A Difícil Tarefa Da Profissionalização Na Empresa Familiar
Publicado em 17 de novembro de 2008 por Sandra Regina da Luz Inácio
Um congresso internacional de administração me fez ver que não existe no idioma inglês uma tradução para o termo brasileiro “profissionalização”. Isso indica que esse vocábulo de fácil trânsito não passa mesmo de uma confusão semântica, pois ao tentar explicar tudo acaba não tendo precisão. Senão vejamos.
Profissionalização é o processo pelo qual uma organização familiar ou tradicional assume práticas administrativas mais racionais, modernas e menos personalizadas; é o processo de integração de gerentes contratados e assalariados no meio de administradores familiares; é a adoção de determinado código de formação ou de conduta num grupo de trabalhadores (exemplo: artistas); é a substituição de métodos intuitivos por métodos impessoais e racionais; é a substituição de formas de contratação de trabalho arcaicas ou patriarcais por formas assalariadas.
Na empresa familiar, profissionalização implica em três pontos básicos:
a) O sucesso em integrar profissionais familiares na Direção e na Gerência da Empresa;
b) O sucesso em adotar práticas administrativas mais racionais;
c) O sucesso em recorrer à consultoria e à assessoria externas para incorporar sistemas de trabalho já exitosos em empresas mais avançadas ou recomendadas nas universidades e nos centros de pesquisa.
Por mais acurado que seja o planejamento dessa profissionalização, os novos profissionais deverão ser integrados paulatinamente e com cuidado, sendo que cada erro é um reforço ao sistema anterior.
A questão dos profissionais não-familiares é delicada porque ela parte da premissa de que a família não é capaz de dirigir sozinho o negócio, seja porque não tem suficiente número de familiares, seja porque nem todos são competentes. O primeiro erro da profissionalização consiste em “massificar” ou em apressar o processo. Importante é começar com poucos e bons.
Cada profissional que fracassa é um reforço aos setores mais reacionários da família a esse processo de modernização. Além disso, sabemos que é muito fácil contratar e difícil demitir uma grande pessoa de destaque na sociedade: uma figura da administração pública, um oficial da reserva de uma corporação militar, um técnico famoso entre seus colegas de profissão. Na entrada para a empresa pode ter havido precipitação, entusiasmo, generosidade; na saída, há maneiras canhestras de conduzir o processo, deselegâncias, irritação.
O profissional passa a fazer parte de um triângulo nem sempre amoroso entre a Família, a Empresa e o Grupo dos Profissionais. Ele observa como a família se relaciona com a empresa e com os profissionais. Esse convívio nos três lados do triângulo começa com problemas quando a família traz o tipo de profissional errado: buscava-se um político, veio um executivo; buscava-se um executivo, veio um professor; buscava-se um consultor, veio um administrador.
O profissional entrou muitas vezes sem saber o motivo de sua escolha: foi uma imposição de um acionista, faz parte do aval do financiamento do BNDE, está sendo usado por uma facção familiar contra a outra, é “boi de praia” da presidência, ou tem os dias contados para passar o que sabe a um funcionário mais antigo.
O profissional da empresa familiar é o “homem do meio”. Como administrador entre a família e seus subordinados, ele cumpre seus objetivos administrando relações e tentando aperfeiçoar as demandas desses “públicos” nem sempre combinados:
- Relações para cima, com a família;
- Relações para baixo, com os subordinados;
- Relações para o lado, com os colegas.
É preciso reconhecer os requisitos desses três papéis, os objetivos e resultados esperados e, principalmente, reconhecer a dificuldade de conseguir um desempenho consistente em vistas de demandas conflitantes.
Além disso, o sucesso do profissional vai depender de sua capacidade de interpretar uma orientação muito abstrata de seus superiores e traduzi-la numa linguagem concreta de objetivos e metas para seus subordinados. Os superiores sabem o que querem, não tem idéia de como conseguir e esperam que o profissional o consiga. Os presidentes familiares muitas vezes projetam um ego idealizado nos profissionais, esperando que eles sejam figuras muito lógicas e mágicas.
No plano da delegação de autoridade, a empresa familiar age conservadoramente, ou seja, não dá autoridade e exige responsabilidade. O profissional reconhece que tem de fato uma responsabilidade muito maior que a autoridade que lhe foi conferida. A autoridade só virá com o tempo e com o subjetivo conceito “confiança e lealdade”. Não se pode exigir autoridade, pode-se conquistar com o tempo. Os superiores medem o sucesso em termos de “gols” e estão desatentos para saberem como foram obtidos. O exame crítico do “jogo do meio de campo” só é feito neste país futebolístico quando não houve gols.
A empresa oferece-se muitas vezes como a esfinge de Édipo: decifra-me ou te devoro. O novo profissional conhece pouco sobre o histórico das decisões, sobre os dados de produção e vendas, sobre as oportunidades e ações passadas. Partindo de informações contraditórias, fragmentárias, mal-armazenadas e nem sempre óbvias, o profissional deve agir. Ele está preso entre os cornos do dilema: se for esperar pela compilação dos dados é tarde demais, se agir logo pode cometer erro.
Na dúvida, é importante agir. Além disso, o profissional deve saber conviver numa atmosfera política muito sutil onde há diferentes interesses e grupos de pressão, onde os familiares podem ter ambições pessoais conflitantes, onde há posições fortes e posições fracas ostentando poder aparente. Exige-se do profissional que, não parecendo ser político, aja como tal, tendo consciência da configuração dentro da empresa.
Para concluir, desejo formular algumas recomendações para a empresa familiar:
1. Defina o seu objetivo ao contratar um Profissional.
2. Conceitue o cargo antes de procurar o homem.
3. Especifique o tipo de pessoa adequado.
4. Defina o apoio e as condições de trabalho que serão dados.
5. Dê-lhe apenas um superior imediato.
Do outro lado, o Profissional é parcialmente responsável pelo sucesso de sua integração na empresa. Por isso espera-se que ele:
1. Defina bem o cargo para o qual está sendo contratado.
2. Descubra quem manda, quem quer o quê, como se decide.
3. Especifique os resultados esperados.
4. Considere as contradições da situação: família, subordinadas, colegas.
5. Perceba a existência de um sutil sistema político.
6. Exponha ás pessoas a expectativa do seu papel e obtenha confirmação.