APARECIDO HERNANI FERREIRA

(Mestre e Doutor Pela PUC/SP)

 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O INDICIAMENTO NO      INQUÉRITO POLICIAL  NOS PAÍSES DO MERCOSUL

                                                         

Dezembro de 2014

 INTRODUÇÃO

O  indiciamento não respeita os direitos humanos

Poder judicial

O Poder Judicial da província é desempenhado por um Suprema Corte de Justiça, a Câmara de Casación Penal, e os juízes e demais tribunais dos 18 departamentos judiciais estabelecidos por lei, a cada um com seus respectivos Fueros Penal, Civil, Trabalhista, de Família e de Menores. A Constituição estabelece também julgados de Paz em todos os partidos da província que não sejam cabeceira de departamento judicial. Estes se encarregam de atender faltas provinciais, causas de menor quantia e vecinales.

A presidência do Suprema Corte rotaciona-se em forma anual entre os diferentes membros da mesma. Os juízes do Suprema Corte de Justiça, o procurador e o subprocurador geral são nomeados pelo poder executivo com acordo do Senado, enquanto os demais juízes e integrantes do Ministério Público são nomeados pelo Conselho da Magistratura, também com acordo do Senado.

Territorialmente, a República Argentina está organizada em 23 províncias e a Cidade Autónoma de Buenos Aires, em onde se encontra a sede do governo federal.[6] Mediante a lei N° 23.512 de 1987, a Capital da República deve ser transladada aos municípios de Viedma e Guarda Mitre (Rio Negro) e Carmen de Patagones (Buenos Aires). O translado foi aceite pelas províncias de Rio Negro (lei N° 2.086) e Buenos Aires (lei N° 10.454), mas caducó em ambos casos em 1992 ao não se efetuar. Para março de 2008 a lei nacional não tem sido derrogada.

As províncias dividem seu território em departamentos e estes a sua vez se compõem de municípios, com a excepção da província de Buenos Aires que só o faz em municípios denominados partidos. Os departamentos, em general, não contam com funções administrativas, ainda que nas províncias de Mendoza , San Juan e A Rioja a cada departamento é um município. Em algumas províncias os departamentos são utilizados como distritos eleitorais para determinar representantes às legislaturas provinciais e servem como unidades de descentralización de diversos órgãos provinciais como a políciae o Poder Judicial. No caso de Córdoba , seus departamentos (excepto Capital), dividem-se a sua vez em pedanías.

Constituição Nacional de 1994 reconhece a autonomia municipal, mas dá potestade às províncias para reglar seu alcance e conteúdo,[16] pelo que existem municípios autónomos com potestade para sancionar Cartas Orgânicas Municipais e outros que não podem o fazer. Também existem províncias que não reconhecem a autonomia de seus municípios. Até dezembro de 2006 , 123 municípios, fazendo uso de sua autonomia institucional, tinham ditado sua própria carta orgânica.

Todas as províncias contam com governo locais e dentro da cada regime se costumam encontrar diferentes tipificaciones de municípios, existindo casos de unidades administrativas similares aos municípios —geralmente, os correspondentes a localidades com escassa população—, mas que não contam com a mencionada autonomia e seus governantes são em geral delegados do governador provincial.

Com excepção da província de Buenos Aires e a Cidade Autónoma de Buenos Aires, as demais províncias têm assinado tratados interprovinciales de integração[81] conformando quatro regiões para diversos fins:

Artículo 123.- Cada provincia dicta su propia constitución, conforme a lo dispuesto por el art. 5° asegurando la autonomía municipal y reglando su alcance y contenido en el orden institucional, político, administrativo, económico y financiero

Poder Judicial da Nação  Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina

