A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA SOCIEDADE EMPRESÁRIA ENTRE CÔNJUGES E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE FALÊNCIA

 

Cartejane Bogea Vieira Lopes

Gabriela Ferreira Sousa

 

RESUMO

A doutrina e a jurisprudência há muito já admitem a desconsideração da personalidade jurídica como meio para coibir o uso abusivo ou fraudulento da autonomia patrimonial. Por outro lado, a possibilidade de aplicar-se a desconsideração inversa da personalidade jurídica, identificada pelo desvio de bens do sócio para a sociedade com fins fraudulentos, não era ainda reconhecida pela jurisprudência. No entanto, já existem diversos julgados de tribunais reconhecendo a possibilidade de aplicação do instituto, recorrendo a uma interpretação do artigo 50 do Código Civil de 2002.

 

PALAVRAS-CHAVE: falência, regime de bens, sócios, cônjuge, desconsideração inversa da personalidade jurídica.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O Código Civil (Lei 10.406/02) no artigo 50 diz “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Nesse caso, trata-se da desconsideração da personalidade jurídica para poder se decretar que as obrigações da pessoa jurídica alcancem os bens dos administradores ou sócios quando ficar evidenciado a confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

Na tentativa de abranger diversas formas de fraudes para punir os culpados e por falta de um artigo na legislação que expressasse a mesma possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica pela fraude patrimonial em decorrência do sócio/administrador está transferindo patrimônio próprio para a sociedade causando confusão entre o patrimônio desta e daquele e com isso prejudicando direito de terceiros é que a jurisprudência e a doutrina tem aceitado a desconsideração inversa da personalidade jurídica com base no mesmo artigo 50 do código civil, a contrario sensu.

Tal possibilidade, como já presente em alguns julgados de tribunais é possível, por exemplo, para garantir ao cônjuge do sócio ou administrador da pessoa jurídica que esteja sendo vítima de fraude desse tipo que possa reclamar na justiça para ver a sociedade no tocante aos bens transferidos pelo fraudador ser responsabilizada a devolver tais bens. Além do que existem implicações da aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica para os sócios e administradores no processo de falência.

 

2 INSTITUTO DA FALÊNCIA DE EMPRESAS

 

O conceito de falência é definido por Amador Paes de Almeida segundo um viés econômico e jurídico. Pelo econômico tem-se um “estado patrimonial”; pelo viés jurídico é por ser um processo de “execução coletiva contra o devedor empresário” (ALMEIDA, 2000, p. 13 apud PERIN, p. 52-53).

Instituto de natureza diversificada, pois para parte da doutrina, tem natureza de direito substancial, para outra parte de natureza processual, ainda há os que mesclam essas duas e teremos a natureza híbrida; também de contrato igualitário (par conditicio creditorium); de meio de obrigar o devedor a pagar que deve (cobrança), e ferramenta usada pelo poder público para sanar o mercado empresarial dos maus empresários, afastando na medida do possível prejuízos a terceiros que negociam com essas sociedades empresárias.(Porto, A jurisdição no processo de falência, 2001).

Os pressupostos para se instaurar o estado de falência são: a qualidade de empresário do devedor; estado de insolvência do empresário e decretação judicial da falência (Campinho, p. 203).

Por certo que a falência só se concretiza mediante a decretação judicial de falência, que deriva de um estado de fato (Campinho, p. 209). Ao ser declarado por sentença judicial, a falência só se forma após a decretação judicial, “anteriormente à sentença que reconhece e declara a insolvência não existe estado de falência”. (CAMPINHO, p. 209).

Então existirá duas sentenças: a que reconhece a insolvência, mas que ainda não é falência e a de decretação de falência, essa sim, é que vai gerar os efeitos que serão analisados nos tópicos abaixo. É como se a decretação em insolvência tivesse uma conotação de natureza declaratória, e a decretação em falência pelo juiz, de natureza constitutiva. (grifo nosso).

 

3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

Na legislação brasileira o artigo 50 do Código Civil de 2002 traz a desconsideração da pessoa jurídica como meio de coibir fraudes. Assim esclarece o referido artigo: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Esclarece a jurista Almeida Francynah (2012) que o art. 81 da LFRE traz indiretamente a desconsideração da personalidade jurídica: “A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida”. Os dois institutos andam juntos numa mão de via dupla.

