A DESCONEXÃO DOS TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TELETRABALHO: uma análise sob o prisma dos preceitos do direito trabalhista [1]

 

 

Andre Crescenti Abdalla Saad Helal;

[2]

 

Profa. Esp. Ana Carolina Cardoso[3]

Sumário: Introdução; 1 O teletrabalho e a configuração da relação de emprego; 1.1 Definições do teletrabalho na doutrina e a tratativa da legislação; 2 Estratégias para estabelecer o critério tempo na jornada de trabalho dos teletrabalhadores; 3 O teletrabalho na jurisprudência predominante e a necessidade da desconexão; Considerações Finais; Referências;

 

 

RESUMO

Este paper consiste na identificação do que se entende por teletrabalho na doutrina e como este modo de labor vem sendo regulado no ordenamento jurídico, haja vista sua configuração como relação de emprego. Nesse contexto, no que se refere à desconexão do empregado, na ausência de ditame legal, fica à cargo dos juristas e no plano fático, da orientação jurisprudencial definí-la. Assim, se pretende buscar os critérios que melhor atendam à jornada de trabalho daqueles que trabalham fora do ambiente convencional de trabalho, a fim de se criar uma forma estratégica e benéfica entre as partes da relação empregatícia da regulamentação do direito trabalhista da desconexão.

   

PALAVRAS-CHAVE

Teletrabalho - Relação de Emprego – Desconexão - Jurisprudência

 

 

INTRODUÇÃO

O homem é um ser político, por conseguinte, visa no labor de suas atividades a organização, bem como a hierarquização político-administrativa como forma de manter a coesão de um corpo social. Ao longo do tempo ele buscou aperfeiçoar as relações que criou e satisfazê-las através do poder. Nesse diapasão, nas sociedades pós-industriais, com a nova forma de vida que proveio principalmente da modificação no processo produtivo, novas formas de atividades surgem, o modo de ver o mundo muda. O trabalho, entendido agora de maneira descentralizada e sem a concentração do trabalho em unidade, propiciado uma nova perspectiva para o desenvolvimento das atividades que costumeiramente eram realizadas dentro de uma empresa, agora sendo executadas nos âmbitos externos a estas, inclusive residenciais.

Ao apresentar o teletrabalho, o home-office – ou ainda as demais terminologias empregadas pelos juristas - neste paper, busca-se trabalhar de forma pontual as premissas para a caracterização deste como relação de emprego, além de trazer a sua conceituação pela doutrina; além de trazer, mais especificadamente, como se dá a caracterização dos constitutivos trabalhistas, especificadamente os co-relacionados com a jornada de trabalho: hora extra e o sobreaviso, haja vista a falta de fiscalização nos ambientes diversos do da empresa bem como os entendimentos jurisprudenciais praticamente consolidados acerca desta, sempre levando em consideração a importância da desconexão do teletrabalhador.

Exaltar as vantagens do teletrabalho, visto que ele é um meio de trabalho que vem sendo cada vez mais utilizado pelos empregados das grandes cidades e que propicia certa flexibilização à vontade, oportunidade e tempo do que trabalha, tornando possível a organização dos horários segundo as necessidades e conveniência do empregado, faz até mesmo o leitor interessar-se pelo trabalho à distância.

Por outro lado, ainda que essa espécie do gênero trabalho a distância tenha suas vantagens, certos pontos podem ser causadores de diversos problemas se o trabalhador não souber pontuar as especificações que compõem a prestação de serviço frente ao seu empregador. Além do mais, se o empregado não souber administrar coerentemente o teletrabalho, pode ser ocasionado á ele o afastamento das atuações coletivas e sindicais, prejuízos na vida íntima e familiar, uma vez que não facilmente saberá separar os institutos família e trabalho haja vista o mesmo espaço físico que se encontram ambos e o cansaço em demasia, quando os empregados não conseguirem ministrar as horas trabalhadas das horas de descanso, dentre outros (GARCIA, 2008, p. 208).

