RESUMO

O Direito sucessório no que diz respeito a sucessão do cônjuge e do companheiro não foi tratado de forma igual entre um e outro. Muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha conferido tratamento igual ao união estável, o Novo Código Civil assim não o fez, deixando o convivente em situação abaixo dos que contraem matrimonio. Dessa forma a doutrina e a jurisprudência trazem interpretações diferentes do que diz a letra fria da lei, inclusive no que tange aos direitos sucessórios da união entre pessoas do mesmo sexo. Diante desse cenário necessário se perfaz alternativas, sendo que a mais aceita e segura é o testamento, assegurando, desta maneira, o sustento do companheiro após o falecimento do outro convivente. 

Palavras-chave: Sucessão, concorrência sucessória, sucessão do cônjuge, sucessão do companheiro.

ABSTRACT

The law of succession with regard to succession of spouse and partner was not treated equally between them. Although the Federal Constitution of 1988 has given the same treatment as stable, the New Civil Code did not do so, leaving the cohabitant in a position below contract that marriage. Thus the doctrine and jurisprudence bring different interpretations of what the letter says cold of the law, including those related to inheritance of marriage between same sex. Given this scenario makes it necessary alternatives, and the most accepted and safe is the will, ensuring in this way, keep companion after the death of another partner. 

Keywords: Succession, competition succession, spousal succession, succession fellow.

INTRODUÇÃO 

A sucessão é tema da maior importância no ordenamento jurídico, visto que além da certeza de sua aplicabilidade a quase todos os indivíduos na sociedade, implica numa série de interpretações normativas a fim de se verificar a aplicabilidade para cada caso concreto.

Concorrência sucessória se dá quando do falecimento de alguém se abre a sucessão. O legislador disciplinou no art. 1829 do Código Civil as pessoas que serão chamadas a suceder de forma necessária na titularidade dos bens deixados pelo de cujus.

Existe uma ordem disciplinada no supracitado dispositivo de lei que determina o chamamento daqueles que podem vir a ter direito de herdar os bens deixados pelo falecido. Primeiramente serão chamados os descendentes, depois os ascendentes e por último o cônjuge. E é exatamente sobre este último que pairam as maiores polêmicas acerca do assunto, sobretudo no que diz respeito à exclusão do companheiro nessa linha sucessória, sendo colocado em certa desvantagem com relação ao cônjuge.

Este artigo de lei aparenta conflitos com outros preceitos do próprio Código Civil, como por exemplo, a meação dos bens adquiridos na constância do casamento, sobre quais bens recairá esse direito de herança, bem como os direitos do companheiro, que fora discriminado com relação as outras modalidades de união, se pautará o presente projeto de monografia, tentando discorrer sobre essas e outras questões relativas a concorrência sucessória do cônjuge.

Recentemente históricas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, também estenderam a proteção conferida a união estável, e até mesmo o direito de contrair matrimonio às pessoas do mesmo sexo.

Nesse cenário surgem algumas divergências, provocadas, sobretudo, pela problemática criada pela legislação ou pela sua falta, como é o caso da união homoafetiva, onde o judiciário chama para si a responsabilidade de suprir as lacunas existentes.

Outro ponto que pode ser citado é o fato da Constituição Federal em seu artigo 226 colocar o companheiro em posição igual ao cônjuge, preceito que é seguido pelo Código Civil ao disciplinar as mais variadas matéria, porém não acontecendo o mesmo no que diz respeito ao direito sucessório. Daí a importância da interpretação doutrinária e jurisprudencial a fim de conferir a necessária proteção aos conviventes, ainda que não uniforme, porém convergindo parao mesmo caminho

Por esses motivos o presente tema de estudo se mostra muito rico na busca de conhecimento nessa área tão dinâmica e controversa do direito civil brasileiro, buscando o enriquecimento pessoal acerca do assunto muito presente na vida profissional de quem lida com a justiça.

No presente trabalho desenvolvido através de extensa pesquisa será exposto, principalmente, a diferença de tratamento para com o companheiro em relação ao cônjuge, se aventurando ao final, até mesmo a propor uma saída alfim de proteger os conviventes, ainda que represente uma exceção pouco usada em nossa realidade, ao menos por hora.

 

 

 

 


 

1     O DIREITO SUCESSÓRIO E SUA EVOLUÇÃO

 

O direito civil é o ramo do direito que trata das relações entre particulares, entre cidadãos, das relações entre pessoas físicas entre si, ou físicas com jurídicas, ou jurídicas com jurídicas.

A principal norma acerca do direito civil é a lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro, que por sua vez é dividido em duas partes: geral e especial.

O direito civil é subdivido em vários ramos, tanto para facilitar seu estudo, como para sistematizar sua organização, comumente como conhecemos no Código Civil. Tais quais, de uma forma básica pode-se elencar os seguintes: coisas, família, empresa, contratos e sucessão.

Dentro todos esses ramos o que interessa ao presente trabalho é o direito sucessório e, mais especificamente, como veremos adiante, a sucessão causa mortis, diferenciada da sucessão que também pode acontecer entre vivos, como por exemplo, numa compra e venda.

Em sentido amplo suceder é substituir, ocupar o lugar de outro na esfera jurídica, ou seja, há a substituição do titular de determinado direito. Sempre que uma pessoa tomar o lugar de outra em uma relação jurídica, há uma sucessão.

 

Num sentido amplo, a palavra sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhes competiam. Nesse sentido se diz, por exemplo, que o comprador sucede ao vendedor no que concerne à propriedade da coisa vendida. De forma idêntica, ao cedente sucede o cessionário, o mesmo acontecendo em todos os modos derivados de adquirir o domínio ou o direito.

MONTEIRO, 2000, p. 1.

 

Porém, no direito há que distinguir duas formas de se suceder: a sucessão entre vivos, como ocorre num contrato de compra e venda, por exemplo, e a que tem origem a morte de alguém, causa mortis, assim transferindo os direitos e obrigações do falecido aos herdeiros e legatários.

 

O direito das sucessões vem a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou testamento (CC,art. 1.786). Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro.

DINIZ, 2010, p. 3.

 

O que interessa ao presente trabalho é a definição segundo a ciência jurídica, para ela sempre que se refere a direito das sucessões, estará se discorrendo acerca de um campo restrito do direito civil, qual seja: a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte de alguém, o direito hereditário, se diferenciando do sentido lato de sucessão, também aplicado à modalidade entre vivos.

 

A sucessão, no questionado ramo do direito civil, tem, pois, como pressuposto, do ponto de vista subjetivo, a morte do autor da herança. Antes desse evento, o titular da relação jurídica é o de cujus (abreviatura da expressão de cujus hereditatis agitur). Depois dele, o herdeiro torna-se titular, sucedendo ao defunto, tomando-lhe o lugar e convertendo-se assim no sujeito de todas as relações jurídicas, que a este pertenciam. O herdeiro substitui, destarte, o falecido, assumindo-lhe os direitos e obrigações. Em matéria sucessória, não vige, portanto, o velho preceito mors omnia solvit.

MONTEIRO, 2000, p. 1.

 

A origem dom direito sucessório é de longa data, remonta a atinguidade, parecendo que se prende à comunidade da família, de que constituiria prolongamento natural[1].

O ramo do direito das sucessões foi o que mais sofreu alterações no campo do direito civil, mais do que ocorreu com o direito das obrigações e do direito real. Isso ocorreu, pois num primeiro momento, a sucessão causa mortis não transferia tão somente o patrimônio do falecido para seu herdeiro, mas tudo o que lhe pertencia, seja nas relações jurídicas ou não, como, por exemplo, a religião que o morto seguia. Dessa forma era garantida a sucessão da família, ou seja, de toda a esfera familiar[2].

Na Roma antiga acreditava-se que a morte sem sucessão extinguiria a família, visto que o culto familiar, praticado individualmente por cada família era independente do culto geral praticado por determinada sociedade. Nesse mesmo liame, importante ressaltar que a transmissão só se operava na linha masculina, pois segundo a cultura romana, com o casamento a filha deixaria a família do pai para assumir a religião do marido[3]. Importante mencionar que nos tempos atuais, somente em alguns países ainda persiste a desigualdade entre sexos na hora da partilha, tais como Escócia, Sérvia, também em países islâmicos, onde o varão recebe duas partes equivalentes a uma parte que uma mulher recebe[4].

 

No direito Romano, a sucessão testamentária era regra, daí a grande importância do testamento na época. Isso era conseqüência da necessidade de o romano ter sempre, após sua morte, quem continuasse o culto familiar. Pelas mesmas razões tinha importância o instituo da adoção. A propriedade e o culto familiar caminham juntos. A propriedade continuava após a morte, em razão da continuidade do culto.

VENOSA, 2010, p. 3.

 

Além do interesse em manter o culto familiar, também havia a preocupação dos credores em cobrar seus créditos após a morte do devedor, portanto, sendo possível a cobrança através do herdeiro, já que tudo era transmitido a este[5].

Ademais a preferência do varão em ser herdeiro, entre os homens também havia certa preferência de um para o outro, no que tange ao primogênito que deveria receber a totalidade da herança, deixando os demais sem nada, na pobreza. Tal instituto, atualmente, só tem certa aplicabilidade na Escócia, porém, de uma forma geral acabou superado e ultrapassado no direito civil em quase todo o mundo[6].

Outras características expressivas e extremas do direito sucessório eram encontradas, conforme MONTEIRO[7], no direito francês, onde havia diferenças na sucessão de nobres e plebeus, e também, havia vários ordenamentos jurídicos disciplinando a matéria conforme a região, o que só se uniformizou com a promulgação do Código de Napoleão.

Em contrapartida ao direito romano, o germânico ignorava a sucessão testamentária, ou seja, só eram herdeiros, os por vínculo de sangue, “filhos feitos por Deus”, o que permanece até hoje no pensamento camponês alemão[8].

Ao passo que, diante da diversidade de ideias, ambas foram se moldando a fim de se reunirem num único ordenamento jurídico:

 

Da luta entre as duas mentalidades resultou afinal sua fusão, de modo que o direito sucessório contemporâneo se acha igualmente impregnado por ambas as concepções: os parentes, herdeiros pelo sangue, são os sucessores legítimos, se não houver testamento, ou se este não prevalecer.

MONTEIRO, 2000, p. 4.

 

Dessa forma é que se encontra o direito sucessório hoje em dia, ao menos na maioria dos ordenamentos jurídicos, ressalvadas raras exceções, conforme já explicitadas anteriormente.

Ou seja, se haver testamento, será feita a vontade do testador, caso não tiver se recorrerá a ordem sucessória para se apurar quem terá direito a receber a herança. É o que ocorre no direito sucessório brasileiro, após este sofrer algumas evoluções no decorrer do tempo.

