A dinâmica da radiação solar e os principais aspectos do balanço energético global

Anderson Azevedo Mesquita*

O Sol é o grande astro do universo, é dele que são irradiadas ondas de energia que se propagam por todo espaço e que atingem e dão dinâmica as principais funções físicas, biológicas e químicas dos sistemas e subsistemas que recebem a radiação solar como forma de energia motriz. O Sol fornece 99,97% da energia que é utilizada pelos sistemas que formam a Terra, apresenta capacidade de produção de energia grandiosa, a proporção irradiada é de cerca de 56 x 10²⁶ calorias de energia por minuto, onde a Terra intercepta apenas 2,55 x 10¹⁸ calorias, montante suficiente para suprir a necessidade e o consumo energético do mundo 30 mil vezes durante 01 (hum) ano. (AYOADE, 1986)
A energia irradiada pelo Sol é propagada no espaço por intermédio de ondas eletromagnéticas que apresentam comportamento e comprimentos específicos. Segundo, Tubelis (1980) à distribuição espectral da radiação solar está indicada na faixa de comprimento de onda entre 0,3 e 4 microns, portanto, a radiação solar é denominada de radiação de onda curta, sendo as principais ondas irradiadas pertencentes a este grupo, as da faixa ultravioleta, da faixa visível e as infravermelhas, sendo a proporcionalidade respectiva irradiada na Terra de 9%, 41% e 50%.
Ao chegar a Terra, a radiação solar interagirá a princípio com atmosfera e todos os seus compostos, a radiação irá atravessar as camadas e subcamadas atmosféricas e sofrerá processos de atenuação. Tais processos de atenuação, segundo Tubelis (1980), são três: 1. Espalhamento pelas partículas da atmosfera ou difusão; 2. Absorção seletiva; 3. Processo de absorção e reflexão pelas nuvens.
O espalhamento de partículas ou difusão é o espalhamento do raio solar ocasionado pelos diversos compostos gasosos ou de micropartículas sólidas ou líquidas que estão em suspensão na atmosfera, dependendo das características desses elementos, e do tipo de onda emitida pelo Sol que é atenuada pelo processo de espalhamento ou difusão, pode-se ter maior abundância de certas cores de luz na porção visível do espectro solar, por exemplo, a luz azul é mais espalhada do que a cor vermelha, por isso o aspecto dominante da cor azul no céu.
A absorção seletiva é realizada por alguns elementos que formam a atmosfera, os principais e mais significativos absorvedores de energia são o oxigênio, gás carbônico, ozônio e o vapor d?água. Tais elementos podem absorver ou não mais de um tipo de onda de energia que é irradiada pelo Sol, o ozônio, por exemplo, tem um papel importante dentro da dinâmica atmosférica, pois se concentra na estratosfera formando a camada de ozônio, esta camada tem importância vital para os seres vivos, pois absorve os raios ultravioletas que são nocivos a saúde humana.
As nuvens dependendo da sua espessura, natureza e altitude podem atenuar a radiação solar advinda do Sol através da absorção ou pela reflexão. Em geral, as nuvens absorvem pouca energia, porém pode refletir até 90% dos raios solares, este fenômeno é comum em dias de grande nebulosidade em que o balanço de radiação solar que chega a superfície terrestre sofre redução considerável.
Segundo AYOADE (1986), a quantidade de energia irradiada e incidente no topo da atmosfera pode variar no decorrer do ano, sazonalmente ou diariamente por intermédio de cinco fatores determinantes, sendo estes divididos em dois grupos, assim, no primeiro grupo tem-se o período do ano, a latitude e a altitude do Sol, e no segundo grupo a distribuição das superfícies líquidas e terrestres, bem como, a elevação e o aspecto das mesmas.
