A DESCRIMINALIZAÇÃO DE ALGUNS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, ANALISADOS A LUZ DO DIREITO PENAL MÍNIMO

                                                           Caroline S. R. Rodrigues [1]

                                                           Fernanda Olinda Araújo [2]

                                                         Ricaelly Munise de Oliveira [3]

1. Dos crimes contra o patrimônio; 2. Princípio da intervenção mínima; 3. Princípio da lesividade; 4. Princípio da adequação social; 5. Princípio da insignificância; 6.Origem da natureza jurídica do princípio da insignificância; 7. Princípio da insignificância da pena; 8. Princípio da responsabilidade social; 9. Princípio da limitação das penas; 10. Princípio da culpabilidade; 11. Princípio da legalidade; 12. Movimento lei e ordem; 13. Direito penal do inimigo; 14. Movimento abolicionista; 15. Direito penal mínimo; 16. Furto famélico; 17. Cleptomania 18. Conclusão; 19. Bibliografia.

Palavras–chaves: Descriminalização – Crimes Contra o Patrimônio.

 

  1. 1.      DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

         O Código Penal Brasileiro em seu Titulo II trata dos crimes contra o patrimônio, descrevendo neste, as figuras típicas que criminalizam as condutas que lesam de alguma forma o patrimônio de outrem, sendo as seguintes:

DO FURTO: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel;

DO ROUBO: Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência;

DA EXTORSÃO: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa;

DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO: Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate;

DA USURPAÇÃO: Suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia;

DO DANO: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia;

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA: Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção;

DO ESTELIONATO: Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento;

DA RECEPTAÇÃO: Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa fé, a adquira receba ou oculte.

Postas essas informações, se faz imprescindível, para levar a cabo o que ora nos propomos, que tenhamos em mente duas definições: o que é patrimônio, e o que é descriminalização, então, vamos a elas:

Quando falamos em descriminalizar um crime é tirar a tipicidade de sua conduta, tornando-a um ato normal do ponto de vista social, ou seja, a lei não mais reconhecerá aquele determinado ato como crime, então descriminalizar é: excluir a criminalidade de um ato ou fato. Sendo o patrimônio o conjunto de riquezas, de que dispõe uma pessoa física ou jurídica, podendo ser material ou imaterial. Necessário entendermos também, que bem é espécie do gênero patrimônio, sendo parte deste, e para termos a noção se dos crimes contra o patrimônio existe algum, passível de descriminalização, temos que encontrar a valoração dada a esse bem pelo seu proprietário, a sua relevância social e a lesividade que a conduta do agente, que lesa o patrimônio de outrem, causa à sociedade de um modo geral.

O eminente doutrinador Rogério Greco, em sua obra Direito penal do Equilíbrio, traça um perfil singular da relação existente entre a descriminalização, o patrimônio e o bem. Segundo este: “[...] para a maioria, todos os problemas sociais serão resolvidos por intermédio do Direito Penal, desde que este seja aplicado da forma mais dura possível, tendo a finalidade de amedrontar aqueles que, possivelmente, ousarem praticar determinada infração penal [...].” (Greco, 2006, p. 01)

 No momento atual, em que nosso pais passa por momentos em que a criminalidade desafia os poderes constituídos de forma afrontosa, cometendo toda sorte de atrocidades, em que a mídia prega a criminalização máxima, como forma de controle deste momento conturbado, com seus telejornais, novelas e demais programas tratando do assunto de maneira incisiva, complicado ao extremo é se falar em descriminalização, porém, para entendermos se esta possibilidade é plausível ou não, mister se faz relatarmos o que se deve levar em consideração para a tipificação ou a descriminalização de determinada conduta.

Percebe-se, ao longo da história, que os textos constitucionais buscam a proteção daqueles direitos e garantias individuais, que, ao longo dos tempos, firmaram-se como garantias, voltadas ao livre exercício da cidadania, bem como a proteção de bens supra-individuais que se estende a toda sociedade, sendo que essa proteção tem por escopo tutelar esses valores que influenciam diretamente a coletividade. Este agasalho jurídico faz com que sejam agrupadas as perspectivas de um Estado Liberal e de um Estado Social. E dentre toda essa construção normativa, para regular as afrontas a bens jurídicos, tanto individuais como supra-individuais, as constituições declinaram certa parcela à matéria penal.

Assim, quando se trata da garantia dessas prerrogativas individuais, busca-se limitar a intervenção penal do Estado, que, por outro lado, quando a tutela versa sobre bens jurídicos transindividuais, a tendência é que a atuação do Direito Penal seja ampliada, tendo em vista a potencialidade dos efeitos dessas ações. Esse desempenho principiológica que norteará a atuação do Direito Penal perante a sociedade é feita através da inclusão da matéria penal no corpo da Constituição. Esses princípios podem ser especificamente penais ou aqueles constitucionais em sentido amplo, mas que não deixam de exercer influência na matéria penal. Os primeiros influenciam diretamente a seara penal, embasando toda a ordem jurídico-penal; já os segundos não são propriamente voltados à matéria penal e sim a todo o ordenamento jurídico, norteando toda e qualquer intervenção jurídica, ou seja, influenciam também a possibilidade de o Direito Penal ser utilizado como um instrumento para regular determinadas ações, no intuito de garantir bens jurídicos de relevância social.

Existem princípios que norteiam a construção e a aplicação do direito penal, se fazendo peças fundamentais a serem observadas quando do trabalho que o legislador desenvolve no seu trabalho de construir leis, de constituir tipos penais, observações sem as quais as leis poderão ser consideradas nulas por conterem vícios formais ou materiais, ou até criando leis que jamais saíram da abstração para a aplicação ao caso concreto, pois foram criadas apenas por pressão social, sem que tivessem sido observada a sua real necessidade.

  1. 2.      PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNINA

Figura fundamental quando da construção ou desconstrução de normas, quaisquer que sejam as áreas de atuação os princípios limitam, norteiam e até mesmo contribuem com a interpretação da norma. Mas não se deve entendê-los de forma isolada, e sim de forma conjunta, integrada, se interligando e se completando mutuamente.

O Princípio da Intervenção Mínima ressalva-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1978, onde seu art. 78 assegura que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias, ou seja, o Direito Penal só deve agir nos casos em que nenhum outro ramo do direito conseguir dirimir o litígio, em fatos típicos em que a lei descreve uma lesão grave a bens considerados importantes socialmente.

Tal princípio constitui o coração do Direito Penal do Equilíbrio e deve ser analisado sob dois pontos:

1)  ab initio, ou seja, antes da formação de um tipo penal, deve promover uma análise abstrata,orientando o legislador no momento da criação ou revogação das figuras típicas.

2)  deve ser encarado como a ultima ratio, ou seja, como última opção de intervenção do Estado, a chamada natureza subsidiária do Direito Penal, estando ele para agir quando falharem todas as outras opções de que dispõe o sistema.

Então de acordo com o princípio da Intervenção Mínima, a finalidade do Direito Penal é proteger os bens de maior importância e necessidade ao convívio social.

Levando-se em conta a drasticidade da atuação do Direito Penal, mesmo que atado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a interferência do mesmo só se faz necessária quando a atuação dos outros ramos do Direito demonstrarem ineficácia ou insuficiência na proteção dos bens jurídicos, onde na concepção de Esperanza Vaelho Esquerdo:

[...] os bens jurídicos constituem valores ou interesses protegidos pelo Direito na medida em que são pressupostos necessários para que as pessoas desenvolvam sua vida social, podendo ser de natureza individual (vida, liberdade, honra, etc.) ou comunitária (saúde pública, segurança do0 Estado, meio ambiente, entre outros). [...] (ESQUERDO Esperanza Vaello. Introdución Al Derecho Perecho Penal, p.42)

Ressaltando-se a importância dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Pena, no que toca a comparação dos crimes com as contravenções penais, surge um questionamento para revogação destas últimas, pois na cominação das penas em abstrato onde transparece a gravidade da infração penal subtende-se que as contravenções tenham menor potencial ofensivo a perceber por sua punição e poderiam ser abolidas do âmbito Penal, sendo os bens nelas previstos, protegidos por outros ramos do ordenamento jurídico.

O critério de proteção dos bens de maior importância e necessidade ao convívio social não pode ser engessado, absoluto para todo e qualquer ordenamento jurídico  , pois se levando em conta a panacéia cultural a qual estamos submetidos, incontáveis nações com costumes distintos, tradições e conceitos diversificados, certamente não irão valorar da mesma forma determinada conduta social.

Partindo do pressuposto de que a norma surge do tripé, proposto por Miguel Reale, fato social, valoração do fato pela sociedade e finalmente a criação da norma, antão a cultura é forte influenciadora da composição do ordenamento jurídico.

De acordo com a valoração dada é que são selecionados os bens realmente importantes e que poderão merecer a proteção do Direito Penal. Em nosso país a massa populosa, influenciada pela mídia, anseia cada vez mais pela tipificação de comportamentos até então considerados indiferentes para o Direito Penal, tendo em vista a 0onda de criminalidade que nos assola. Mas apesar de a “mola propulsora” da criação de tipos penais ser a mobilização da opinião pública, é política criminal de cada época que seleciona os comportamentos a serem punidos.

A escolha dos bens jurídicos varia de sociedade para sociedade. O critério para esta seleção obedecerá à cultura de acordo com a necessidade da época e de cada grupo social. Para alguns grupos há uma zona de consenso, que se ajusta a toda e qualquer sociedade, no que toca delitos como homicídio, roubo, etc. Mas em alguns pontos podemos notar as zonas de conflito, onde condutas são aprovadas por um grupo social e não por outro, a exemplo do que ocorre com a punição pelo aborto ou pelo homossexualismo, presentes em algumas culturas.

O Direito Penal só poderá punir condutas que ultrapasse a pessoa do agente, ou seja, que causem danos aos bens pertencentes a terceiros a deve ser tolerante as divergentes formas de seres humanos. Os tipos de comportamentos dó serão proibidos se reprovados pela sociedade, pois a tipificação de um comportamento que a sociedade já está acostumada não seria viável, nem passível de seguimento da norma pela dita sociedade.

Em determinadas situações é a própria Constituição que indica a incriminação de comportamentos, como os que atentam contra a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, que são direitos e garantias fundamentais assegurados pelo caput do seu art. 5º, como também no inciso XLI do mesmo artigo, quando diz que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.”.

Porém a mesma Constituição que tipifica condutas, em sentido contrário proíbe a incriminação de outras, como limite ao ius puniende,digo, o poder de punir do Estado, até mesmo impedindo a cominação de penas que agridam a dignidade da pessoa humana, ao que se pode comprovar em seu art.5º, inciso XLVII, onde reza que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; nos termos do seu art.84, XIX; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis.

O princípio da Intervenção Mínima traz o Direito Penal como a ultima ratio de intervenção do Estado, imprimindo a sua natureza subsidiária.

Roxin afirma que o Direito Penal é tão somente, “a última dentre todas as medidas protetoras que se deve considerar, quer dizer, que somente pode intervir quando falhem outros meio de solução social do problema – como a ação civil [...]”, as sanções não penais, etc. – Por isso, se denomina a pena como a ultima ratio da política social e se define sua missão como proteção subsidiária dos bens jurídicos.”

Então o legislador ao selecionar o bem a ser tutelado além de observar sua importância, tanto no individual como coletivo e social, deve aferir também se os outros ramos do ordenamento jurídico não se fazem eficazes para tutelar tal bem.

  1. 3.      PRINCÍPIO DA LESIVIDADE

Temos na bagagem da história uma série de assassinatos bárbaros, por motivações hoje consideradas absurdas, a exemplificar pela Inquisição com o extermínio de pessoas detentoras de ideologias conflitantes com as da Igreja, os chamados hereges.

O nosso primeiro Código Crimina de 1830, previa punição aos intitulados hereges, feiticeiros, os que blasfemavam contra Deus ou os santos e renegavam a Igreja Católica.

O Iluminismo veio para realizar a separação entre o Direito e a Moral, bem como a religião, onde o Estado confundia o Direito com a fé e não mais o podia.

No que toca o Princípio da Lesividade, Nilo Batista propõe trabalhar-se com quatro vertentes, a saber:

Proibição de incriminações que digam respeito a uma atitude interna do agente;

Proibição de incriminações de comportamentos que não excedam ao âmbito do próprio autor;

Proibição de incriminações de simples estado ou condições existenciais;

Proibição de incriminações de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico;

(BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal, p.92-94)

Então de acordo com o Princípio da Lesividade, o Direito Penal só poderá proibir condutas que ultrapassem o âmbito do próprio agente, quer dizer, que atinjam bens de terceiros. É baseado neste princípio que o Direito Penal torna-se inapto a proibir condutas como automutilação ou tentativa de suicídio, pois a única pessoa lesada com a conduta seria a do próprio agente, e não bens de terceiros.

É partindo deste pressuposto que se questiona a necessidade de dadas infrações penais como previsto no art. 16 da Lei nº 6.368/76 que prevê o uso de substância entorpecente, sob a alegação de que a lesividade da conduta não ultrapassa a pessoa do autor.

O nosso Código Penal, limitado pelo Princípio da Lesividade, no que toca os crimes tentados, pune apenas o início da execução criminal e não a simples cogitação e os atos preparatórios, como precisa o inciso II do art.14:

Art.14 – Diz-se o crime:

I – [...];

II – [...] tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade.

Assim o Princípio torna-se um norte ao legislador, para que apenas as condutas que ultrapassem a pessoa do agente e possam agredir bens relevantes possam ser proibidas pelo Estado através do Direito Penal.

  1. PRINCÍPIO DE ADEQUAÇÃO SOCIAL

         O Princípio da Adequação Social norteia o legislador quando da criação ou revogação das figuras típicas, bem como auxilia na interpretação dos tipos penais constantes em nosso Código Penal.

         O legislador é detentor da função de pesquisar e selecionar as condutas ofensivas aos bens jurídicos mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, impedindo a criação de tipos penais que proíbam condutas já aceitas e toleradas pela sociedade, caso contrário compeliria a população a cometer crimes, uma vez que não os julgava assim.

         Diante disto é que Jakobs afirma que determinadas formas de atividade permitida não podem ser incriminadas, pois se tornaram consagradas pelo uso histórico, isto é, costumeiro, aceitando-se como socialmente adequadas. (Derecho Penal, cit., p. 244)

         Então o Princípio da Adequação Social em consonância com o Princípio da Lesividade, bem como com o Princípio da Intervenção Mínima possibilita ao legislador a criação da figura típica, assim como o alerta para a necessidade da revogação dos tipos penais que não mais prevêem condutas reprovadas socialmente, auxiliando ainda na análise de interpretação das figuras típicas.

  1. 5.      PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Este princípio abre as portas ao legislador para a criação dos tipos penais, em uma visão equilibrada do direito penal porem somente os bens mais importantes que sofrem ataques mais lesivos é que podem merecer a atenção e a proteção do direito penal.

A tarefa do legislador é identificar com precisão as condutas que se vai proibir ou impor, sob a ameaça de uma punição penal, a fim de proteger o bem; alem de uma grande apuração legislativa.

No principio da insignificância o patrimônio é considerado pelo legislado o bem mais importante ao convívio em sociedade ao ponto de receber a proteção do direito penal.

  1. 6.      Origem de natureza jurídica do principio da insignificância

O principio da insignificância se deve ao professor alemão Claus Roxin, onde é entendido como um princípio auxiliar de interpretação; ele pode ser aplicado em grande parte dos tipos; e tem por finalidade afastar do tipo penal os danos de pouca ou nenhuma importância. Embora de utilização obrigatória em muitos casos, nem todos os tipos penais permitem o raciocínio da insignificância.

Assim interpretando restritivamente o tipo penal, o principio da insignificância evidencia a sua natureza de principio que conduz a atipicidade do fato, tendo como plano de fundo a nossa estrutura jurídica do crime.

Em uma concepção analítica, o crime é entendido como uma ação típica, ilícita e culpável. O fato típico, a ser analisado na estrutura jurídica do crime é composto pelos seguintes elementos: a conduta dolosa ou culposa,comissiva ou omissiva; o resultado; o nexo de causalidade, e a tipicidade penal.

O principio da insignificância e que pesem as posições em contrario premissa vênia, tem por finalidade afastar a tipicidade do fato, não permitindo que o interprete ingresse no estudo das características seguintes que integram a infração penal, a ilicitude e a culpabilidade.