Justiça provincial

Poder Judicial da Cidade Autónoma de Buenos Aires

Poder Judicial da Província de Buenos Aires

Poder Judicial da Província de Catamarca

Poder Judicial da Província de Chaco

Poder Judicial da Província de Chubut

Poder Judicial da Província de Córdoba

Poder Judicial da Província de Correntes

Poder Judicial da Província de Formosa

Poder Judicial da Província de Jujuy

Poder Judicial da Província da Pampa

Poder Judicial da Província da Rioja

Poder Judicial da Província de Mendoza

Poder Judicial da Província de Missões

Poder Judicial da Província de Neuquén

Poder Judicial da Província de Rio Negro

Poder Judicial da Província de Salta

Poder Judicial da Província de San Juan

Poder Judicial da Província de San Luis

Poder Judicial da Província de Santa Cruz

Poder Judicial da Província de Santa Fé

Poder Judicial da Província de Santiago do Estero

Poder Judicial da Província de Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlántico Sur

Poder Judicial da Província de Tucumán

Obtido de http://ks312095.kimsufi.com../../../../articles/a/n/d/Andorra.html"

Justiça provincial

A cada uma das províncias da Argentina, em base à autonomia reconhecida pela Constituição nacional em seu artigo 5, estabelece a administração e organização da justiça ordinária dentro de seu território. É por isso que na Argentina há uma organização judicial diferente na cada uma das províncias. Dita organização é criada de acordo à cada uma das constituições provinciais.

A cada província regula seu sistema processual, ditando seus próprios códigos de procedimento, ainda que aplicam - com diferenças de critério adequadas às condições sociais, económicas ou culturais locais - o mesmo direito de fundo ou material. Assim, com vinte e quatro diferentes regulamentos processuais, sempre se aplica o mesmo Código Civil, Comercial, Penal, direito Supranacional, Tratados internacionais, etc. Sendo desejável que na aplicação longe de se perpetuar arquetipos ou conceitos induzidos pela indústria editorial concentrada em Buenos Aires, se realizem análises jurídicas que atendam a diversidade sócio cultural das regiões da República Argentina.

A Cidade Autónoma de Buenos Aires (CABA) possui um regime especial. Até a reforma constitucional de 1994, a justiça no então telefonema Capital Federal era administrada directamente pela Nação. Depois da reforma, que outorgou autonomia à CABA, e da sanção da Constituição da Cidade de Buenos Aires, a Nação começou a transferência dos fueros nacionais à justiça local. A 2009 , o Poder Judicial da CABA está dividido em uma Justiça no Contencioso Administrativo e Tributário e em uma Justiça no Penal, Contravencional e de Faltas. Ambos fueros ditam seus próprios códigos processuais, mas ainda restam vários fueros por transferir, entre eles Civil, Comercial e do Trabalho.

Algumas províncias seguem linhas de organização mais próximas à jurisdição federal, outras seguem linhas que costumam se qualificar de "mais progressistas" como ser: processo penal bilateral, investigação a cargo da Promotoria, júris mistos e populares -segundo a gravidade do delito-. Maior inmediación e simplificação das formas para fazer uma justiça mais acessível ao público. É aleatório se o procedimento é oral ou escrito, em todo o caso, sempre os valores aos quais arribar são a simplicidad para o justiciable e a acessibilidade.

A maioria das justiças provinciais estão divididas em Julgados de Paz, Julgados de Primeira Instância, Câmaras de Apelações e um máximo tribunal provincial, cujo nome varia segundo a jurisdição. Aa modo de exemplo, encontramos corte-a Suprema de Justiça de Tucumán, o Suprema Corte de Justiça de Buenos Aires ou o Superior Tribunal de Justiça dentre Rios.

Quanto a acessibilidade, a República Argentina em sua jurisdição nacional -o âmbito federal- como em suas jurisdições locais -a cada província como entidade independente- têm assegurados sistemas de Defesa Pública gratuita. De modo tal que, conquanto imperfectamente, quando menos o acesso à justiça esteja garantido apesar das carências económicas. A diferença de outros países, onde se encarrega a advogados particulares como ónus público -turno de oficio- se não aos mais nóveles advogados dentro de empresas jurídicas, os Ministérios Públicos da Defesa estão formados por profissionais rigorosamente seleccionados em base a sua sapiencia técnica e capacidade pessoal para desenvolver o papel -não é suficiente com saber Direito para ser litigante, e menos ainda Defensor Público-. Esta é uma das maiores notas democráticas do sistema judicial da República.