 

 

2     A ABERTURA DA SUCESSÃO E O PRINCÍPIO DE SAISINE

 

A abertura da sucessão se dá quando do óbito da pessoa, ou seja, quando comprovado por meio biológicos, através da medicina legal, que houve o evento morte, e no plano jurídico, através da certidão de óbito. É nesse momento que há o nascimento do direito hereditário.

 

De acordo com o princípio de saisine, a posse e a propriedade do patrimônio da pessoa transmitem-se de forma automática, apenas em razão do evento morte, de pleno direito, independentemente de qualquer formalidade, operando a transmissão até mesmo diante do desconhecimento do herdeiro da abertura da sucessão. Nesse caso, necessita-se apenas que o sucessor sobreviva ao de cujus, nem que seja por uma fração de segundos.

LEITE, 2008, p. 9.

 

O art. 1.784 do Código Civil assim aduz: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Pela análise desse dispositivo legal, logo se conclui que o legislador brasileiro adotou o princípio de saisine, pois, como vemos assim que há a morte natural da pessoa seus bens transferem-se automaticamente a quem tiver direito, sejam eles herdeiros ou legatários.

O Código Civil traz em seu artigo 6º a definição de quando termina a existência da pessoa natural: “A existência da pessoa natural termina com a morte, presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”[9].

Por seu turno, também, o Código Civil traz as hipóteses em que pode ser declarada a morte presumida, mesmo sem que haja a decretação de ausência, em seu artigo 7º, onde em seus incisos prevê nas seguintes hipóteses: “I – se for extremamente provável a morte de que estava em perigo de vida; II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o termino da guerra”[10].

Importante é, do mesmo modo, a solução encontrada para casos de morte ocorrida na mesma ocasião, quando não é possível se verificar qual dos dois indivíduos veio a óbito primeiramente, caso aonde irão se presumir simultaneamente mortos. É importante tal instituto, visto que se um dos cônjuges falece antes do outro, sem contudo deixarem descendentes, haverá diferença na sucessão dos ascendestes, como se observará em momento oportuno[11].

No caso de ausentes será nomeado curador para seus bens e, após passado um ano, ou três caso tenha nomeado procurador, poderão os interessados requerer a sucessão provisória, caso prestem a devida caução, e decorridos mais dez anos poderão requerer que se decrete a sucessão definitiva, podendo levantar essa caução[12].

 

 

3     A HERANÇA

 

Herança é a compreensão dos bens do de cujus, que nada mais é que a expressão usada para se referir ao morto, a pessoa detentora dos bens até então, que por sua morte, ‘deixa’ para seus sucessores, legais ou testamentários, a totalidade ou uma fração dos bens compreendidos nessa herança. Assim sendo pode-se concluir que a herança é o patrimônio do morto, do de cujus.

Numa acepção processualista essa herança é conhecida como espólio, que continua sendo o patrimônio do de cujus, porém representado pelo inventariante perante o juiz (art. 12, V, do CPC).

 

A compreensão da herança é de uma universalidade. O herdeiro recebe a herança toda ou uma quota-fração dela, sem determinação de bens, o que ocorrerá somente na partilha. O herdeiro pode ganhar essa condição por estar colocado na ordem de vocação hereditária (art. 1.829) ou por ter sido aquinhoado com uma fração da herança por testamento. A figura do legatário só pode derivar do testamento. O legatário recebe coisa ou coisas determinadas do monte hereditário. Por isso o herdeiro é sucessor universal do de cujus; o legatário é sucessor singular, como estudaremos

VENOSA, 2010, p. 7.

 

Dessa forma, a herança se difere do legado, pois enquanto aquela é a titulo universal, este é individualizado e certo, descrito no testamento[13] [14].

A noção de universalidade diz respeito a herança ser um total de bens que é denominado processualmente espólio, e o espólio, por sua vez, pertence em sua totalidade a cada um dos herdeiros, ao menos enquanto não houver a partilha, que se dará ao longo do curso do inventário[15], seja por comum acordo entre os herdeiros ou por imposição do juiz, caso haja divergências.

A sucessão conforme se presta de forma hereditária ou legatária recebe a classificação em a título singular, ou então, a título universal. 

Dar-se-á a título singular a sucessão do legado, haja vista a pessoa suceder o de cujus na titularidade acerca de determinado bem ou direito, sendo este bem ou direito perfeitamente individualizado[16]. Tal qual é a definição de Silvio Rodrigues acerca da sucessão a título singular:

 

A sucessão se processa a título singular quando o testador se dispõe a transferir ao beneficiário um bem determinado, como, por exemplo, na cláusula testamentária que deixa a alguém um automóvel, determinado prédio, certas ações de companhia etc.

RODRIGUES, 2007, p. 17

 

Por sua vez, a sucessão a título universal se opera na sucessão hereditária. A pessoa não sucede determinado bem ou direito, mas sim é legitima herdeira do espólio como um todo. Essa individualização só ocorrerá após a partilha, sendo essa consensual ou judicial.

O herdeiro poderá aceitar ou renunciar a herança que lhe é oferecida. Sobre a aceitação trata-se de ato pelo qual o herdeiro manifesta sua intenção em receber a herança. Acerca da aceitação Silvio Rodrigues conceitua:

 

Em rigor, trata-se apenas de uma confirmação, pela qual o beneficiário revela sua intenção de acolher a sucessão que lhe é deferida, pois a aquisição de direitos sucessórios não depende da aceitação. Realmente, o domínio da herança é adquirido pelo herdeiro no momento exato da morte do finado. Ora, se a herança se incorpora incontinenti e por força de lei ao patrimônio do herdeiro legítimo ou testamentário, a aceitação representa apenas um ato de vontade revelador da anuência do beneficiário em receber a sucessão.

RODRIGUES, 2007, p. 53.

 

E ainda, sobre a renúncia da herança o autor conclui:

 

É o ato solene pelo qual uma pessoa, chamada à sucessão de outra, declara que a não aceita. (...) A renúncia da herança foi acima definida como ato solene, porque depende de forma prescrita em lei. Com efeito, ela só se aperfeiçoa se levada a efeito mediante instrumento público, ou termo nos autos (CC, art. 1.806).

RODRIGUES, 2007, p. 53.

 

Como assevera Silvio Rodrigues a renúncia só produzirá efeitos caso se revista de forma solene, ou seja, se feita através de escritura pública, onde o herdeiro manifestará de forma inequívoca sua intenção em não receber a herança que lhe oferecida. Assim sendo, a declaração deverá ser feita perante o tabelião ou o juiz.

Porém, em algumas ocasiões, o legislador impôs restrições na liberdade em renunciar a herança, é o caso do cônjuge:

 

Entretanto, tendo em vista que o Código Civil classifica o direito à sucessão aberta como bem imóvel (art. 80, II) e considerando que o cônjuge não pode, sem consentimento do outro, alienar bens imóveis (art. 1.647,I), a renúncia da herança, efetuada por pessoa capaz, depende do consentimento do consorte, exceto no regime da separação absoluta (art. 1.647, caput, parte final, e 1.687)[17].

 

Outra restrição diz respeito aos credores, quando estes se sentirem prejudicados pela renúncia de um devedor seu renunciar a herança, estes poderão aceitar a herança no lugar daquele, ainda que tal instituto entre em conflito com o princípio de que ainda não é herdeiro quem ainda não recebeu a herança[18].

Por fim cumpre destacar que a renúncia é irrevogável, tal qual ensinamento de Silvio Rodrigues: “A renúncia é irretratável, pois, tratando-se de ato jurídico unilateral, ele se aperfeiçoa desde o momento da emissão solene da declaração de vontade, gerando, desde então, todos os efeitos dele decorrentes”[19].

 

 

4     TESTAMENTO E LEGADO

 

Testamento é o instrumento pelo qual determina pessoa dispõe de todo, em caso de não haver herdeiros legais, ou em parte de seu patrimônio, reservada, é claro, a parte dos herdeiros legítimos, assim compreendidos conforme a lei. Também pode fazer certas estipulações de cunho não patrimonial, como, por exemplo, última vontade, modo como quer ser sepultado, reconhecimento de filiação etc. [20].

O testamento se manifesta como a última vontade do testador, não importando quando o tenha confeccionado:

 

Os efeitos do negócio principiam unicamente após a morte do testador. Seja qual for o momento em que a vontade tenha sido emitida, é sempre a vontade extrema do testador, sua última vontade, por maior que tenha sido o intervalo entre a manifestação volitiva e sua eficácia. Será sempre a última vontade, ainda que o testador tenha praticado no final de sua adolescência e venha a morrer em idade provecta.

VENOSA, 2010, p. 184.

 

Ao seu turno, o legado diz respeito a sucessão testamentária, ou seja, recai sobre coisa certa e determinada. É uma disposição testamentária pela qual o testador ‘deixa’ para determinada pessoa algum objeto ou uma cifra em dinheiro.

Nesse sentido Maria Helena Diniz assevera acerca das diferenças entre herança e legado:

 

Não há que se confundir herança com legado. A herança compreende a sucessão legal ou testamentária, incidindo na totalidade dos bens do de cujus ou numa quota-parte ideal deles, embora com a partilha, o direito do herdeiro fique circunscrito aos bens que lhe forem atribuídos. Dessa maneira, o herdeiro sucederá ao auctor sucessionis em seus direitos, obrigações e até mesmo em seus débitos, desde que não sejam superiores às forças da herança. Já o legado é típico da sucessão testamentária, recaindo, necessariamente, sobre uma coisa certa e determinada ou uma cifra em dinheiro, sendo, por isso, uma sucessão causa mortis a título singular, assemelhando-se a uma doação, dela diferindo pelo fato de ser ato unilateral e produzir efeitos apenas com o falecimento do de cujus.

DINIZ, 2010, p. 321.

 

O legatário, como é chamado aquele que recebe algo de um testamento, ao contrário do herdeiro, não recebe a herança, mas sim o legado. Legado é determinada coisa individualizada dos bens do de cujus, destinada a determinada pessoa, conhecida como legatário.

Dessa forma o legado fica claramente caracterizado como uma disposição testamentária a título singular:

 

O legado é, portanto, a disposição testamentária a título singular, pela qual o testador deixa pessoa estranha ou não à sucessão legítima um ou mais objetos individualizados ou certa quantia em dinheiro. P. ex.: o prédio da Rua Senador Feijó, n. 130, tal automóvel, tal loja, a quantia de 200 mil reais, enfim, qualquer coisa precisa, certa ou determinada, seja ela um imóvel, móvel ou semovente, um crédito, uma ação, uma prestação de fazer ou não fazer etc., desde que não envolva negócio, venda ou cessão.

DINIZ, 2010, p. 322.