                            

3.1 DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

A respeito desse instituto inovador, esclarece Coelho (2011,p.65):
A desconsideração visa coibir fraudes perpetradas através do uso da autonomia do patrimônio da pessoa jurídica. Sua aplicação é especialmente indicada na hipótese em que a obrigação imputada à sociedade oculta uma ilicitude. Retirando-se, assim, a pessoa da sociedade, pode-se atribuir a mesma obrigação ao sócio ou administrador (“que por assim dizer, se escondiam atrás dela”), e, em decorrência, caracteriza-se o ilícito.

Em resumo, a desconsideração é utilizada como instrumento para responsabilizar sócio por dívida formalmente imputada à sociedade. Também é possível, contudo, o inverso: desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação de sócio. Assim, extrai-se da leitura do conceito de Coelho (2011, p. 66) que fraude que a desconsideração inversa coíbe é, basicamente, o desvio de bens.

Sendo assim, a desconsideração da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia inversa patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir a sociedade empresaria e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio (fraudador). Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, “sua razão de ser é a mesma da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita”: combater a utilização indevida da pessoa jurídica por seus sócios (SANTOS, Silvana Duarte dos; BUDNHAK, Gerson Odacir, 2012, Revista Jus Navigandi).

Ademais, assim como a falência pode ser imputada a ex-empresário, a desconsideração da personalidade patrimonial da empresa também o pode mesmo em caso de falida ou em recuperação judicial, além de ser perfeitamente aplicável, então, a inversão da desconsideração. Inclusive já houve julgados nesse sentido de descortinar o véu da pessoa jurídica para responsabilizar os sócios por má gestão, fraude, causas trabalhistas:

 

EMENTA: Direito processual do trabalho. Execução. Agravo de petição. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada e em recuperação judicial. Penhora dos bens do sócio. Cabimento. A fim de obstaculizar as atividades de subversão dos fins para os quais se instituiu a pessoa jurídica e, no propósito de fortalecer o próprio instituto, foi concebida a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Traduz-se na declaração de ineficácia da personalidade jurídica para certos efeitos, dentre eles, a possibilidade de que os bens dos seus sócios possam responder pelos seus débitos, conforme permissivo legal insculpido no artigo 28 do CDC e ainda no artigo 50 do Código Civil. Neste passo, a ocorrência de insuficiência de bens da pessoa jurídica para adimplir as dívidas contraídas provoca a inafastável desconsideração da personalidade jurídica, propiciando a invasão no patrimônio da pessoa física do titular, o qual responde pelas obrigações trabalhistas porquanto foi beneficiário da mão-de-obra do ex-empregado. O fato de a empresa executada se encontrar em recuperação judicial, não é empecilho para o descortinamento da personalidade jurídica, na medida em que os bens dos sócios da devedora não estão sob a tutela da recuperação judicial, a menos que haja decisão do Juízo da recuperação em sentido contrário. Não havendo bens da empresa, tem-se por válida a constrição realizada sobre bem de propriedade de sócio, porquanto este permanece responsável pelos débitos contraídos pela empresa da qual é sócio. Agravo provido”. (PROC. Nº. TRT - AP - 0000055-37.2010.5.06.0412, Desª VIRGÍNIA MALTA CANAVARRO, 2012)

                                                                                                                

4 FRAUDE CONTRA O CÔNJUGE COMO MOTIVO PARA A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

 

Repousa como motivo para se pedir a desconsideração inversa da pessoa jurídica a fraude provada, a confusão patrimonial, a utilização da pessoa jurídica para fins não permitidos em sua finalidade.

Portanto, vemos a possibilidade de o cônjuge prejudicado pela confusão patrimonial dos bens comuns que estejam sendo transferidos para a pessoa jurídica do outro consorte ser um motivo de fraude ensejador do pedido da desconsideração inversa da sociedade empresária.

Nesse sentido, pode o cônjuge-sócio pedir a falência da sociedade. Vejamos no caso que, sendo ele mesmo também sócio e por força do art. 97, III,  da LFRE que traz expressamente a legitimidade ao sócio de sociedade contratual ou acionista de sociedade institucional para o pedido de falência da sociedade, “para tanto, deve o requerente fazer prova de sua qualidade de sócio ou acionista” (PERIN, p. 134).

Como exemplo de fraude contra o cônjuge-sócio ou não podemos citar o devedor que transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém controle de gerencia ou total controle e desse modo continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada e os credores não podem, em princípio, responsabilizá-lo executando tais bens, uma vez que fazem parte de uma sociedade(Almeida,2013).