INDICIAMENTO EXTEMPORÂNEO E CONSTRANGIMENTO ILEGAL

O Doutor Eduardo Luiz Santos Cabette - Delegado de Polícia; Especialista em Direito Penal e Criminologia; Mestre em Direito Social e Professor de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal e Processual Penal na Unisal defende posicionamento de que é acontecimento corriqueiro que a Autoridade Policial, esgotando, segundo seu entendimento, as diligências apuratórias do Inquérito Policial, ao elaborar o seu relatório (artigo 10, § 1º., CPP), não tenha levado a efeito o formal indiciamento de eventual suspeito. Certamente isto se dá, tendo em vista que, de acordo com a convicção da Autoridade Policial, não havia indícios suficientes no caso concreto para justificar essa preliminar manifestação do Estado contra o investigado.

Também é muito comum ocorrer que inquéritos assim encerrados, ao chegarem ao Ministério Público, independentemente da inexistência de indiciamento, ensejem, mesmo assim, denúncias contra os envolvidos, as quais são normalmente recebidas pelo Judiciário. Nada mais natural, eis que nem o Ministério Público nem o Juiz são vinculados às decisões da Autoridade Policial.

Nestes casos costuma o Ministério Público requerer e o Juiz deferir a realização do indiciamento do denunciado, o qual inicialmente não havia sido levado a efeito pela Autoridade Policial que presidiu o inquérito.

Embora tal procedimento seja bastante usual na prática, trata-se de atuação ilegítima, configuradora de constrangimento ilegal, sanável  por “Habeas Corpus”. Este é, portanto, o ponto a ser fundamentado no presente trabalho. Para tanto, iniciar-se-á a exposição por um breve estudo do instituto do “indiciamento”, analizando-se  suas principais características, natureza e titularidade do ato decisório de sua formalização. Em seguida, proceder-se-á um cotejo entre essas informações e o entendimento reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. Finalmente, serão retomadas as principais reflexões elaboradas, apresentando um posicionamento conclusivo sobre o problema discutido.

2 – O ATO DO INDICIAMENTO

O indiciamento é o ato pelo qual a Autoridade Policial, no curso do Inquérito Policial, aponta determinado suspeito como provável autor de uma infração penal. Portanto, para que haja indiciamento, mister se faz a comprovação da materialidade da infração e indícios convincentes de que o investigado é seu autor. Como logo se percebe, trata-se “de ato privativo da Autoridade Policial”.

 CARVALHO, Djalma Eutímio de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 44.Sob o aspecto formal e prático integram o indiciamento o interrogatório policial e a qualificação do investigado; a coleta de informes sobre sua vida pregressa e a elaboração do chamado Boletim de Identificação Criminal, que se compõe de informações de qualificação do indiciado, sinais característicos, infração penal atribuída, dados sobre o Inquérito Policial e outras informações  necessárias ao cadastro no sistema informatizado de antecedentes criminais, além da identificação datiloscópica, acaso o suspeito não seja civilmente identificado (art. 5º., LVIII, CF) ou, mesmo o sendo, desde que configurada alguma hipótese excepcional prevista na Lei 10.054/00. Bonfim destaca que o indiciamento enseja uma importante mudança no “status” de um investigado, pois se antes era um simples suspeito de haver perpetrado uma infração, migra agora para uma posição em que “passa a ser considerado provável autor da infração”. Valendo-se da doutrina de Sérgio M. de Moraes Pitombo, Capez aponta para o fato de que o indiciamento “contém uma proposição, no sentido de  guardar função declarativa de autoria provável”. Obviamente, tal declaração  está sujeita a avaliação posterior que pode considerá-la procedente ou improcedente, consistindo, portanto, “em rascunho de eventual acusação; do mesmo modo que as denúncias e queixas, também se manifestam quais  esboços da sentença penal”. Finalmente, cabe salientar que o ato do indiciamento não é regulado pela legislação processual codificada ou esparsa. Quanto a isso se manifesta Mirabete, afirmando: “não se refere a lei expressamente ao ato de ‘indiciamento’ do autor ou autores da infração”, embora mencione “em várias oportunidades, o ‘indiciado’ (artigos 6º., V, VIII, IX, 14, 15 etc.)” . Tal lacuna legal leva parte da doutrina a entrever uma séria ausência de fundamentação e até utilidade para a prática do ato de indiciar alguém no bojo de um Inquérito Policial. Fauzi Hassan Chouke assim entende, aduzindo que o indiciamento não se sustenta legalmente, além de ser despiciendo, já que não produz qualquer consequência relevante endoprocessual, pois não vincula o Judiciário ou o Ministério Público. Inobstante, trata-se, segundo o autor, de ato  constritivo que pode gerar inúmeros constrangimentos extraprocessuais, tais como a repercussão na sociedade, especialmente motivada pela imprensa e pelos meios de comunicação, os quais costumam atribuir ao indiciamento  maior relevância do que aquela que realmente tem na persecução criminal. Em suma, o ato do indiciamento seria carecedor de uma regulamentação legal pormenorizada, a qual estabelecesse seus requisitos, fundamentos, procedimento e consequências processuais.