  1. 7.      Principio da insignificância da pena

Passados as barreiras do principio da intervenção mínima, é o direito penal fragmentário onde não cabe a proteção de todos os bens existentes em nossa sociedade, porem aqueles que gozem de proeminência individual ou coletiva, mas as mais importantes para a sociedade e para o seu convívio. Devemos antes verificar se outros ramos de ordenamento jurídico são capazes de por si só cumprir essa ação protetora, sem o auxilio do D.P. a conduta que ofende aquele bem.

A nossa CF em seu art. 5°, inciso XXXLX diz que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal.

O principio da individualização da pena foi consignado expressamente no art. 5° da CF e inciso XLVI, onde a lei regulará a individualização da pena e adotará a privação ou restrição da liberdade; perda de bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição do direito.

O principio da individualização se dá em três fases distintas: a fase de cominação, a de aplicação e de execução.

Devera obrigatoriamente, nesse estudo comparativo, trabalhar com o principio da proporcionalidade, intimamente relacionado ao da individualização da pena.

Devera obrigatoriamente, nesse estudo comparativo, trabalhar com o principio da proporcionalidade, intimamente relacionado ao da individualização da pena.

A segunda fase da individualização correspondência  aplicação da pena. Primeiro o legislador irá precisar dar a importância que cada bem merece.

  1. 8.      PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

 

Segundo Rogério Greco:

[...] O principio perde a sua natureza absoluta, pois sabemos que quando alguém é condenado, segregado temporariamente do convívio familiar, a pena estende o seu raio de ação aquelas pessoas que, embora não tenham praticado o delito, sentem a força da sanção penal em razão da separação daquele que, por exemplo, mantinha a subsistência da família [...]

Sobre a forma analisada pelo citado autor não é difícil encontrar atualmente toda uma família suportando o estigma de uma condenação. A esposa, mãe, que trabalha para sustentar a família, não estampa mais esses adjetivos e sim o de “mulher de bandido”. A criança tolhida de uma realidade que a ela deveria assistir, não é só mais uma criança e sim “filho de bandido” que provavelmente bandido irá ser. Infelizmente, sob uma perspectiva criminológica, esta é a realidade que pode ser percebida.

Sob o aspecto formal o autor Rogério Grego da a seguinte resposta:

“Para que a resposta a essa indagação seja a mais precisa possível, devemos desdobrá-la para que a analisemos de acordo com as penas cominadas na lei penal, a saber: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.”

Através da critica a adoção da pena pecuniária, de Luigi Ferrajoli na qual adverte:

                                 [...] A pena pecuniária é uma pena aberrante sob vários pontos de vista. Sobretudo porque é Uma pena impessoal, que qualquer um pode saldar, de forma que resulta duplamente injusta: em relação ao réu, que não a quita e se subtrai, assim, a pena; em relação ao terceiro, perante ou amigo, que paga e fica assim submetido a uma pena por um fato alheio [...].

Nesta ótica em outra passagem cita ainda a obra de Ferrajoli, arrematando: frente a tão numerosos e diversos inconvenientes, a única reforma possível desta pena é sua abolição. Ou a pena pecuniária é considerada suficiente e, então, a punição poderia ser administrativa, com a despenalização do delito para o qual haja sido prevista, ou bem se considere insuficiente, e, então deverá ser "substituída por outro tipo de pena, mais severa", o que evidencia coerência com os postulados do direito penal mínimo e garantista.

Tendo Rogério Grego a seguinte conclusão:

                                     [...] Se observada informalmente, a pena transcende a pessoa do condenado, vindo a atingir aquelas pessoas que lhe são próximas – amigos, parentes etc. – que sofrem a moral, emocional e economicamente com a condenação. Sob o aspecto formal, entendido aqui o sentido de efetivo cumprimento da pena, a regra da intranscendência não é absoluta, pois que, quando estivermos de pecúnias – multas ou prestações pecuniárias -, nada garante que sua inflição desfalque o patrimônio do condenado, podendo outras pessoas levarem a efeito o pagamento.[...]

 

Vive-se atualmente um Estado de Direito com todas as suas garantias. Ocorre que na prática apresenta-se um estado de polícia, como nas palavras de Eugênio Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar (2003, p. 232), que assim asseveram:

                     [...] O estado de polícia estende a responsabilidade a todos que cercam o infrator, pelo menos por não terem denunciado sua atividade, e considera sua família perigosa, porque seus membros podem vingá-lo. Tais características se acentuam nos delitos que afetam a existência do estado, que no estado de polícia se confunde com o governo. Por isso, por meio do terror incentiva a delação e consagra a corrupção de sangue. No estado de direito a responsabilidade penal deve ser individual e não pode transcender a pessoa do delinqüente[...].

  1. 9.      PRINCIPIO DE LIMITAÇÃO DAS PENAS

                     A sociedade titulada em seus direitos, buscou princípios que controlassem a punição penal pelo Estado, evitando abusos de poder punitivo.

                     Tais princípios constituem em longo processo histórico, sendo necessário uma abertura política que se demonstrou ausente nos regimes de totalitarismo e monocráticos.

                     Somente a partir do século XVIII no Iluminismo inseriu-se uma lógica em que o poder estatal era restringido, tendo como papel principal garantir direitos mínimos para os indivíduos em que se imputa a prática de crime somente se lei prévia estabelecer determinada conduta como tal, nem lhes pode ser imposta pena também previamente definida.

                     A Lei somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima.

                     A pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado (jus puniendi) quando alguém pratica uma infração penal.

                     OBS: embora o Estado tenha o seu poder-dever de aplicar a sanção àquele que violou o ordenamento jurídico-penal, praticando determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos ou implícitos na CF.

                     Atualmente, principalmente nos países ocidentais, a preocupação com a integridade física, mental e a vida.

                     Vários tratados são pactuados, visando à preservação da dignidade humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis.

                     Finalidades das penas: reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais, (conforme art. 59 CP).

                     Através do Princípio da limitação das penas a CF visando proteger os direitos de todos, direitos humanos: proibiu a cominação de penas: art. 5º, XLVII, dizendo que não haverá penas:

a) de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis.

                     A limitação da pena tem previsão constitucional, prontamente no Título I, Capítulo II (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) em seu art.5º, inciso XLVII. A previsão constitucional no art.5º demonstra a preocupação do constituinte em preservar a dignidade do indivíduo, mesmo que este tenha cometido delitos.

                     Convém mencionar que tais penas foram banidas do ordenamento jurídico, pois não se coadunam com a sistemática progressista vivida pelo Brasil. Um país que vive um amadurecimento democrático não poderia conviver com normas que ferem a dignidade da pessoa humana e que violentam abruptamente o princípio da humanidade e do interesse social.

                     O inciso XLVI, que representa o principio da individualização da pena tem relação direta com a limitação das penas, tendo em vista que previamente declara quais as modalidades de pena serão permitidas. De modo contrário, na limitação da penas mencionam-se quais modalidades sancionatórias não serão permitidas. Neste ensejo, a individualização das penas deve estar em consonância com a limitação das penas. Em fim, a aplicação da pena deve propiciar e estar adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico afetado, representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente. Na prática, a questão de cumprimento da pena em estabelecimento distinto de acordo com a natureza do delito muito tem haver com a questão de estabelecimentos para cumprimento de penas no regime semi-aberto. Desta feita, o STF se pronunciou com muito garantismo no HC 87.985.

                     Concluindo o fracasso das instituições oficiais, a pena criminal, devido ao seu efeito intimidante, transforma-se em num mecanismo isolado e solitário na busca pela correção das distorções da sociedade. No estudo acerca da limitação das penas, observou-se o empenho promovido pelo constituinte de 1988, e os legisladores na feitura pretérita da Lei de Execução Penal. Este empenho reflete-se no anseio maior de preservar a aplicação e execução da pena num formato que mantenha a dignidade do ser humano. Observou-se também, a conexão existente entre o direito constitucional e o direito penal. Nesse diapasão, a constituição representa marco fundante de todo o ordenamento jurídico, e com particular e definitiva influência na seara penal. Isso se deve ao fato de que a Constituição, fonte primária da lei penal, contempla um extenso rol de normas de direito público, dentre as quais tem maior destaque as referentes aos direitos e garantias individuais.

  1. 10.  PRINCIPIO DA CULPABILIDADE

                     A culpabilidade se apresenta como exigência da sociedade e da comunidade jurídica, não é um fenômeno individual, mas social. É através do juízo de culpabilidade que se examina a reprovação do indivíduo que não haja observado as exigências gerais. O conceito de culpabilidade é um conceito social e jurídico, pois a sua construção se dá conforme os requisitos da vida social, dependendo, muitas vezes, da situação econômica, dos fundamentos sócio-econômicos, enfim, das mínimas exigências sociais de cada época. Se há transformações, certamente o conteúdo da culpabilidade sofrerá alterações, denominando-se “a medida do juízo de culpabilidade”.

Da analise critica proposta por Nilo Batista (1990, p. 103) se extrai:

                     [...] O principio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável. [...]

                     É oportuno frisar que a culpabilidade, segundo a visão política criminal atual, não deve ser tida como o pressuposto isolado de aplicação da pena. Há outros princípios também importantes, como o da intervenção mínima, defensor da inaplicabilidade da pena ante a inexistência da reprovabilidade intensa da conduta ou delitos de escassa lesividade social.

                     Para o professor Bitencourt (2003, p. 14) a culpabilidade possui diversos sentidos:

                     [...] Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma serie de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins previstos etc. [...]

                     Na realidade, o princípio da culpabilidade, como fundamento do Direito Penal moderno, não pode admitir penas que não se considerem merecidas, não podem exercer uma influência positiva, nem sobre o condenado, nem sobre a coletividade e, portanto, não podem lograr nem a prevenção geral nem a especial. Na prática judicial, só o princípio da culpabilidade pode aplicar-se como princípio de medição da penas, e estas, por sua vez, visem à correção do agente, só lhe podendo imputar cupavelmente a violação da norma, se o mesmo agente, através da pena aplicada, puder ser corrigido.

                     O princípio da culpabilidade é uma exigência do respeito à dignidade humana do indivíduo. A imposição de uma pena sem culpabilidade, ou se a medida da pena extrapola o grau de culpabilidade, supõe a utilização do ser humano como um mero instrumento para a consecução de fins sociais, neste caso preventivamente, o qual implica um grave atentando à sua dignidade. A liberdade, como característica da pessoa, é o pressuposto irrenunciável de toda a culpa jurídico-penal e do modelo político-criminal próprio de um Estado de Direito Democrático. Só assim se pode falar da dignidade pessoal com o valor mais alto e o bem mais digno de proteção de toda a ordem jurídica constitucional.

                     A culpabilidade, concluindo, como princípio da dignidade da pessoa humana, efetivamente, proclama a responsabilidade penal pessoal, frente à coletiva, inadmitindo a responsabilidade penal objetiva, em virtude da exigência do dolo e da culpa logo no exame da ação humana. Além disso, o princípio da culpabilidade é também a segurança de uma pena justa, proporcional à culpabilidade pessoal do autor do delito, frente às penas excessivas, desproporcionadas à gravidade do fato ou reprovação moral que o autor do mesmo esteja a merecer.

                     Pelo principio em exame, não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três conseqüências materiais:

a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado;

b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor;

c) a culpabilidade é a medida da pena.

  1. 11.  PRINCIPIO DA LEGALIDADE

                     Muitos afirmam remontar à Magna Carta, de1215, aprimeira aparição do princípio da legalidade. Seu art. 39 assim dispunha:

                     Art. 39. Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do País (grifo nosso).

                     Vale lembrar que esse princípio sempre foi expressamente previsto no Código Penal brasileiro (desde o Código do Império, de 1830, até Código de 1940, com a Reforma de 1984), o que não seria necessário, haja vista que a Carta Magna já dispõe nesse sentido. Atualmente, o Código Penal traz o princípio da legalidade (ou da anterioridade da lei penal, como preferem alguns) no seu art. 1º.

                     Insta salientar que muitos autores diferenciam princípio da legalidade, princípio da reserva legal e princípio da anterioridade da lei penal. Consideramos equivalentes os três conceitos. Mesmo que se os considerem diversos, abordaremo-los como aspectos atinentes ao princípio da legalidade, apenas não mencionando o nomen júris pretendido por alguns autores.

                     Consoante o magistério de ROGÉRIO GRECO, o princípio da legalidade apresenta quatro funções fundamentais: proibir a retroatividade, a criação de crimes e de penas pelos costumes, o emprego de analogia na criação de crimes ou na fundamentação ou agravação de penas e as incriminações vagas e indeterminadas.

                     Dentre as funções destes princípios podemos citar a de proibir a retroatividade. Vimos que o princípio da irretroatividade da lei penal, com fulcro constitucional (art. 5º, XL, CF), reforça a legalidade, pois, além de uma pessoa só poder ser punida por previsão legal, essa punição apenas se poderá dar a partir do início da vigência daquela lei. Esta é a redação do inciso XL do art. 5º da Constituição: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (grifo nosso). Aqui o próprio dispositivo constitucional que disciplina o princípio prevê uma exceção. Como dissemos, os princípios qualificadores da legalidade estão sempre voltados para o bem do cidadão, portanto a exceção se coaduna com essa ideia. Assim, diz-se que o Brasil aceita a retroatividade in mellius (ou proíbe a retroatividade in pejus), podendo-se aplicar a lei mesmo se ainda estiver em vacatio legis, desde que benéfica ao réu. Um brocardo resume essa função do princípio da legalidade: nullum crimen nulla poena sine lege praevia.

                     Tem também como função sugerida por GRECO é a proibição de incriminações vagas e indeterminadas. Já vimos também essa função quando falamos do princípio da taxatividade. O crime, além de ter que ser previsto legalmente, deve ser disposto de forma categórica e clara. A lei deve ser taxativa. Não pode o cidadão ficar à mercê do intérprete. O art. 5º, II, da Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Imaginemos um tipo penal com o seguinte preceito primário: “atentar contra os interesses da pátria. Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos”. Pelo dispositivo constitucional, o cidadão só é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo em virtude de lei. Sendo esse tipo penal instituído por lei, estará o cidadão obrigado a “deixar de atentar contra os interesses da pátria”. O que vêm a ser “interesses da pátria”? Que condutas amoldar-se-iam ao tipo em questão? São perguntas sem resposta exata. Diante da vagueza do tipo penal, o cidadão encontra-se em situação de extrema insegurança, não sabendo exatamente o que deve deixar de fazer em função daquela norma. É justamente isto que o princípio da legalidade abomina: tipos penais abertos.

                     Vale dizer um dos objetivos principais do princípio da legalidade, além de ser garantia individual constitucional dos cidadãos, é impedir que o Judiciário e o Executivo possam especificar as condutas que devem ser punidas pelo Direito Penal. Aqui há uma forte demanda pela segurança jurídica.

                     A certeza do direito é fundamental para a proteção das liberdades individuais, alvos principais das sanções penais, e o Legislativo é o poder nas melhores condições para conceder essa certeza. Não há segurança maior do que ter um documento escrito disciplinando as situações em que o Estado poderá exercer seu direito de punir, cerceando a liberdade de um cidadão.

                     O princípio da legalidade, como uma das principais garantias individuais do cidadão, tem aplicação em todos os ramos do direito. Restringimo-nos aqui a abordar a legalidade no âmbito do Direito Penal, fazendo breve menção à sua previsão constitucional no inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Pretendemos, com este lacônico estudo, apontar as características fundamentais do princípio da legalidade, suas funções, bem como as implicações que daí decorrem, os princípios que com ele se relacionam diretamente e a aplicação da lei penal no tempo, trazendo algumas orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores sobre os assuntos mais relevantes. É garantia individual de cunho constitucional cuja análise é imprescindível para a compreensão de todos os outros institutos do Direito Penal, sendo também o princípio mais importante desse ramo do Direito. Sem a pretensão de esgotar o tema, estudaremos apenas as questões do instituto que reputarmos mais relevantes.

         Da observância ou inobservância deste princípios surgiram três correntes de pensamento, que se contrapõem entre, quanto ao nível de intervenção do Direito Penal na nossa sociedade, que passamos a analisar de forma mais detalhada.

  1. 12.  MOVIMENTO LEI E ORDEM

Se por um lado, a sociedade, pelo menos até os dias de hoje e as próximas décadas, não está apta a abolir o direito penal de suas vidas, tendo em vista a necessidade de repreender condutas que atacam os bens tutelados, tidos como importantes para a convivência social; por outro lado se encontra o chamado movimento Lei e Ordem.

