A Desconexão do ambiente de trabalho e a Atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho na fiscalização do Teletrabalho[1]

Ingra Costa e Karina Rocha Mousinho[2]

SUMÁRIO: Introdução; 1. O teletrabalho e sua conceituação; 2. Natureza jurídica do teletrabalho; 3. O direito à desconexação do ambiente de trabalho; 4. A atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho; Considerações Finais, Referências.

 

RESUMO

No presente artigo apresenta-se o que vem a ser o teletrabalho, sua natureza jurídica e algumas ponderações acerca do elemento subordinação. Posteriormente é feito considerações acerca do direito à desconexação do ambiente de trabalho. Por fim, e não menos importante, é feita considerações acerca da atuação do MTE e MP no teletrabalho.

Palavras-chave: Teletrabalho. Desconexão do ambiente de trabalho. Fiscalização

INTRODUÇÃO

Com a crescente evolução da sociedade e a busca dos trabalhadores na flexibilização do seu tempo de trabalho, surge o chamado teletrabalho, atividade laboral que permite a desconcentração do ambiente de trabalho por meio do uso de computadores pelo empregado, sendo estes monitorados pelo empregador. Esse novo modo de trabalho proporciona um menor custo ao empregador e traz inúmeras consequências positivas, tanto para o empregador como para o empregado. Porém, o teletrabalho pode trazer consequências negativas para o trabalhador como: a violação ao seu direito de descanso, férias, direito à desconexação e o execesso da jornada de trabalho.

Diante disso, pode-se afirmar que é de suma importância o estudo sobre esse tema, uma vez que tal modelo novo de trabalho pode violar garantias básicas conferidas a todos os trabalhadores. Pretende-se com o presente trabalho esclarecer tais trabalhadores sobre os seus direitos garantidos em lei (CLT e CF) e efetivar o seu direito à desconexão, visto que tal tema suscita uma série de questionamentos para os quais, atualmente, o Direito do Trabalho ainda não tem respostas.

  1. O TELETRABALHO E SUA CONCEITUAÇÃO

Salomão Resedá relata que a necessidade de um grande número de empregados tornou o sistema de produção em linha em processo custoso para as empresas que, devido ao crescimento da concorrência, buscaram reduzir o valor agregado à produção. Para tanto, escolheram o uso das tecnologias de ponta em substituição ao trabalho humano. O autor relata que a terceira revolução industrial teve como grande marca o aumento brutal da produção e diminuição dos postos de trabalho, obrigando as empresas a avançarem além dos horizontes pátrios em busca de novos paradigmas.

Os antigos métodos de produção foram cedendo lugar aos conhecimentos da informática, que iniciou influencia em diversos ramos da sociedade, desde as atividades mais comuns até aquelas mais complexas. O computador passou a ser o aliado do homem e uma ferramenta quase que inseparável no seu dia-a-dia, inclusive nas atividades laborais. Diante disso, pode-se dizer que hoje não é mais necessária, de forma primordial, a força humana, em virtude das novas tecnologias. Em concordância, Salomão Redesá afirma:

Hoje não é mais necessária, de forma primordial, a força humana. O trabalho braçal encontra-se em patamares quase dispensabilidade enquanto que o intelectual é valorizado. O conhecimento e a detenção de informações servem como norte balizador de grandes conquistas mercadológicas. É, portanto, a partir desta “nova economia” que se destina à manipulação da informação e do conhecimento que se passa para uma revisão dos sistemas produtivos. Estes sistemas tendem a flexibilizar, além das formas de produção, as normas destinadas à sua regulamentação.

Aliado a isso, é sabido de todos que nos últimos anos tornou-se complicada a locomoção de pessoas de um ponto a outro nas cidades, e principalmente, nas grandes metrópoles, haja vista os enormes congestionamentos de veículos, o que resulta em perda excessiva de tempo e em estresse em demasia. Diante da necessidade de material humano para produção da atividade laboral, aliado ao constante crescimento da concorrência nos meios de produção, o mercado viu-se compelido a exercer um novo tipo de exercício da atividade laboral, o chamado teletralho.