A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família, uma vez que na desconstituição do vínculo de casamento ou de união estável, a partilha de bens comuns pode resultar fraudada. Esse fato ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle. Desta forma, eles não integram, formalmente a massa a partilhar.
Aplica-se também a desconsideração inversa na hipótese de responsabilização da sociedade empresária, mediante a execução de bens empregados na exploração da atividade econômica (e, portanto, que deveriam estar mesmo em nome dela, sociedade), por obrigação do sócio, uma vez demonstrada a fraude e a confusão patrimonial entre os dois sujeitos de direito.

Em julgados temos várias aplicações da desconsideração inversa no direito de família, a exemplo:

EMENTA: embargos de terceiros. "disregard" ou desconsideracao da personalidade juridica. Sociedade por quotas formada por concubinos. Arrolamento de bens. Deve ser desconsiderada a personalidade juridica de sociedade por cotas formada por dois socios, concubinos casados pelo religioso, rejeitando-se pedido de liminar em embargos de terceiro promovidos pela sociedade, visando obstar arrolamento de bens promovidos pela mulher. Possibilidade de fraude do varao, ocultado sob o manto da pessoa juridica, este, em realidade, age em nome proprio e nao da sociedade. Agravo improvido. Unanime. (AGRAVO DE INSTRUMENTO N 593074602, sétima câmara cível, tribunal de justiça do rs, relator: paulo heerdt, julgado em 25/08/1993).

Por isso, Fábio Ulhôa Coelho (1999, p.45) explica: A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família. Na desconstituição do casamento ou união estável, a partilha dos bens comuns pode resultar fraudada. Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens mais caros, registra-os em nome da pessoa jurídica sob sua administração, eles “não integram, sob o ponto de vista formal, a massa familiar”. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou administrador fraudador.

5 EFEITOS DA FALÊNCIA QUANTO AOS BENS DO CÔNJUGE A DEPENDER DO REGIME DE BENS

 

Se decretada a falência haverá o desapossamento dos bens e a constituição em massa falida, tal ato deve ser providenciado pelo administrador judicial e sendo custodiados por ele. Não serão todavia afetados pela falência os bens de créditos alimentares, pensões, as utilidades domésticas, salvo os de elevado valor. Também não serão afetados os soldos, salários, pensões, e a quantia de até 40 salários mínimos que estejam depositados em poupança; também os utilizados como meio de profissão, ex: livros, notebooks, veículos de uso de serviço, motos (Campinho, p. 335 a 343).

Nenhuma implicação decorrente da falência de uma sociedade pode cair sobre sobre a meação da mulher casada, já que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com os bens particulares dos seus sócios. (Almeida, p. 174, 2013).

Não por acaso, estes bens acima são também excluídos da comunhão parcial de bens como se percebe da redação do art. 1659 do código civil. Daí decorre que o legislador quis sempre proteger estes bens como indispensáveis a sobrevivência e mínimo de dignidade da pessoa humana, não lhe privando totalmente de seu sustento e dignidade.

Quanto ao regime de bens, sendo o regime parcial de bens o regime legal do matrimonio, a menos que tenha havido pacto antenupcial e escolhido o regime de separação total ou comunhão universal de bens. O regime da comunhão parcial exclui da comunhão os bens que os consortes possuem ao casar ou que venham adquirir por causa anterior e alheia ao casamento e inclui na comunhão os bens adquiridos posteriormente. (Diniz, p. 188, 2014).

O Código Civil nos arts. 1.659 e 1.661 define os bens incumunicáveis, que são aqueles que constituem o patrimônio pessoal mulher ou do marido: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub‑rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub‑rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios‑soldos, montepios e outras rendas semelhantes. No art. 1.662 o regime da comunhão parcial, presumem‑se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior. No art. 1660 estão os bens comunicáveis: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Pode-se dizer que a confusão patrimonial deva se se dar no âmbito dos bens comunicáveis e daqueles que não podem alienados ou gravados de ônus real sem o consentimento do outro cônjuge, pois quanto aos demais bens no regime da comunhão parcial, não terá interesse o cônjuge de reclamar tais bens. Mas poderá ser que por uma questão de assegurar direitos sucessórios dele e dos filhos o cônjuge reclame na justiça a fraude do outro cônjuge em transferir para a empresa jurídica bens que somente pertencem a um dos cônjuges. Ademais, as dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns do casal, no regime da comunhão parcial (CC, art. 1.666).