 

O testamento pode ser revogado em seus aspectos patrimoniais, desde que feito isso em vida pelo testador. Algumas disposições não podem ser jamais revogadas, como por exemplo, o reconhecimento de um filho.

 

 

5     A VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E OS HERDEIROS NECESSÁRIOS

 

Caso o de cujus não tenha testado seus bens em vida a lei determina a ordem pela qual serão chamados a suceder os herdeiros, dessa forma preceitua o art. 1.829 do Código Civil brasileiro:

 

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

 

A regra geral, segundo VENOSA[21], é que os mais próximos excluem os mais remotos, ou seja, havendo descendentes, os ascendentes não serão chamados e assim por diante.

Ao seu tempo, Glauber Salomão Leite, assevera da seguinte forma acerca da preferência de alguns herdeiros sobre os outros no momento da sucessão:

 

Dentre os herdeiros legítimos, alguns se colocam apenas em situação de prioridade em relação aos demais, são os herdeiros facultativos, ao passo que outros recebem uma tutela jurídica mais efetiva, pois figuram em posição de privilégio em vista da vontade do autor da sucessão, posto que não podem ser afastados do recolhimento da herança, por testamento, são os denominados herdeiros necessários.

LEITE, 2008, p. 50-51.

 

O legislador dedicou tratamento desigual para com o companheiro, pois como será analisado oportunamente, este só será chamado a suceder caso não haja nenhum parente do falecido, nem mesmo um colateral que seja, recebendo tão somente assim a metade a que tem direito dos bens adquiridos onerosamente na constância da união.

Dá-se o nome de sucessão legítima a parte garantida aos herdeiros necessários:

 

Há herdeiros ditos necessários: os que não podem ser afastados totalmente da sucessão. São, na lei de 1916, os descendentes e ascendentes (art. 1.721). No Código de 2002, atendendo aos reclamos sociais, o cônjuge também está colocado como herdeiro necessário, quando herdeiro for considerado (art. 1.845). Havendo essas classes de herdeiros, fica-lhes assegurada, ao menos, metade dos bens da herança. É o que se denomina legítima dos herdeiros necessários. A outra metade fica livre para o testador dispor como lhe aprouver.

VENOSA, 2010, p. 117.

 

Assim, como visto anteriormente, garantida está a metade dos bens do falecido aos herdeiros necessários, assim definidos na ordem de vocação hereditária, já a outra metade, o testador pode dispor como lhe aprouver, deixando bens ao legatário, conceituado nesse trabalho.

A ordem da qual trata o artigo 1.829 do Código Civil pode ser alterada em se tratando de bens de estrangeiro no Brasil, conforme ensina RODRIGUES[22] caso o defunto for casado com brasileiro ou brasileira, ou tiver algum filho nascido no país, e a lei de seu país de origem se mostrar mais favorável é ela que será aplicada. Tal preceito está firmado, lembra o nobre doutrinador, no inciso XXXI do artigo 5º da Constituição Federal, qual também no artigo 10, § 1º, da Lei de Introdução às Leis Brasileiras.

Por fim é de se concluir que sendo a lei nacional mais favorável do que a estrangeira, aquela terá sua aplicabilidade suspensa, visto que a lei é clara ao dispor que somente em caso de lei estrangeira mais favorável é que está incidirá.

 

 

6     SUCESSÃO DOS DESCENDENTES

 

Os descendentes são herdeiros preferenciais, haja vista serem chamados a suceder o de cujus em primeiro lugar. Fazem parte da primeira classe de sucessores composta por filhos, netos, bisnetos, trinetos etc[23]. Importante, do mesmo modo, ressaltar que outra ‘vantagem’ conferida pelo legislador aos descendentes é de que o autor da herança não poderá dispor em testamento mais que metade de seus bens, sendo assegurando, portanto, participar da sucessão de pelo menos de 50% (cinqüenta por cento) dos bens do morto.

 

Serão chamados a suceder os descendentes mais próximos em grau, em relação ao autor da herança, preferindo-se, com isso, os descendentes em grau mais distante. Desse modo, se o hereditando deixou filhos e netos, toda a herança será destinada aos primeiros, em respeito à regra de que a herança será destinada aos herdeiros mais próximos, em prejuízo dos sucessores mais remotos. Igualmente, se os únicos sucessores do de cujus forem netos e bisnetos, aqueles ficarão com todo o patrimônio.

LEITE, 2008, p. 55.

 

Assim sendo, além da preferência em relação a ascendentes e colaterais, dentro da classe dos descendentes, uns preferem aos outros, sempre tendo preferência os parentes mais próximos. Nesse sentido aduz o art. 1.833 do Código Civil: “Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação”[24]. Havendo vários parentes de mesmo grau a herança se divide em partes iguais para cada qual, conforme pensamento ilustrado por Glauber Salomão Leite:

 

Havendo vários descendentes do mesmo grau, eles sucedem por direito próprio, sendo a herança partilhada por cabeça. Assim, se a herança couber a quatro filhos do falecido, será dividida em quatro partes rigorosamente iguais, uma vez que, na partilha por cabeça, o patrimônio é sempre fracionado em tantas partes quanto for o número de herdeiros.

LEITE, 2008, p. 55.

 

Neste diapasão, cada herdeiro sucede por direito próprio, porém pode haver representação[25], caso, por exemplo, o falecido ter tido cinco filhos, e ao tempo de sua morte, um deles já ser morto e ter deixado dois filhos, netos do de cujus. Assim, a herança será dividida em cinco partes iguais, e uma parte será destinada aos netos, representantes do herdeiro.

Diferentemente, em se constatando na sucessão descendentes de graus diversos divide-se os quinhões pelo número de linhagens, nesse sentido Maria Helena Diniz (DINIZ, 2010, p. 111) explica e exemplifica:

 

Entretanto, se à herança concorrerem descendentes de graus diversos, a sucessão processar-se-á por cabeça ou estirpe (CC, art. 1.835). Nesse último caso os quinhões dos herdeiros se calculam dividindo-se o monte-mor pelo número de linhagens do de cujus. P. ex., se o finado tinha dois filhos vivos e três netos, filhos do filho premorto, a herança dividir-se-á em três partes. As duas primeiras partes cabem aos filhos vivos do de cujus, que herdam por cabeça, e a terceira pertence aos três netos, que dividem o quinhão entre si e sucedem representando o pai falecido, dado que os filhos são parentes em primeiro grau e os netos, em segundo.

 

Ao passo que se o genitor não deixar filhos, mas apenas netos, esses o sucederão por cabeça, e deixando netos e bisnetos, aqueles herdarão por cabeça e esses dividirão o quinhão cabível ao neto premorto que descendem e representam[26].

Importante, por último, deixar frisado que o filho adotivo terá o mesmo tratamento dos demais que eventualmente o de cujus tiver, conforme a própria Constituição Federal, em seu artigo 227, § 6º: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”[27]. O dispositivo constitucional, inclusive, assegura o mesmo tratamento aos filhos havidos fora do casamento, bem como os adotivos.

 

 

7     SUCESSÃO DOS ASCENDENTES

 

Caso o de cujus não tenha descendentes legítimos a sucedê-lo serão chamados os ascendentes, ou seja, pais, avós, bisavós e assim por diante, conforme se conclui pelos ensinamentos de Maria Helena Diniz:

 

Não havendo herdeiros da classe dos descendentes, chamar-se-ão à sucessão do de cujus, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, que se encontrar nas condições exigidas pelo art. 1.830, qualquer que seja o regime de bens, os seus ascendentes (CC, art. 1.836, § 1º), ou seja, à diversidade entre parentes pelo lado paterno (linha paterna) ou pelo materno (linha materna), porque entre os ascendentes não há direito de representação, se modo que o ascendente falecido não pode ser representado por outros parentes (CC, art. 1.852).

DINIZ, 2010, p. 116.

 

Uma diferenciação ocorre na sucessão dos ascendentes em relação a sucessão dos descendentes, enquanto naquela há a sucessão por cabeça, nesta existe primeiramente a divisão entre linhas. Assim sendo, há a divisão entre a linha paterna e a materna, para só então ser feita a partilha por cabeça, obedecendo a um dos princípios da sucessão. Existem outras exceções e também semelhanças com a sucessão dos descendentes, conforme citadas por LEITE:

 

Se o falecido deixou pai e mãe vivos, assim como avós, os genitores ficam com toda a herança (pois são parentes mais próximos), que será dividida em duas partes iguais, com partilha realizada por cabeça. Entretanto, se apenas o pai for vivo, por ser a mãe pré-morta, embora existam avós maternos, toda a herança será recolhida pelo genitor, uma vez que não há direito de representação na classe dos ascendentes. Desse modo, parentes do ascendente pré-morto em hipótese alguma irão representá-lo. Entre os ascendentes, a regra preferencial de que o sucessor mais próximo do falecido recebe toda a herança, em detrimento dos todos os demais, não apresenta exceção.

LEITE, 2008, p. 60.

 

Os ascendentes ainda podem suceder em concorrência com o cônjuge e o companheiro, no caso do primeiro se este não deixou descendentes e desde que preenchidos os requisitos do art. 1830 do Código Civil, e com o segundo no que tange os bens adquiridos durante a união, se o de cujus não deixou descendentes, conforme preceitua o art. 1790, III, também do Código Civil.

 

 

8     SUCESSÃO DOS COLATERAIS

 

Caso o morto não deixar nenhum descendente e nenhum ascendente, bem como não tiver cônjuge, nem tampouco companheiro, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau de parentesco, conforme nos traz o art. 1.839 do Código Civil.

Na sucessão dos colaterais os mais próximos excluem os mais distantes, assim assevera Silvio Rodrigues:

 

Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, de modo que, se há irmãos concorrendo com tios, por exemplo, estes são afastados por aqueles. Porque, afora uma hipótese referida na lei, na sucessão dos colaterais não há direito de representação. De fato, só se dá o direito de representação em favor de filhos de irmãos, que concorrem com seus tios. Assim, por exemplo, se o finado deixou dois irmãos e sobrinhos, filhos de um outro irmão pré-morto, a herança se divide em três partes, cabendo as duas primeiras aos irmãos e a terceira aos sobrinhos, que a dividirão entre si (CC, art. 1.840).

RODRIGUES, 2007, p. 120.   

 

Nesse mesmo sentido, Glauber Salomão Leite:

 

Vigora a regra de preferência entre os colaterais, assim, se forem vários os sucessíveis dessa classe, em graus variados, os em grau mais próximo excluem os mais distantes; se o de cujus tinha irmãos e sobrinhos, toda herança será destinada àqueles, pois são parentes colaterais em segundo grau, em detrimento dos últimos (que nada recebem), por serem parentes mais distante, colaterais em terceiro grau.

LEITE, 2008, p. 92.