Acerca do que vem a ser o teletralho, Vittorino Di Martino define-o como o “trabalho levado por cabo a um local onde, afastado dos escritórios centrais ou instalações de produção, o trabalhador não tem nenhum contato pessoal com seus colegas de trabalho, mas pode comunicar-se com eles usando nova tecnologia”. Assim, temos que o caos globalizado dos meios de locomoção fizeram com que muitas empresas aderissem a opção do trabalho executado pelos funcionários diretamente de suas residências ou quaisquer outros locais que eles se encontrem. Por meio de um computador com conexão com a internet é possível a execução das obrigações sem que esteja necessariamente dentro do estabelecimento da empresa.

O teletrabalho já é uma realidade em diversos países desenvolvidos e já se instalou no Brasil, principalmente nos Estados do Sul e Sudeste.  Frederico Silveira traz à baila matéria publicada na revista InfoExame nº 162 que segundo esta, os trabalhadores submetidos ao teletrabalho conseguiram aumentar a sua produtividade em 82%. O autor destaca:

Eles têm metas de vendas para cumprir e uma relação de clientes para administrar. Passam, em média, 4 horas por semana na IBM e têm total flexibilidade para gerenciar seu horário de trabalho. Comunicam-se com a IBM e os clientes por e-mail e celular e trabalham no conceito de Workflow, usando o Lótus Notes para manter os dados sempre atualizados. Resultado: a produtividade média dos funcionários que fazem parte do projeto cresceu 82% no último ano.

Assim, conclui-se que o uso da tecnologia é uma das características centrais do teletrabalho, pois para o exercício deste é necessário o uso de computadores ou qualquer outro tipo de aparelho que possua conexão de rede.  O teletrabalho é então, uma forma de trabalho à distância exercido com o uso das telecomunicações. É necessário ressaltar, ainda, que ele não é uma profissão, mas sim, uma forma de executar as atividades laborais.

2. NATUREZA JURÍDICA DO TELETRABALHO

Antes de adentrar na natureza jurídica do teletrabalho é necessário fazer algumas considerações.  Primeiramente, indaga-se como seria feita a fiscalização do empregador da jornada de trabalho desenvolvida pelo empregado. É que o teletrabalho caminha para o estabelecimento de uma fiscalização do empregador com base no cumprimento de metas e não do tempo gasto, o que torna-se perigoso para o empregado, haja vista, que como o trabalho será executado na residência do próprio empregado o empregador pode exigir maiores metas aos seus empregados sob o argumento da disponibilidade de tempo para fazê-lo.

Nesse sentido, adentra-se ao assunto da subordinação. Este é um requisito fundamental para a configuração da figura do empregado, conforme dispõe o art. 3º da CLT. Alguns doutrinadores defendem que a subordinação no teletrabalho encontra-se mitigada, ou seja, encontra-se em um novo nível entra a subordinação e a autonomia. Tal nível é denominado de parassubordinação. Sérgio Pinto Martins, defensor dessa corrente, afirma que “na telessubordinação, há subordinação à distância, uma subordinação mais tênue do que anormal. Entretanto, o empregado pode ter o controle da sua atividade por intermédio do próprio computador, por número de toques, por produção, por relatórios,etc.”

Assim, os defensores dessa corrente, que é a majoritária, alegam que existe uma subordinação indireta por parte do empregador sobre o empregado, onde este não está pessoalmente vinculado ao seu superior hierárquico, mas sim por meio de outros meios, como o computador, o que impede que haja uma subordinação puramente falando. Entretanto, existe uma minoria da doutrina que defende a ideia de que existe no teletrabalho a subordinação conforme os preceitos clássicos, formada pela subordinação hierárquica e jurídica.