3 – O INDICIAMENTO APÓS O ENCERRAMENTO DAS                        INVESTIGAÇÕES – A POSIÇÃO DO SUPERIOR                                TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 Essa lei dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências. BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 124. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 92.  MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 72. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. São Paulo: RT, 1995, p. 142 – 145.O Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência a respeito da questão do indiciamento operado a requerimento do Ministério Público, por  ordem judicial, após o recebimento da denúncia, manifestando-se reiteradamente pela configuração de constrangimento ilegal em casos que tais. Isso porque após o encerramento da fase investigatória, o ato de indiciar o réu torna-se “coação desnecessária e ilegal”.

Assim sendo, tem reconhecido o STJ que o ato pode ser sustado ou mesmo anulado pela via do “Habeas Corpus”. Esse entendimento apresentado pela jurisprudência do STJ encontra-se em plena consonância com o instituto do indiciamento, de acordo com sua natureza, características e titularidade. Ademais, revela sensibilidade daquele Tribunal Superior quanto ao necessário matiz garantista de um Processo Penal sustentado em bases constitucionais de um Estado Democrático de Direito. O indiciamento é um ato privativo da Autoridade Policial que o deve exercer de acordo com sua convicção, fiel à sua consciência e embasada em critérios legais consubstanciados na existência de um mínimo indiciário quanto à autoria, bem como prova da materialidade. O indiciamento ou sua abstenção refletem nos autos do Inquérito Policial a manifestação da Polícia Judiciária acerca das conclusões a que chegou por meio de suas investigações. Trata-se, pois, da manifestação conclusiva de uma Autoridade Administrativa ao desimcumbir-se de seu mister. Como se sabe tal manifestação não produz qualquer vinculação processual no seguimento da “persecutio criminis in juditio”. Dessa maneira, deve-se recordar que a palavra “Processo” tem origem etimológica no latim “procedere”, que significa “seguir adiante”, passando a idéia de uma “marcha avante”, “caminhada”. Ora, se assim é, não há razão plausível para que, superada a fase investigatória com a respectiva manifestação da Autoridade Policial, se retroceda para determinar o

indiciamento. Afinal, o processo é uma “marcha avante” ou um “vai – e – vem”, um “eterno retorno” ou coisa que o valha?