Esse movimento Lei e Ordem defende que o Direito Penal Máximo, também denominado por alguns de Direito Penal Eficaz, seria, em tese, a solução para todos os infortúnios que angustiam a sociedade.

         Na realidade, o que ocorre hoje é que vivemos numa sociedade amedrontada e acuada pela insegurança, em grande parte graças à interferência da mídia. No final do século passado e início do atual, a mídia foi grande responsável pela propagação do movimento Lei e Ordem. As críticas à legislação penal convenceram a população de que era preciso aumentar ainda mais as penas, relativizar e, até mesmo afastar algumas garantias processuais e criar novos tipos penais. Só assim a sociedade restaria “livre” dos “criminosos”.

Diante de tanto sensacionalismo e transmissões de crimes hediondos, a população se convence de que o Direito Penal é o único meio de frear essa violência.

         Assim é que o Estado Social, que traz investimentos na educação, na saúde, no lazer, na cultura e etc, têm sido deixado em segundo plano em razão do Estado Penal, em que se prioriza a repressão.

         Rogério Greco traz o exemplo da política de tolerância zero, adotada pelo prefeito da cidade de Nova Iorque no início dos anos 90. De acordo com essa política houve uma reorganização, na qual existia uma permanente perseguição dos pobres, com aplicação da lei sobre delitos de “menos importância” como embriaguez, jogatina, mendicância, dentre outros, como meio de reduzir a insegurança das classes mais altas.

         Tal política de tolerância zero é uma das vertentes do movimento Lei e Ordem. De acordo com esse movimento, o Direito Penal é tido como a resposta para todos os anseios da sociedade, devendo, pois, se preocupar e cuidar de todos os bens existentes, não apenas daqueles mais importantes e necessários. Qualquer conduta intolerável, por menor que seja, não pode deixar de ser reprimida.

         Logo, tendo o Direito Penal que lidar com comportamentos irrelevantes, de menor importância e valor social, torna-se um Direito simbólico. Isso porque o Direito penal não teria eficácia propriamente dita contra as condutas não desejadas, sua eficácia seria apenas no que toca à tranquilização da sociedade. Os riscos, a violência e os crimes continuariam os mesmos. Rogério Greco vai além e diz que o raciocínio do Direito Penal Máximo nos conduz, obrigatoriamente, a crença de que há uma total falta de credibilidade. Segundo esse autor, quanto mais infrações penais, menores são as possibilidades de serem efetivamente punidas as condutas infratoras. O aumento exacerbado de tipos penais e o recrudescimento das penas a serem aplicadas, que acenam uma promessa de maior punição para os infratores, apenas acabam por enfraquecer o Direito Penal, que perde seu prestígio tendo em vista a certeza de impunidade.

         Além disso, a própria sociedade não suportaria tamanha intervenção e punição de todos os seus comportamentos ditos intoleráveis e anti-sociais, tendo em vista já estar acostumada a praticar alguns deles O Direito Penal Máximo só é suportado quando aplicável aos outros que não nós mesmos, nossos familiares ou amigos.

         Enfim, o que se deve perquirir são os crimes de grave potencial ofensivo, que realmente ferem os bens jurídicos importantes para a população. O movimento Lei e Ordem desvirtua o alvo, visto que existe a máxima intervenção do Direito Penal, incidindo pois, em relação a todas as condutas indesejadas, desperdiçando tempo e insumos, além de acarretar no descrédito no Direito Penal, que se torna apenas um Direito simbólico. Há que se resgatar o Estado Social, com redução das desigualdades sociais, em vez de buscar o Estado Penal. Se o Estado não cumpre suas obrigações sociais, aumentam-se as diferenças econômicas entre as classes sociais e o descontentamento da população mais carente, com conseqüente aumento das infrações, que gera mais insegurança à sociedade, que, por sua vez pede mais justiça. E então tem-se um círculo vicioso sem fim.

  1. 13.  DIREITO PENAL DO INIMIGO

         O Direito Penal do Inimigo, criado pelo alemão Gunter Jakobs, faz parte da política do Direito Penal Máximo e está em contraposição ao Direito Penal do Cidadão. O primeiro não assegura as garantias constitucionais adquiridas, nem respeita os princípios fundamentais, visto que os infratores são tidos como inimigos do Estado, ao contrário do que ocorre com o segundo.

         Segundo Jakobs, o Direito penal age de duas formas, quais sejam: trato com o cidadão, em que se espera a exteriorização de uma atitude não permitida para posterior reação, e o trato com o inimigo, em que se combate anteriormente à sua ação tendo em vista sua periculosidade. Ainda de acordo com Jakobs, as pessoas, por exemplo, pertencentes à organizações criminosas e grupos terroristas, se caracterizam por sua insistência em infringir as leis penais, assim, o Estado se antecipa até a preparação e a pena se dirige a assegurar fatos futuros, e não a sanção de fatos já cometidos.

         Para entender melhor o Direito Penal do Inimigo, Rogério Greco explica o que se chama de velocidades do Direito Penal.

         Assim, a primeira velocidade está relacionada com a aplicação de uma pena privativa de liberdade, devendo ser observadas todas as regras garantistas, penais e processuais penais.

         Já a segunda velocidade se refere à aplicação de penas restritivas de direitos e a pena de multa, por exemplo, ou seja, penas que não sejam de privação de liberdade do cidadão. Aqui, por não se tratar da liberdade, algumas garantias poderiam ser afastadas.

         Por fim, alguns entendem o Direito Penal do Inimigo como uma terceira velocidade, que seria uma velocidade híbrida, ou seja, teria a intenção de aplicar penas privativas de liberdade, com uma mitigação das garantias penais e processuais penais.

         No entanto, o primeiro questionamento que deve ser feito é quem pode ser considerado inimigo para que possam ter suas garantias reduzidas. Assim, se voltaria ao antigo e combatido direito penal do autor, em vez de um direito penal de fato.

         O princípio do fato garante exclusão de qualquer responsabilidade jurídico-penal por meros pensamentos. Por outro lado, o direito penal do autor restaria baseado no que se entende como “estranhos à comunidade”. Essa denominação foi adotada por Hitler quando de sua assunção ao poder. Tais “estranhos à comunidade” eram determinadas pessoas tidas como perigosas, como ocorria com os delinqüentes habituais e, por isso recebiam tratamento diferenciado como medidas de internação por prazo indeterminado, pena de morte e etc.

         Essas medidas direcionadas aos “estranhos à comunidade” vão de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, justamente por desconsiderá-la pessoa, muito se aproximando do Direito Penal do Inimigo.

         Não se pode desistir do homem, taxando como irrecuperável o delinqüente habitual ou os criminosos pertencentes às facções organizadas.  O Direito Penal Máximo, ou seja, o Direito Penal do Inimigo deve ser repudiado pela sociedade, até mesmo para nossa própria segurança, pois, tem-se aí, como comentado acima, o chamado direito penal do autor. Afinal, podemos com precisão dizer quem são os inimigos? Alguns com certeza se encaixam, como os terroristas, traficantes, entre outros. No entanto, outros podem se encaixar no conceito de inimigo de acordo com quem está no poder.

         Enfim, não podemos nos afastar de todos os direitos e garantias conquistados ao longo dos anos com tanto esforço, inclusive para os infratores. Muito menos podemos nos deixar convencer sob o falso argumento da existência do cidadão versus inimigo, visto que, quem sabe, amanhã poderemos ser rotulados de inimigos por não concordarmos com o Direito Penal do Inimigo, por exemplo, conforme dispõe Rogério Greco.

  1. 14.  MOVIMENTO ABOLICIONISTA

Esta corrente do Direito Penal surgiu nos movimentos de 1968, na França, como caminho para uma sociedade igualitária, mas, também, como proposta para a atualidade, redimensionando as liberdades e produção de práticas subjetivas singulares. De acordo com Louk Hulsman “o abolicionismo penal começa na própria pessoa”

Sua proposta é a desconstrução do direito penal retributivo, cuja prática penalista não tem resultado em soluções reais. Em substituição à imposição das atuais penas propõe o castigo consentido e a indenização material e moral, como formas conciliatórias de dar conta dos delitos civis. A realidade da sociedade sem punição imposta é, ainda, efeito da impossibilidade de punir a totalidade dos que infringem a lei, que prioriza a punição da violação das propriedades.

 Em sua atualidade o movimento representa uma recusa da naturalização da obediência e da conservação dos costumes sociais como bens a serem preservados.
O ideal da sociedade ordeira e justa, que tem sido um imperativo, atenta contra o instintivo e o intempestivo, confinando o jovem no “adulto, cidadão, trabalhador livre e responsável, racional seguidor de normas e leis.

A resposta-percurso do abolicionismo penal se pretende ampla, envolvendo vários setores sociais na demolição do direito penal moderno, e seu objetivo é favorecer as decisões que instituem a singularidade em cada caso, mas não abolindo totalmente o castigo, apenas reinscrevendo-o num regime de consenso entre as partes.

            Observando o sistema penal atual, notamos que este não procura efetivas soluções para os conflitos penais existentes, mas sim, alimentam o círculo vicioso da violência.
            De tão acostumado, o povo já nem percebe que a reação do Estado, da forma como a conhecemos hoje, provoca maior violência do que a combatida.
            A história tem nos mostrado que esse sistema só nos leva ao ponto de partida, o delinqüente devolve à sociedade toda a violência que recebeu através de seus representantes (Estado).
            Raramente vê-se alguém sair de um cárcere melhor do que quando entrou, provando que o encarceramento do homem não tem o poder curativo que tanto se apregoa. O cárcere não pode melhorá-lo, aperfeiçoá-lo, não corrige a falta cometida, não o ressocializa, nem limpa sua culpa perante a sociedade a perturbou com sua conduta delituosa.
          O abolicionismo traz em seu âmago uma abordagem crítica desse esquema auto-destrutivo.
           Novas medidas paliativa são utilizadas no interior do sistema repressivo penal, mas apenas se mostram como nova forma de punição, e não como desejam apresentar-se, ou seja, um processo de reeducação.

            Nosso sistema penal visa somente o autor dos fatos e dos interesses do Estado, esquecendo-se totalmente da vontade dos demais envolvidos na situação, como por exemplo a vítima.

             A doutrina abolicionista acredita na aplicação do individualismo e humanismo na solução das lides penais. Para ela, o problema a ser resolvido, não passa de um eventual acontecimento infracional envolvendo membros da comunidade, independendo-se a situação sócio-econômica e do stigma de perigoso.

              Assim, a solução destes conflitos deve estar voltada para as especificidades vividas por cada indivíduo. A aplicação do princípio da igualdade prevê a diferenciação equilibrada entre os indivíduos, chegando-se, então, ao verdadeiro humanismo. Os conflitos sociais só podem ser solucionados a partir do envolvimento de todas as partes neles envolvidas.
              O objetivo desta ideologia é mais do que transferir os conflitos da jurisdição penal para a civil, supondo que a conciliação neste solucionaria os problemas daquele.
              O movimento abolicionista visa uma solução para a violência que não seja baseada em violência. Tem por maior escopo pacificar os conflitos sociais através de modelos de atuação que pressupõem o princípio do acordo indivíduo-indivíduo, privilegiando o diálogo e substituindo a disciplina. Quer preservar a cidadania de ambas as partes, não precisando suspender a de ninguém.

               A teoria abolicionista assusta por redimensionar a justiça e o papel da máquina judiciária na nova justiça. Ela nos perturba, pois faz-nos ver além, e nos tira da fantasia de um mundo onde existem os bons (nós) e os maus (eles).

                Não se deve temer as mudanças que essa teoria trará se praticada. Nela, o Estado deverá ser um protetor de nossos direitos e não nosso carrasco. Trabalharemos não com a imposição do medo, mas com a busca da consciência.“Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão marginal, estatisticamente tão desprezível?”

Todos os princípios e valores sobre os quais tal sistema se apóia ( a igualdade dos cidadãos, a segurança, o direito à justiça, etc.) são radicalmente deturpados , na medida em que só se aplicam àquele número ínfimo de situações que são os casos registrados.

O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma, às avessas. A cifra negra deixa de ser uma anomalia para se constituir na prova tangível do absurdo de um sistema existente. E longe de parecer utópica, a perspectiva abolicionista se revela uma necessidade lógica, uma atitude realista, uma exigência de eqüidade.".

A acepção e a seleção que ocorrem na apuração dos crimes, e na intervenção do Estado através da aplicação do sistema penal só fazem agredir princípios básicos de direito, princípios estes não disponíveis por terem caráter constitucional.

Nossa Lei Maior garante a inalienabilidade dos direitos inerentes ao homem, direitos estes que nada nem ninguém poderia usurpar, muitos menos a atuação do Estado.

  A pena privativa de liberdade não intimida. É fácil constar-se este fato ao prestarmos o mínimo de atenção nos presídios e delegacias abarrotados de pessoas que não se amedrontaram diante pena, e nos incontáveis indivíduos que circulam livremente pelas ruas praticando toda sorte de delitos, mesmo conhecendo a possibilidade de serem punidos.

Nosso sistema penal é completamente arcaico e falho quando pretende controlar a criminalidade prevendo sanções graves aos indivíduos que burlarem as leis. Ineficaz é a palavra exata para nosso ordenamento jurídico penal, INEFICAZ!

O homicídio, o aborto, o roubo, o tráfico de entorpecentes e outros delitos são praticados com relativa regularidade, como ocorreria se não houvesse proibição alguma. A intervenção penal do Estado é irrelevante.

Além de rejeitar o sistema penal como inibidor da criminalidade, os abolicionistas entendem que, por apresentar resposta violenta e pública, ele acaba por estimular a própria violência em outros campos, principalmente nos presídio, considerados por muitos como a "escola do crime".

Contudo, o abolicionismo não foi capaz de, além de denunciar assertivamente a perda da legitimidade do sistema penal, propor um método seguro para a sua aplicação.

O sistema penal brasileiro vigente está recoberto de ilicitudes, ilegitimidades e vícios grotescos. Ao revés de seu objetivo primordial, nosso direito penal positivo só consegue deteriorar ainda mais a convivência em comunidade, agravando a violência existente, em uma época já marcada por tantas aberrações sociais.

O Estado detém em suas mãos o jus puniendi e o usa sem critérios e sem responsabilidade. Não visa o cumprimento de seus deveres e encargos constitucionais para com os cidadãos, todavia, regala-se com privilégios para iludir a sociedade objetivando simplesmente, manter o poder através de uma legitimidade viciada.


15. DIREITO PENAL MÍNIMO

Ao analisamos a historia das penas no mundo podemos vir a concordar com  von Ihering que afirma que  "a história da pena é a da sua constante abolição", ou seja, quando olhamos para alguns séculos atrás, onde o direito canônico exercia a função penal, levando a fogueira milhares de mulheres inocentes que apenas acreditavam num suposto deus “satânico”.E o Estado atuava em demasia, confundindo o ius puniendi com o exercício de poder e de preservação política do soberano. As punições, antes de representarem fins de profilaxia criminal, significavam a vingança. Vemos que o direito penal evoluiu de suas penas cruéis e desumanas a partir do momento em que se passou a ser estudado como ciência. Com base nessa perspectiva histórica surge no norte da Europa,porem com forte repercussão na América.

O movimento intitulado de abolicionismo  prevê a deslegitimação do poder punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos do direito penal, postulando o desaparecimento do mesmo e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos.

Idealizadores que estão sim comprometidos com o bem estar da sociedade como um todo, e partindo de princípios constitucionais,  chegam a essa conclusão a partir da irracionalidade das penas, tendo como base a dignidade da pessoa humana e da falta de estrutura dos estados de fazer valer o real sentido das penas independente de quem pratique o ato visto como nocivo.