1 O teletrabalho e a configuração da relação de emprego

 

A lei 12.551/11 modificou por completo o art. 6º da CLT, dizendo ela que não mais se diferenciarão o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Ora, se o teletrabalho durante um tempo ficou à mercê da abstração do intérprete autêntico que definia sua configuração e seus limites, com o advento de tal modificação ao artigo 6º supracitado, não mais se questiona a legalidade do teletrabalho, entendido por enquanto apenas como aquele labor que ocorre a distância, no âmbito do domicílio ou não.

Nota-se que o legislador muito mais que apenas legalizar – não querendo retirar a credibilidade de tal ato – poderia também ter sido mais específico no sentido de trazer outras proposições que trouxessem mais segurança jurídica para aqueles que trabalham sob as condições em comento. O advento da lei não inovou o que se esperava até mesmo porque, na falta de previsão legal, já se entendia o teletrabalho da mesma forma que qualquer outro trabalho, desde, claro, presentes os requisitos da relação de emprego.       

A fim de se evidenciar a existência dos pressupostos da relação de emprego, os artigos 2º e 3º da CLT são indispensáveis, uma vez que trazem os requisitos desta:  “art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Para caracterização perfeita da subordinação Nascimento (2006, P. 998) assevera: “daí admitir-se que há uma dependência econômica para que o vínculo de emprego subsista”. Ainda segundo o mesmo autor, por outro lado, existem doutrinadores como Greco, Di Marcantonio, Riva Sanseverino que entendem que o trabalhador à domicílio não se sujeita à controle uma vez que não tem horário fixo, não se adapta à subordinação que lhe é imposta e se caracterizaria mais como um trabalhador autônomo que subordinado visto que “dirige com critérios próprios, técnicos, o seu trabalho e assume um certo risco”. Portanto, restaria dúvida doutrinária acerca do pressuposto ‘subordinação’ da relação de emprego.

Continua Nascimento (2006, p. 999), defendendo a espécie teletrabalho - do gênero trabalho a distancia – quando acrescenta que “algumas atividades podem ser exercidas na residência do prestador de serviços, facilitadas pelos modernos meios de comunicação que liga às empresas, com o uso de computador e da Internet, de tal modo que não há necessidade de presença física do trabalhador na unidade ou estabelecimento da ou das empresas favorecidas.”

Desse modo, observa-se que as vezes se torna difícil perceber se a atividade é subordinada exatamente devido a falta de controle. “E quando há traços que permitem concluir que a atividade foi exercida de modo subordinado, quase sempre as conclusões não são fundadas em bases concretas e permitem dupla interpretação, inclusive a que nega relação de emprego. A pessoalidade, por seu turno, pode se demonstrar afetada. Sabe-se que ela se caracteriza pela “prestação de serviço pelo próprio trabalhador sem que seja substituído por terceiros, aspecto este relevante ao empregador, que o contratou tendo em vista a sua pessoa” (GARCIA, p. 135) que sem ela não há relação de emprego. Sem controle não há como saber se não existe concurso de outras pessoas na atividade trabalhista. Assim, prejudica-se o contrato individual, que é intuitu personae. Porém, “havendo o controle e a direção quanto à formado trabalho, mesmo que por meio de instrumentos eletrônicos, fica reconhecida a presença da subordinação jurídica” (GARCIA, 2008, p. 208)

1.1     Definições do teletrabalho na doutrina e a tratativa da legislação

 

Pelo fato do teletrabalho ser um meio relativamente novo de labor, a doutrina aos poucos vem aumentando o número de informações sobre ele. Muito o que se tem a respeito do tema, fica a cargo de artigos e entendimentos jurisprudenciais. Portanto, a fim de trazer para este as peculiaridades e definições do teletrabalho, é relevante evidenciar que o mesmo, entendido de maneira ampla, se distingue do trabalho doméstico, como bem afirma Nascimento (2006, p. 997): “diferem, sob o prisma jurídico, o trabalho doméstico e o trabalho realizado na residência do trabalhador, como fornecedor de terceiros, este denominado trabalho no domicílio” sendo este último, que aqui interessa, compatível com a subordinação. Do mesmo modo entende Garcia (p. 208, 2008) ao expressar que existe distinção entre os dois, porque o teletrabalho se ocupa em atividades que exigem conhecimentos mais especializados, como auditoria, gestão de recursos, tradução, jornalismo, digitação. Alemão e Barroso contribuem:

