento integral do ser humano em sua totalidade pessoal – intelectual, emocional, física – relacionada com a totalidade do mundo, da vida – os outros seres vivos, a comunidade, a sociedade – e a totalidade cósmica: a Terra o Universo”. 

Não obstante, Grün (1996) chama-nos a atenção para a tentativa quase desesperada desse novo paradigma educacional – o holismo – de querer abandonar a abordagem atomístico-reducionista da mecânica clássica. Nessa empreitada, afirma o autor, esse paradigma tem partido de um pressuposto errôneo de que “o todo” seria apenas a forma global. 

Para Grün o que o holismo faz, ao invés de reproduzir o todo às partes, é uma redução das partes ao todo. Baseado nessa análise, ele afirma que se faz necessário aqui uma abordagem mais complexa do meio ambiente, pois, da forma como ele é vista pela concepção holística – com romantismo antropológico de retorno do homem à Natureza – tal abordagem permanecerá intocada. 

Contudo, tanto Grün, como Gadotti e Freire encontram-se no desejo de ruptura paradigmática no campo da Educação. Em Freire (1997), a preocupação ética e estética de construir uma nova proposição educativa e formativa de homens e mulheres de bem, precisa está fortalecida para alimentar o sonho e a utopia contra “[...] a malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista” (p.15); Já em Gadotti (2003), há a necessidade de se sair do plano ideal para a prática, não abandonando o sonho, mas, agindo em nome dele “[...] em função de um projeto de vida e de escola, de cidade, de mundo possível, de planeta” (p.50) e, finalmente, em Grün (1996), é preciso recuperar “[...] as possibilidades de tematizar a dimensão histórica dos valores que regem as relações entre as sociedades e o meio ambiente” (p.100). 

É esse “limiar epistemológico” da Educação Ambiental desenvolvido por Grün, a partir da configuração que o aproximou da hermenêutica filosófica de Hans – Georg Gadamer, que viria, segundo o próprio autor, apontar para um horizonte de tematização das áreas de silêncio da educação moderna. Educação, esta, que, na sua concepção, não pode ser desenvolvida longe da compreensão do antagonismo criado entre o moderno e a tradição. “O passado fornece a própria base operacional de compreensão do presente” (id, ibid, p.103). 

Nessa busca por colocar a hermenêutica como uma abordagem importante para a compreensão da dimensão ética e política da Educação Ambiental, Grün abre um debate epistemológico sobre esta área do conhecimento humano, aqui no Brasil, que, na sua concepção, ainda é bastante incipiente. 

Contudo, o autor assinala duas tendências de implantação da Educação Ambiental que têm se destacado nos últimos dez anos: a criação de uma disciplina de Educação Ambiental – enquadrada no rol das disciplinas transversais – e a inserção desta como uma unidade de estudo da disciplina de Biologia ou, ainda, sua inclusão, de forma aleatória, nas ciências físicas e biológicas. 

Na visão de Grün (2003), em ambos os casos há uma perda considerável na abrangência de sentido epistemológico dessa disciplina, pois, na primeira tendência, haveria um reducionismo óbvio, já na segunda, haveria uma negação à complexidade da disciplina, que, segundo o autor, é multifacetária, ética e política. Isto, por sua vez, complementa o autor, reduziria a Educação Ambiental a questões puramente técnicas, devolvendo-a, por conseguinte, “[...] à origem epistemológica de todos os nossos problemas – o cartesianismo” (p.106). 

“A modernidade é um processo de esquecimento da tradição” (id, ibid), sentencia Grün ao dizer que a afirmação do “moderno” se dá a qualquer custo sobre os valores da tradição e, que isto permeia o currículo de nossas escolas. Ao expressar-se desta forma ele busca denunciar as áreas de silêncio que foram criadas no âmbito da educação moderna. E, isto, segundo esse autor, é o principal problema que a Educação Ambiental deverá encontrar pela frente nos próximos anos. “As áreas de silêncio do currículo formam-se a partir daquilo que o cartesianismo não deixou que fosse dito ao se afirmar como único modo possível de perceber a realidade” (id, ibid, p.107). 