 

Porém, os colaterais não tem direito à legítima, dessa forma poderá o de cujus dispor de todos os seus bens em testamento, desde que não tenha outros herdeiros necessários, conforme autoriza o art. 1.850 do Código Civil[28].

 

9     CRITÉRIOS SUCESSÓRIOS

 

As regras acerca da sucessão de descendentes, ascendentes e colaterais, todas já devidamente elencadas, nos mostram que a lei traz alguns critérios norteadores da sucessão do de cujus, ou seja, os herdeiros da linha descendente preferem aos demais; o parente mais próximo exclui o mais remoto; os herdeiros da mesma classe e do mesmo grau recebem quinhões iguais[29].

Tais princípios comportam duas exceções: os descendentes podem herdar por representação, conforme preceitua o art. 1.851 do Código Civil e, no caso dos ascendentes, a sucessão se divide entre linha materna e paterna, conforme preceitua Maria Berenice Dias:

 

Na sucessão dos ascendentes há outra exceção: a herança é dividida entre a linha materna e a paterna. Daí chamar-se divisão por linha de ascendência. Tal acontece quando os herdeiros são os pais, bem como se são convocados os avós, ou ainda os bisavós.

DIAS, 2008, p. 126.

 

No último caso a herança não se divide em partes iguais, mas sim metade para a linha paterna e metade para a materna, daí sim se fará a divisão por cabeça, dentro de cada linha ascendente, como reza o terceiro critério sucessório, acima elencado.

 

 

10  OS DIREITOS DO CÔNJUGE E A SUA SUCESSÃO 

 

O regime de um casamento serve para determinar como se comportam os bens de cada qual na união conjugal. Por exemplo, se pertencem a somente um dos nubentes ou aos dois, ou então se essa divisão, caso exista, se estende somente aos bens adquiridos antes do casamento (comunhão parcial), ou a todos os bens (separação total). Conforme Carlos Roberto Gonçalves, entende-se por regime de bens o seguinte:

 

Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.

GONÇALVES, 2005, p. 382.

 

Importante se mostra o estudo dos regimes patrimoniais do casamento em matéria de sucessão, visto que dependendo da forma como os nubentes contraíram o casamento é que se dará a partilha quando da morte de algum deles, cada regime possui suas particularidades, como se observará oportunamente no presente trabalho.

Uma evolução verificada no Código de 2.002 em relação ao de 1.916 foi a colocação do cônjuge em posição privilegiada na sucessão legítima, o colocando, inclusive, como herdeiro necessário, nos termos do art. 1.845 do Código Civil[30]. Porém Silvio Rodrigues nos traz a seguinte ressalva, citando o próprio Código Civil:

 

Há casos, porém, em que o cônjuge não é chamado à sucessão legítima. Nos termos do art. 1.830 do Código Civil, somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

RODRIGUES, 2007, p. 115.

 

Importante ressaltar o disposto no trecho acima citado, no que diz respeito a separação de fato a maios de dois anos, isso porque, se o cônjuge sobrevivente demonstrar que a separação não se deu por sua culpa, será, assim, considerado herdeiro necessário.

Por outro lado, ao cônjuge já é assegurado e garantido metade dos bens do casal, os quais não se comunicam os bens particulares. Essa regra, no entanto, é inaplicável quando o regime de bens adotado pelo casal é o da separação ou comunhão parcial.

Sobre a meação, nos traz Maria Helena Diniz:

 

A meação é um efeito da comunhão, sendo regida por normas alusivas ao direito de família, enquanto o direito sucessório, em regra, independe do regime matrimonial de bens. A meação constitui a parte da universalidade dos bens do casal de que é titular o consorte por direito próprio, de modo que tal meação do cônjuge sobrevivente é intangível; sendo o consorte herdeiro necessário, o de cujus não pode dispor de sua meação sem quaisquer restrições, pois, com isso, privaria o supérstite da herança.

DINIZ, 2010, p. 142

 

Dessa forma, o cônjuge sobrevivente ao de cujus, se for casado no regime de comunhão universal de bens terá direito a metade do espólio, ou seja, a reunião de todos os bens do casal, adquiridos antes ou depois, particulares ou não, será destinada ao cônjuge supérstite. Caso o regime de casamento seja o de comunhão parcial, o cônjuge terá direito a metade dos bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, enquanto perdurou a união, não se aplicando essa meação aos bens adquiridos antes do casamento, e portanto, particulares do de cujus.

A meação, conforme acima disposto, tal qual o direito de moradia não compreendem a sucessão visto que são garantias de proteção à família, sobretudo ao cônjuge que terá ao menos garantido o direito assegurado ao cônjuge de permanecer na moradia que o casal mantinha antes do falecimento do de cujus, ou seja, independentemente da partilha, ele poderá permanecer na residência que habitualmente o fazia antes de seu cônjuge falecer, inclusive se contrair novas núpcias ou participar de união estável, conforme levantado por Maria Helena Diniz:

 

Sucessão no direito real de habitação (CC, art. 1.831) do imóvel destinado a residência, se este for o único do gênero a inventariar, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança (RT, 606:218, 616:83) na qualidade de herdeiro ou legatário. Não mais se estabelece o limite temporal até a cessação da viuvez por novas núpcias, o que parece não ser uma solução justa, se vier a constituir nova família pelo casamento ou união estável.

DINIZ, 2010, p. 140.

 

Conforme demonstrado no trecho acima transcrito, representa enorme segurança para o cônjuge supérstite, haja vista ele não ter a preocupação de procurar outra moradia pelo risco da atual se partilhada a pessoa diversa, mesmo que ainda parente. Porém é de se ressaltar certa injustiça para os demais herdeiros, pois, se o cônjuge contrair novas núpcias e constituir nova família não perderá tal direito.

Atualmente a doutrina classifica a sucessão do cônjuge sobrevivente conforme for o regime de bens do casamento, asseverando, conforme Glauber Salomão Leite, as hipóteses em que o cônjuge não sucederá:

 

Desde que o atual Código entrou em vigor, o art. 1829, I, não sem razão tem sido alvo de críticas severas, em razão de sua enorme complexidade e desapego da boa técnica legislativa, o que tem gerado enorme e indesejável confusão em torno de sua interpretação. O dispositivo em comento, ao definir os requisitos para a concorrência hereditária do cônjuge com descendentes, fê-lo empregando reprovável fórmula negativa, prescrevendo em quais hipóteses o consorte não sucederia.

LEITE, 2008, p. 106.

 

Seguindo a interpretação do aludido artigo, o cônjuge não irá concorrer com os outros herdeiros do de cujus se era casado no regime de comunhão universal, no regime de separação obrigatória de bens, ou no da comunhão parcial, caso não houverem bens particulares do morto.

Segundo, portanto, o Código Civil e a doutrina, o que não está vedado pelo dispositivo legal, está permitido:

 

Como a interpretação dessa norma deve ser restritiva, as hipóteses que não são mencionadas devem ser consideradas como permissivas da concorrência hereditária. Portanto, fazendo uso de uma interpretação a contrariu sensu, em razão da omissão normativa, deve-se concluir que o consorte sobrevivo terá direito à herança se era casado no regime da separação convencional de bens, no da participação final dos aquestos, assim como na comunhão parcial, desde que haja bens particulares do autor da sucessão.

LEITE, 2008, p. 107.

 

Assim sendo, são muitas as variantes da posição do cônjuge na sucessão, pois, conforme for o regime de bens, diferentes serão seus direitos, embora a confusão é tanta que doutrinadores e magistrados não chegam a um consenso acerca da matéria.

 

10.1            SEPARAÇÃO TOTAL

 

Neste regime de casamento, os bens, tanto adquiridos antes da união, ou ao longo dela, pertence a cada qual a titularidade dos bens colocada em seu nome. Cada cônjuge possui seus bens e estes não se comunicam ao outro.

Assim conceitua Maria Helena Diniz:

 

O regime de separação de bens (CC, art. 1.687) vem a ser aquele em que cada consorte conserva, com exclusividade, o domínio, posse e administração de seus bens presentes e futuros e a responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao matrimônio. Portanto, existem dois patrimônios perfeitamente separados e distintos: o do marido e o da mulher.

DINIZ, 2009, p. 191.

 

Importante reforçar as palavras da doutrinadora, de que não somente os bens, mas também o passivo, ou seja, as dívidas e obrigações não se comunicam ao outro cônjuge. Também não somente o que um dos cônjuges tiver em seu ativo ou passivo antes do casamentos, como o que vier a adquirir no seu decurso não se estende ao outro. Nesse regime não há aquestos, cada qual conserva os seus bens e o suas obrigações independentemente do outro cônjuge.

De acordo com o art. 1.829, inciso I, nesse regime matrimonial o cônjuge supérstite nem mesmo será colocado na condição de herdeiro necessário. Somente participará da sucessão caso o morto não tenha descendentes, ainda assim concorrerá com os ascendentes, e ainda, caso não houverem ascendentes sucessíveis, herderá a totalidade da herança.

Em algumas ocasiões é a lei que impõe tal regime de casamento, não podendo os nubentes optar por outro regime de bens em seu casamento.

Conforme Maria Helena Diniz[31], são os casos da viúva ou viúvo que tiver filho com o cônjuge morto, enquanto não tiver feito o inventário e der a partilha aos herdeiros (CC, art. 1.523,I), da viúva, ou da mulher no caso de casamento desfeito por ser nulo ou anulado, no prazo de 10 (dez) meses após a viuvez ou do fim do vínculo matrimonial (CC, art.1.523, II), do divorciado, enquanto não houver sido homologada a partilha (CC, art. 1.523, III), do tutor ou curador e seus parentes com o tutelado ou curatelado, antes de cessar a tutela e curatela, e não tiver tido a respectiva prestação de contas (CC, art. 1523, IV).

Porém, importante ressaltar que o parágrafo único do próprio artigo 1.523 do Código Civil traz algumas exceções em que não será obrigatório o regime de separação de bens, ainda que nos casos acima elencados:

 

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

 

Portanto, em se provando a ausência de prejuízo para o outro nubente, mesmo que presente as hipóteses suspensivas, poderão, os que assim desejarem, casar no regime que lhes aprouver, porém, do contrário é obrigatório o regime de separação de bens.

O legislador previu[32], para proteção da pessoa idosa, que caso esta tenha mais de 70 (setenta) anos será obrigatório o regime de separação de bens. Importante ressaltar que caso haja união estável por prazo considerável, anterior a essa condição, não se aplicará tal restrição, é o que entende Maria Helena Diniz:

 

É verdade que a proibição não se circunscreve apenas ao casamento de mancebo com sexagenária, ou ao casamento de sexagenário com mulher jovem, casamentos esses em que, mais frequentemente, a busca de vantagem material se manifesta, porém abrange o casamento da mulher e do homem com mais de 60 anos. Aliás, talvez se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém, não há inconveniente social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário ou uma quinquagenária ricos se casem pelo regime da comunhão, se assim lhes aprouver.