Os defensores dessa segunda corrente acreditam que no teletrabalho estão presentes todos os requisitos necessários para a configuração do vinculo empregatício, mesmo que de forma mais ou menos intensa que nas modalidades tradicionais. Em concordância, Abeilar dos Santos Soares Júnior afirma que “a menos que haja vedação expressa em um dos contratos de tele-trabalho, tal fato não irá desqualificar os contratos de trabalho, principalmente a subordinação jurídica em cada contrato, já que é cediço em nossa doutrina que a exclusividade não é elemento essencial da relação empregatícia”.

Em relação a natureza jurídica do teletrabalho há divergência doutrinaria se essa seria contratual ou mista. Frederico Silveira e Silva defendendo a primeira corrente afirma: “a natureza jurídica do teletrabalho é contratual”, e o contrato, continua ele, “pode admitir a natureza civil, comercial e trabalhista”. Entretanto, pontua Pinho Pedreira que a investigação da natureza jurídica do teletrabalho não comporta uma resposta unitária. Tudo vai depender da forma como se realiza a prestação de serviços, que tanto pode assumir fisionomia de autonomia como de subordinada, em relação a todas as modalidades de teletrabalho.

3. O DIREITO À DESCONEXAÇÃO DO AMBIENTE DE TRABALHO

A possibilidade de ausentar-se do ambiente de trabalho e cumprir com suas obrigações laborais fora da empresa para cumpri-las no aconchego do lar é uma proposta muito atraente, podendo ser o sonho de muitos trabalhadores.  Porém, ao ter a disponibilidade de exercer suas atividades em qualquer lugar, mediante o uso do computador conectado com internet, o empregado será vinculado à empresa de forma virtual, de forma que o empregador, utilizando-se a informática poderá lincalo com a sua empresa sempre que quiser. Ou seja, o empregado também sairá dos limites físicos da empresa, entrando em outros âmbitos da vida do seu empregado.

Em razão dessa condição não muito favorável à pessoa submetida e essa sistemática, começaram a surgir, no âmbito trabalhista, as primeiras preocupações com esse tema, ou seja, com o direito a desconexão. A respeito disso SALOMÃO RESEDA afirma:

Ora, se a subordinação e fiscalização do empregador ultrapassaram os horizontes da empresa e atingiram o âmbito privado do empregado, nada mais justo do que este possuir o direito de se desvincular virtualmente da empresa. É, portanto, neste sentido, que se direciona o direito à desconexão, ou seja, é o direito do assalariado de não permanecer “lincado” com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso.

Torna-se evidente que o teletrabalhador terá uma interferência muito maior na sua vida particular, por parte do empregador, do que aquele que trabalha normalmente.  Assim, é necessário um cuidado especial para esse novo tipo de trabalho, uma vez que, o afastamento do teletrabalhador da seda da empresa torna mais fácil para o empregador explorar o seu subordinado.  Entretanto, devido à falta de legislação que regule o teletrabalho, é muito difícil a comprovação da disponibilidade continua do empregado e a violação ao seu direito a desconexão.

O direito a desconexão encontra amparo na Constituição em seu artigo 7º. O inciso XIII deste dispositivo legal determina que a duração da jornada de trabalho não deve ser maior do que oito horas diárias, perfazendo um total de quarenta e quatro horas semanais, facultadas algumas modificações mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. Em seguida, merece destaque o inciso XVI do mesmo artigo que assegura o pagamento de, no mínimo, 50% a mais da hora normal de trabalho em caso de horas-extras.

Diante disso, o direito à desconexão apresenta-se como uma forma de garantia do cumprimento da Constituição, diante dos novos paradigmas trazidos pela tecnologia.  Assim, é necessário o respeito a divisão do tempo de lazer e labor do profissional e o respeito ao seu descanso. Nesse sentido, RESEDA destaca que o trabalhador tem direito a dois intervalos, quais sejam o intrajornada e o interjornada, objetivando garantir a saúde do trabalhador, que necessita de descanso para repor suas energias e voltar a exercer seu trabalho de maneira produtiva.