Entretanto, para que uma atividade profissional exercida no espaço domiciliar possa ser classificada como teletrabalho, é necessário que ela abranja dois elementos principais: a) um espaço físico localizado fora da empresa onde se realize a atividade profissional; b) a utilização de novas tecnologias de informática e de comunicação para a execução das tarefas. (2012, p. 76)

E não apenas o que já fora destacado, mas ainda porque existe dependência econômica para que o vínculo de emprego subsista, além dos demais requisitos da relação de emprego, caracterizados no ponto anterior. Já quanto às nomenclaturas recebidas pelo teletrabalho, a doutrina destaca que

 A grande heterogeneidade de tarefas presente no teletrabalho expressa-se também até nas suas variadas denominações: teledeslocamento (telecommuting), trabalho com rede (networking), trabalho à distância (remote working), trabalho flexível (flexible working) e trabalho em casa (homeworking ou home-office). Na Europa, o termo mais utilizado é telework e, nos Estados Unidos, é telecommuting (Estrada, 2006:3). No Brasil, ora é usado home-office, ora teletrabalho (ALEMÃO; BARROSO, 2012, p. 76).

Segundo Garcia (2008, p. 207), “o chamado teletrabalho é uma modalidade de trabalho à distancia, típica dos tempos modernos, em que o avanço da tecnologia permite o labor fora do estabelecimento do empregador (normalmente na própria residência do empregado), embora mantendo o contato com este por meio de recursos eletrônicos e de informática, principalmente o computador e a internet”. Por seu turno, Cassar (2012, p. 666) identifica-o como “trabalho a distancia, trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador. O trabalho em domicílio é espécie do gênero teletrabalho. Não há necessidade de o empregado utilizar instrumentos de informática ou de telecomunicação”. Já para Rodrigues Pinto (2000, p. 115 apud CASSAR, 2012, p. 666) teletrabalho é “uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal”. Não só no âmbito residencial, mas também para o mesmo autor, é possível que o teletrabalho seja desempenhado “em um centro de computação, um escritório virtual ou alugado por hora para este fim aos interessados, pois há uma descentralização da empresa, pulverizando a ‘comunidade obreira” (op. cit.).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) assevera que o teletrabalho é qualquer trabalho realizado num lugar onde, longe dos escritórios ou oficinas centrais, o trabalhador não mantém um contato pessoal com seus colegas, mas pode comunicar-se com eles por meio das novas tecnologias. E, por sua vez, não diferenciando o que os demais juristas consideraram, a Carta Européia para o Teletrabalho o identificou:

é um novo modo de organização e gestão do trabalho, que tem o potencial de contribuir significativamente à melhora da qualidade de vida, a práticas de trabalho sustentáveis e à igualdade de participação por parte dos cidadãos de todos os níveis, sendo tal atividade um componente chave da Sociedade da Informação, que pode afetar e beneficiar a um amplo conjunto de atividades econômicas, grandes organizações, pequenas e médias empresas, microempresas e autônomos, como também à operação e prestação de serviços públicos e a efetividade do processo político.

2      Estratégias para estabelecer o critério tempo na jornada de trabalho

 

Como já fora visto, o teletrabalho surge como um meio ‘alternativo’ e tendente a uma maior produtividade do empregado, pelo menos em tese. Entretanto nem sempre é fácil caracterizar tal produtividade, tampouco o tempo de trabalho para que dele decorram os constitutivos trabalhistas, haja vista a falta de fiscalização nos ambientes diversos do da empresa, e, consequentemente se torna árdua a tarefa do intérprete autêntico do Direito ao aplicar a lei trabalhista, mormente quando se refere à jornada de trabalho. É isso confirma Garcia: “para este (o empregador), também podem surgir certas dificuldades de fiscalização e controle do trabalho a ser desempenhado, justamente em razão da forma diferenciada de trabalho em questão” (GARCIA, 2008, p. 208)