DINIZ, 2009, p. 193.

 

O entendimento de Maria Helena Diniz é o de que só faz sentido a restrição estatal caso se mostre realmente necessária a proteção, ou seja, pelas condições psicológicas e pelo caso em concreto ser possível se auferir a necessidade de uma maior proteção ao maior de 70 (setenta) anos.

Ademais, também será obrigatório nos casos em que necessário para o casamento, o suprimento judicial (CC, arts. 1.597, 1.519, 1.634, III, 1.747, I, e 1.774).

Excluídos esses casos os que desejarem contrair matrimonio nesse regime de bens deverão expressar tal vontade através de pacto antenupcial, conforme artigo 1.639 do Código Civil.

 

 

10.2COMUNHÃO PARCIAL E PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

 

Na comunhão parcial de bens só se comunicam ao outro cônjuge os bens adquiridos na constância do casamento. Assim sendo, os bens antes adquiridos por cada qual dos cônjuges não faz parte da totalidade de bens do casal, mas tão somente do cônjuge que detêm a sua titularidade.

Assim temos a seguinte definição conforme Arnaldo Rizzardo:

 

O regime de comunhão parcial, que alguns autores mais antigos (Lafayette, Melo de Freitas, Coelho da Rocha) denominavam regime de separação parcial,e no Código de 1916 aparecia também como o regime de comunhão limitada, é o que melhor atende aos princípios de justiça, por assegurar a autonomia recíproca dos cônjuges, conservando, cada um deles, a propriedade, a administração e o gozo excluídos dos respectivos bens.

RIZZARDO, 2009, p. 647.

 

Por seu turno, a participação final dos aquestos se trata de um sistema misto, pois enquanto perdurar a sociedade conjugal, cada qual detém a titularidade individual de seus bens, sejam eles adquiridos antes ou durante o casamento, porém, quando de uma eventual dissolução, faz-se uma divisão dos bens adquiridos na constância do casamento.

Conforme Maria Berenice Dias, será mais simples a partilha dos bens no regime de separação convencional de bens e participação final dos aquestos:

 

Como a lei restringe o cálculo da participação concorrente aos bens particulares, nos demais regimes não há tal restrição. Como limitar é excluir direitos, não há como fazer aplicação analógica para restringir o que a lei excepciona. Assim, cabe ser quantificado o direito concorrente sobre o valor da herança a ser recebido pelos herdeiros legítimos.

DIAS, 2008, p. 145.

 

            Na separação convencional como todos os bens são particulares, será o cônjuge sobrevivente concorrente na herança do de cujus e na participação final dos aquestos, será meeiro do montante dos bens.

            Além disso também se comunicarão as dívidas contraídas pelo morto, ou seja, seu passivo, que decorreram de relações jurídicas ocorridas durante a união do casal.

            Importante destacar que tanto na comunhão parcial e na participação final dos aquestos, por força do art. 1.829 do Código Civil, o cônjuge supérstite participará da sucessão concorrendo com os descendentes do de cujus.

 

 

10.3COMUNHÃO UNIVERSAL

 

Por este regime de bens, os adquiridos antes do casamento, bem como os adicionados ao patrimônio durante a união conjugal pertencem, independente por qual dos cônjuges tenha adquirido, aos dois, em concorrência um com o outro. Ou seja, independentemente de quem tenha adquirido determinado bem, ele também pertence ao cônjuge.

DIAS[33] estabelece que se caso o regime de bens seja o da comunhão parcial, primeiramente é preciso afastar os bens que compõem a meação do casal, ou seja, aqueles adquiridos onerosamente na constância do casamento. DIAS assim preceitua: “A fração do cônjuge é calculada sobre os bens particulares do falecido e não sobre a herança que os herdeiros necessários irão receber.”

 

Antes da dissolução e partilha não há meação, mas tão-somente metade ideal de bens e dívidas comuns (CC, art. 1.667). Há comunicação do ativo e do passivo, pois há na comunicação universal de bens uma espécie de sociedade (Lex, 62:237), disciplinada por normas próprias e peculiares. Logo, nenhum dos consortes tem a metade de cada bem, enquanto durar a sociedade conjugal, e muito menos a propriedade exclusiva de bens discriminados, avaliados na metade do acervo do casal.

DINIZ, 2009, p. 177.

 

Em suma e de forma simplificada, o cônjuge receberá a meação dos bens comuns do casal, bem como será concorrente na sucessão dos bens particulares do de cujus, se estes existirem, bem como estiverem disponíveis à sucessão.

 

 

11  A UNIÃO ESTÁVEL E O COMPANHEIRO

 

Para que o companheiro faça jus ao direito de herança de seu consorte morto preciso é que essa relação se enquadre como união estável, ou seja, necessário é que alguns requisitos estejam preenchidos a fim de caracterizar essa situação de união estável, adquirindo, por conseguinte, o status de companheiro, tendo direito de suceder na titularidade os bens adquiridos na constância dessa união.

Nesse sentido, importante mencionar como a doutrina conceitua a união estável:

 

Ao matrimônio contrapõe-se o companheirismo, consistente numa união livre e estável de pessoas livres de sexos diferentes, que não estão ligadas entre si por casamento civil. A Constituição Federal (art. 226, § 3º), ao conservar a família, fundada no casamento, reconhece como entidade familiar a união estável, a convivência pública, contínua e duradoura de um homem com uma mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo matrimonial, estabelecida com o objetivo de constituir família, desde que tenha condições de ser convertida em casamento, por não haver impedimento legal para sua convolação (CC, art. 1.723, §§ 1º e 2º).

DINIZ, 2010, p. 373.

 

Conclui-se, portanto, pela necessidade da presença de alguns requisitos para que se configure a união estável e seja reconhecida figura do companheiro. Primeiramente é preciso que ambos sejam de sexos diferentes, ausência de matrimônio civil e de qualquer impedimento entre os conviventes, ser notório o relacionamento e afeições recíprocas, honorabilidade, fidelidade e, para alguns, contribuição da mulher no sustento do lar.

No entanto, necessária se faz fazer a ressalva de que recentes decisões do judiciário vêm reconhecendo a união estável de pessoas do mesmo sexo, embora a doutrina atual ainda não segue essa linha, como veremos no tópico seguinte.

 

 

11.1.     DA UNIÃO DE PESSOAS DO MESMO SEXO

 

A ausência de dualidade de sexos impede o reconhecimento da união estável e atrai o reconhecimento deste tipo de relação como sociedade de fato. Ao menos, esse é o entendimento da atual doutrina que repete o pensamento de Maria Helena Diniz in literis:

 

Mas, no nosso entender, na verdade, refere-se à união homossexual e não à união estável como entidade familiar, porque esta por força da CF/88 não se aplica à união entre pessoas do mesmo sexo. Para admitirmos casamento e união estável entre homossexuais teríamos, primeiro, que alterar a Constituição Federal, mediante emenda constitucional. A relação homossexual só pode gerar uma sociedade de fato (RT, 756:117) entre os parceiros para eventual partilha de patrimônio amealhado pelo esforço comum, evitando o locupletamento ilícito.

DINIZ, 2010, p. 376.

 

Esse entendimento também é alicerçado por parte da jurisprudência, conforme se pode inferir pelo julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

 

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOSSEXUAL. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO À UNIÃO ESTÁVEL. O relacionamento homossexual entre duas mulheres não se constitui união estável, de modo a merecer a proteção do Estado como entidade familiar, pois é claro o § 3º do art. 226 da Constituição Federal no sentido da diversidade de sexos, homem e mulher, como também está na lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, bem como na lei 9.278, de 10 de maio de 1996. Entretanto, embora não possa ser aplicar ao caso a possibilidade de reconhecimento de união estável, em tendo restado comprovada a efetiva colaboração de ambas as partes para a aquisição do patrimônio, impõe-se a partilha do imóvel, nos moldes do reconhecimento de uma sociedade de fato. Apelo parcialmente provido (Ap. Cív. N. 70007911001, 8ª Câm. Civ., TJRS, rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira, j. em 1º-7-2004).[34]

 

Contudo, há algum tempo surge interpretação divergente[35] que vem ganhando inegável quantidade de adeptos a ponto de culminar na recente decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal que julgou ser possível o recebimento de benefícios previdenciários por companheiros homossexuais, no caso pensão por morte. Na ocasião a Corte Suprema levou em consideração o fato de hoje a Constituição Federal privilegiar todas as formas de constituição de família, importando tão somente a busca pela felicidade e se presentes, em termos legais, os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil. Em que pese a extensão da ementa do acórdão, sua relevância autoriza transcrevê-la integralmente:

 

E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO - ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. - Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. - A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. - O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. - A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.[36]

 

Também em decisão recente, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial 1183378, onde eram partes duas mulheres que pretendiam converter a união estável entre elas em casamento civil. Em votação por maioria de votos, foi reformada a decisão de 1ª e 2ª instâncias que haviam indeferido o pedido das recorrentes, com a justificativa que somente o Poder Legislativo poderia permitir o casamento civil de pessoas do mesmo sexo, alterando a legislação, o que não representou o entendimento do STJ[37].

Para alguns autores, como Maria Berenice Dias é possível a aplicação do artigo 226, § 3º da Carta da República por analogia ao vínculo homossexual, considerando-o como união estável, por ser uma associação de afeto e não de fato. Porém Maria Helena Diniz[38] critica duramente, visto que o supracitado artigo é norma de ordem pública não podendo ser interpretada extensivamente ou por analogia como aquela doutrinadora o fez.

Ademais, sendo ou não considerado como união estável é certo que nas relações homoafetivas, desde que revestidas dos demais requisitos da união estável entre pessoas de sexo diferente, será assegurado o direito sucessório no que tange aos bens adquiridos durante o vínculo, isso se os dois companheiros tiverem contribuído para tanto, respeitando, dessa forma, a regra da dissolução da sociedade de fato.

 

 

12  A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO

 

O companheiro, ignorado no Código Civil de 1.916, passou a figurar como herdeiro dos bens do de cujus, porém só terá direito a meação dos bens adquiridos de forma onerosa ao tempo da convivência.

Nesse sentido assevera Maria Helena Diniz, já trazendo a ressalva da diferença da sucessão do companheiro em relação ao cônjuge, fato que será explorado oportunamente em tópico oportuno deste trabalho:

 

O companheiro supérstite não é herdeiro necessário, nem tem direito à legítima, mas participa da sucessão do de cujus, na qualidade de sucessor regular, sendo herdeiro sui generis, ou seja, sucessor regular (visto que não figura na ordem de vocação hereditária), somente quanto a meação do falecido relativa aos bens adquiridos onerosamente na vigência do estado convivencial.

