1 Introdução

 

            A Constituição Federal de 1988 foi elaborada em um período de plena ebulição democrática, no qual o país finalmente vencia a ditadura que lhe fora imposta por mais de vinte anos. Neste ínterim, a assembléia nacional constituinte, como era de se esperar no momento histórico vivido, buscou trazer a maior liberdade cidadã que conseguiu conceber sem, todavia, esquecer-se dos avanços já vividos em outras nações no que tangenciasse os direitos sociais – conhecidos como direitos de segunda dimensão, que incluem também os direitos econômicos, e culturais - . Seguindo tal linha principiológica, tem-se como grande marco o art. 5º da CR , que informa em seu caput:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

Para cumprir a igualdade proposta, diversas foram as alterações nos mais variados ramos do direito: homens e mulheres devem possuir o mesmo salário quando ocuparem o mesmo cargo (trabalhista); o fim da utilização do termo “mulher honesta” para fins penais; a dependência dos homens e das mulheres para fins previdenciários passou a ser igual.

Nota-se, entretanto, que a igualdade foi traçada de maneira aristotélica, buscando tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, a medida em que se desigualam. Desta forma, o trabalhador rural e o urbano possuem adicional noturno, diferindo-se este em seu horário de início para um e para outro, atendendo as peculiaridades de cada ramo.

Apesar dos diversos avanços obtidos, a assembléia constituinte estava em um período de intensas mudanças, sendo inteligível que alguns pontos passassem por ela desapercebidos: dentre eles a igualdade – aristotélica ou não – entre as propriedades imóveis urbanas e rurais.

 

 

 


 

2 Desenvolvimento

 

O Código Civil define em seu art. 1228, caput, o que é propriedade, através da delimitação  dos poderes do proprietário:

 

O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

 

Inserido no Livro III do Código Civil, encontram-se ainda algumas modalidades de usucapião, que diferenciam-se entre urbana e rural, por atenderem diferentes requisitos, como o tamanho do imóvel no qual deseja-se utilizar-se do referido instituto para aquisição da posse. Neste ponto, a lei segue os ditames da Constituição, observando as peculiaridades de cada propriedade; o próprio art 183 da CR faz menção à usucapião urbana, lembrando-se de diferencia-la da rural.

O próximo artigo da Carta Magna abre um novo capítulo, qual seja, “DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA”, e é este tópico – desapropriação da propriedade rural para fins de reforma agrária – que não encontra equivalência com a desapropiação da propriedade urbana para uma possível, e necessária, Reforma Urbana.

O art. 182, § 4º, III da Carta Magna poderia ser citado agora, mas esbarra-se em na competência para a desapropriação que torna a distância entre as duas propriedades tão grande: enquanto a Constituição preve a desapropriação agrária pela União, a desapropriação da propriedade Urbana é dependente de legislação complementar, de autoria do Município. Nas palvras de Maria Etelvina B. Guimaraens:

Nesse sentido o art. 182 da Constituição Federal , em seu parágrafo 4º. criou instrumentos a serem utilizados pelo Poder Público Municipal para incidir diretamente sobre a propriedade urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada: o parcelamento e a edificação compulsórios sob pena de incidência de IPTU progressivo no tempo e desapropriação.

Mas quando criou o instrumento, a Constituição remeteu à lei federal o estabelecimento das normas gerais, motivo pelo que, para muitos municípios, a sua aplicação ficou “em compasso de espera”, aguardando a edição da lei federal.

 

Sem esta ação do Município para reorganizar as cidades urbanas, as mesmas crescem cada vez mais com aglomerados irregulares, além de ocorrer a supervalorização imobiliária: com menos moradias disponíveis, o valor do imóvel disponibilizado no mercado se estabelecerá maior, pelo princípio básico da economia, a lei da oferta e da procura.

A utilização da desapropriação de imóveis urbanos para gerir as cidades mostra-se desta forma, não apenas um instrumento jurídico para fazer cumprir a proposta da função social da propriedade, como também instrumento de proteção à própria economia, para impedir um aumento imprórprio do valor imobiliário.

 

 

3 Conclusão

 

Um latifundiário deve manter suas terras produtivas, para que elas não sejam tomadas pelo Governo, mas um proprietário de diversos imóveis urbanos consegue mantê-los desocupados, por ausência de legislação municipal.

Há cidades em que a legislação complementar fora aprovada e está em vigor, com o IPTU progressivo precedendo a desapropriação, como é o caso do Município de Porto Alegre e da cidade de São Paulo, mas esses são casos de exceção, e não de regra.

Com o tratamento diferenciado entre as propriedades urbanas e rurais, dado pela própria Constituição, torna-se sedimentada a diferença  entre ambas, fazendo com que um proprietário de imóveis urbanos o possa ser sem cumprir a função social do seu bem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

 

CIVIL, Código (2002). Código Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 15ª edição, 2009

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro . São Paulo: Editora Saraiva, 5ª edição, 2010.

 

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Método, 2009, 3º ed., 362/364.

 

OSÓRIO, Letícia Marques. Estatuto da cidade e reforma urbananovas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2002. 278p.