Durante o ano a Terra realiza um movimento elíptico em torno do Sol com duração aproximada de 365 dias, esse movimento é conhecido como movimento de translação. Por se tratar de movimento circular elíptico, a distância entre o raio do movimento e o centro de referência da rotação é alterado de acordo com a excentricidade alcançada pelo corpo, tal detalhe é fundamental para quantidade de radiação recebida pela Terra, pois, durante o momento mais excêntrico em relação ao Sol (afélio) a Terra receberá menor intensidade de energia, enquanto, no momento em que estiver mais próximo do Sol (periélio) esta receberá quantidade maior de energia.
A latitude também influencia diretamente na quantidade de radiação que chega a superfície terrestre, pois o eixo terrestre possui inclinação média de 23º, tal característica de acordo com o período do ano, faz com que um hemisfério seja mais "iluminado", ou seja, receba maior radiação que o outro, assim, as estações do ano, tanto as principais como verão e inverno, como as transitórias como outono e primavera, são alternadas em cada hemisfério, portanto, a Terra possui balanço de radiação diferente durante os períodos sazonais das estações do ano.
A altitude do Sol, aqui entendida como a relação angular entre o raio incidente e a tangente formada num determinado ponto da superfície terrestre, também afeta na quantidade de radiação solar incidente sobre a Terra, pois quanto menor for o ângulo da tangente formada em relação a superfície, menor será a absorção e maior o albedo, ou seja, capacidade de reflexão de energia proveniente do raio solar pela superfície, da mesma forma quanto maior for o ângulo formado, mais intensa será a absorção do raio incidente e menor será a sua reflexão. Logo, durante as primeiras horas da manhã e no entardecer o Sol forma os menores ângulos em relação a superfície terrestre o que ocasiona menor absorção de energia e maior processo de reflexão, com a evolução do dia o Sol chega ao seu ponto máximo de altitude ao meio-dia formando ângulos grandes e retos na tangente com a superfície, nesse caso a absorção de energia será maior enquanto a reflexão será negligenciada.
Dentro do segundo grupo de fatores que influenciam a distribuição da insolação sobre a superfície terrestre, tem-se a distribuição das superfícies líquidas e terrestres, além da elevação e o comportamento das mesmas. A distribuição das superfícies liquida e terrestres influenciam diretamente na distribuição de radiação solar sobre a superfície, sobretudo, pelo efeito de continentalidade e de maritimidade, ou seja, as superfícies continentais, dado as suas características termodinâmicas e físicas resfriam-se e aquecem-se subitamente com menor necessidade de ganho calórico, ao contrário, as superfícies marítimas necessitam de ao menos três vezes mais energia para pode alcançar a mesma saturação térmica de uma superfície continental com as mesmas dimensões, além disso, a água resfria-se e aquece-se de forma mais lenta, ocasionando diferenças graduais no comportamento térmico da Terra em função da distribuição das superfícies liquidas e terrestres. (AYOADE, 1986)
A elevação e o comportamento das superfícies também afetam a dinâmica de distribuição da radiação solar, sobretudo nos ambientes locais em microescala, pois próximo ao nível do mar a quantidade de insolação recebida pela superfície é menor devido a atenuação ocorrida pela grande massa da atmosfera sobreposta ao ambiente ao nível do mar, já em altitudes elevadas o volume de massa de ar sobre um ponto da superfície é menor o que ocasiona a redução da atenuação do raio solar devido a diminuição do volume que o mesmo terá que ultrapassar até chegar a superfície.
Assim, os fatores que influenciam na quantidade de radiação incidente na Terra podem agir em escalas distintas, assim como interagem entre si na dinâmica da radiação solar e no comportamento térmico global. O saldo entre a quantidade de toda energia que é absorvida e refletida pela Terra formará um balanço geral de energia que entra e sai do sistema terrestre, portanto, segundo Ayoade o "balanço de radiação significa a diferença entre a quantidade de radiação que é absorvida e emitida por um dado corpo ou superfície". (1986, p. 36)
O balanço de radiação é fundamental para a dinâmica do comportamento térmico global, pois o saldo resultante desta conta afetará diretamente nos mecanismos térmicos das diferentes regiões no planeta. "A radiação líquida é a soma da radiação solar direta ou difusa incidente sobre a superfície da Terra" (AYOADE, 1986, p. 36), portanto, a radiação líquida é a energia efetiva que chega a superfície, ou seja, é desconsiderada a atenuação sofrida na atmosfera como a absorção seletiva dos compostos atmosféricos, bem como, a absorção pelas nuvens e a difusão ascendente, que é o espalhamento do raio solar por difusão em direção ao espaço.