Conclui-se que o direito a desconexão busca evitar que a tecnologia seja utilizada como uma ferramenta de exploração do empregador perante o empregado, sendo necessário o real cumprimento desse direito, para que haja o cumprimento dos preceitos constitucionais e trabalhistas, em favor do teletrabalhador.

4. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO E MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

No Brasil, a responsabilidade pela proteção e fiscalização do trabalho compete a diferentes órgãos estatais, dentre os quais se destacam o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e o Ministério da Saúde (MS). Importante frisar que o MTE é responsável pela inspeção e fiscalização das condições dos ambientes de trabalho em todo o território nacional.

Em relação ao Ministério Público, a Constituição Federal em seu artigo 127 dispõe que esta é uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado e outorgou à ele a função de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. FINCATO relata que o MP tem a função de proteger o meio ambiente de trabalho, por meio de inquérito civil, da ação civil pública e do termo de ajustamento de conduta. A autora afirma que estes instrumentos têm a finalidade de adequar o ambiente de trabalho a fim de proporcionar boa saúde aos que o habitam.

Sabe-se que a característica essencial do teletrabalho é a prestação do serviço laboral longe do ambiente da empresa, mediante o uso de tecnologias, o que gera inúmeras vantagens, como a flexibilidade de horários, a economia financeira (não há necessidade de deslocamento), a comodidade de estar no conforto de sua casa, etc. No entanto, o teletrabalho também traz algumas desvantagens, segundo FINCATO “muitas das quais estão diretamente relacionadas à saúde do trabalhador”. A autora cita como exemplos a sobrecarga de funções e atividades, ambiente laboral inadequado, riscos de acidentes em razão da má utilização de equipamentos eletrônicos, etc.

Importante ressaltar que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XI dispõe que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador. Assim, para o acesso de órgãos fiscalizadores (como o MTE e MP) ao ambiente laboral do teletrabalhador é necessária a anuência deste. Com o consentimento do teletrabalhador, tanto o MP como o MTE, podem agir no sentindo de auferir se os direitos do teletrabalhador estão sendo respeitados. No tocante ao direito a desconexão, RESEDA afirma :

No intuito de salientar a importância da referida “pausa”, o legislador estabeleceu que somente o Ministério do Trabalho poderá reduzir o intervalo, de nada valendo a mitigação por norma coletiva. Assegura-se, pois, a manutenção da saúde do empregado, configurando-se como uma garantia tão relevante que a competência para modificá-la é destinada exclusivamente ao Poder Púbico.

                                                         REFERÊNCIAS


 DOS REIS, Jair Teixeira. Subordinação Jurídica e o Trabalho à Distância. São Paulo: Ltr, 2007.

  

WINTER, Vera Regina Loureiro. Teletrabalho- Uma forma alternativa de Emprego. São Paulo: Ltr, 2005.

  

VIEGAS, Fabian. O teletrabalho como forma laboral na era digital. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/o_teletrabalho_como_forma_laboral_na_era_digital.pdf>. Acesso em 14 mar. 2013.

  

RESEDÁ, Salomão. O direito à desconexão: uma realidade no teletrabalho. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/23040-23042-1-PB.pdf>. Acesso em 14 mar. 2013.

FINCATO, Denise Pires. Saúde, higiene e segurança no teletrabalho: reflexões e dilemas no contexto da dignidade da pessoa humana trabalhadora. Disponível em: < http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/09_artigo_05.pdf>. Acesso em 02 maio 2013.



[1] 2º Check de Paper desenvolvido como requisito parcial para aprovação da disciplina de Direito individual do Trabalho, ministrada pela Profº Ana Carolina Cardoso.

[2] Graduandas do 7º período do curso de Direito (noturno) da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.