A crítica abolicionista se fundamenta justamente no fato de que os rigores de tais leis recairão apenas sobre os marginalizados, como forma de se criar um escudo invisível de proteção as classes mais favorecidas.                                                                   

Em outra mão temos o mito da eficácia da lei penal, contando com o apoio da mídia induz a sociedade a acreditar que o direito penal é a solução pra todos os males. Incontidamente vemos o cenário dos grandes centros urbanos mudarem radicalmente,com o acumulo de grades de proteção e câmeras de segurança que sucessivamente faz a sociedade revoltar-se com a incapacidade do estado de punir os marginais e proteger o bem jurídico mais importante a vida.O legislativo acuado passa a criar novos tipos penais sem se preocupar com eficácia real dos mesmos,podemos citar a provação do crime de homicídio qualificado foi incluído nesse rol, em função da morte de uma jovem atriz global. E outro métodos adotados por países de primeiro mundo, como o programa intitulado “tolerância zero”,imposto pelo chefe do executivo municipal Rudolph Giuliane e o chefe de policia william Bratton da cidade de Nova Iorque,o que foi visto como um movimento político criminal,que pretendia que o Direito Penal fosse o protetor de quase tudo, basicamente todos os bens existentes na sociedade.            Winfried Hassamer e Francisco Muñoes Conde, in introdución a la criminologia,p. 235, entendem que “ a tolerância zero constitui uma forma de disciplina e de contenção dos setores mais desfavorecidos economicamente,e não uma verdadeira solução ao problema social que condiciona esses comportamentos. O estado social se transforma assim num Estado penal que, através do Direito Penal, pretende o controle da mão de obra não qualificada que não quer assumir o trabalho descontinuo e mal retribuído que se lhe oferece.                                   

         A sociedade brasileira continuamente caminha para o raciocínio relacionado ao direto penal Maximo, o que não conduz a uma credibilidade maior com a criação de mais infrações penais, outrossim a uma possibilidade maior de não serem punidas as condutas infratoras.O direito Penal não pode assumir o papel de Educador num estado social.     

         Dentre essas discussões aparece o direito penal mínimo que visa o equilíbrio da de um estado social e um estado penal. A inflação do legislativo gera apenas conflito de normas, e meios de recurso e causa de morosidade para o judiciário.

         É necessário que haja uma preocupação maior e agir efetivo para que seja possível a viabilização de funcionamento e eficácia dos órgãos incumbidos da persecução penal em sentido amplo e completa aplicação da lei de execução penal, de 11 de julho de 1984.

         A ultima década foi marcada por “equívocos” legislativos que apenas contribuíram para um prolongamento das lides no judiciário como  por exemplo, a “Lei de Tortura”que permitiu a progressão de regime nos crimes que elenca, mesmo sendo hediondos, estabelecendo discussão também quanto a sua extensão, que não foi explicitada pelo legislador que parece ter agido de forma desatenta tomando a contramão das discussões do momento.

         Como citado acima o surgimento desse Estado Penal não condiz coma realidade brasileira atual, parecendo assim a figura da intervenção mínima a mais adequada. Essa ideologia busca através de princípios uma descriminalização racional pautada em princípios como o da intervenção mínima, que guia o legislador na identificação dos bens mais importantes a serem resguardados numa sociedade. Segundo Rechtsgutbem é tudo que "tudo o que, aos olhos do legislador, tem valor como condição para uma vida saudável dos cidadãos".

         Esse bem pode ser de extrema importância para a sociedade mas ao mesmo tempo pode encontrar proteção em outros ramos do direito.No Brasil a lei dos Juizados Especiais, nº9.099/95, que não podemos afirmar com certeza que seria um avanço a medida que gera insegurança quanto a certeza de punição. Os Arts. 88 e 89 da lei que institui os juizados especiais Criminais e que condicionou as ações penais nos crimes de lesão corporal dolosa, de natureza leve,e culposa a representação do ofendido. De públicas condicionadas passaram a publicas incondicionadas. Sendo assim, homologada a transação penal nos termos do art. 76 da Lei nº 9. 099/95, com efeito de coisa julgada, o não recolhimento da multa imposta possibilita apenas a sua execução e uma vez a transação homologada, fica exaurida a prestação jurisdicional. 

         Deve-se evocar também o principio da adequação, onde determinado tipo penal deve existir apenas se a sociedade não assimila como tal, podemos citar o jogo do bicho. E também a lesividade dos atos praticados se ferem apenas o individuo que a praticou ou se atinge a terceiro.

Toda essa analise pautada em princípios deve se dar não apenas quando da criação de tipos penais, mas para que haja uma descriminalização consciente, buscando antes de tudo redimir os males através do estado social,e não permitir que esses ideais sejam buscados apenas no campo abstrato e deixado de lado quando da aplicação da Lei, punindo crimes de menor porte com medidas educativas principalmente e recorrendo ao real intuito do cárcere penal apenas em situações de extremo clamor.

16.  FURTO FAMÉLICO

Inúmeras teorias acerca da humanidade e seu comportamento foram desenvolvidas no decorrer dos anos, sendo para nós, neste momento, mais importante, destacarmos as contemporâneas teorias da justiça, as quais não se abre mão da reserva mínima de ética e da reserva mínima de direitos básicos igualitariamente assegurados, para resultar uma idéia futura de justiça.

Em nosso Ordenamento jurídico os direito mínimos conquistados e exigíveis estão expressos, em sua grande maioria, em nossa Constituição Federal de 1988, esta que traz em seu bojo os deveres e direitos do Estado como guardião da democracia e os deveres e direitos dos cidadãos. Pela idéia de justiça, profundamente discutida, princípios como o direito a vida, o direito a saúde, a propriedade e principalmente o direito a dignidade da pessoa humana, permeia e serve de base para se não todos, mas muitos dos argumentos a cerca da justeza social que perdura em nossos tempos. Assim temos que como Reale já mencionava em seus estudos, adaptar as normas jurídicas aos fatos sociais, estes que estão sempre em movimento, evoluindo e defasando as nossas normas.

Certamente o Principio da Dignidade da Pessoa Humana é a base para a não condenação das vítimas, (vítimas sim, tendo em vista o estado de degradação em que elas se encontram para serem impelidas a cometerem tal atitude), que por razoes diversas e fatores externos se encontram cometendo tal situação, violando o patrimônio alheio para satisfazer a necessidade mais imperiosa de nossas vidas, a de se alimentar . Constitucionalmente temos nosso direito a propriedade protegido, assim como o direito a vida, a saúde entre outros, sendo que todos os princípios expressos em nossa Carta Magna não são absolutos e nem tão pouco escalonado hierarquicamente, desta forma, em se tratando de caso concreto, não se poderia sobrepor um direito a o outro, pois assim como a Constituição assegura o direito a inviolabilidade da propriedade ela também assegura a vida digna aos que sob sua lei reside.

Conceito: O nosso Código Penal ensina-nos que segundo o artigo 155 furto é, subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Bom a parti deste mínimo dispositivo já chegamos a primeira característica do furto famélico que seria a necessidade do objeto ser móvel, (e alheio é lógico, caso contrario estaríamos diante de um caso atípico), no entanto os estudiosos atribuem outras características fundamentais para que haja a configuração do furto famélico, pois não seria somente o objeto em si que configuraria o furto famélico, mas sim e principalmente as condições que impeliram o agente para tal conduta.

Assim temos como furto famélico, o furto que "é praticado por quem, em estado de extrema penúria, isto é, em legítimo estado de necessidade, impelido pela fome, pela inadiável necessidade de se alimentar”.

A conduta acima descrita é tipificada, pois se trataria de uma modalidade de furto, sendo assim uma conduta aprioristicamente condenável, tendo em vista a violação do direito de propriedade alheio, no entanto os estudiosos defendem a analise das circunstancias que envolvam o agente da conduta, para que a partir do estudo do caso concreto seja possível a aplicação da sobreposição do direito a saúde ou a vida, devido ao extremo estado de necessidade, em detrimento ao direito de propriedade.

Aparentemente, esta discussão acerca da prevalência do direito a viva sobre o direito a propriedade nos parecer pacifica, tendo em vista a aceitação social que os direitos que resguardam a vida seja superiores ao direito que proteja o patrimônio, tendo, a sua excludente de ilicitude, no Estado de Necessidade do autor, através da qual o código penal descriminalizaria o delito de furto famélico.

Duas possibilidades estão sendo analisado pelos doutrinadores para se justificar a não punição de tal conduta, a primeira seria o Art.24 CP, que aponta como causa de excludente de antijuricidade o estado de necessidade e a outra seria a simples inexigibilidade de conduta diversa supra legal, de discutível aceitação.

Discutiremos a priori o estado de necessidade: tipificada no Art. 24 CP, o qual descreve assim: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se”. Assim temos alguns dos requisitos necessários para se configurar a excludente quando do furto famélico, que seriam: perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não provocada voluntariamente pelo o agente e inexistência de dever legal de enfrentar o perigo, mas segundo Frederico Marques, não basta ter somente os requisitos da situação de necessidade, mas sim conjugar aqueles com os requisitos do fato necessitado que seriam inevitabilidade da ação lesiva e inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado, para que diante da conduta delituosa, possa esta ser tida como antijurídica.

Desta forma, em regra, quando analisamos o furto famélico encontramos um dos requisitos não cumpridos, pois apesar de ser possível, ainda que teoricamente, evitar o cometimento do furto com a pratica de oferecer um serviço ao possuído do bem em troca do saciamento de sua necessidade iminente ou ate mesmo o agente poderia apelar para o lado carismático da sociedade exercitando a mendicância. Não que em qualquer das três opções a dignidade da pessoa humana não tenha sido brutalmente ferida, mas duas ultimas hipóteses o agente não estaria cometendo nenhum crime contra o patrimônio alheio e em especifico o crime de furto. Resta-nos assim concluir como descaracterizado o estado de necessidade, para justificar a não punição quando do cometimento do furto famélico, pois apesar das opções não serem condizentes com os direitos humanos, sempre restaria a escolha de qual direto o agente ira ferir, se o seu quando da mendicância ou do trabalho para pode subsistir ou o direito alheio, quando optar por lesionar o patrimônio alheio ainda que por motivos socialmente aceitável. Lembrando sempre que o bem patrimônio em questão sempre se tratara de um alimento, pois é o direito a vida que esta sendo analisado.

Inexigibilidade de conduta diversa

         A análise sobre a conduta em questão estará sendo feita com base no homem médio, já que o direito foi feito por estes e para estes. Reside na culpabilidade a exigência da conduta, ou melhor, a analise da conduta.

Culpável é a ação do agente que nas mesmas situações, outros teriam feito diferente ante as possibilidades existentes, sendo necessária também fazer a analise das condições físicas e morais do agente no momento da conduta.

De acordo com Carla Campos Amico:

[...] a inexigibilidade de conduta diversa é uma causa geral de exclusão de culpabilidade fundada na não censurabilidade de uma conduta, quando não se pode exigir do agente, em determinadas circunstâncias e com base nos padrões sociais vigentes, diferente ação ou omissão. [...]

 Esta excludente de culpabilidade divide-se em legal e supra-legal, ensina a autora, sendo legal a que esta descrita nos códigos vigentes e supra-legal a que apesar de não formalmente prevista muito é utilizada quando das decisões absolutórias, principalmente quando há uma lacuna na lei e o magistrado vê-se obrigado a fazer uso da analogia 'in bonam partem' e dos princípios gerais do Direito, suprindo assim as lacunas de nossa legislação, método este que não perdera sua força com o tempo, tendo em vista que nunca será sanado, levando-se em conta o dinamismo da sociedade quando comparado com a dinâmica do legalismo.

         De forma resumida expomos as duas maneiras em que o furto famélico pode vir a ser não penalizado no pais. Desta forma trazemos  duas corrente que por metodos diferente chegam a descriminalizar o furto famélico, sendo uma que utiliza o estado de necessidade, classificando a conduta como antijurídica e a corrente que classifica o furto famélico como excludente de culpabilidade, por tratar o crime como uma ação de inexigibilidade de conduta diversa.

         Contudo optamos pela doutrina que assevera que o furto famelico seria descriminalizado por se tratar de estado de necessidade, tendo em vista que nada que fira de sobremaneira a dignidade da pessoa humana deve ser vista como opçao ao ser humano, tratamos assim de forma inóqua a inexigibilidade de conduta diversa diante da grave afronta ao principio da dignidade da pessoa humana.

17. CLEPTOMANIA

         O código penal brasileiro reserva um titulo destinado a incriminar atos praticados contra o patrimônio, subdivididos em: I- do furto; II- do roubo e da extorsão; III- da usurpação; IV- do dano; V- da apropriação indébita; VI- do estelionato e outras fraudes e por fim da receptação.

Em nosso estudo também abordaremos uma conduta considerada por muitos uma polemica, a CLEPTOMANIA, conceituada no novo Dicionário Jurídico Brasileiro, de José Náufel: como uma tendência irresistível para o furto de objeto de pequeno valor, a qual constitui uma forma de obsessão motora. É uma estado patológico.

Podemos então definir a cleptomania como uma como uma compulsão desenfreada pra o furto, ou seja, se caracteriza pela recorrência de impulsos para roubar objetos de baixo valor econômico e desnecessário para o uso pessoal, podendo atingir tanto as crianças e adulto como também idosos, sendo, no entanto, mais comum em mulheres. Como já dissemos acima uma característica essencial consta na dificuldade de resistir ao impulso de furtar (incluindo assim a cleptomania como uma doença especifica dentro de uma ordem mais abrangente que são os Transtornos do Controle de Impulsos), não importando o valor da coisa subtraída. Segundo a psicóloga Nancy Erlach afirma: "Muitas vezes esses objetos possuem pouco valor e o cleptomaníaco teria condições de comprá-los, mas, freqüentemente, os dá de presente ou joga-os fora”, devido à preferência dos portadores da cleptomania por objetos de pequeno valor,quando ocorre de pessoas furtarem jóias, dinheiro e outros objetos de valor dificilmente são considerados cleptomaníacos. A pessoa que sofre de cleptomania possui um sentimento de  tensão ante do furto e sente satisfação, prazer e alivio ao cometê-lo, porem, muitos indivíduos portadores deste impulso evitam praticar o ato quando percebe um risco de se pego furtando o objeto.

De acordo com especialistas o individuo que possui este distúrbio não planeja a ação, ou seja, os furtos não são planejados antecipadamente, segundo Nancy: "O roubo sempre é cometido somente pela pessoa, sem participação de outras e ela não leva em conta o fato de poder ser pega em flagrante caso o risco não seja iminente".

O ponto de vista penal se da com o assentimento da psicologia, a conduta exime o autor da responsabilidade penal, pois falta o dolo, que é a vontade consciente do agente em que este que este quis produzir ou assumir o risco de produzir o resultado. De acordo com o texto do artigo 26 Código Penal Brasileiro: “è isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do ato de determina-se de acordo com esse entendimento”. Parágrafo único: “a pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Este referido texto esta presente no titulo III que trata da imputabilidade penal,que significa segundo o autor do Código Penal comentado, Guilherme de Sousa Nucci como: “ imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao gente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a pratica de um fato punível”. Trazendo o conceito de inimputabilidade no art.: 26, conforme foi citado acima, podendo a esta ser absoluta ou relativa, a primeira trata que o individuo definido como “inimputável” não pode ser responsabilizado pelos seus atos, já a inimputabilidade relativa decorre que  o individuo que pertence a certas categorias previstas em lei, pode ou não ser penalmente responsabilizado,dependendo da analise individual de casa caso, como é trazido na parágrafo único deste mesmo artigo.

A cleptomania deve ser diferenciada do roubo ou do furto pois o furto comum é planejado e motivado pela utilidade do objeto ou por seu valor econômico, diferentemente dos furtos cometidos por cleptomaníacos e em caso de roubo ocorre com violência ou grave ameaça a pessoa. Cabendo a cleptomania uma posição de crime imputável, pois o agente não agiu com o dolo, mas sim por uma incontrolada recorrência de impulso para furtar o objeto.

                                               18.    CONCLUSÃO

 

No andar da sociedade brasileira, de um Estado Democrático de Direito, é difícil negar que o Direito Penal mais coerente seja o chamado Direito Penal Mínimo. Ou seja, um Direito Penal assentado nas máximas garantias constitucionais; sobretudo, nos princípios basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana (base de todos os outros), o princípio da intervenção mínima, princípio da ofensividade, princípio da insignificância, princípio da legalidade, dentre tantos outros.

                               19.    BIBLIOGRAFIA

 

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal,2003.

BITENCOURT, Cezar Roberto.Falência da pena de prisão, São Paulo:Saraiva,2000.