No geral a superfície terrestre possui um balanço positivo de radiação, enquanto a atmosfera possui saldo negativo, durante o dia o balanço de radiação é positivo na Terra e a noite é negativo. Acima de 40º de latitude, o déficit radioativo da atmosfera ultrapassa o excedente da superfície, de modo que o balanço radioativo global nessas áreas é negativo, sendo que a partir de 40º até o Equador o balanço radioativo global é positivo. Nesses aspectos a atmosfera uniformemente apresenta-se como depressão radioativa enquanto a superfície terrestre constitui-se como uma fonte de calor, excluindo as regiões polares.
Entretanto, a Terra é um sistema com funções complexas que são desenvolvidas segundo Drew (1998), na interseção de três subsistemas principais: o atmosférico, o litosférico e o hidrosférico, sendo que no intercalar desses há à existência da biosfera, ambiente onde a conexão dos fatores e dos elementos dos subsistemas terrestres se unem pra formar o ambiente "ideal" para a existência da vida. Assim, a Terra se mantém em constante equilíbrio, para que as funções da biosfera permaneçam estáveis, portanto, mesmo que uniformemente a atmosfera seja uma depressão radioativa e a superfície terrestre uma fonte de calor, ambos buscam o equilíbrio através de trocas de energia vertical e horizontal.
A troca de energia vertical ocorre através da evaporação da água e posterior condensação do vapor, liberando calor latente, pela condução de calor sensível da superfície terrestre para atmosfera e através da convecção que é a difusão turbulenta de calor da superfície terrestre em direção a atmosfera. Tais mecanismos de troca de calor ocorrem de forma vertical, ou seja, da superfície em direção a atmosfera, e são importantes para a manutenção do equilíbrio térmico na interface atmosfera-superfície terrestre.
A troca horizontal de calor ocorre principalmente através da transferência de calor sensível em direção aos pólos, pela circulação atmosférica primária e pelas correntes oceânicas das baixas latitudes. Outra forma de transferência de calor horizontal é através da liberação de calor latente que ocorre quando o vapor d?água originado nas áreas de baixa latitude se dirigem em direção aos pólos, e se condensam na atmosfera. (AYOADE, 1986)
Além do circuito atmosfera-superfície também existe o balanço de energia para a superfície terrestre que é um "conceito usado na Climatologia para relacionar o fluxo de radiação líquida à transferência de calor latente e de calor sensível" (AYOADE, 1986, p. 39). Na superfície terrestre o balanço de energia pode variar de acordo com a latitude, com a distribuição das superfícies liquidas e terrestres, do período do ano, e dos fluxos de transferência do calor latente e sensível nas regiões continentais e terrestres do globo.
No geral, tanto em áreas continentais como nas oceânicas os maiores valores de radiação líquida são encontrados nos trópicos principalmente pelo efeito da radiação solar nas regiões de baixa latitude, onde a posição da Terra em relação ao Sol, forma ângulos retos na tangente com a superfície terrestre, o que potencializa a absorção e diminui o albedo. Nas baixas latitudes os valores de radiação líquida sobre os oceanos são maiores do que nas superfícies continentais, pois o albedo é maior da superfície terrestre, devido a existência de grandes áreas desérticas e com poucas formações de nuvens, nos pólos a radiação líquida é negativa devido a grande quantidade de energia refletida pelo alto albedo das superfícies congeladas. (AYOADE, 1986)
A radiação líquida é 70% maior sobre os oceanos do que nas superfícies continentais, tal dinâmica de distribuição de radiação líquida influencia diretamente na transferência de calor latente e sensível na superfície terrestre. Logo, nos continentes, o fluxo de calor latente é mais elevado no Equador e geralmente diminui em direção aos pólos, pois há maior evaporação, devido a ocorrência de temperaturas mais elevadas, porém nos oceanos o calor latente é maior nos subtrópicos, pois há maior disponibilidade de corpos líquidos, portanto, maior evaporação, que diminui substancialmente em direção aos pólos devido a menor temperatura e maior condição de albedo, assim, para a Terra como um todo, as taxas de evaporação dos continentes são, apenas, cerca de um terço das dos oceanos.