Portanto, é necessário que se traga à prática alguns meios estratégicos de definição de jornada de trabalho que não sejam prejudiciais e falhas para nenhuma das partes da relação em voga. Estabelecendo tais parâmetros, através do bom senso e acordo entre as partes, seria também possível regular os aspectos da desconexão.  Assim, é importante que haja consenso entre as partes da relação trabalhista até mesmo porque o teletrabalho também é de interesse do empregador na medida em que se evita a necessidade de deslocamento até o estabelecimento de trabalho, o que economiza tempo, principalmente em grandes cidades, possibilitando maior tempo livre ao empregado. Para a empresa, há economia quanto à manutenção de local de trabalho e sua infra-estrutura (op. cit.).

Adentrando nas situações fáticas, quanto à dificuldade de se aferir o tempo efetivamente trabalhado no teletrabalho, Pinto advoga que (p. 27) “configurado o vínculo de emprego, o empregado dificilmente terá direito às horas extras, por trabalhar em sua própria casa e desde que não haja alguma forma de controle, pois, se houver, haverá tal direito, salvo se determinada produção só puder ser alcançada com mais de oito horas diárias de serviço”. A ilustre doutrinadora Vólia, entretanto, coloca o teletrabalho no grupo daqueles “empregados cujo trabalho não estpa submetido a qualquer controle ou fiscalização, não havendo meta a ser cumprida ou visitações predeterminadas. Podem realizar as tarefas como melhor convier, nos horários e dias de seu interesse ou necessidade”. Da mesma forma entende a CLT que em seu artigo 62 diz

Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados.

Portanto, percebe-se que a própria legislação excluiu do capítulo jornada de trabalho, as atividades que se caracterizam pela incompatibilidade de se fixar horário de trabalho. Sendo assim, cabe afirmar que nem mesmo a lei acredita na possibilidade de fiscalização e controle do trabalho a distância. Tal entendimento parece razoável quando observado que as limitações da comprovação do efetivo trabalho do empregado quando ele se encontra em outro local que não o do fiscal. Poderia se imaginar que o controle pudesse ser feito a partir da verificação da movimentação do sistema da empresa pelo usuário (intranet), ou pela gravação da imagem do mesmo do outro lado do computador (webcâmera). Essa segunda opção é descartada porque verifica-se a desmistificação da natureza do teletrabalho, retiraria-se a intimidade do empregado e da sua própria família, violaria-se o domicílio. A primeira alternativa é mais viável, contanto que necessariamente essa movimentação tenha a ver com produção. Porém, sabe-se que nem toda empresa tem tecnologia necessária para esse tipo de controle, condição que refutaria mais uma vez esta ideia.

Porém, é importante ressaltar o que a própria Vólia deixa claro: a presunção jurídica é de que o trabalhador externo não é controlado e fiscalizado, essa presunção, como toda que é relativa – iuris tantum – admite prova em contrário. Ou seja,

mesmo externos, se existir alguma forma de controle de produção, de percurso, de tarefas, de horário, de visitações, etc., o empregado terá direito ao Capítulo em estudo e, se comprovadas as horas extras e ou noturnas, haverá remuneração destas, pois a lei limitou a tutela protetiva em face de uma presunção jurídica (CASSAR, 2012, p. 664)

Contudo, a prova deverá ser contundente e ter o crivo judicial para se seja destinado ao trabalhador seus direitos.

3      O teletrabalho na jurisprudência predominante e a necessidade da desconexão

 

O teletrabalho, visto pela perspectiva do trabalhador, é viável uma vez que infere autonomia a este. Porém, ao se analisar o objetivo do empregador, deve ser prioritariamente produtivo, sendo produtivo “o trabalho que valoriza diretamente o capital, o que produz mais-valia” (ANTUNES , 2004, p. 156), considerando o contexto que traz o teletrabalho, é válido dizer que o critério produção é um bom indicativo para definição de carga horária. As pessoas jurídicas estão percebendo mais vantagens nesta forma de trabalho do que manter seus trabalhadores nas quatro paredes da sede das empresas e além disso, correndo o risco de não ter uma boa produtividade, afinal estes terão que enfrentar o trânsito caótico das grandes cidades, perigo de acidentes e eventos climáticos.