Gonçalves (p. 485, 2013) escreve que o regime da comunhão universal, tem-se que todos os bens, futuros ou presentes se comunicam ainda que adquiridos em nome de um só deles, bem como as dívidas posteriores ao casamento, salvo se excluídos em convenção antenupcial (CC, art. 1.657), sejam imóveis ou móveis. Aqui também se aplica a proteção, só que agora de maneira integral quanto ao todo, pois o todo aqui pertence a ambos. Mas existe, mesmo no regime da comunhão universal os bens incomunicáveis: (CC, art. 1.668): São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub‑rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659; exceção feita aos frutos, ou seja os frutos, tais como aluguel de locação, fazem parte da comunhão universal (art. 1.669, CC). Estes bens do casal que não se comunicam não ensejam a fraude da sociedade empresária, sendo entre cônjuges ou não, por não se comunicarem, ressalvado direito de terceiros, ex: filhos.

Pelo Art. 1.672 no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. Na linha do art. 1.673: integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento. Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis. Caso imóveis será preciso a outorga do outro cônjuge. Ficam de fora da divisão de bens os: I- bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub‑rogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens. Por sua vez os bens móveis, presumem-se comuns, pois adquiridos na constância do casamento, salvo prova em contrário, nesse caso a prova pode ser obtida por meio de nota fiscal, recibos em nome do cônjuge que o reclamar como sendo dele. “Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro” (CC, art. 1.679). “No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido” (art. 1.681, CC). Aqui caso sócios um do outro, terão os mesmos créditos oriundos dos ganhos, respeitado o Estatuto, e direitos de terceiros.

O regime que não tem nenhum embaraço a alienar sem outorga marital ou uxória é o regime de separação total de bens, nesse afasta-se por completo a possibilidade de fraude contra os bens do outro cônjuge, sendo sócios ou não (arts. 1.647, incisos I,II,III e 1.687, CC).

 

6 EFEITOS QUANTOS AOS DEMAIS SÓCIOS, SE HOUVER.

 

Questão que deve ser destacada diz respeito à responsabilidade de os sócios, que respondem solidariamente pelas obrigações sociais com seu patrimônio pessoal e de forma ilimitada, serem também declarados falidos em caso de falência da sociedade (Perin, 2011, p. 95).

Perin (2011, p. 96) escreve que considerando que a sociedade empresaria por ser distinta da pessoa de seus sócios não estão estes sujeitos a falência caso seja declarada a falência daquela, contudo também ressalta que o legislador, no art. 81 da LFRE “de forma objetiva e clara que optou por afirmar que o sócio com responsabilidade ilimitada (pessoa física) também é falido, sem prejuízo da interpretação de que quem sofre a falência é a sociedade empresaria e não a pessoa física do sócio”.

A meu ver não faz diferença pois o sócio ilimitado estaria sofrendo os efeitos da falência do mesmo modo, então, aqui interessa é o efeito, e não somente a distinção entre tipos de pessoas físicas ou jurídicas. Bem sei que se jurídica, talvez esta não possa voltar a operar novamente, enquanto a pessoa física do sócio, com suas devidas restrições, em caso de crime falimentar, transcorrido o período mínimo de 05 anos, fraudes, não poderá ser agraciado com novo pedido de solicitação de recuperação judicial, mas nada impede que ele possa abrir nova sociedade empresária.

Aliás, do que se aduz:

 

Respondem pelo seu patrimônio pessoal e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade: todos os sócios da sociedade em nome coletivo (art. 1039 do CC 2002), o sócio comanditado da sociedade em comandita simples (art. 1045 CC 2002), e o acionista diretor ou administrador da sociedade em comandita por ações (art. 281 da Lei n. 6.404/1976). Já os sócios da sociedade limitada respondem pessoalmente até o limite do valor do total do capital social subscrito e não integralizado , e o acionista da sociedade por ações responde do forma limitada pelo valor do preço de emissão das ações subscritas e não integralizadas” (PERIN, 2011, p. 97)

 

Ainda segundo o mesmo autor “não se pode negar a personalidade jurídica da sociedade, estendendo o estado de falência da pessoa jurídica aos sócios ainda que respondam ilimitadamente”, mas o autor escreve também que o legislador foi claro ao estabelecer no art. 81 da LRFE que decretada a falência da sociedade dos sócios ilimitadamente responsáveis sofrem os mesmos efeitos e tal se decreta a falecia deles. Nesse caso não há o que discutir, pois o artigo da lei foi claro.

Na mesma linha: Podem os sócios participar do processo de falência da sociedade, inclusive peticionando o pedido de falência, mas não em nome da sociedade e sim em nome próprio. Também são diretamente afetados pela decretação da falência, a começar pelo afastamento do poder de em reunião decidir pelo futuro da sociedade empresaria e do patrimônio dela. (Mamede, 2006, p. 409).