ESQUERDO Esperanza Vaello. Introdución Al Derecho Perecho Penal.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão Minimalista do Direito Penal, 2006.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7935, acessado em 25 de maio de 2010-05-25

http://jus2.uol.com.br/doutrina/lista.asp?assunto=1036, acessado em 20 de maio de 2010-05-25

A DESCRIMINALIZAÇÃO DE ALGUNS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, ANALISADOS A LUZ DO DIREITO PENAL MÍNIMO

                                                       Caroline Sampaio Rolim Rodrigues [1]

                                                           Fernanda Olinda Araújo [2]

                                                         Ricaelly Munise de Oliveira [3]

1. Dos crimes contra o patrimônio; 2. Princípio da intervenção mínima; 3. Princípio da lesividade; 4. Princípio da adequação social; 5. Princípio da insignificância; 6.Origem da natureza jurídica do princípio da insignificância; 7. Princípio da insignificância da pena; 8. Princípio da responsabilidade social; 9. Princípio da limitação das penas; 10. Princípio da culpabilidade; 11. Princípio da legalidade; 12. Movimento lei e ordem; 13. Direito penal do inimigo; 14. Movimento abolicionista; 15. Direito penal mínimo; 16. Furto famélico; 17. Cleptomania 18. Conclusão; 19. Bibliografia.

Palavras–chaves: Descriminalização – Crimes Contra o Patrimônio.

 

  1. 1.      DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

         O Código Penal Brasileiro em seu Titulo II trata dos crimes contra o patrimônio, descrevendo neste, as figuras típicas que criminalizam as condutas que lesam de alguma forma o patrimônio de outrem, sendo as seguintes:

DO FURTO: Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel;

DO ROUBO: Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência;

DA EXTORSÃO: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa;

DA EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO: Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate;

DA USURPAÇÃO: Suprimir ou deslocar tapume, marco ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia;

DO DANO: Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia;

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA: Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção;

DO ESTELIONATO: Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento;

DA RECEPTAÇÃO: Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa fé, a adquira receba ou oculte.

Postas essas informações, se faz imprescindível, para levar a cabo o que ora nos propomos, que tenhamos em mente duas definições: o que é patrimônio, e o que é descriminalização, então, vamos a elas:

Quando falamos em descriminalizar um crime é tirar a tipicidade de sua conduta, tornando-a um ato normal do ponto de vista social, ou seja, a lei não mais reconhecerá aquele determinado ato como crime, então descriminalizar é: excluir a criminalidade de um ato ou fato. Sendo o patrimônio o conjunto de riquezas, de que dispõe uma pessoa física ou jurídica, podendo ser material ou imaterial. Necessário entendermos também, que bem é espécie do gênero patrimônio, sendo parte deste, e para termos a noção se dos crimes contra o patrimônio existe algum, passível de descriminalização, temos que encontrar a valoração dada a esse bem pelo seu proprietário, a sua relevância social e a lesividade que a conduta do agente, que lesa o patrimônio de outrem, causa à sociedade de um modo geral.

O eminente doutrinador Rogério Greco, em sua obra Direito penal do Equilíbrio, traça um perfil singular da relação existente entre a descriminalização, o patrimônio e o bem. Segundo este: “[...] para a maioria, todos os problemas sociais serão resolvidos por intermédio do Direito Penal, desde que este seja aplicado da forma mais dura possível, tendo a finalidade de amedrontar aqueles que, possivelmente, ousarem praticar determinada infração penal [...].” (Greco, 2006, p. 01)

 No momento atual, em que nosso pais passa por momentos em que a criminalidade desafia os poderes constituídos de forma afrontosa, cometendo toda sorte de atrocidades, em que a mídia prega a criminalização máxima, como forma de controle deste momento conturbado, com seus telejornais, novelas e demais programas tratando do assunto de maneira incisiva, complicado ao extremo é se falar em descriminalização, porém, para entendermos se esta possibilidade é plausível ou não, mister se faz relatarmos o que se deve levar em consideração para a tipificação ou a descriminalização de determinada conduta.

Percebe-se, ao longo da história, que os textos constitucionais buscam a proteção daqueles direitos e garantias individuais, que, ao longo dos tempos, firmaram-se como garantias, voltadas ao livre exercício da cidadania, bem como a proteção de bens supra-individuais que se estende a toda sociedade, sendo que essa proteção tem por escopo tutelar esses valores que influenciam diretamente a coletividade. Este agasalho jurídico faz com que sejam agrupadas as perspectivas de um Estado Liberal e de um Estado Social. E dentre toda essa construção normativa, para regular as afrontas a bens jurídicos, tanto individuais como supra-individuais, as constituições declinaram certa parcela à matéria penal.

Assim, quando se trata da garantia dessas prerrogativas individuais, busca-se limitar a intervenção penal do Estado, que, por outro lado, quando a tutela versa sobre bens jurídicos transindividuais, a tendência é que a atuação do Direito Penal seja ampliada, tendo em vista a potencialidade dos efeitos dessas ações. Esse desempenho principiológica que norteará a atuação do Direito Penal perante a sociedade é feita através da inclusão da matéria penal no corpo da Constituição. Esses princípios podem ser especificamente penais ou aqueles constitucionais em sentido amplo, mas que não deixam de exercer influência na matéria penal. Os primeiros influenciam diretamente a seara penal, embasando toda a ordem jurídico-penal; já os segundos não são propriamente voltados à matéria penal e sim a todo o ordenamento jurídico, norteando toda e qualquer intervenção jurídica, ou seja, influenciam também a possibilidade de o Direito Penal ser utilizado como um instrumento para regular determinadas ações, no intuito de garantir bens jurídicos de relevância social.

Existem princípios que norteiam a construção e a aplicação do direito penal, se fazendo peças fundamentais a serem observadas quando do trabalho que o legislador desenvolve no seu trabalho de construir leis, de constituir tipos penais, observações sem as quais as leis poderão ser consideradas nulas por conterem vícios formais ou materiais, ou até criando leis que jamais saíram da abstração para a aplicação ao caso concreto, pois foram criadas apenas por pressão social, sem que tivessem sido observada a sua real necessidade.

  1. 2.      PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNINA

Figura fundamental quando da construção ou desconstrução de normas, quaisquer que sejam as áreas de atuação os princípios limitam, norteiam e até mesmo contribuem com a interpretação da norma. Mas não se deve entendê-los de forma isolada, e sim de forma conjunta, integrada, se interligando e se completando mutuamente.

O Princípio da Intervenção Mínima ressalva-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1978, onde seu art. 78 assegura que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias, ou seja, o Direito Penal só deve agir nos casos em que nenhum outro ramo do direito conseguir dirimir o litígio, em fatos típicos em que a lei descreve uma lesão grave a bens considerados importantes socialmente.

Tal princípio constitui o coração do Direito Penal do Equilíbrio e deve ser analisado sob dois pontos:

1)  ab initio, ou seja, antes da formação de um tipo penal, deve promover uma análise abstrata,orientando o legislador no momento da criação ou revogação das figuras típicas.

2)  deve ser encarado como a ultima ratio, ou seja, como última opção de intervenção do Estado, a chamada natureza subsidiária do Direito Penal, estando ele para agir quando falharem todas as outras opções de que dispõe o sistema.

Então de acordo com o princípio da Intervenção Mínima, a finalidade do Direito Penal é proteger os bens de maior importância e necessidade ao convívio social.

Levando-se em conta a drasticidade da atuação do Direito Penal, mesmo que atado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a interferência do mesmo só se faz necessária quando a atuação dos outros ramos do Direito demonstrarem ineficácia ou insuficiência na proteção dos bens jurídicos, onde na concepção de Esperanza Vaelho Esquerdo:

[...] os bens jurídicos constituem valores ou interesses protegidos pelo Direito na medida em que são pressupostos necessários para que as pessoas desenvolvam sua vida social, podendo ser de natureza individual (vida, liberdade, honra, etc.) ou comunitária (saúde pública, segurança do0 Estado, meio ambiente, entre outros). [...] (ESQUERDO Esperanza Vaello. Introdución Al Derecho Perecho Penal, p.42)

Ressaltando-se a importância dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Pena, no que toca a comparação dos crimes com as contravenções penais, surge um questionamento para revogação destas últimas, pois na cominação das penas em abstrato onde transparece a gravidade da infração penal subtende-se que as contravenções tenham menor potencial ofensivo a perceber por sua punição e poderiam ser abolidas do âmbito Penal, sendo os bens nelas previstos, protegidos por outros ramos do ordenamento jurídico.

O critério de proteção dos bens de maior importância e necessidade ao convívio social não pode ser engessado, absoluto para todo e qualquer ordenamento jurídico  , pois se levando em conta a panacéia cultural a qual estamos submetidos, incontáveis nações com costumes distintos, tradições e conceitos diversificados, certamente não irão valorar da mesma forma determinada conduta social.

Partindo do pressuposto de que a norma surge do tripé, proposto por Miguel Reale, fato social, valoração do fato pela sociedade e finalmente a criação da norma, antão a cultura é forte influenciadora da composição do ordenamento jurídico.

De acordo com a valoração dada é que são selecionados os bens realmente importantes e que poderão merecer a proteção do Direito Penal. Em nosso país a massa populosa, influenciada pela mídia, anseia cada vez mais pela tipificação de comportamentos até então considerados indiferentes para o Direito Penal, tendo em vista a 0onda de criminalidade que nos assola. Mas apesar de a “mola propulsora” da criação de tipos penais ser a mobilização da opinião pública, é política criminal de cada época que seleciona os comportamentos a serem punidos.

A escolha dos bens jurídicos varia de sociedade para sociedade. O critério para esta seleção obedecerá à cultura de acordo com a necessidade da época e de cada grupo social. Para alguns grupos há uma zona de consenso, que se ajusta a toda e qualquer sociedade, no que toca delitos como homicídio, roubo, etc. Mas em alguns pontos podemos notar as zonas de conflito, onde condutas são aprovadas por um grupo social e não por outro, a exemplo do que ocorre com a punição pelo aborto ou pelo homossexualismo, presentes em algumas culturas.

O Direito Penal só poderá punir condutas que ultrapasse a pessoa do agente, ou seja, que causem danos aos bens pertencentes a terceiros a deve ser tolerante as divergentes formas de seres humanos. Os tipos de comportamentos dó serão proibidos se reprovados pela sociedade, pois a tipificação de um comportamento que a sociedade já está acostumada não seria viável, nem passível de seguimento da norma pela dita sociedade.

Em determinadas situações é a própria Constituição que indica a incriminação de comportamentos, como os que atentam contra a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, que são direitos e garantias fundamentais assegurados pelo caput do seu art. 5º, como também no inciso XLI do mesmo artigo, quando diz que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.”.

Porém a mesma Constituição que tipifica condutas, em sentido contrário proíbe a incriminação de outras, como limite ao ius puniende,digo, o poder de punir do Estado, até mesmo impedindo a cominação de penas que agridam a dignidade da pessoa humana, ao que se pode comprovar em seu art.5º, inciso XLVII, onde reza que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada; nos termos do seu art.84, XIX; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis.

O princípio da Intervenção Mínima traz o Direito Penal como a ultima ratio de intervenção do Estado, imprimindo a sua natureza subsidiária.

Roxin afirma que o Direito Penal é tão somente, “a última dentre todas as medidas protetoras que se deve considerar, quer dizer, que somente pode intervir quando falhem outros meio de solução social do problema – como a ação civil [...]”, as sanções não penais, etc. – Por isso, se denomina a pena como a ultima ratio da política social e se define sua missão como proteção subsidiária dos bens jurídicos.”

Então o legislador ao selecionar o bem a ser tutelado além de observar sua importância, tanto no individual como coletivo e social, deve aferir também se os outros ramos do ordenamento jurídico não se fazem eficazes para tutelar tal bem.

  1. 3.      PRINCÍPIO DA LESIVIDADE

Temos na bagagem da história uma série de assassinatos bárbaros, por motivações hoje consideradas absurdas, a exemplificar pela Inquisição com o extermínio de pessoas detentoras de ideologias conflitantes com as da Igreja, os chamados hereges.

O nosso primeiro Código Crimina de 1830, previa punição aos intitulados hereges, feiticeiros, os que blasfemavam contra Deus ou os santos e renegavam a Igreja Católica.

O Iluminismo veio para realizar a separação entre o Direito e a Moral, bem como a religião, onde o Estado confundia o Direito com a fé e não mais o podia.

No que toca o Princípio da Lesividade, Nilo Batista propõe trabalhar-se com quatro vertentes, a saber:

Proibição de incriminações que digam respeito a uma atitude interna do agente;

Proibição de incriminações de comportamentos que não excedam ao âmbito do próprio autor;

Proibição de incriminações de simples estado ou condições existenciais;

Proibição de incriminações de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico;

(BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal, p.92-94)

Então de acordo com o Princípio da Lesividade, o Direito Penal só poderá proibir condutas que ultrapassem o âmbito do próprio agente, quer dizer, que atinjam bens de terceiros. É baseado neste princípio que o Direito Penal torna-se inapto a proibir condutas como automutilação ou tentativa de suicídio, pois a única pessoa lesada com a conduta seria a do próprio agente, e não bens de terceiros.

É partindo deste pressuposto que se questiona a necessidade de dadas infrações penais como previsto no art. 16 da Lei nº 6.368/76 que prevê o uso de substância entorpecente, sob a alegação de que a lesividade da conduta não ultrapassa a pessoa do autor.

O nosso Código Penal, limitado pelo Princípio da Lesividade, no que toca os crimes tentados, pune apenas o início da execução criminal e não a simples cogitação e os atos preparatórios, como precisa o inciso II do art.14:

Art.14 – Diz-se o crime:

I – [...];

II – [...] tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade.

Assim o Princípio torna-se um norte ao legislador, para que apenas as condutas que ultrapassem a pessoa do agente e possam agredir bens relevantes possam ser proibidas pelo Estado através do Direito Penal.

  1. PRINCÍPIO DE ADEQUAÇÃO SOCIAL

         O Princípio da Adequação Social norteia o legislador quando da criação ou revogação das figuras típicas, bem como auxilia na interpretação dos tipos penais constantes em nosso Código Penal.

         O legislador é detentor da função de pesquisar e selecionar as condutas ofensivas aos bens jurídicos mais importantes e necessários ao convívio em sociedade, impedindo a criação de tipos penais que proíbam condutas já aceitas e toleradas pela sociedade, caso contrário compeliria a população a cometer crimes, uma vez que não os julgava assim.

         Diante disto é que Jakobs afirma que determinadas formas de atividade permitida não podem ser incriminadas, pois se tornaram consagradas pelo uso histórico, isto é, costumeiro, aceitando-se como socialmente adequadas. (Derecho Penal, cit., p. 244)

         Então o Princípio da Adequação Social em consonância com o Princípio da Lesividade, bem como com o Princípio da Intervenção Mínima possibilita ao legislador a criação da figura típica, assim como o alerta para a necessidade da revogação dos tipos penais que não mais prevêem condutas reprovadas socialmente, auxiliando ainda na análise de interpretação das figuras típicas.

  1. 5.      PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Este princípio abre as portas ao legislador para a criação dos tipos penais, em uma visão equilibrada do direito penal porem somente os bens mais importantes que sofrem ataques mais lesivos é que podem merecer a atenção e a proteção do direito penal.

A tarefa do legislador é identificar com precisão as condutas que se vai proibir ou impor, sob a ameaça de uma punição penal, a fim de proteger o bem; alem de uma grande apuração legislativa.

No principio da insignificância o patrimônio é considerado pelo legislado o bem mais importante ao convívio em sociedade ao ponto de receber a proteção do direito penal.

  1. 6.      Origem de natureza jurídica do principio da insignificância

O principio da insignificância se deve ao professor alemão Claus Roxin, onde é entendido como um princípio auxiliar de interpretação; ele pode ser aplicado em grande parte dos tipos; e tem por finalidade afastar do tipo penal os danos de pouca ou nenhuma importância. Embora de utilização obrigatória em muitos casos, nem todos os tipos penais permitem o raciocínio da insignificância.

Assim interpretando restritivamente o tipo penal, o principio da insignificância evidencia a sua natureza de principio que conduz a atipicidade do fato, tendo como plano de fundo a nossa estrutura jurídica do crime.

Em uma concepção analítica, o crime é entendido como uma ação típica, ilícita e culpável. O fato típico, a ser analisado na estrutura jurídica do crime é composto pelos seguintes elementos: a conduta dolosa ou culposa,comissiva ou omissiva; o resultado; o nexo de causalidade, e a tipicidade penal.

O principio da insignificância e que pesem as posições em contrario premissa vênia, tem por finalidade afastar a tipicidade do fato, não permitindo que o interprete ingresse no estudo das características seguintes que integram a infração penal, a ilicitude e a culpabilidade.

  1. 7.      Principio da insignificância da pena

Passados as barreiras do principio da intervenção mínima, é o direito penal fragmentário onde não cabe a proteção de todos os bens existentes em nossa sociedade, porem aqueles que gozem de proeminência individual ou coletiva, mas as mais importantes para a sociedade e para o seu convívio. Devemos antes verificar se outros ramos de ordenamento jurídico são capazes de por si só cumprir essa ação protetora, sem o auxilio do D.P. a conduta que ofende aquele bem.