 STJ, HC 69.428/SP, 5ª. Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ05.02.2007, p. 320. STJ, HC 33.506/SP, 5ª. Turma, , Relator Ministro Gilson Dipp. Vejam-se ainda outras decisões no mesmo sentido: HC 28.003/SP, DJ15.12.2003, Relatora Ministra Laurita Vaz. HC 24.894, DJ.28.10.2003, Relator Ministro Felix Fischer. HC 10.340/SP, DJ22.05.2000, Relator Ministro HamiltonCarvalhido. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 8ª. ed. São Paulo: RT, 1991, p. 247. Frise-se que não se olvida que o processo não deve ser reduzido a uma seqüência ordenada de atos (procedimento). É hoje pacífico o entendimento de que o “Processo” propriamente dito deve ser dotado de uma “força que motiva e justifica a prática dos atos do procedimento, interligando os sujeitos processuais”. O Processo é encarado como essa sequênciancia ordenada, porém permeada por todo um conjunto principiológico que dá liga, fundamento e sustentação aos atos. E atualmente entende-se que esses princípios básicos são encontráveis na Constituição, daí falar-se em um “Direito Processual Constitucional”. No texto chamou-se atenção para a seqüência de atos adiante porque este aspecto é de interesse destacado para o argumento em discussão, mas sempre sem esquecer as características fundamentais daquilo que a doutrina mais atualizada denomina de “Processo”.Releva ainda sublinhar o fato de que a formulação extemporânea do indiciamento não exerce qualquer função no processo e nem mesmo no que diz respeito à manifestação formal do Estado – Polícia acerca do suspeito.

Como já mencionado, o indiciamento não é pré – requisito indispensável para a de um Processo Penal. Portanto, uma vez não levado a efeito no momento adequado, torna-se absolutamente dispensável sua realização. Ademais, no que tange à manifestação do Estado – Polícia acerca do caso, esta já se cristalizou quando do encerramento das perquirições sem o indiciamento. A realização do ato em cumprimento de ordem judicial expedida a requerimento do Ministério Público em nada altera aquilo que foi exteriorizado pela Autoridade Policial quanto à sua convicção jurídica pessoal. Se o Delegado de Polícia agora cumpre a ordem judicial, isso não implica na alteração do posicionamento firmado pelo Estado – Polícia por ele representado no  momento em que, adequadamente, deliberou pelo não indiciamento do investigado. Tanto isso é verdade que a autoridade coatora em casos que tais não será o Delegado de Polícia, mas sim aquele que expediu a ordem de  indiciamento, ou seja, o Juiz. Note-se ainda, por oportuno, que a obrigação imposta à Autoridade Policial pelo Judiciário de formular o indiciamento que entendeu, por sua livre convicção, no exercício de suas privativas atribuições, como indevido, vem, indubitavelmente, a ferir e usurpar a consciência jurídica da referida Autoridade.

Vale a pena ainda retomar o ponto defendido por Pitombo e reiterado por Capez, mencionado anteriormente. Ora, se nas palavras do primeiro o indiciamento seria um “rascunho” de “eventual acusação” a ser formulada em juízo, eis mais um evidente motivo a desaconselhar o retorno a essa fase já superada. Por que os operadores do Direito deveriam agir absurdamente, enquanto outros profissionais em regra não o fazem? Será que um arquiteto, estando pronto o projeto e até em andamento sua execução, voltaria à prancheta, não para alterar alguma coisa, criar algo novo, mas para fazer um esboço que antes não havia feito, já que as idéias lhe fluíram tão claras e diretas que partiu logo para o projeto?

Tudo isso revela a mais absoluta impropriedade e inutilidade do  indiciamento extemporâneo. E se o ato é inútil, ainda mais comportando carga coativa sobre o réu, é, por conseqüência, inadmissível perante as modernas  concepções garantistas do Processo Penal. Todo ato da persecução deve ter alguma utilidade ou finalidade no processo, vez que este é meio e não fim em si mesmo.

Bedaque chama a atenção para o estágio de evolução da ciência  processual no Brasil, pondo em relevo o caráter instrumental do Processo:

“A ciência processual no Brasil encontra-se na fase de sua evolução que autorizada doutrina identifica como instrumentalista. É a conscientização de

que a importância do processo está em seus resultados”.