Tal assim declara o artigo 117 da Lei Falimentar: “Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do comitê”. Nas palavras de ALMEIDA (2013, pág. 181): “os contratos bilaterais, ao revés do que ocorre com os contratos unilaterais, em que o falido é credor, não se resolvem com a falência, podendo ser executados pelo administrador, se este achar conveniência para a massa”.

Sendo assim, falido o devedor seja pela fraude ou não, não terá direito a receber antecipado os créditos aos quais possa ter direito. Por outro lado: o artigo 81 da Lei de Falências também diz que: “a decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes” podendo apresentar contestação em defesa própria. Pelo Código Civil de 2002 são solidários os sócios de responsabilidade ilimitada: todos os que integram a sociedade em nome coletivo (art. 1039 do CC); o sócio comanditado, na sociedade em comandita simples (art. 1045 do CC); o acionista-diretor na sociedade em comandita por ações (art. 1091 do CC) escreve Almeida (2014, pág. 70). Na mesma linha: “Podem os sócios participar do processo de falência da sociedade, inclusive peticionando o pedido de falência, mas não em nome da sociedade e sim em nome próprio” (MAMEDE, 2006, p. 409). Também são diretamente afetados pela decretação da falência, a começar pelo afastamento do poder de em reunião decidir pelo futuro da sociedade empresaria e do patrimônio dela. (Mamede, 2006, pág. 409).

De uma maneira geral:

A propriedade comum só será afetada naquela parte que diz respeito ao sócio fraudador, declarado falido, “o administrador judicial arrecadará a parte ideal que a ele pertence. A situação de indivisão deve-se resolver com a venda do bem, deduzindo-se do que for apurado a parte dos demais condôminos, sendo a eles facultado adquirir a quota parte do falido, nos termos da melhor proposta obtida (§ 2º, do art. 123). Deverão os co-proprietários ser regularmente cientificados do ato de alienação... Nas sociedades anônimas e comanditas por ações a arrecadação recairá sobre as ações por ele titularizadas; nas sociedades contratuais – limitada, sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples – a quota do sócio será liquidada, e se positivo os valores, entrarão como ativo da massa falida. (CAMPINHO, p. 375).

 

Sempre levando em conta a quota parte do falido qualquer que seja o tipo societário a que integra o sócio falido, pois a falência do sócio não acarreta a falência da sociedade.

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por assim finalizar, esperamos que este paper alcance os objetivos desejados que foi o de pesquisar e entender quais os motivos para se pedir a desconsideração inversa da sociedade empresária, pelo que agora sabemos que um dos motivos pode ser a fraude, sempre, e também quando sócio transferir parte de seu patrimônio pessoal para a pessoa jurídica visando esconder bens particulares ocultando-os como se da empresa fosse. Tal possibilidade pode, inclusive, ocorre entre sócios-cônjuges quando um deles tentando esconder patrimônio comum ou somente próprio, mas que por sua natureza e modo de aquisição faça parte da meação do outro cônjuge a fim de aumentar o próprio patrimônio por meio do uso indevido e confusão patrimonial com os bens da empresa, levando o cônjuge a engano quanto aos bens que de fato possam fazer parte da meação, em um possível processo de separação ou divórcio. Vimos também que o pedido da desconsideração inversa da sociedade empresária pode atingir os sócios quando se tratarem de sócios ilimitadamente responsáveis e nos casos acima. Além do que a fraude por si só quanto a credores pode ensejar pedido de falência da sociedade empresária quando vier a causar prejuízos aos credores.

Ademais, importante instituto tem se mostrado para coibir fraudes, enganos contra terceiros e confusão patrimonial, além de preservar a boa-fé objetiva nos contratos realizados pelas sociedades empresárias mesmo que sem uma legislação específica, o que nem precisa porque o art. 50 do Código Civil já de maneira contrariu sensu traz o instituto da inversão da personalidade jurídica inclusive no campo das relações conjugais.

 

 

REFERÊNCIAS

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_________. Curso de falência e concordata, 18 ed. são Paulo, saraiva, 2000, p. 13 apud Perin.

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_______. PROC. Nº. TRT - AP - 0000055-37.2010.5.06.0412. Rel. Desª VIRGÍNIA MALTA CANAVARRO, out 2012. Disponível em: < www1.trt6.jus.br/consultaAcordaos/acordao_inteiroteor.php?cod.> acesso em: 29 abril 2015.

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 6º ed.  – Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3: direito de empresa, contratos, falências, recuperação. – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das sucessões. 29º.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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Estudantes do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.