A nossa CF em seu art. 5°, inciso XXXLX diz que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal.

O principio da individualização da pena foi consignado expressamente no art. 5° da CF e inciso XLVI, onde a lei regulará a individualização da pena e adotará a privação ou restrição da liberdade; perda de bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição do direito.

O principio da individualização se dá em três fases distintas: a fase de cominação, a de aplicação e de execução.

Devera obrigatoriamente, nesse estudo comparativo, trabalhar com o principio da proporcionalidade, intimamente relacionado ao da individualização da pena.

Devera obrigatoriamente, nesse estudo comparativo, trabalhar com o principio da proporcionalidade, intimamente relacionado ao da individualização da pena.

A segunda fase da individualização correspondência  aplicação da pena. Primeiro o legislador irá precisar dar a importância que cada bem merece.

  1. 8.      PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

 

Segundo Rogério Greco:

[...] O principio perde a sua natureza absoluta, pois sabemos que quando alguém é condenado, segregado temporariamente do convívio familiar, a pena estende o seu raio de ação aquelas pessoas que, embora não tenham praticado o delito, sentem a força da sanção penal em razão da separação daquele que, por exemplo, mantinha a subsistência da família [...]

Sobre a forma analisada pelo citado autor não é difícil encontrar atualmente toda uma família suportando o estigma de uma condenação. A esposa, mãe, que trabalha para sustentar a família, não estampa mais esses adjetivos e sim o de “mulher de bandido”. A criança tolhida de uma realidade que a ela deveria assistir, não é só mais uma criança e sim “filho de bandido” que provavelmente bandido irá ser. Infelizmente, sob uma perspectiva criminológica, esta é a realidade que pode ser percebida.

Sob o aspecto formal o autor Rogério Grego da a seguinte resposta:

“Para que a resposta a essa indagação seja a mais precisa possível, devemos desdobrá-la para que a analisemos de acordo com as penas cominadas na lei penal, a saber: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa.”

Através da critica a adoção da pena pecuniária, de Luigi Ferrajoli na qual adverte:

                                 [...] A pena pecuniária é uma pena aberrante sob vários pontos de vista. Sobretudo porque é Uma pena impessoal, que qualquer um pode saldar, de forma que resulta duplamente injusta: em relação ao réu, que não a quita e se subtrai, assim, a pena; em relação ao terceiro, perante ou amigo, que paga e fica assim submetido a uma pena por um fato alheio [...].

Nesta ótica em outra passagem cita ainda a obra de Ferrajoli, arrematando: frente a tão numerosos e diversos inconvenientes, a única reforma possível desta pena é sua abolição. Ou a pena pecuniária é considerada suficiente e, então, a punição poderia ser administrativa, com a despenalização do delito para o qual haja sido prevista, ou bem se considere insuficiente, e, então deverá ser "substituída por outro tipo de pena, mais severa", o que evidencia coerência com os postulados do direito penal mínimo e garantista.

Tendo Rogério Grego a seguinte conclusão:

                                     [...] Se observada informalmente, a pena transcende a pessoa do condenado, vindo a atingir aquelas pessoas que lhe são próximas – amigos, parentes etc. – que sofrem a moral, emocional e economicamente com a condenação. Sob o aspecto formal, entendido aqui o sentido de efetivo cumprimento da pena, a regra da intranscendência não é absoluta, pois que, quando estivermos de pecúnias – multas ou prestações pecuniárias -, nada garante que sua inflição desfalque o patrimônio do condenado, podendo outras pessoas levarem a efeito o pagamento.[...]

 

Vive-se atualmente um Estado de Direito com todas as suas garantias. Ocorre que na prática apresenta-se um estado de polícia, como nas palavras de Eugênio Raúl Zaffaroni, Nilo Batista, Alejandro Alagia e Alejandro Slokar (2003, p. 232), que assim asseveram:

                     [...] O estado de polícia estende a responsabilidade a todos que cercam o infrator, pelo menos por não terem denunciado sua atividade, e considera sua família perigosa, porque seus membros podem vingá-lo. Tais características se acentuam nos delitos que afetam a existência do estado, que no estado de polícia se confunde com o governo. Por isso, por meio do terror incentiva a delação e consagra a corrupção de sangue. No estado de direito a responsabilidade penal deve ser individual e não pode transcender a pessoa do delinqüente[...].

  1. 9.      PRINCIPIO DE LIMITAÇÃO DAS PENAS

                     A sociedade titulada em seus direitos, buscou princípios que controlassem a punição penal pelo Estado, evitando abusos de poder punitivo.

                     Tais princípios constituem em longo processo histórico, sendo necessário uma abertura política que se demonstrou ausente nos regimes de totalitarismo e monocráticos.

                     Somente a partir do século XVIII no Iluminismo inseriu-se uma lógica em que o poder estatal era restringido, tendo como papel principal garantir direitos mínimos para os indivíduos em que se imputa a prática de crime somente se lei prévia estabelecer determinada conduta como tal, nem lhes pode ser imposta pena também previamente definida.

                     A Lei somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima.

                     A pena é a conseqüência natural imposta pelo Estado (jus puniendi) quando alguém pratica uma infração penal.

                     OBS: embora o Estado tenha o seu poder-dever de aplicar a sanção àquele que violou o ordenamento jurídico-penal, praticando determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos ou implícitos na CF.

                     Atualmente, principalmente nos países ocidentais, a preocupação com a integridade física, mental e a vida.

                     Vários tratados são pactuados, visando à preservação da dignidade humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis.

                     Finalidades das penas: reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais, (conforme art. 59 CP).

                     Através do Princípio da limitação das penas a CF visando proteger os direitos de todos, direitos humanos: proibiu a cominação de penas: art. 5º, XLVII, dizendo que não haverá penas:

a) de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis.

                     A limitação da pena tem previsão constitucional, prontamente no Título I, Capítulo II (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) em seu art.5º, inciso XLVII. A previsão constitucional no art.5º demonstra a preocupação do constituinte em preservar a dignidade do indivíduo, mesmo que este tenha cometido delitos.

                     Convém mencionar que tais penas foram banidas do ordenamento jurídico, pois não se coadunam com a sistemática progressista vivida pelo Brasil. Um país que vive um amadurecimento democrático não poderia conviver com normas que ferem a dignidade da pessoa humana e que violentam abruptamente o princípio da humanidade e do interesse social.

                     O inciso XLVI, que representa o principio da individualização da pena tem relação direta com a limitação das penas, tendo em vista que previamente declara quais as modalidades de pena serão permitidas. De modo contrário, na limitação da penas mencionam-se quais modalidades sancionatórias não serão permitidas. Neste ensejo, a individualização das penas deve estar em consonância com a limitação das penas. Em fim, a aplicação da pena deve propiciar e estar adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico afetado, representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente. Na prática, a questão de cumprimento da pena em estabelecimento distinto de acordo com a natureza do delito muito tem haver com a questão de estabelecimentos para cumprimento de penas no regime semi-aberto. Desta feita, o STF se pronunciou com muito garantismo no HC 87.985.

                     Concluindo o fracasso das instituições oficiais, a pena criminal, devido ao seu efeito intimidante, transforma-se em num mecanismo isolado e solitário na busca pela correção das distorções da sociedade. No estudo acerca da limitação das penas, observou-se o empenho promovido pelo constituinte de 1988, e os legisladores na feitura pretérita da Lei de Execução Penal. Este empenho reflete-se no anseio maior de preservar a aplicação e execução da pena num formato que mantenha a dignidade do ser humano. Observou-se também, a conexão existente entre o direito constitucional e o direito penal. Nesse diapasão, a constituição representa marco fundante de todo o ordenamento jurídico, e com particular e definitiva influência na seara penal. Isso se deve ao fato de que a Constituição, fonte primária da lei penal, contempla um extenso rol de normas de direito público, dentre as quais tem maior destaque as referentes aos direitos e garantias individuais.

  1. 10.  PRINCIPIO DA CULPABILIDADE

                     A culpabilidade se apresenta como exigência da sociedade e da comunidade jurídica, não é um fenômeno individual, mas social. É através do juízo de culpabilidade que se examina a reprovação do indivíduo que não haja observado as exigências gerais. O conceito de culpabilidade é um conceito social e jurídico, pois a sua construção se dá conforme os requisitos da vida social, dependendo, muitas vezes, da situação econômica, dos fundamentos sócio-econômicos, enfim, das mínimas exigências sociais de cada época. Se há transformações, certamente o conteúdo da culpabilidade sofrerá alterações, denominando-se “a medida do juízo de culpabilidade”.

Da analise critica proposta por Nilo Batista (1990, p. 103) se extrai:

                     [...] O principio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja reprovável. [...]

                     É oportuno frisar que a culpabilidade, segundo a visão política criminal atual, não deve ser tida como o pressuposto isolado de aplicação da pena. Há outros princípios também importantes, como o da intervenção mínima, defensor da inaplicabilidade da pena ante a inexistência da reprovabilidade intensa da conduta ou delitos de escassa lesividade social.

                     Para o professor Bitencourt (2003, p. 14) a culpabilidade possui diversos sentidos:

                     [...] Em primeiro lugar, a culpabilidade, como fundamento da pena, refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma serie de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade, como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como importância do bem jurídico, fins previstos etc. [...]

                     Na realidade, o princípio da culpabilidade, como fundamento do Direito Penal moderno, não pode admitir penas que não se considerem merecidas, não podem exercer uma influência positiva, nem sobre o condenado, nem sobre a coletividade e, portanto, não podem lograr nem a prevenção geral nem a especial. Na prática judicial, só o princípio da culpabilidade pode aplicar-se como princípio de medição da penas, e estas, por sua vez, visem à correção do agente, só lhe podendo imputar cupavelmente a violação da norma, se o mesmo agente, através da pena aplicada, puder ser corrigido.

                     O princípio da culpabilidade é uma exigência do respeito à dignidade humana do indivíduo. A imposição de uma pena sem culpabilidade, ou se a medida da pena extrapola o grau de culpabilidade, supõe a utilização do ser humano como um mero instrumento para a consecução de fins sociais, neste caso preventivamente, o qual implica um grave atentando à sua dignidade. A liberdade, como característica da pessoa, é o pressuposto irrenunciável de toda a culpa jurídico-penal e do modelo político-criminal próprio de um Estado de Direito Democrático. Só assim se pode falar da dignidade pessoal com o valor mais alto e o bem mais digno de proteção de toda a ordem jurídica constitucional.

                     A culpabilidade, concluindo, como princípio da dignidade da pessoa humana, efetivamente, proclama a responsabilidade penal pessoal, frente à coletiva, inadmitindo a responsabilidade penal objetiva, em virtude da exigência do dolo e da culpa logo no exame da ação humana. Além disso, o princípio da culpabilidade é também a segurança de uma pena justa, proporcional à culpabilidade pessoal do autor do delito, frente às penas excessivas, desproporcionadas à gravidade do fato ou reprovação moral que o autor do mesmo esteja a merecer.

                     Pelo principio em exame, não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três conseqüências materiais:

a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado;

b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor;

c) a culpabilidade é a medida da pena.

  1. 11.  PRINCIPIO DA LEGALIDADE

                     Muitos afirmam remontar à Magna Carta, de1215, aprimeira aparição do princípio da legalidade. Seu art. 39 assim dispunha:

                     Art. 39. Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do País (grifo nosso).

                     Vale lembrar que esse princípio sempre foi expressamente previsto no Código Penal brasileiro (desde o Código do Império, de 1830, até Código de 1940, com a Reforma de 1984), o que não seria necessário, haja vista que a Carta Magna já dispõe nesse sentido. Atualmente, o Código Penal traz o princípio da legalidade (ou da anterioridade da lei penal, como preferem alguns) no seu art. 1º.

                     Insta salientar que muitos autores diferenciam princípio da legalidade, princípio da reserva legal e princípio da anterioridade da lei penal. Consideramos equivalentes os três conceitos. Mesmo que se os considerem diversos, abordaremo-los como aspectos atinentes ao princípio da legalidade, apenas não mencionando o nomen júris pretendido por alguns autores.

                     Consoante o magistério de ROGÉRIO GRECO, o princípio da legalidade apresenta quatro funções fundamentais: proibir a retroatividade, a criação de crimes e de penas pelos costumes, o emprego de analogia na criação de crimes ou na fundamentação ou agravação de penas e as incriminações vagas e indeterminadas.

                     Dentre as funções destes princípios podemos citar a de proibir a retroatividade. Vimos que o princípio da irretroatividade da lei penal, com fulcro constitucional (art. 5º, XL, CF), reforça a legalidade, pois, além de uma pessoa só poder ser punida por previsão legal, essa punição apenas se poderá dar a partir do início da vigência daquela lei. Esta é a redação do inciso XL do art. 5º da Constituição: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (grifo nosso). Aqui o próprio dispositivo constitucional que disciplina o princípio prevê uma exceção. Como dissemos, os princípios qualificadores da legalidade estão sempre voltados para o bem do cidadão, portanto a exceção se coaduna com essa ideia. Assim, diz-se que o Brasil aceita a retroatividade in mellius (ou proíbe a retroatividade in pejus), podendo-se aplicar a lei mesmo se ainda estiver em vacatio legis, desde que benéfica ao réu. Um brocardo resume essa função do princípio da legalidade: nullum crimen nulla poena sine lege praevia.

                     Tem também como função sugerida por GRECO é a proibição de incriminações vagas e indeterminadas. Já vimos também essa função quando falamos do princípio da taxatividade. O crime, além de ter que ser previsto legalmente, deve ser disposto de forma categórica e clara. A lei deve ser taxativa. Não pode o cidadão ficar à mercê do intérprete. O art. 5º, II, da Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Imaginemos um tipo penal com o seguinte preceito primário: “atentar contra os interesses da pátria. Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos”. Pelo dispositivo constitucional, o cidadão só é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo em virtude de lei. Sendo esse tipo penal instituído por lei, estará o cidadão obrigado a “deixar de atentar contra os interesses da pátria”. O que vêm a ser “interesses da pátria”? Que condutas amoldar-se-iam ao tipo em questão? São perguntas sem resposta exata. Diante da vagueza do tipo penal, o cidadão encontra-se em situação de extrema insegurança, não sabendo exatamente o que deve deixar de fazer em função daquela norma. É justamente isto que o princípio da legalidade abomina: tipos penais abertos.

                     Vale dizer um dos objetivos principais do princípio da legalidade, além de ser garantia individual constitucional dos cidadãos, é impedir que o Judiciário e o Executivo possam especificar as condutas que devem ser punidas pelo Direito Penal. Aqui há uma forte demanda pela segurança jurídica.

                     A certeza do direito é fundamental para a proteção das liberdades individuais, alvos principais das sanções penais, e o Legislativo é o poder nas melhores condições para conceder essa certeza. Não há segurança maior do que ter um documento escrito disciplinando as situações em que o Estado poderá exercer seu direito de punir, cerceando a liberdade de um cidadão.

                     O princípio da legalidade, como uma das principais garantias individuais do cidadão, tem aplicação em todos os ramos do direito. Restringimo-nos aqui a abordar a legalidade no âmbito do Direito Penal, fazendo breve menção à sua previsão constitucional no inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Pretendemos, com este lacônico estudo, apontar as características fundamentais do princípio da legalidade, suas funções, bem como as implicações que daí decorrem, os princípios que com ele se relacionam diretamente e a aplicação da lei penal no tempo, trazendo algumas orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores sobre os assuntos mais relevantes. É garantia individual de cunho constitucional cuja análise é imprescindível para a compreensão de todos os outros institutos do Direito Penal, sendo também o princípio mais importante desse ramo do Direito. Sem a pretensão de esgotar o tema, estudaremos apenas as questões do instituto que reputarmos mais relevantes.

         Da observância ou inobservância deste princípios surgiram três correntes de pensamento, que se contrapõem entre, quanto ao nível de intervenção do Direito Penal na nossa sociedade, que passamos a analisar de forma mais detalhada.

  1. 12.  MOVIMENTO LEI E ORDEM

Se por um lado, a sociedade, pelo menos até os dias de hoje e as próximas décadas, não está apta a abolir o direito penal de suas vidas, tendo em vista a necessidade de repreender condutas que atacam os bens tutelados, tidos como importantes para a convivência social; por outro lado se encontra o chamado movimento Lei e Ordem.