 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 15.Admitir que alguém seja indiciado sem qualquer objetivo concreto, apenas como uma formalidade estéril que concretiza um ato de constrangimento gratuito, configura um verdadeiro absurdo em um Estado Democrático de Direito no qual o Processo Penal tem sua espinha dorsal delineada por princípios e garantias constitucionais, as quais, por seu turno, têm como uma de suas principais fontes o reconhecimento da dignidade humana como um valor inalienável e imprescindível. E não se argumente que o indiciamento, considerando o ato de identificação criminal, teria, a qualquer tempo, a finalidade administrativa de alimentar os bancos de dados dos Institutos de Identificação quanto às passagens criminais de pessoas investigadas e/ou processadas. Tal argumento não procede porque os juízos também alimentam os bancos de dados estatais responsáveis pelas respectivas folhas de antecedentes, de modo que não haveria qualquer prejuízo seja de ordem processual ou mesmo administrativa. Foi abordado neste trabalho o problema do indiciamento realizado extemporaneamente por ordem judicial quando já encerradas as diligências do Inquérito Policial sem a sua formalização a critério do Delegado de Polícia. Constatou-se que tal proceder é prática corriqueira adotada pelos operadores do Direito, embora em franca oposição à orientação jurisprudencial, com especial destaque ao Superior Tribunal de Justiça. Para o devido estudo da questão, perquirindo o que poderia fundamentar o entendimento jurisprudencial acima mencionado, empreendeu-se a uma análise das principais características, natureza e titularidade da atribuição decisória acerca do ato de indiciamento. Foi possível determinar que o indiciamento é um ato administrativo que se constitui na manifestação do poder decisório privativo da Autoridade Policial,  exercido no curso do Inquérito Policial, com fundamento legal na existência de prova da materialidade e indícios de autoria da infração penal; consistindo ainda na indicação de um então mero suspeito como provável autor do delito em apuração.  Tendo em vista essas características, o ato de indiciar alguém somente tem legitimidade no curso do Inquérito Policial a critério do Delegado de Polícia,  que deve agir pautado pela legalidade e por sua convicção jurídica pessoal. A realização extemporânea do ato em discussão configura claro constrangimento ilegal com relação ao suspeito e aviltamento da consciência   jurídica da Autoridade Policial. Deve-se ter em especial conta o Princípio da Instrumentalidade que  norteia todo o Processo Penal contemporâneo, de forma que qualquer ato coativo estatal despido de finalidade processual constitui inegável constrangimento ilegal sanável pela via do “Habeas Corpus”. Portanto, conclui-se que é escorreita a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a qual deve ser acatada pelos operadores do Direito e levada em consideração em suas atividades cotidianas que, assim, primarão pelo respeito a um devido processo legal que tem como linha mestra o Princípio Constitucional e Ético da dignidade da pessoa humana.

Cabe à análise do conceito de investigação criminal trazido à baila por MARCELO CAETANO GUAZZELLI PERUCHIN (1), Mestre em Ciências Penais pela PUC do Rio Grande do Sul, advogado criminalista: conjunto dos atos de natureza processual instrumentalizados ou preparatórios de eventual futura ação penal.

Analisando os mais recentes acontecimentos, com as diversas operações de grande vulto levadas a cabo pelo Departamento de Polícia Federal e com a desmistificação da atuação do Ministério Público na instauração e presidência de investigações criminais, urge analisar o papel do Inquérito Policial, presidido por Delegado de Polícia, dentro do contexto jurídico atual, e sua função na apuração de cometimentos de crimes dentro da estrutura da segurança pública. Cercado das mais diversas opiniões a respeito do tema, cumpre ressaltar algumas particularidades deste procedimento, na busca da verdade real pelo PODER JUDICIÁRIO e da atuação da Justiça na sociedade brasileira. Com as recentes alterações legislativas, como as que sofreu o interrogatório, o tema se torna ainda mais interessante.