Porém, o teletrabalho, devido a sua ‘modernidade’ exige do Direito a dinâmica, que lhe é inerente. Assim apontar como vem se posicionando a jurisprudência frente à nova demanda que adveio da força da previsão normativa do teletrabalho significar dizer quais os rumos da futura regulamentação desta didática de trabalho:

"Serviços externos não controlados - Não faz jus o trabalhador horas extras nessas condições. O trabalhador que presta serviços externos não sujeitos a controle de horário enquadra-se nas disposições do art. 62 da CLT e não faz jus, portanto, ao pagamento de horas extras." (TRT-SC; RO-V-2.966/90 -AC. 1ª T. 1.250/91, 05.03.91, Rel. Juiz Rubens Muller, Publ. DJSC 30.04.91, p. 62 - in FERRARI, Irany. Julgados trabalhistas selecionados. 3. ed. São Paulo: LTr, v. I, 1994. p. 311, nota 1088).

"(...) não prospera o inconformismo do reclamante quanto ao indeferimento das horas extras referentes aos períodos de labor externo. E isso porque não foi demonstrada a existência de controles indiretos sobre a jornada externa. A utilização de aparelhos eletrônicos celulares e do sistema de correio eletrônico denominado de "office vision" não se mostra idônea a desempenhar tal finalidade." (Recurso Ordinário nº 2866/2000 - Goiás - Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região - Juíza Relatora Dora Maria da Costa - julgado em 12.12.2000)

(TST-032708) RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO SALÁRIO FIXO - HORAS EXTRAS - TRABALHO EXTERNO - COMISSIONISTA MISTO - BASE DE CÁLCULO - SERVIÇOS DE COBRANÇA - LABOR EM DOMINGOS E FERIADOS. Tendo o e. Regional concluído pelas provas colhidas que o salário fixo não era pago e, sim, deduzido das comissões, o buscado reconhecimento de quitação esbarra na Súmula 126/TST, que veda o revolvimento de fatos e provas. Inespecífica a divergência trazida que não parte dos mesmos fatos descritos no aresto regional. No que se refere às horas extras, não há como admitir ofensa direta aos arts. 62, I, e 818 da CLT, porque ficou provado que o reclamante estava submetido a horário e à fiscalização, inclusive através de relatórios e do palmtop. Comprovado o labor em horas extras, são devidos os reflexos (Súmula 376, II, do TST). Tratando-se de comissionista misto, a sobrejornada há de ser paga fazendo-se a incidência do adicional de horas extras, apenas, sobre as comissões, ao passo que, sobre o salário fixo, reputam-se devidas as horas extras com o respectivo adicional (Súmula 340/TST). Quanto aos serviços de cobrança, o recurso se encontra desfundamentado à luz do art. 896 da CLT, na medida em que a recorrente não indicou afronta a qualquer dispositivo legal ou constitucional, nem transcreveu arestos para o confronto de tese. Provado o labor em domingos e feriados, não há como conhecer do recurso por afronta ao art. 818 da CLT, porquanto a questão não é de distribuição do ônus da prova, mas de valoração daquilo que juntado aos autos como prova. Agravo de instrumento provido. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (RR nº 682/2002-023-03-00, 5ª Turma do TST, Rel. José Pedro de Camargo. j. 28.06.2006, unânime, Publ. 04.08.2006).

Conclui-se, observada a jurisprudência predominante, exemplificadas pelas acimas transcritas, que, em regra, ocorre a predominância da presunção relativa de não incidência de hora extra e sobreaviso, salvo prova em contrário. Ademais, a fim de evidenciar o direito à desconexão, no que se refere ao sobreaviso, para CASSAR (2012, p. 667), a Súmula 428 do TST se aplica ao teletrabalho:

SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012)  -Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012: I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso.