Esse movimento Lei e Ordem defende que o Direito Penal Máximo, também denominado por alguns de Direito Penal Eficaz, seria, em tese, a solução para todos os infortúnios que angustiam a sociedade.

         Na realidade, o que ocorre hoje é que vivemos numa sociedade amedrontada e acuada pela insegurança, em grande parte graças à interferência da mídia. No final do século passado e início do atual, a mídia foi grande responsável pela propagação do movimento Lei e Ordem. As críticas à legislação penal convenceram a população de que era preciso aumentar ainda mais as penas, relativizar e, até mesmo afastar algumas garantias processuais e criar novos tipos penais. Só assim a sociedade restaria “livre” dos “criminosos”.

Diante de tanto sensacionalismo e transmissões de crimes hediondos, a população se convence de que o Direito Penal é o único meio de frear essa violência.

         Assim é que o Estado Social, que traz investimentos na educação, na saúde, no lazer, na cultura e etc, têm sido deixado em segundo plano em razão do Estado Penal, em que se prioriza a repressão.

         Rogério Greco traz o exemplo da política de tolerância zero, adotada pelo prefeito da cidade de Nova Iorque no início dos anos 90. De acordo com essa política houve uma reorganização, na qual existia uma permanente perseguição dos pobres, com aplicação da lei sobre delitos de “menos importância” como embriaguez, jogatina, mendicância, dentre outros, como meio de reduzir a insegurança das classes mais altas.

         Tal política de tolerância zero é uma das vertentes do movimento Lei e Ordem. De acordo com esse movimento, o Direito Penal é tido como a resposta para todos os anseios da sociedade, devendo, pois, se preocupar e cuidar de todos os bens existentes, não apenas daqueles mais importantes e necessários. Qualquer conduta intolerável, por menor que seja, não pode deixar de ser reprimida.

         Logo, tendo o Direito Penal que lidar com comportamentos irrelevantes, de menor importância e valor social, torna-se um Direito simbólico. Isso porque o Direito penal não teria eficácia propriamente dita contra as condutas não desejadas, sua eficácia seria apenas no que toca à tranquilização da sociedade. Os riscos, a violência e os crimes continuariam os mesmos. Rogério Greco vai além e diz que o raciocínio do Direito Penal Máximo nos conduz, obrigatoriamente, a crença de que há uma total falta de credibilidade. Segundo esse autor, quanto mais infrações penais, menores são as possibilidades de serem efetivamente punidas as condutas infratoras. O aumento exacerbado de tipos penais e o recrudescimento das penas a serem aplicadas, que acenam uma promessa de maior punição para os infratores, apenas acabam por enfraquecer o Direito Penal, que perde seu prestígio tendo em vista a certeza de impunidade.

         Além disso, a própria sociedade não suportaria tamanha intervenção e punição de todos os seus comportamentos ditos intoleráveis e anti-sociais, tendo em vista já estar acostumada a praticar alguns deles O Direito Penal Máximo só é suportado quando aplicável aos outros que não nós mesmos, nossos familiares ou amigos.

         Enfim, o que se deve perquirir são os crimes de grave potencial ofensivo, que realmente ferem os bens jurídicos importantes para a população. O movimento Lei e Ordem desvirtua o alvo, visto que existe a máxima intervenção do Direito Penal, incidindo pois, em relação a todas as condutas indesejadas, desperdiçando tempo e insumos, além de acarretar no descrédito no Direito Penal, que se torna apenas um Direito simbólico. Há que se resgatar o Estado Social, com redução das desigualdades sociais, em vez de buscar o Estado Penal. Se o Estado não cumpre suas obrigações sociais, aumentam-se as diferenças econômicas entre as classes sociais e o descontentamento da população mais carente, com conseqüente aumento das infrações, que gera mais insegurança à sociedade, que, por sua vez pede mais justiça. E então tem-se um círculo vicioso sem fim.

  1. 13.  DIREITO PENAL DO INIMIGO

         O Direito Penal do Inimigo, criado pelo alemão Gunter Jakobs, faz parte da política do Direito Penal Máximo e está em contraposição ao Direito Penal do Cidadão. O primeiro não assegura as garantias constitucionais adquiridas, nem respeita os princípios fundamentais, visto que os infratores são tidos como inimigos do Estado, ao contrário do que ocorre com o segundo.

         Segundo Jakobs, o Direito penal age de duas formas, quais sejam: trato com o cidadão, em que se espera a exteriorização de uma atitude não permitida para posterior reação, e o trato com o inimigo, em que se combate anteriormente à sua ação tendo em vista sua periculosidade. Ainda de acordo com Jakobs, as pessoas, por exemplo, pertencentes à organizações criminosas e grupos terroristas, se caracterizam por sua insistência em infringir as leis penais, assim, o Estado se antecipa até a preparação e a pena se dirige a assegurar fatos futuros, e não a sanção de fatos já cometidos.

         Para entender melhor o Direito Penal do Inimigo, Rogério Greco explica o que se chama de velocidades do Direito Penal.

         Assim, a primeira velocidade está relacionada com a aplicação de uma pena privativa de liberdade, devendo ser observadas todas as regras garantistas, penais e processuais penais.

         Já a segunda velocidade se refere à aplicação de penas restritivas de direitos e a pena de multa, por exemplo, ou seja, penas que não sejam de privação de liberdade do cidadão. Aqui, por não se tratar da liberdade, algumas garantias poderiam ser afastadas.

         Por fim, alguns entendem o Direito Penal do Inimigo como uma terceira velocidade, que seria uma velocidade híbrida, ou seja, teria a intenção de aplicar penas privativas de liberdade, com uma mitigação das garantias penais e processuais penais.

         No entanto, o primeiro questionamento que deve ser feito é quem pode ser considerado inimigo para que possam ter suas garantias reduzidas. Assim, se voltaria ao antigo e combatido direito penal do autor, em vez de um direito penal de fato.

         O princípio do fato garante exclusão de qualquer responsabilidade jurídico-penal por meros pensamentos. Por outro lado, o direito penal do autor restaria baseado no que se entende como “estranhos à comunidade”. Essa denominação foi adotada por Hitler quando de sua assunção ao poder. Tais “estranhos à comunidade” eram determinadas pessoas tidas como perigosas, como ocorria com os delinqüentes habituais e, por isso recebiam tratamento diferenciado como medidas de internação por prazo indeterminado, pena de morte e etc.

         Essas medidas direcionadas aos “estranhos à comunidade” vão de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, justamente por desconsiderá-la pessoa, muito se aproximando do Direito Penal do Inimigo.

         Não se pode desistir do homem, taxando como irrecuperável o delinqüente habitual ou os criminosos pertencentes às facções organizadas.  O Direito Penal Máximo, ou seja, o Direito Penal do Inimigo deve ser repudiado pela sociedade, até mesmo para nossa própria segurança, pois, tem-se aí, como comentado acima, o chamado direito penal do autor. Afinal, podemos com precisão dizer quem são os inimigos? Alguns com certeza se encaixam, como os terroristas, traficantes, entre outros. No entanto, outros podem se encaixar no conceito de inimigo de acordo com quem está no poder.

         Enfim, não podemos nos afastar de todos os direitos e garantias conquistados ao longo dos anos com tanto esforço, inclusive para os infratores. Muito menos podemos nos deixar convencer sob o falso argumento da existência do cidadão versus inimigo, visto que, quem sabe, amanhã poderemos ser rotulados de inimigos por não concordarmos com o Direito Penal do Inimigo, por exemplo, conforme dispõe Rogério Greco.

  1. 14.  MOVIMENTO ABOLICIONISTA

Esta corrente do Direito Penal surgiu nos movimentos de 1968, na França, como caminho para uma sociedade igualitária, mas, também, como proposta para a atualidade, redimensionando as liberdades e produção de práticas subjetivas singulares. De acordo com Louk Hulsman “o abolicionismo penal começa na própria pessoa”

Sua proposta é a desconstrução do direito penal retributivo, cuja prática penalista não tem resultado em soluções reais. Em substituição à imposição das atuais penas propõe o castigo consentido e a indenização material e moral, como formas conciliatórias de dar conta dos delitos civis. A realidade da sociedade sem punição imposta é, ainda, efeito da impossibilidade de punir a totalidade dos que infringem a lei, que prioriza a punição da violação das propriedades.

 Em sua atualidade o movimento representa uma recusa da naturalização da obediência e da conservação dos costumes sociais como bens a serem preservados.
O ideal da sociedade ordeira e justa, que tem sido um imperativo, atenta contra o instintivo e o intempestivo, confinando o jovem no “adulto, cidadão, trabalhador livre e responsável, racional seguidor de normas e leis.

A resposta-percurso do abolicionismo penal se pretende ampla, envolvendo vários setores sociais na demolição do direito penal moderno, e seu objetivo é favorecer as decisões que instituem a singularidade em cada caso, mas não abolindo totalmente o castigo, apenas reinscrevendo-o num regime de consenso entre as partes.

            Observando o sistema penal atual, notamos que este não procura efetivas soluções para os conflitos penais existentes, mas sim, alimentam o círculo vicioso da violência.
            De tão acostumado, o povo já nem percebe que a reação do Estado, da forma como a conhecemos hoje, provoca maior violência do que a combatida.
            A história tem nos mostrado que esse sistema só nos leva ao ponto de partida, o delinqüente devolve à sociedade toda a violência que recebeu através de seus representantes (Estado).
            Raramente vê-se alguém sair de um cárcere melhor do que quando entrou, provando que o encarceramento do homem não tem o poder curativo que tanto se apregoa. O cárcere não pode melhorá-lo, aperfeiçoá-lo, não corrige a falta cometida, não o ressocializa, nem limpa sua culpa perante a sociedade a perturbou com sua conduta delituosa.
          O abolicionismo traz em seu âmago uma abordagem crítica desse esquema auto-destrutivo.
           Novas medidas paliativa são utilizadas no interior do sistema repressivo penal, mas apenas se mostram como nova forma de punição, e não como desejam apresentar-se, ou seja, um processo de reeducação.

            Nosso sistema penal visa somente o autor dos fatos e dos interesses do Estado, esquecendo-se totalmente da vontade dos demais envolvidos na situação, como por exemplo a vítima.

             A doutrina abolicionista acredita na aplicação do individualismo e humanismo na solução das lides penais. Para ela, o problema a ser resolvido, não passa de um eventual acontecimento infracional envolvendo membros da comunidade, independendo-se a situação sócio-econômica e do stigma de perigoso.

              Assim, a solução destes conflitos deve estar voltada para as especificidades vividas por cada indivíduo. A aplicação do princípio da igualdade prevê a diferenciação equilibrada entre os indivíduos, chegando-se, então, ao verdadeiro humanismo. Os conflitos sociais só podem ser solucionados a partir do envolvimento de todas as partes neles envolvidas.
              O objetivo desta ideologia é mais do que transferir os conflitos da jurisdição penal para a civil, supondo que a conciliação neste solucionaria os problemas daquele.
              O movimento abolicionista visa uma solução para a violência que não seja baseada em violência. Tem por maior escopo pacificar os conflitos sociais através de modelos de atuação que pressupõem o princípio do acordo indivíduo-indivíduo, privilegiando o diálogo e substituindo a disciplina. Quer preservar a cidadania de ambas as partes, não precisando suspender a de ninguém.

               A teoria abolicionista assusta por redimensionar a justiça e o papel da máquina judiciária na nova justiça. Ela nos perturba, pois faz-nos ver além, e nos tira da fantasia de um mundo onde existem os bons (nós) e os maus (eles).

                Não se deve temer as mudanças que essa teoria trará se praticada. Nela, o Estado deverá ser um protetor de nossos direitos e não nosso carrasco. Trabalharemos não com a imposição do medo, mas com a busca da consciência.“Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão marginal, estatisticamente tão desprezível?”

Todos os princípios e valores sobre os quais tal sistema se apóia ( a igualdade dos cidadãos, a segurança, o direito à justiça, etc.) são radicalmente deturpados , na medida em que só se aplicam àquele número ínfimo de situações que são os casos registrados.

O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma, às avessas. A cifra negra deixa de ser uma anomalia para se constituir na prova tangível do absurdo de um sistema existente. E longe de parecer utópica, a perspectiva abolicionista se revela uma necessidade lógica, uma atitude realista, uma exigência de eqüidade.".

A acepção e a seleção que ocorrem na apuração dos crimes, e na intervenção do Estado através da aplicação do sistema penal só fazem agredir princípios básicos de direito, princípios estes não disponíveis por terem caráter constitucional.

Nossa Lei Maior garante a inalienabilidade dos direitos inerentes ao homem, direitos estes que nada nem ninguém poderia usurpar, muitos menos a atuação do Estado.

  A pena privativa de liberdade não intimida. É fácil constar-se este fato ao prestarmos o mínimo de atenção nos presídios e delegacias abarrotados de pessoas que não se amedrontaram diante pena, e nos incontáveis indivíduos que circulam livremente pelas ruas praticando toda sorte de delitos, mesmo conhecendo a possibilidade de serem punidos.

Nosso sistema penal é completamente arcaico e falho quando pretende controlar a criminalidade prevendo sanções graves aos indivíduos que burlarem as leis. Ineficaz é a palavra exata para nosso ordenamento jurídico penal, INEFICAZ!

O homicídio, o aborto, o roubo, o tráfico de entorpecentes e outros delitos são praticados com relativa regularidade, como ocorreria se não houvesse proibição alguma. A intervenção penal do Estado é irrelevante.

Além de rejeitar o sistema penal como inibidor da criminalidade, os abolicionistas entendem que, por apresentar resposta violenta e pública, ele acaba por estimular a própria violência em outros campos, principalmente nos presídio, considerados por muitos como a "escola do crime".

Contudo, o abolicionismo não foi capaz de, além de denunciar assertivamente a perda da legitimidade do sistema penal, propor um método seguro para a sua aplicação.

O sistema penal brasileiro vigente está recoberto de ilicitudes, ilegitimidades e vícios grotescos. Ao revés de seu objetivo primordial, nosso direito penal positivo só consegue deteriorar ainda mais a convivência em comunidade, agravando a violência existente, em uma época já marcada por tantas aberrações sociais.

O Estado detém em suas mãos o jus puniendi e o usa sem critérios e sem responsabilidade. Não visa o cumprimento de seus deveres e encargos constitucionais para com os cidadãos, todavia, regala-se com privilégios para iludir a sociedade objetivando simplesmente, manter o poder através de uma legitimidade viciada.


15. DIREITO PENAL MÍNIMO

Ao analisamos a historia das penas no mundo podemos vir a concordar com  von Ihering que afirma que  "a história da pena é a da sua constante abolição", ou seja, quando olhamos para alguns séculos atrás, onde o direito canônico exercia a função penal, levando a fogueira milhares de mulheres inocentes que apenas acreditavam num suposto deus “satânico”.E o Estado atuava em demasia, confundindo o ius puniendi com o exercício de poder e de preservação política do soberano. As punições, antes de representarem fins de profilaxia criminal, significavam a vingança. Vemos que o direito penal evoluiu de suas penas cruéis e desumanas a partir do momento em que se passou a ser estudado como ciência. Com base nessa perspectiva histórica surge no norte da Europa,porem com forte repercussão na América.

O movimento intitulado de abolicionismo  prevê a deslegitimação do poder punitivo e de sua incapacidade para resolver conflitos do direito penal, postulando o desaparecimento do mesmo e sua substituição por modelos de solução de conflitos alternativos.

Idealizadores que estão sim comprometidos com o bem estar da sociedade como um todo, e partindo de princípios constitucionais,  chegam a essa conclusão a partir da irracionalidade das penas, tendo como base a dignidade da pessoa humana e da falta de estrutura dos estados de fazer valer o real sentido das penas independente de quem pratique o ato visto como nocivo.