O presente trabalho tem por fim levantar algumas questões acerca da atuação do Delegado de Polícia Federal na presidência do Inquérito Policial, bem como da necessidade do perfil jurídico deste profissional na coleta de provas, na seleção de diligências e, enfim, no direcionamento e condução das investigações neste procedimento, em adequação e sintonia com a futura ação penal a ser promovida pelo representante do Ministério Público, bem como na apuração da inocência do investigado. Frise-se, por máxima importância: o procedimento visa a apurar tanto autoria e materialidade de possível delito, fornecendo subsídios ao Parquet, como amealhar provas que possibilitem a defesa do investigado. Ou seja, não funciona somente como instrumento inquisitório estatal quando presentes indícios de que o acusado, investigado ou até mesmo indiciado não foi autor ou partícipe no ilícito penal. Por isso, a necessidade de maior abrangência do estudo deste tema.

Textos relacionados

A dignidade do adolescente autor de ato infracional. O Poder Judiciário como instrumento de efetivação

Depoimento sem dano. O olhar interdisciplinar na compreensão do delito e o respeito à dignidade da pessoa humana na inquirição de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual

A exclusividade da função de Polícia Judiciária da União pela Polícia Federal.

Uma análise crítica dos dispositivos constitucionais

Progressão de regime de cumprimento de pena e crimes hediondos e assemelhados. Sobre a Súmula 471 do Superior Tribunal de Justiça

Monitoramento estatal da comunicação oral do defensor com o defendido no processo penal. Violação a garantias constitucionais e a prerrogativas profissionais.

NOTAS BIBLIOGRAFICAS

PERUCHIN, Marcelo Caetano Guazzelli. Da ilegalidade da investigação criminal exercida, exclusivamente, pelo Ministério Público no Brasil. Revista Jurídica, vol. 315 (janeiro 2004) – p. 100/106.

Quer dizer, 90% das ações penais neste país são baseadas, quase que inteiramente, em Inquéritos Policiais. A expressão "mera peça informativa" deve ser modificada.

A comunicação ao Juízo deve ser feita em até 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de possível relaxamento do flagrante, em caso de ausência injustificada de comunicação. Ademais, no corpo do procedimento instaurado sob situação de flagrante delito, o indiciado, mesmo antes de ser interrogado pelo Delegado de Polícia Federal, recebe, assina e data, com a hora em que tomou conhecimento, documentos onde são informados a ele suas garantias constitucionais (onde figuram conquistas inquestionáveis da sociedade brasileira na busca pela proteção aos direitos do indiciado tais como, dentre outras, a ciência de que tem o direito de permanecer calado e de manifestar-se somente em Juízo, quem será a Autoridade Policial responsável por seu interrogatório e de que sua integridade física e moral será preservada) e quais as acusações que pesam contra ele. Falamos, respectivamente, da NOTA DE CIÊNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS e da NOTA DE CULPA, peças constantes de um Inquérito Policial instaurado através de Auto de Prisão em Flagrante.

Recurso Extraordinário nº 233.072-4/RJ, julgado em 18.05.1999, julgado pela segunda turma da Corte Suprema.

PERUCHIN - Op Cit. – p. 103.

Trata-se das fiscalizações referentes à produção e comercialização de produtos e insumos químicos controlados, às operações relativas ao controle de segurança privada, imigração (através, inclusive, da emissão de passaportes) e à emissão de portes e registros de armas através do SINARM.

LACERDA, Marcus Camargo de. O inquérito policial agora é legalmente contraditório. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 275, 8 abr. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5063>. Acesso em: 13 abr. 2004.

Auto de Prisão em Flagrante ou Auto de Qualificação e Interrogatório.

AZEVEDO, André Boiani e; BALDAN, Édson Luís. A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva (ou do direito de defender-se provando). Boletim do Instituto de Ciências Criminais, edição nº 137, ano 11, abril/2004, p. 6/8.

BEDAQUE, José dos Santos. Direito e Processo. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros,

2003.

BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva,2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva,2006.CARVALHO, Djalma Eutímio de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro:

Forense, 2007.

CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na Investigação Criminal.

São Paulo: RT, 1995.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,

Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 8ª. ed. São Paulo: RT, 1991.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006