E o que não foi permitido ser dito pelo cartesianismo? O que foi tamponado pela civilização racionalista que fragmentou a existência humana? As respostas a tais indagações podem ser extraídas das entrelinhas das falas de Duarte Júnior (1988), quando ele nos fala que é necessário uma visão totalizante dos fenômenos humanos, para que se desenvolvam estímulos criativos de sentidos individuais no homem com relação ao “todo” da vida. 

A afirmação do “moderno” a todo custo, em Grün (2003), existente no currículo educacional, é em Duarte Júnior, o que impulsiona o educando, racionalmente falando, para a lógica do crescimento ilimitado. 

“A existência humana, fragmentada pela civilização racionalista, também o foi, consequentemente dentro das escolas. Ali importa mais que se adquiram determinadas habilidades, para exercê-las posteriormente na produção industrial. Importa mais que se veja o mundo como um jogo de leis estritamente científicas e lógicas. Como um campo de atuação sem fronteiras para o poderio tecnológico” (id, ibid, p.71). 

Enquanto Grün (2003) diz que “a dimensão ética da Educação Ambiental deveria ser buscada na história recalcada de nosso relacionamento com o ambiente” (p.112), Duarte Júnior propõe a fundamentação estética para a educação, como um todo. Pois, para ele, a cisão da personalidade humana, imposta pela civilização racionalista, deve ser combatida por uma formação educacional que leve o educando ao conhecimento “que permita maior equilíbrio entre o sentir, o pensar e o fazer. Um equilíbrio próprio da vida quando vivida esteticamente” (id, ibid, p.71). 

Trazendo essas análises epistemológicas de Grün e Duarte Júnior para a esfera do trabalho, da produção industrial e tecnológica do homem, encontramos em Bosi (1994, p. 77), a mesma constatação dos referidos autores – quando ela fala sobre as mudanças históricas aceleradas que se dão no interior das sociedades ocidentais: 

“Quando, as mudanças históricas se aceleram e a sociedade extraí energia da divisão de classes, criando uma série de rupturas nas relações entre os homens e na relação dos homens com a Natureza, todo sentimento de continuidade é arrancado de nosso trabalho. Destruirão amanhã o que construímos hoje”. 

Bosi ao falar sobre tais relações faz o seguinte questionamento: “[...] como reparar a destruição sistemática que os homens sofrem desde o nascimento, na sociedade da competição e do lucro?” (id, ibid, p.80). Ela mesma responde sua questão dizendo que “[...] é preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações humanas doentes” (id, ibid, p.80). 

Para tanto, afirma à autora, a sociedade não pode esvaziar seu tempo de experiências significativas, empurrando-as para a margem do viver, pois, em agindo assim, diz ela, “[...] a lembrança de tempos melhores se converte num sucedâneo da vida” (id, ibid, p.82). 

Atenção à vida é um pré-requisito fundamental colocado por Ecléa Bosi, quando ela discorre sobre as faculdades humanas: “[...] nossas faculdades para continuarem vivas, depende de nossa atenção à vida, do nosso interesse pelas coisas, enfim, depende de um projeto” (id, ibid, p.80). 

Foi alinhado a essa assertiva de atenção à vida, colocada por Bosi, que o pesquisador pretendeu descrever, em seu trabalho investigativo como a Arte se constituiu num elemento educativo no processo de ensino-aprendizagem da Educação Ambiental na experiência estética desenvolvida, vivenciada pelos trabalhadores da empresa que abrigou a sua pesquisa. 