Em relação à dinâmica do calor sensível a transferência de energia aumenta do Equador para os pólos sobre os oceanos e acima da latitude de 70º, há um fluxo descendente ou negativo do calor sensível, porque a superfície da Terra geralmente é mais fria do que o ar sobre ela. Segundo Sellers apud Ayoade, (1986), para a Terra de um modo geral a transferência de calor sensível das áreas continentais supera a dos oceanos por intermédio de três fatores: 1. Cerca de 90% da radiação líquida dos oceanos é usada para evaporar a água e os 10% restantes são usados para aquecer o ar pela condução e convecção; 2. O fluxo de calor latente e o fluxo de calor sensível são formas igualmente importantes de perda de calor nos continentes; 3. Assim, para a Terra no seu conjunto, o fluxo de calor latente é responsável por 82% da radiação líquida e a troca turbulenta de calor é considerada como sendo 18%.
Desta forma, segundo Ayoade, considerando a dinâmica de distribuição da radiação líquida e da transferência de calor latente e sensível, tem-se o seguinte balanço energético global:

1. Os valores de radiação líquida anual são mais elevados nas baixas latitudes e decrescem em direção aos pólos, a partir da latitude de 25º; 2. Os valores de radiação líquida são pouco mais elevados nos oceanos do que nos continentes, nas mesmas latitudes, principalmente por causa da maior absorção da radiação sobre os oceanos e da menor quantidade de radiação que é liberada; 3. Os valores de radiação líquida são bem inferiores nas áreas continentais áridas do que nas áreas continentais úmidas, por causa da maior quantidade de radiação perdida em áreas continentais áridas sob céus relativamente limpos [...]. os fluxos de calor latente e de calor sensível são distribuídos de modo diferente sobre as superfícies continentais e oceânicas. O fluxo de calor latente é mais elevado sobre as superfícies oceânicas e nas baixas latitudes. (1986, p. 43)


Por fim, a radiação solar ao incidir sobre a Terra perpassa por processos de atenuação ainda na atmosfera, ao chegar à superfície terrestre irá interagir diretamente com os diversos elementos que fazem parte do sistema terrestre, contudo, tal interação leva em consideração o período do ano, a altitude do Sol, a latitude, bem como, a distribuição das superfícies líquidas e terrestres e os aspectos das mesmas. A radiação solar não age com a mesma intensidade em todas as porções da Terra, assim, substancialmente ocorrerão balanços de radiação distintos dentro do sistema atmosfera-superfície e também nas regiões e sub-regiões que formam a superfície terrestre. A radiação líquida que é o montante efetivo de radiação que chega a superfície, depois de desconsiderados os processos de atenuação pela absorção seletiva, difusão ascendente e absorção pelas nuvens, interagem diretamente com a transferência de energia pelo calor latente e sensível. Portanto, todos estes elementos em conjunto são responsáveis pelos principais aspectos do balanço energético global, que afetará diretamente na dinâmica da temperatura terrestre, assim como, na circulação geral da atmosfera, em suas diferentes escalas.

* Licenciado em Geografia, e professor substituto no curso de Geografia Licenciatura/Bacharelado da Universidade Federal do Acre ? UFAC

Referências Bibliográficas:
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