DINIZ, 2010, p. 147

 

Caso tenham filhos comuns, o convivente terá direito a mesma parcela que couber a esses filhos do companheiro, porém, caso hajam descendentes só do morto, a parcela será metade do que caber a cada um deles. Se por ventura o de cujus tiver ascendentes, ao companheiro sobrevivente caberá a fração de 1/3 (um terço) da herança, em não havendo quaisquer parentes, a ele caberá toda a herança, porém existe na doutrina corrente que pensa diversamente, asseverando que caso não houver parentes capazes de suceder o morto, caberá ao Poder Público, conforme as regras de herança jacente e vacante[39]:

 

Há quem ache que, na falta de parente sucessível, o companheiro sobrevivente teria direito apenas à totalidade, no que atina aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável (CC, art. 1.790), pois o restante seria do Poder Público, por força do art. 1844 do Código Civil.

DINIZ, 2010, p. 150

 

 

Importante destacar que, juridicamente, companheiro, será aquele reconhecido como tal, na forma do título 11 do presente trabalho, não se estendendo para as questões irregulares constituídas de fato.

Seguindo as lições de DINIZ[40], o Poder Público, na verdade, é sucessor irregular, ou seja, só se não houverem quaisquer sucessores aptos a receberem a herança, é que o Estado irá “herdar” os bens. Logo é impensável que havendo o companheiro como sucessor que o Poder Público fique com uma parcela dos bens, é muito injusto, ou seja, o companheiro deve receber a totalidade da herança, isso na visão da renomada doutrinadora.

 

 

12.1.     A PROTEÇÃO CONFERIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, como anteriormente já dito, o Código Civil passou para um plano secundário no que tange as normas civilistas, visto que a nova Carta Magna codifica vários preceitos acerca da matéria.

Para LEITE “tudo isso é resultado das profundas mudanças de ordem social, política e econômica, operadas no mundo”, sendo portanto difícil de se fazer uma separação entre o que é público e privado:

 

É provável que o direito de família, no âmbito do ordenamento jurídico privado, tenha sido o ramo que mais sofreu alterações com o advento da Constituição de 1988. O modelo de família reconhecido e tutelado pelo ordenamento jurídico anterior à Carta (tendo como referência o revogado Código Civil de 1916), era baseado no patriarcal romano, patrimonialista, e hierarquizado, todavia, com a nova ordem constitucional, passamos à família chamada solidarista, de base extrapatrimonial, vez que centrada na solidariedade e no afeto mútuo entre os seus membros.

LEITE, 2008, p. 162

 

Tal mudança está sentada na própria Constituição, uma vez que em seu artigo 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos de nosso país. Continuando no raciocínio do nobre doutrinador a proteção da família deixou de ser vista como algo individual e passou-se a privilegiar ela como tudo, como sendo um instrumento de realização para o ser humano.

Nesse diapasão a Constituição não protege tão somente a família concebida pelo matrimonio, mas também, em seu artigo 226, estende tal proteção a proveniente de união estável.

Conforme os ensinamento de Glauber Salomão Leite, questão de contradição é se auferir que a Constituição Federal deixou alguma hierarquia entre aos tipos de uniões:

 

Questão importante é definir se a Carta, ao ampliar a proteção jurídica a vários modelos familiares, fixou algum tipo de hierarquia entre eles, de modo que alguma forma de família mereça alguma proteção especial em detrimento das demais. A polêmica é ainda maior quando a análise é feita em razão dos direitos garantidos aos casados, em contraposição aos direitos previstos em favor dos partícipes de união estável.

LEITE, 2008, p. 165

 

Em que pese o direito anteriormente privilegiar a família constituída por meio do casamento, após a promulgação da CF/88 é inegável que, como primazia da dignidade da pessoa humana, os companheiros merecem, tal qual os cônjuges, as mesmas medidas de proteção.

Porém, importante ressaltar, que embora houve essa inovação, a doutrina majoritária entende que o casamento manteve um status maior em relação as demais uniões. Conforme LEITE, tal se dá pelo fato do § 3º do artigo 226 da CF/88, inclusive facilitar a conversão da união estável em casamento. Porém para o doutrinador: “a Carta definiu como parâmetro a proteção da família, independentemente da sua formatação, por ser ela a base da sociedade”, conforme se assevera pelo trecho transcrito:

 

Todavia, em que pesem as mudanças citadas, na sucessão legítima, ainda há determinadas situações dissonantes com a ordem constitucional vigente. A que mais salta aos olhos, certamente, é o tratamento desigual conferido ao cônjuge e ao companheiro, em razão da morte do consorte

LEITE, 2008, p. 168

 

O legislador ao tratar da sucessão do companheiro o colocou em posição inferior ao cônjuge, como veremos em tópico oportuno, embora houve grande avanço em assegurar o direito dos que optam pela união estável, existe injustificável diferença para com aqueles que contraíram matrimonio, sendo para os doutrinadores, um discriminação injustificável.

 

“O Cônjuge sobrevivente goza de mais privilégios, na sucessão ab intestato, do que o companheiro supérstite, fato, a nosso ver, injustificável, em vista dos novos princípios constitucionais. Com as mudanças provocadas no direito de família, pela Constituição de 1988, a conseqüência natural seria que o direito das sucessões (e, mais especificamente, a sucessão legítima), acompanhasse tais alterações, em razão da proximidade que há entre esses dois setores do direito. É a família que fornece os critérios para a definição dos sucessores na sucessão legítima. Portanto, a tutela sucessória se dá a partir da proteção conferida à família, uma vez que o modelo de família vigente é fator determinante para estabelecer quais pessoas serão incluídas ou excluídas da ordem de vocação hereditária. A família é o parâmetro definidor do alcance da proteção hereditária que irá vigorar”.

LEITE, 2008, p. 169.

 

Muito embora seja objeto de crítica por parte da doutrina[41] é inegável que o artigo 1.790 do Código Civil veio a garantir, ao menos de forma precária, que o convivente não fique totalmente desamparado. Acontece que por conta desse artigo hoje existe uma disparidade de tratamento entre companheiros e cônjuges em matéria sucessória, conforme tratado no próximo tópico.

 

 

12.2.     A DIFERENÇA PARA COM O CÔNJUGE

 

Desigual é o Código Civil no que diz respeito ao direito do convivente em suceder, acarretando enormes prejuízos àquele que, embora reconhecido como companheiro e equiparado, pela Constituição Federal e pelo próprio Código Civil, às mesmas condições do cônjuge, não é respaldado pela legislação em termos de direito sucessório.

 

Ao companheiro é assegurado direito de concorrência somente sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Assim, se o de cujus tem herdeiros, o companheiro não resta em total desamparo se foi constituído patrimônio durante o período da vida em comum. No entanto, recebe somente a terça parte dos aquestos. O restante vai para os primos, sobrinhos-netos e tios-avós.

DIAS, 2008, p. 133.

 

A lei é simplesmente omissa ao taxar a ordem sucessória, no Código Civil, em seu art. 1.829. Onde pela ordem são chamados a suceder, os descendentes em concorrência com o cônjuge, salvo exceções, os ascendentes, em concorrência com o cônjuge em todas as hipóteses de regime de bens, o próprio cônjuge e por último, os colaterais. O cônjuge foi “esquecido”, foi renegado até mesmo em relação aos parentes colaterais do falecido, algo que, no mínimo, é injusto para aqueles que tiveram direitos já reconhecidos e equiparados ao mesmo patamar do cônjuge.

 

No que se refere ao direito de herança, essa diversidade de tratamento pode ser destacada em dois pontos: a) de acordo com o art. 1.790, IV, do Código Civil, o convivente só herdará todos os bens do falecido, se ele não tiver deixado nenhum parente sucessível, uma vez que os colaterais o preferem na sucessão legítima; já o cônjuge, consoante a previsão do art. A.829, figura na terceira classe da ordem de vocação hereditária, antes dos colaterais; b) o cônjuge, em inovação introduzida pelo art. 1.845, passou a ser reconhecido como herdeiro necessário, ao lado de descendentes e ascendentes do de cujus, fazendo jus, portanto, à legítima; o convivente, por sua vez, é mero herdeiro facultativo, uma vez que a alteração legal mencionada não o alcançou, assim, ele poderá ser afastado da sucessão, bastando, para isso, que o autor da sucessão faça testamento sem o mencionar.

LEITE, 2008, p. 168.

 

Outra desigualdade trazida à discussão por SANTOS[42] nasce a partir da interpretação do artigo 1.790, inciso III, do Código Civil, no caso do companheiro concorrer com parentes colaterais, pois terá direito somente a 1/3 (um terço) da herança, cabendo 2/3(dois terços) aos colaterais. A situação fica pior ainda, na visão do doutrinador, quando, por exemplo, haver um parente somente, colateral em quarto grau, este terá direito a 2/3 (dois terços), enquanto o companheiro sobrevivente terá apenas 1/3 (um terço) dos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, sendo que os adquiridos fora dela caberão totós ao colateral.

Diante da desigualdade para com o cônjuge, o convivente foi rebaixado a mero herdeiro de última classe, sendo assim, DIAS[43] aponta para uma interpretação diferente do inciso IV do art. 1.790 do Código Civil, como se fizesse referência a totalidade de bens do de cujus ao tempo de sua morte.

No mesmo sentido Glauber Salomão Leite também corrobora par este entendimento, preceituando que a Constituição Federal não se obstinou a fazer qualquer distinção entre um tipo de família e outro:

 

Cremos que a Constituição de 1988 realmente não estabeleceu qualquer hierarquia entre os diversos modelos de família, uma vez que, a rigor, o que importa é exatamente a proteção da entidade familiar, como forma de se tutelar os interesses da pessoa humana. Nem poderia ser diferente, uma vez que, se a hipótese é de casamento, de união informal ou relação mantida por qualquer dos pais e seus descendentes, todos esses enlaces são mantidos com base no amor e na solidariedade entre os participantes, tendo como objetivo último a busca pela felicidade. Nesse aspecto, todas essas entidades familiares se equivalem, não se podendo atribuir a qualquer delas papel de maior relevância em face das demais.

LEITE, 2008, p. 167.

 

 

Ao mesmo tempo que a Constituição confere essa proteção ao companheiro, o igualando ao cônjuge, por respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, o direito sucessório contido no Código Civil o exclui. Desta forma, estamos diante de enorme disparidade e desconformidade com a Carta Magna, sendo que isso jamais deve ser permitido, haja vista sua supremacia em relação às demais normas.