Por conta disto, ele tentou apontar elementos didático-pedagógicos essenciais para uma abordagem de ensino que considere a Educação Ambiental como dimensão da formação estética de trabalhadores. Isto, a partir da análise comparativa entre o vivido pelos atores sociais envolvidos na experiência e os escritos teóricos pesquisados – os princípios e valores que emergiram dessa relação – numa perspectiva de demonstrar que uma formação ética e estética, antes de tudo, é uma questão método. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Concluindo este artigo, faço aqui uma breve análise acerca dos três elementos que seguem: conteúdo, processo e forma, os quais, na minha concepção, são de fundamental importância, para a compreensão de como se dá a dinâmica constitutiva de um método didático-pedagógico, para o delineamento de uma práxis educacional emancipadora. 

É a articulação desses elementos, feita por um educador, dentro de uma proposta de ensino-aprendizagem, que irá dizer da intencionalidade que subjaz à sua referida escolha metodológica. Há sempre uma intencionalidade no ato de educar, sentenciava Paulo Freire (1996). Acredito que é nessa maneira de forjar uma prática docente, eivando-a de intencionalidades, verdadeiramente, formativas, que um educador se mostra. Isto é claro, quando este se permite explicitar o seu modo de ser e agir no mundo, sem medo das críticas provenientes dos desencontros e erros do percurso. 

Vejo nesse tipo de educador a marca indelével do artista criador, que consubstancia a sua obra de Arte – no caso a sua forma de ensinar – a partir de qualquer componente sociocultural, pois, no íntimo ele sabe do como proceder para estimular em seus aprendizes o exercício do fazer inventivo. Daí a importância da experiência estética, como elemento pedagógico na formação humana: proporcionar um encontro do sujeito que aprende com a diversidade de fazeres e saberes historicamente construídos pela humanidade, de forma sensivelmente direta. Isto, na verdade, é a participação de uma experiência total, como nas palavras de Freire (1996, p.24): 

“Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar e aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade”. 

Diante do exposto, penso que já posso apontar como um forte elemento educativo, para a formação ambiental de trabalhadores, como também, sugerir o agente ideal para ser o facilitador de tal processo formativo, tanto dentro como fora do mundo empresarial. Falo, primeiramente, da Arte, enquanto dimensão estética formadora e, em seguida, da figura do arteducador, como o facilitador desse processo de ensino-aprendizagem. 

Exponho esta opinião, pelo fato de ter percebido, ao longo deste processo de pesquisa e escrita, que os dispositivos didático-pedagógicos, vivenciados na experiência em estudo, na minha concepção, lançaram possibilidades de vida e de morte no interior das trajetórias existenciais e coexistenciais de todos aqueles que, de alguma forma, se envolveram com a experiência estética, mencionada ao longo deste texto, proporcionando, desta forma, aos mesmos, um momento de reflexão acerca da vida, em sua concepção mais abrangente. 

Baseado nisto, penso que, o ensino dos conteúdos de Educação Ambiental, quando visto pelo enfoque das Artes, trabalhados, metodologicamente, por um arteducador comprometido com a educação de sentimentos de seus aprendizes, dentro de qualquer ambiência socioeducacional, podem fazer nascer daí uma concepção ecoeducativa capaz de se constituir numa abordagem pedagógica privilegiada, principalmente, quando esta abordagem estiver fundada na hermenêutica. 

Tal abordagem, nas palavras de Grün (1996, p. 107) traz “[...] a possibilidade de perguntar por aquilo que o cartesianismo não deixou que viesse à tona, o não dito. E é justamente o não dito que representa, talvez, uma das melhores possibilidades de encontrarmos práticas e saberes ecologicamente sustentados”

Caberá, por conseguinte, a esse arteducador a decisão final na direção da subversão da ordem pré-estabelecida – que impõe protótipos modelares de seres ideais – e, assim, passar a imprimir um processo formativo que vislumbre a constituição de seres reais, amados e odiados em suas excelências e limitações. Penso que é assim que nasce um verdadeiro artista do jazz, no método do improviso. 

 

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Fortaleza, 03 de junho de 2016.