O teletrabalho que desrespeita a desconexão é aquele que é realizado na internet por meio de ferramentas tecnológicas que possibilitam o uso da telecomunicação e telemática, privando o teletrabalhador da sua liberdade devido ao controle virtual “que se encontra privado de romper o vínculo em razão de coação moral ou psicológica advinda de dívidas artificiais contraídas com o empregador” (ESTRADA, Manuel M. P.). Onde o trabalhador estiver, ficará preso ao computador ou laptop, uma vez que deverá se concentrar no trabalho, isolando-se de seu entorno e cumprindo as metas exigidas pela empresa.

Assim, considerando que a Carta Magna brasileira coloca o lazer lado a lado com a educação, saúde, trabalho, segurança, previdência social, proteção à infância, maternidade e assistência aos desamparados, importa exaltar a importância que esse direito tem, não podendo se rechaçar a desconexão, portanto, porque do mesmo modo, dentro das relações de trabalho se apresenta como um direitos humano fundamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O teletrabalho, como se viu, possui várias terminologias e se apresenta como um meio diferenciado de trabalho, haja vista o seu desligamento da unidade convencional de trabalho e a flexibilização do binômio espaço-tempo, tudo isso para facilitar a vida dos trabalhadores e melhor atender às necessidades das empresas. E por mais que seja “característico do atual estado do mundo que ninguém esteja totalmente certo do que a circunstancia histórica está pronta para conceder” (HOBSBAWM, 2000, p. 414) acredita-se que a tendência é que cada vez mais existam trabalhadores, e uma vez difundida a ideia, se mostre no plano fático como uma alternativa positiva para a sociedade, visando à diminuição da poluição nas grandes cidades, o ingresso de pessoas deficientes no mercado de trabalho, profissionais que vivem afastados dos centros urbanos não precisem deslocar-se para estes, dentre outras vantagens.

Fora visto que a confiança entre as partes contratantes é essencial no teletrabalho analisado o caráter de liberdade no que se refere à prestação de serviço ou produção. Em contrapartida, em virtude dessa sua natureza, alguns problemas sobre o controle da jornada de trabalho aparecem. Dessas situações-problema decorrerem o pagamento das eventuais horas extraordinárias que é garantido por lei sempre e quando houver um efetivo controle e fiscalização das horas trabalhadas, uma vez a presunção da exclusão do capítulo de jornada de trabalho é relativa, ou ainda pode ser resolvido frente às cláusulas do contrato de trabalho para que tanto o teletrabalhador como o empregador mantenham uma relação de emprego saudável, sem conflitos e com regras claras, inclusive no âmbito do sobreaviso.

No Direito do Trabalho, o Princípio da Primazia da Realidade é sempre o norteador das decisões judiciais - e é bom que assim o seja e continue sendo. Assim, com certeiras adaptações legais e modificações na mentalidade empresarial na maneira de controle e fiscalização, novos contratos de emprego de teletrabalhador subordinado tendem a surgir e poderão equacionar melhor o aproveitamento do tempo entre trabalho e família, tornando as pessoas muito mais felizes e, consequentemente, mais produtivas.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALEMÃO, Ivan; BARROSO, Márcia Regina C. O teletrabalho e o repensar das categorias tempo e espaço. Enfoques - PPGSA-UFRJ, v.11 (1), mar. 2012. (p. 73-88).

ANTUNES, Ricardo (org.). A Dialética do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 200 p.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 7.º ed. rev. e atual. São Paulo: Método. 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 12. ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2008.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Teletrabalho e trabalho à distância: Considerações sobre a lei nº 12.551/11. Assuntos Especiais: Com a palavra, o procurador. RST nº 273. mar. 2012. p. 28-34.

_______________________. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008.

HOBSBAWM, Eric J. Mundos do Trabalho: Novos estudos sobre história operária. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006.



[2] Graduandos do 7º período do curso de Direito (vespertino) da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] Professora orientadora do paper.