Maria Berenice Dias vai além da interpretação da norma, até mesmo tecendo regra a ser observada no momento da sucessão do companheiro, colocando-o como herdeiro necessário e aplicando o disposto ao que casam no regime de comunhão parcial:

 

Para identificar o quinhão a ser recebido pelo companheiro a título de concorrência sucessória, é necessário primeiro subtrair do acervo patrimonial a meação do companheiro sobrevivente. Como na união estável aplica-se o regime da comunhão parcial de bens (CC 1.725), a metade dos bens adquiridos onerosamente durante sua vigência não faz parte da herança. Também é necessário afastar as dívidas do falecido e do espólio.

DIAS, 2008, p. 146.

 

Dessa maneira chega-se a uma solução mais adequada para o companheiro, pois o constante na legislação representa, como já visto, grande disparidade perante os reconhecimentos da Constituição àqueles casais de fato, porém não de direito.

Aliás é dessa forma que a jurisprudência vem se inclinando nos últimos anos:

 

“APELAÇÃO CÍVEL - UNIÃO ESTÁVEL - RECONHECIMENTO - EFEITO PATRIMONIAL - HERANÇA. Comprovada por prova documental e oral robusta a existência da união estável entre a autora e o falecido, e não de mero namoro como aduziu o réu, já que o relacionamento era público, duradouro, notório e com o objetivo de constituir família, mantém-se a procedência da ação, bem como o direito da autora à totalidade da herança do companheiro, ante a inexistência de herdeiros necessários dele (art. 2º, III, Lei nº 8.971/94). Apelação desprovida.” (TJ/RS - 8ª Câmara Cível - Apelação Cível nº 70016448706, Relator Desembargador José Ataíde Siqueira Trindade, j. 14.9.2006)[44]

 

“AÇÃO RESCISÓRIA - RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. Violação de dispositivos legais não observada. Direitos de meação e sucessório. Legislação aplicada ao caso é aquela vigente durante o período de convivência demarcado. Inaplicabilidade de disposições do Novo Código Civil. Inexistindo herdeiros necessários, irrelevante apurada investigação sobre a meação da companheira, já que a ela cabe a totalidade da herança do companheiro nos termos do parágrafo 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (TJ/RS - 8ª Câmara Cível - Ação Rescisória nº 70010317816, relator Desembargador Alfredo Guilherme Englert, j. 11.8.2005).[45]

 

Direito das sucessões. Recurso especial. Inventário. De cujus que, após o falecimento de sua esposa, com quem tivera uma filha, vivia, em união estável, há mais de trinta anos, com sua companheira, sem contrair matrimônio. Incidência, quanto à vocação hereditária, da regra do art. 1.790 do CC/02. Alegação, pela filha, de que a regra é mais favorável para a convivente que a norma do art. 1829, I, do CC/02, que incidiria caso o falecido e sua companheira tivessem se casado pelo regime da comunhão parcial. Afirmação de que a Lei não pode privilegiar a união estável, em detrimento do casamento.

- O art. 1.790 do CC/02, que regula a sucessão do 'de cujus' que vivia em comunhão parcial com sua companheira, estabelece que esta concorre com os filhos daquele na herança, calculada sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência.

- A regra do art. 1.829, I, do CC/02, que seria aplicável caso a companheira tivesse se casado com o 'de cujus' pelo regime da comunhão parcial de bens, tem interpretação muito controvertida na doutrina, identificando-se três correntes de pensamento sobre a matéria: (i) a primeira, baseada no Enunciado 270 das Jornadas de Direito Civil, estabelece que a sucessão do cônjuge, pela comunhão parcial, somente se dá na hipótese em que o falecido tenha deixado bens particulares, incidindo apenas sobre esses bens; (ii) a segunda, capitaneada por parte da doutrina, defende que a sucessão na comunhão parcial também ocorre apenas se o 'de cujus' tiver deixado bens particulares, mas incide sobre todo o patrimônio, sem distinção; (iii) a terceira defende que a sucessão do cônjuge, na comunhão parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens particulares.

- Não é possível dizer, aprioristicamente e com as vistas voltadas apenas para as regras de sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil.

- É possível encontrar, paralelamente às três linhas de interpretação do art. 1.829, I, do CC/02  defendidas pela doutrina, um quarta linha de interpretação, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias.

- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.

- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/02.

- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados apenas entre os descendentes. Recurso especial improvido.

STJ. REsp 1117563 / SP. RECURSO ESPECIAL 2009/0009726-0. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI. DJe 06/04/2010.”[46]

 

Outro ponto a ser destacado é a omissão do legislador ao disciplinar acerca do direito real de moradia, assegurado ao cônjuge, como já demonstrado anteriormente. Mais uma vez a jurisprudência vem disciplinando a matéria, e aplicando o instituto ao companheiro por analogia e interpretação da Constituição Federal no que tange a proteção de todas as formas de família[47].

 

12.3.     O TESTAMENTO COMO ARTIFÍCIO EM FAVOR DO COMPANHEIRO

 

Uma maneira de se garantir o futuro do companheiro e o seu conforto após a morte do outro é se fazendo um testamento. Se o testador tem direito de dispor de 50% (cinqüenta por cento) do seu patrimônio, deixando esse percentual para seu companheiro estaria, dessa forma, deixando a parte que legalmente caberia ao cônjuge na sucessão, sendo que ainda, o companheiro poderia vir a concorrer no restante da herança do de cujus.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz enaltece a importância do testamento como corolário do direito de propriedade:

 

A disposição de bens por testamento é um corolário do direito de propriedade, como assevera Silvio Rodrigues, pois a norma jurídica completa a extensão desse direito, permitindo a seu titular, com uma amplitude maior ou menor, ditar o destino de seus bens após o seu falecimento, sendo-lhe lícito: dispor de parte de seu patrimônio ou da sua totalidade, na falta de herdeiros necessários, instituir herdeiro ou distribuir os bens em legados.

DINIZ, 2010, p. 180

 

Importante ressaltar que é apenas um artifício usado para suprir algo que em tese a lei deveria garantir, ou seja, a igualdade do companheiro frente ao cônjuge, conforme ditames da própria Constituição Federal.

 

Com as modificações feitas pelo Código de 2002 na ordem de vocação hereditária, com o malévolo imbróglio criado pelo legislador, mormente no tocante à sucessão do cônjuge e do convivente, tendo também em vista o aspecto da reprodução assistida após a morte do pai ou da mãe, o testamento ganha nova força. O Código vigente, por outro lado, de certa forma facilitou a elaboração do testamento, simplificando suas formalidades.

VENOSA, 2010, p. 180

 

Como bem asseverou VENOSA, no trecho acima transcrito, o testamento, muito raramente utilizado em nosso ordenamento jurídico, acabou ganhando força pela forma como a ordem sucessória foi tratada pelo Novo Código Civil, sobretudo no que diz respeito aos direitos do convivente. Embora ainda não muito utilizado, é uma saída àqueles que optam por não casar civilmente, garantindo uma segurança muito maior ao companheiro que com certeza, na grande maioria dos casos, deve ser o destinatário principal dos bens daquele com quem viveu como se marido ou mulher fosse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Através da análise das pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais fica muito bem caracterizada a forma desigual que o convivente foi tratado em relação ao cônjuge, entrando nesse cenário, também, as uniões de pessoas do mesmo sexo, conforme recentes julgados que reconheceram nesse tipo d eunião uma entidade familiar.

A matéria se torna cada vez mais importante, ao passo que cada vez mais as pessoas estão optando por não se casarem civilmente, porém vivendo como se mulher e marido fossem, cooperando para o crescimento mútuo, inclusive no que diz respeito ao enriquecimento patrimonial.

Diante do estudo feito ficou claro, do mesmo modo, que os tribunais do Brasil vêm decidindo reiteradamente no sentido de conferir proteção aos conviventes, conforme a própria Carta Magna preceitua em seu texto inovador, que não foi acompanhado pelo Código Civil.

Assim pode-se concluir que o companheiro, pelo reconhecimento conferido pela Constituição Federal, bem como seguindo os preceitos elencados pela doutrina e sendo reforçado pela jurisprudência recentemente, deve ser elevado a mesma condição do cônjuge caso no regime de comunhão parcial de bens, sendo dessa forma os mesmo direitos deste estendidos àquele. Embora o Código Civil não tenha conferido igual proteção, igualar o companheiro participante de união estável, desde que presente os requisitos necessários para tanto, conforme exposto no trabalho, é a solução mais acertada a fim de corroborar com o principal objetivo do Estado Democrático de Direito, que é o de ser igual aos iguais e desigual aos desiguais.

De forma mais recente ainda tal proteção, ainda que venha de encontro com o que diz o texto da Constituição, deverá ser estendida de forma cada vez mais freqüente aos conviventes independente da dualidade sexual, inclusive no que tange a garantia de casamento civil, visto que é esse o entendimento que vem predominando no Supremo Tribunal Feral e no Superior Tribunal de Justiça.

Por último, cabe salientar, que aos conviventes que desejarem uma proteção mais ampla, podem se valer do testamento, ainda que não muito usual no Brasil, o instituto começará a ser visto com outros olhos devido as nuances que o legislador provocou ao disciplinar a matéria no texto do Novo Código Civil brasileiro.

 

 

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. 6.

 