A crítica abolicionista se fundamenta justamente no fato de que os rigores de tais leis recairão apenas sobre os marginalizados, como forma de se criar um escudo invisível de proteção as classes mais favorecidas.                                                                   

Em outra mão temos o mito da eficácia da lei penal, contando com o apoio da mídia induz a sociedade a acreditar que o direito penal é a solução pra todos os males. Incontidamente vemos o cenário dos grandes centros urbanos mudarem radicalmente,com o acumulo de grades de proteção e câmeras de segurança que sucessivamente faz a sociedade revoltar-se com a incapacidade do estado de punir os marginais e proteger o bem jurídico mais importante a vida.O legislativo acuado passa a criar novos tipos penais sem se preocupar com eficácia real dos mesmos,podemos citar a provação do crime de homicídio qualificado foi incluído nesse rol, em função da morte de uma jovem atriz global. E outro métodos adotados por países de primeiro mundo, como o programa intitulado “tolerância zero”,imposto pelo chefe do executivo municipal Rudolph Giuliane e o chefe de policia william Bratton da cidade de Nova Iorque,o que foi visto como um movimento político criminal,que pretendia que o Direito Penal fosse o protetor de quase tudo, basicamente todos os bens existentes na sociedade.            Winfried Hassamer e Francisco Muñoes Conde, in introdución a la criminologia,p. 235, entendem que “ a tolerância zero constitui uma forma de disciplina e de contenção dos setores mais desfavorecidos economicamente,e não uma verdadeira solução ao problema social que condiciona esses comportamentos. O estado social se transforma assim num Estado penal que, através do Direito Penal, pretende o controle da mão de obra não qualificada que não quer assumir o trabalho descontinuo e mal retribuído que se lhe oferece.                                   

         A sociedade brasileira continuamente caminha para o raciocínio relacionado ao direto penal Maximo, o que não conduz a uma credibilidade maior com a criação de mais infrações penais, outrossim a uma possibilidade maior de não serem punidas as condutas infratoras.O direito Penal não pode assumir o papel de Educador num estado social.     

         Dentre essas discussões aparece o direito penal mínimo que visa o equilíbrio da de um estado social e um estado penal. A inflação do legislativo gera apenas conflito de normas, e meios de recurso e causa de morosidade para o judiciário.

         É necessário que haja uma preocupação maior e agir efetivo para que seja possível a viabilização de funcionamento e eficácia dos órgãos incumbidos da persecução penal em sentido amplo e completa aplicação da lei de execução penal, de 11 de julho de 1984.

         A ultima década foi marcada por “equívocos” legislativos que apenas contribuíram para um prolongamento das lides no judiciário como  por exemplo, a “Lei de Tortura”que permitiu a progressão de regime nos crimes que elenca, mesmo sendo hediondos, estabelecendo discussão também quanto a sua extensão, que não foi explicitada pelo legislador que parece ter agido de forma desatenta tomando a contramão das discussões do momento.

         Como citado acima o surgimento desse Estado Penal não condiz coma realidade brasileira atual, parecendo assim a figura da intervenção mínima a mais adequada. Essa ideologia busca através de princípios uma descriminalização racional pautada em princípios como o da intervenção mínima, que guia o legislador na identificação dos bens mais importantes a serem resguardados numa sociedade. Segundo Rechtsgutbem é tudo que "tudo o que, aos olhos do legislador, tem valor como condição para uma vida saudável dos cidadãos".

         Esse bem pode ser de extrema importância para a sociedade mas ao mesmo tempo pode encontrar proteção em outros ramos do direito.No Brasil a lei dos Juizados Especiais, nº9.099/95, que não podemos afirmar com certeza que seria um avanço a medida que gera insegurança quanto a certeza de punição. Os Arts. 88 e 89 da lei que institui os juizados especiais Criminais e que condicionou as ações penais nos crimes de lesão corporal dolosa, de natureza leve,e culposa a representação do ofendido. De públicas condicionadas passaram a publicas incondicionadas. Sendo assim, homologada a transação penal nos termos do art. 76 da Lei nº 9. 099/95, com efeito de coisa julgada, o não recolhimento da multa imposta possibilita apenas a sua execução e uma vez a transação homologada, fica exaurida a prestação jurisdicional. 

         Deve-se evocar também o principio da adequação, onde determinado tipo penal deve existir apenas se a sociedade não assimila como tal, podemos citar o jogo do bicho. E também a lesividade dos atos praticados se ferem apenas o individuo que a praticou ou se atinge a terceiro.

Toda essa analise pautada em princípios deve se dar não apenas quando da criação de tipos penais, mas para que haja uma descriminalização consciente, buscando antes de tudo redimir os males através do estado social,e não permitir que esses ideais sejam buscados apenas no campo abstrato e deixado de lado quando da aplicação da Lei, punindo crimes de menor porte com medidas educativas principalmente e recorrendo ao real intuito do cárcere penal apenas em situações de extremo clamor.

16.  FURTO FAMÉLICO

Inúmeras teorias acerca da humanidade e seu comportamento foram desenvolvidas no decorrer dos anos, sendo para nós, neste momento, mais importante, destacarmos as contemporâneas teorias da justiça, as quais não se abre mão da reserva mínima de ética e da reserva mínima de direitos básicos igualitariamente assegurados, para resultar uma idéia futura de justiça.

Em nosso Ordenamento jurídico os direito mínimos conquistados e exigíveis estão expressos, em sua grande maioria, em nossa Constituição Federal de 1988, esta que traz em seu bojo os deveres e direitos do Estado como guardião da democracia e os deveres e direitos dos cidadãos. Pela idéia de justiça, profundamente discutida, princípios como o direito a vida, o direito a saúde, a propriedade e principalmente o direito a dignidade da pessoa humana, permeia e serve de base para se não todos, mas muitos dos argumentos a cerca da justeza social que perdura em nossos tempos. Assim temos que como Reale já mencionava em seus estudos, adaptar as normas jurídicas aos fatos sociais, estes que estão sempre em movimento, evoluindo e defasando as nossas normas.

Certamente o Principio da Dignidade da Pessoa Humana é a base para a não condenação das vítimas, (vítimas sim, tendo em vista o estado de degradação em que elas se encontram para serem impelidas a cometerem tal atitude), que por razoes diversas e fatores externos se encontram cometendo tal situação, violando o patrimônio alheio para satisfazer a necessidade mais imperiosa de nossas vidas, a de se alimentar . Constitucionalmente temos nosso direito a propriedade protegido, assim como o direito a vida, a saúde entre outros, sendo que todos os princípios expressos em nossa Carta Magna não são absolutos e nem tão pouco escalonado hierarquicamente, desta forma, em se tratando de caso concreto, não se poderia sobrepor um direito a o outro, pois assim como a Constituição assegura o direito a inviolabilidade da propriedade ela também assegura a vida digna aos que sob sua lei reside.

Conceito: O nosso Código Penal ensina-nos que segundo o artigo 155 furto é, subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Bom a parti deste mínimo dispositivo já chegamos a primeira característica do furto famélico que seria a necessidade do objeto ser móvel, (e alheio é lógico, caso contrario estaríamos diante de um caso atípico), no entanto os estudiosos atribuem outras características fundamentais para que haja a configuração do furto famélico, pois não seria somente o objeto em si que configuraria o furto famélico, mas sim e principalmente as condições que impeliram o agente para tal conduta.

Assim temos como furto famélico, o furto que "é praticado por quem, em estado de extrema penúria, isto é, em legítimo estado de necessidade, impelido pela fome, pela inadiável necessidade de se alimentar”.

A conduta acima descrita é tipificada, pois se trataria de uma modalidade de furto, sendo assim uma conduta aprioristicamente condenável, tendo em vista a violação do direito de propriedade alheio, no entanto os estudiosos defendem a analise das circunstancias que envolvam o agente da conduta, para que a partir do estudo do caso concreto seja possível a aplicação da sobreposição do direito a saúde ou a vida, devido ao extremo estado de necessidade, em detrimento ao direito de propriedade.

Aparentemente, esta discussão acerca da prevalência do direito a viva sobre o direito a propriedade nos parecer pacifica, tendo em vista a aceitação social que os direitos que resguardam a vida seja superiores ao direito que proteja o patrimônio, tendo, a sua excludente de ilicitude, no Estado de Necessidade do autor, através da qual o código penal descriminalizaria o delito de furto famélico.

Duas possibilidades estão sendo analisado pelos doutrinadores para se justificar a não punição de tal conduta, a primeira seria o Art.24 CP, que aponta como causa de excludente de antijuricidade o estado de necessidade e a outra seria a simples inexigibilidade de conduta diversa supra legal, de discutível aceitação.

Discutiremos a priori o estado de necessidade: tipificada no Art. 24 CP, o qual descreve assim: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se”. Assim temos alguns dos requisitos necessários para se configurar a excludente quando do furto famélico, que seriam: perigo atual, ameaça a direito próprio ou alheio, situação não provocada voluntariamente pelo o agente e inexistência de dever legal de enfrentar o perigo, mas segundo Frederico Marques, não basta ter somente os requisitos da situação de necessidade, mas sim conjugar aqueles com os requisitos do fato necessitado que seriam inevitabilidade da ação lesiva e inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado, para que diante da conduta delituosa, possa esta ser tida como antijurídica.

Desta forma, em regra, quando analisamos o furto famélico encontramos um dos requisitos não cumpridos, pois apesar de ser possível, ainda que teoricamente, evitar o cometimento do furto com a pratica de oferecer um serviço ao possuído do bem em troca do saciamento de sua necessidade iminente ou ate mesmo o agente poderia apelar para o lado carismático da sociedade exercitando a mendicância. Não que em qualquer das três opções a dignidade da pessoa humana não tenha sido brutalmente ferida, mas duas ultimas hipóteses o agente não estaria cometendo nenhum crime contra o patrimônio alheio e em especifico o crime de furto. Resta-nos assim concluir como descaracterizado o estado de necessidade, para justificar a não punição quando do cometimento do furto famélico, pois apesar das opções não serem condizentes com os direitos humanos, sempre restaria a escolha de qual direto o agente ira ferir, se o seu quando da mendicância ou do trabalho para pode subsistir ou o direito alheio, quando optar por lesionar o patrimônio alheio ainda que por motivos socialmente aceitável. Lembrando sempre que o bem patrimônio em questão sempre se tratara de um alimento, pois é o direito a vida que esta sendo analisado.

Inexigibilidade de conduta diversa

         A análise sobre a conduta em questão estará sendo feita com base no homem médio, já que o direito foi feito por estes e para estes. Reside na culpabilidade a exigência da conduta, ou melhor, a analise da conduta.

Culpável é a ação do agente que nas mesmas situações, outros teriam feito diferente ante as possibilidades existentes, sendo necessária também fazer a analise das condições físicas e morais do agente no momento da conduta.

De acordo com Carla Campos Amico:

[...] a inexigibilidade de conduta diversa é uma causa geral de exclusão de culpabilidade fundada na não censurabilidade de uma conduta, quando não se pode exigir do agente, em determinadas circunstâncias e com base nos padrões sociais vigentes, diferente ação ou omissão. [...]

 Esta excludente de culpabilidade divide-se em legal e supra-legal, ensina a autora, sendo legal a que esta descrita nos códigos vigentes e supra-legal a que apesar de não formalmente prevista muito é utilizada quando das decisões absolutórias, principalmente quando há uma lacuna na lei e o magistrado vê-se obrigado a fazer uso da analogia 'in bonam partem' e dos princípios gerais do Direito, suprindo assim as lacunas de nossa legislação, método este que não perdera sua força com o tempo, tendo em vista que nunca será sanado, levando-se em conta o dinamismo da sociedade quando comparado com a dinâmica do legalismo.

         De forma resumida expomos as duas maneiras em que o furto famélico pode vir a ser não penalizado no pais. Desta forma trazemos  duas corrente que por metodos diferente chegam a descriminalizar o furto famélico, sendo uma que utiliza o estado de necessidade, classificando a conduta como antijurídica e a corrente que classifica o furto famélico como excludente de culpabilidade, por tratar o crime como uma ação de inexigibilidade de conduta diversa.

         Contudo optamos pela doutrina que assevera que o furto famelico seria descriminalizado por se tratar de estado de necessidade, tendo em vista que nada que fira de sobremaneira a dignidade da pessoa humana deve ser vista como opçao ao ser humano, tratamos assim de forma inóqua a inexigibilidade de conduta diversa diante da grave afronta ao principio da dignidade da pessoa humana.

17. CLEPTOMANIA

         O código penal brasileiro reserva um titulo destinado a incriminar atos praticados contra o patrimônio, subdivididos em: I- do furto; II- do roubo e da extorsão; III- da usurpação; IV- do dano; V- da apropriação indébita; VI- do estelionato e outras fraudes e por fim da receptação.

Em nosso estudo também abordaremos uma conduta considerada por muitos uma polemica, a CLEPTOMANIA, conceituada no novo Dicionário Jurídico Brasileiro, de José Náufel: como uma tendência irresistível para o furto de objeto de pequeno valor, a qual constitui uma forma de obsessão motora. É uma estado patológico.

Podemos então definir a cleptomania como uma como uma compulsão desenfreada pra o furto, ou seja, se caracteriza pela recorrência de impulsos para roubar objetos de baixo valor econômico e desnecessário para o uso pessoal, podendo atingir tanto as crianças e adulto como também idosos, sendo, no entanto, mais comum em mulheres. Como já dissemos acima uma característica essencial consta na dificuldade de resistir ao impulso de furtar (incluindo assim a cleptomania como uma doença especifica dentro de uma ordem mais abrangente que são os Transtornos do Controle de Impulsos), não importando o valor da coisa subtraída. Segundo a psicóloga Nancy Erlach afirma: "Muitas vezes esses objetos possuem pouco valor e o cleptomaníaco teria condições de comprá-los, mas, freqüentemente, os dá de presente ou joga-os fora”, devido à preferência dos portadores da cleptomania por objetos de pequeno valor,quando ocorre de pessoas furtarem jóias, dinheiro e outros objetos de valor dificilmente são considerados cleptomaníacos. A pessoa que sofre de cleptomania possui um sentimento de  tensão ante do furto e sente satisfação, prazer e alivio ao cometê-lo, porem, muitos indivíduos portadores deste impulso evitam praticar o ato quando percebe um risco de se pego furtando o objeto.

De acordo com especialistas o individuo que possui este distúrbio não planeja a ação, ou seja, os furtos não são planejados antecipadamente, segundo Nancy: "O roubo sempre é cometido somente pela pessoa, sem participação de outras e ela não leva em conta o fato de poder ser pega em flagrante caso o risco não seja iminente".

O ponto de vista penal se da com o assentimento da psicologia, a conduta exime o autor da responsabilidade penal, pois falta o dolo, que é a vontade consciente do agente em que este que este quis produzir ou assumir o risco de produzir o resultado. De acordo com o texto do artigo 26 Código Penal Brasileiro: “è isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do ato de determina-se de acordo com esse entendimento”. Parágrafo único: “a pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Este referido texto esta presente no titulo III que trata da imputabilidade penal,que significa segundo o autor do Código Penal comentado, Guilherme de Sousa Nucci como: “ imputabilidade é o conjunto de condições pessoais que dão ao gente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a pratica de um fato punível”. Trazendo o conceito de inimputabilidade no art.: 26, conforme foi citado acima, podendo a esta ser absoluta ou relativa, a primeira trata que o individuo definido como “inimputável” não pode ser responsabilizado pelos seus atos, já a inimputabilidade relativa decorre que  o individuo que pertence a certas categorias previstas em lei, pode ou não ser penalmente responsabilizado,dependendo da analise individual de casa caso, como é trazido na parágrafo único deste mesmo artigo.

A cleptomania deve ser diferenciada do roubo ou do furto pois o furto comum é planejado e motivado pela utilidade do objeto ou por seu valor econômico, diferentemente dos furtos cometidos por cleptomaníacos e em caso de roubo ocorre com violência ou grave ameaça a pessoa. Cabendo a cleptomania uma posição de crime imputável, pois o agente não agiu com o dolo, mas sim por uma incontrolada recorrência de impulso para furtar o objeto.

                                               18.    CONCLUSÃO

 

No andar da sociedade brasileira, de um Estado Democrático de Direito, é difícil negar que o Direito Penal mais coerente seja o chamado Direito Penal Mínimo. Ou seja, um Direito Penal assentado nas máximas garantias constitucionais; sobretudo, nos princípios basilares advindos, expressa ou implicitamente, da Carta Magna, tais como: o princípio da dignidade da pessoa humana (base de todos os outros), o princípio da intervenção mínima, princípio da ofensividade, princípio da insignificância, princípio da legalidade, dentre tantos outros.

                               19.    BIBLIOGRAFIA

 

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal,2003.

BITENCOURT, Cezar Roberto.Falência da pena de prisão, São Paulo:Saraiva,2000.

ESQUERDO Esperanza Vaello. Introdución Al Derecho Perecho Penal.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão Minimalista do Direito Penal, 2006.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7935, acessado em 25 de maio de 2010-05-25

http://jus2.uol.com.br/doutrina/lista.asp?assunto=1036, acessado em 20 de maio de 2010-05-25