_____. Direito Civil: direito das sucessões. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. 7.



[1] MONTEIRO, 2000, p.2.
[2] VENOSA, 2010. p. 2.: “O compartimento das sucessões, ao contrário do que ocorre nas obrigações e nos direitos reais foi o que mais sofreu mutações com relação ao direito moderno. Isso porque uma das fundamentais características do direito clássico era de que o herdeiro, na época, substituía o morto em todas as relações jurídicas e, também nas relações que nada tinham a ver com o patrimônio, mas com a religião. O sucessor causa mortis era o continuador do culto familiar. A continuação da pessoa do morto no culto doméstico era uma conseqüência necessária da condição assumida de “herdeiro””.
[3] VENOSA, 2010, Op. cit., p. 3.
[4] MONTEIRO, 2000, Op. cit., p. 2.
[5] VENOSA, 2010, Op. cit., p. 3.
[6] MONTEIRO, 2000, Op. cit., p. 2.
[7] MONTEIRO, 2000, Op. cit., p. 3.
[8] MONTEIRO, 2000. Op. cit., p. 4.
[9] BRASIL. Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil brasileiro. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 de março de 2011.
[10] MONTEIRO, 2000. Op. cit., p 4..
[11] Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: 1. Teoria geral do direito civil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p 235: “Temos, ainda, a morte simultânea ou comoriência prevista no Código Civil, art. 8º, que assim reza: “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. Embora o problema da comoriência tenha começado a ser regulado a propósito de caso de morte conjunta no mesmo acontecimento, ele se coloca, como se pode ver pela redação do art. 8º do Código Civil, com igual relevância, em matéria de efeitos dependentes de sobrevivência, nos casos de pessoas falecidas em lugares e acontecimentos distintos, mas em datas e horas simultâneas ou muito próximas. A expressão “na mesma ocasião” não requer que o evento morte se tenha dado na mesma localidade; basta que haja inviabilidade na apuração exata da ordem cronológica dos óbitos. Esse artigo tem grande repercussão na transmissão de direitos, pois se os comorientes são herdeiros uns dos outros não há transferência de direitos, pois se os comorientes são herdeiros, um não sucederá ao outro, sendo chamados à sucessão os seus herdeiros. Há mera presunção juris tantum de comoriência. Se “A”, viúvo, idoso, cardíaco e que não sabia nadar, falecer num naufrágio, juntamente com seu único filho solteiro “B” de 20 anos, saudável e bom nadador, não há presunção iure et de iuris da pré-morte de “A”, pois o s interessados na herança poderão provar isso por qualquer meio admitido em direito. Aquela presunção juris tantum é inferida da expressão do art. 8º “não se podendo averiguar”, que admite prova contrária, ou seja, da promoriência, sendo o onus probandi do interessado que pretende provar, com auxílio de perícia, testemunhas etc., que a morte não foi simultânea, trazendo por conseqüência a alteração da vocação hereditária. P. ex.: suponhamos que marido e mulher faleçam numa queda de avião, sem deixar descendentes ou ascendentes. Presumamos que testemunhas tenham encontrado o marido morto e a mulher com sinais de vida, ou que o interessado na herança tenham comprovado a premoriência do marido. Considerando a ordem de vocação hereditária, a mulher herda os bens do marido se ele faleceu primeiro, transmitindo-os aos seus herdeiros colaterais; com isso, os herdeiros colaterais do marido nada receberão. Se dúvida houver no sentido de se saber, com precisão, quem morreu primeiro, o magistrado aplicará o art. 8º do Código Civil, caso em que não haverá transmissão de direitos entre pessoas que faleceram na mesma ocasião; logo, a parte do marido irá para seus herdeiros colaterais e a da mulher para os herdeiros colaterais dela (RT, 100:550). Se o beneficiário sobreviver ao segurado, ainda que por segundos, seus herdeiros serão contemplados; se houver comoriência, seus sucessores ficarão privados do benefício (RT, 665:93 e 587:121); o mesmo ocorrerá com o pecúlio na previdência privada (RT, 659:146)”.
[12] De acordo com os artigos 22 a 37 da Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil brasileiro.
[13] VENOSA, 2010, Op. cit., p. 7.
[14] DINIZ, 2010, p. 321.
[15] Inventário Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: direito das sucessões. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6. p. 386: “O inventário é o processo judicial (CC, art. 1.796; CPC, art. 982) tendente à relação, descrição, avaliação e liquidação de todos os bens pertencentes ao de cujus ao tempo de sua morte, para distrubuí-los entre seus sucessores”.
[16] VENOSA, 2010, Op. cit., p. 8.
[17] RODRIGUES, p. 53, Op. Cit. p. 17.
[18] Cf. RODRIGUES, p. 59, Op. Cit. p. 17: “Ante a contradição, o legislador preferiu a solução que atende principalmente ao interesse dos credores, permitindo que estes aceitem a sucessão em nome do herdeiro, para efeito de se cobrarem, devendo habilitar-se no prazo de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato (CC, art. 1.813, § 1º). Todavia, pagas as dívidas do renunciante, a renúncia prevalece para os demais efeitos, sendo devolvida aos outros herdeiros (CC, art. A.813, § 2º).
[19] RODRIGUES, p. 62, Op. Cit. p. 17.
[20] Cf. definição de DINIZ, Maria Helena. (Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v.6) p. 185: “Testamento é o ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, não só dispõe, para depois de sua morte, no todo ou em parte (CC, art. 1857, caput), do seu patrimônio, mas também faz estipulações: a) extrapatrimoniais (CC, art. 1.857, § 2º), tais como: reconhecimento de filhos não matrimoniais (CC, arts. 1.634, IV, e 1.729, parágrafo único; ECA, art. 37, com redação da Lei n. 12.010/2009) ou de testamenteiro (CC, art. 1.976); disposição do corpo para fins altruísticos ou científicos (CC, art. 14); permissão ao filho órfão para convolar núpcias com o tutor (CC, art. 1.523 IV); reabilitação de indigno (CC, art. 1.818); deserdação de herdeiro (CC, art. 1.964); determinação sobre funeral; ou b) patrimoniais, com: recomendação sobre o cumprimento de obrigações do testador; constituição de renda (CC, art. 803); estabelecimento de condomínio por unidades autônomas (Lei n. 4.591/64, art. 7º); instituição de fundação (CC, art. 64); substituição de beneficiário na estipulação em favor de terceiro (CC, art. 438, parágrafo único); imposição de cláusulas restritivas (CC, art. 1.848)”.
[21] VENOSA, 2010, op. cit., p. 115.
[22] RODRIGUES, 2007, op. cit. p. 115.
[23] Cf. ensinamento de DINIZ, 2010, op. cit., p. 109: “Com a abertura da sucessão legítima, os descendentes do de cujus são herdeiros por excelência, pois são chamados em primeiro lugar, adquirindo os bens por direito próprio (CC, art. 1.829, I).
[24] BRASIL. Código Civil. obtido em: <www.planalto.gov.br>. acesso em: 23. Jul. 2011.
[25] Representação cf. RODRIGUES, 2010, op. cit., p.133 – 134: “Se alguém, ao falecer, deixou apenas um neto, descendente de seu único filho, que pré-morreu ao de cujus, o neto é chamado à sucessão por direito próprio, em virtude de sua condição de neto. Todavia, se o de cujus, além do filho pré-morto, tivesse outros filhos vivos, o neto seria chamado à sucessão do avô representando o pai falecido e herdaria exatamente aquilo que a ele caberia, se estivesse vivo. Assim o direito de representação ocorre quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos que ele sucederia, se vivesse (CC, art. 1.851). Mas, nesse episódio, o representante não aparece como herdeiro do representado. É herdeiro do de cujus, e, portanto, tem de possuir legitimação para suceder a este. O representante é posto pela lei no lugar que seria do representado (substituição legal), e vai herdar de quem o representado herdaria se não estivesse pré-falecido. O representado, porque morreu antes (ou porque é indigno de suceder) não foi herdeiro. O herdeiro vem a ser o representante. Os netos que representam o pai, que ocupam o lugar do pai pré-morto, concorrem à herança do avô e não do pai.”
[26] DINIZ, 2010, op. cit., p. 112.
[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Obtido em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24.jul.2011.
[28] “Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.”
[29] DIAS, 2008, op. cit. p. 125.
[30] RODRIGUES, 2007, op. cit. p. 145.
[31] DINIZ, 2010, op. cit., p. 192.
[32] Cf. Código Civil: “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: (...) II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos.
[33] DIAS, 2008, op. cit., p. 155.
[34] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (8. câmara  cível). Recurso de apelação cível n. 70007911001. Apelante: R.B. Apelado: P.G.V. Relator: Des. Antônio Carlos Stangler Pereira. À maioria. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 20 out. 2011.
[35] AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUESITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casai homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA (SEGREDO DE JUSTIÇA) (EI 70011120573, 4º Gr. De Câm. Cíveis, TJRS, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 10-6-2005). 
[36] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. turma). Recurso Extraordinário n. 477554. Recorrente: Edson Vander de Souza. Recorrido: Instituto de previdência dos servidores do estado de Minas Gerais – IPSEMG e outro. Relator: Min. Celso de Mello. À unanimidade. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/pesquisarProcesso.asp>. Acesso em: 20 set. 2011.
[37] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso especial n. 1.183.378. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 05 nov. 2011.
[38] DINIZ, 2010, op. cit. p. 135.
[39] Cf. DINIZ, 2010, op. cit. p. 99: “Há herança jacente quando não houver herdeiro legítimo ou testamentário. A herança jacente é um ente despersonalizado, consistindo numa massa de bens arrecadada por morte do de cujus, sujeita a guarda, conservação e administração de um curador nomeado pelo juiz (CC, art. 1.819). (...) Declarar-se-á vacante a herança: a) se repudiada pelos herdeiros sucessíveis (CC, art. 1.823); e b) se após a realização de todas as diligências legais não aparecerem herdeiros sucessíveis, decorrido 1 ano da primeira publicação do edital convocatório dos interessados, desde que não haja herdeiro habilitado ou habilitação pendente (CC, art. 1.820, e CPC, art. 1.157 e parágrafo único), operando-se a devolução dos bens vagos ao poder público, sem caráter definitivo (CC, art. 1.822). Posteriormente, haverá, entre outros efeitos, a devolução da herança ao poder público, conferindo-lhe propriedade resolúvel, que será definitiva se após 5 anos da abertura da sucessão não surgir herdeiro sucessível (CC, art. 1.822).”
[40] DINIZ, 2010, op. cit. p. 151.
[41] Cf. VENOSA, 2010, op. cit. p. 149: “O mais moderno Código conseguiu ser perfeitamente inadequado ao tratar do direito sucessório dos companheiros. DINIZ, 2010, op. cit. p. 154 também tece seus argumentos no mesmo sentido: “Há desigualdade de tratamento sucessório entre cônjuge e convivente sobrevivo, pois aquele é, em certos casos, herdeiro necessário privilegiado, podendo concorrer com descendente, se preencher certas condições, ou com ascendente do falecido”.
[42] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo Código Civil. Disponível em: < http://www.gontijo-familia.adv.br >. Acesso em 2 de abril de 2011.
[43] DIAS, 2008. op. cit. p. 148.
[44] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (8. Câmara Cível) - Apelação Cível nº 70016448706, Relator Desembargador José Ataíde Siqueira Trindade, j. 14.9.2006. Obtido em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 15.ago.2011.
[45] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (8 Câmara Cível) - Ação Rescisória nº 70010317816, relator Desembargador Alfredo Guilherme Englert, j. 11.8.2005. Obtido em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 15.ago.2011.
[46] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1117563 / SP. RECURSO ESPECIAL 2009/0009726-0. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI. DJe 06/04/2010. Obtido em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20.jun.2011.
[47] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais (9. Câmara Cível). AC 1.0514.06.020813-9/001: “APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO DE POSSE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO FALECIDO. BEM IMÓVEL. MORADIA. CONVIVENTES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO À COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.831 DO NCCB E ART. 7º DA LEI 9.278/96. REQUISITOS. RECONHECIMENTO. O direito real de habitação ao único imóvel residencial, por aplicação analógica do art. 1.831 do NCCB, deve ser estendido ao convivente, independentemente de ter este contribuído, ou não, para a sua aquisição, assegurado, igualmente, pelo art. 7º da Lei 9.278/96, informado pelo arts. 6º e 227, § 3º, da Lei Maior, que reconhecem a moradia como direito social e a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado”.