TATIANA DE MIRANDA FERREIRA CONSONI

A DESAPROPRIAÇÃO E A REFORMA AGRÁRIA

 
Itumbiara, Novembro de 2013

 

CAPÍTULO 1 

DESAPROPRIAÇÃO 

1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DESAPROPRIAÇÃO:

         Muito antes da tomada de posse por Cabral o território brasileiro já era alvo de disputas por parte da Espanha e Portugal, daí podemos considerar que os primeiros documentos com valor jurídico relativos ao que chamamos hoje de Brasil são anteriores à própria existência jurídica do Brasil. Alguns autores, como Walter Vieira do Nascimento indicam a Bula Inter Coetera (de 1493) e o Tratado de Tordesilhas (de 1494) como sendo os documentos que trazem a posição de primeiros documentos jurídicos que afetaram o que é hoje o Brasil, mas eles são o segundo e o terceiro. ¹

         Mesmo antes da viagem de Colombo houve um tratado celebrado entre Portugal e Espanha em seis de março de 1480, o Tratado de Toledo, que dava a Portugal a exclusividade de águas e terras ao sul das Canárias. Embora possamos discutir neste e em outros tratados a validade ou moralidade dos mesmos, ao sul das Canárias o Brasil está até hoje.

_____________

1. Walter Vieira do Nascimento – Lições de Historia do Direito – 13ª Edição.Rio de Janeiro – Ed. Forense, 2001 – p.191

         A viagem de Colombo veio estremecer o relacionamento entre as duas Coroas Ibéricas e fez com que o rei português da época, D. João II, fundamentado no diploma de 1480 procurasse garantir seus direitos através de uma demonstração de força. Para defenderem-se, Isabel e Fernando, os Reis Católicos da Espanha, buscaram apoio no papa. Em quatro de maio de 1493, o Papa Alexandre VI expediu a Bula Inter Coetera, que dava domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, já descobertas ou que viessem a descobrir situadas a ocidente de uma linha meridiana traçada de pólo a pólo que passasse a cem léguas a oeste de qualquer das ilhas dos Açores e Cabo Verde, contanto que estas ilhas e terras não fossem possuídas por algum príncipe cristão antes do Natal de 1492. ¹

         Embora a demarcação da bula papal tenha salvaguardado as rotas portuguesas do Atlântico Sul, ou seja, o caminho marítimo para as Índias ainda assim não era interessante para Portugal, por isso D. João II recusou-se a aceitar a Bula Inter Coetera e pressionou a Espanha, que recém-saíra da guerra contra os Mouros e receava entrar em uma outra

_______________

1. Manuel Dias Nunes – Expansão Européia e Descobrimento do Brasil – In: Mota, Carlos Guilherme (org) – Brasil em Perspectiva, 4ª Edição – São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973 – p.23.

guerra, para que um arranjo fosse feito.  Ultimou-se a Tordesilhas, em sete de junho de 1494, o acordo que deu fim a longas negociações entre as duas coroas. Conforme a principal clausula do diploma as duas monarquias estabeleciam o meridiano traçado a 370 léguas a oeste das Ilhas Cabo Verde, tudo o que estivesse a oeste seria espanhol, a leste de Portugal. ¹

         O Brasil foi descoberto e explorado pela nação portuguesa. Os colonizadores, ao chegarem aqui e tomarem posse das terras dos nativos indígenas, sentiram-se legitimados para, como verdadeiros donos desse “novo mundo”, ditarem-lhes os rumos em todos os sentidos. ²

         Não era possível D. Pedro I, por mais que desejasse centralizar de forma absoluta aparente, o poder em suas mãos. Depois da restauração da Europa, depois da retomada de poder pelas monarquias que haviam perdido suas coroas para Napoleão, não era mais possível para um rei

afirmar que o Estado era ele, tampouco basear-se na teoria de direito divino. Era preciso identificar o governo com uma Monarquia Constitucional e assim o fez a Constituição de 1824.

_______________

1. Flavia Lages de Castro – Historia do Direito Geral e Brasil – Rio de Janeiro – Editora Lumem Júris, 2002 – p.300/301.

2. Cláudio Valentim Cristiani – O Direito no Brasil Colonial – 2ª Edição – Editora Del Rey – Belo Horizonte, 2003 – p. 332/333.

         Constituição de 1824 – Surgiu a Desapropriação

         “Art. 179 – A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:”

         “...”

         “22) É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. “A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.”.

         Constituição de 1891 – A Desapropriação se dava de acordo com o interesse e a necessidade pública:

         “o direito de propriedade viu-se também com a ordem republicana erguido a sua plenitude máxima. Confirmava-se a tradição clássica do Estado liberal a esse respeito. A única ressalva era a desapropriação por necessidade ou utilidade publica, mediante prévia indenização.” ¹.

         Constituição de 1934 – A Desapropriação se dava de acordo com a necessidade e utilidade publica, mediante indenização prévia e justa:

         “... e mais, quando disciplina o direito de propriedade, furta-se a garanti-lo “em toda a plenitude”, como fora da Constituição de 1891.

Inova também de maneira substancial ao dispor que esse direito não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo... O preceito sobre desapropriação por necessidade ou utilidade publica, mediante prévia e justa indenização, não dispunha que ela se faria em dinheiro .” ¹

         Constituição de 1946 – A Desapropriação mediante indenização prévia, justa e em dinheiro:

         “... Com respeito à propriedade, a exigência de indenização justa e prévia, acauteladora dos direitos individuais, recebeu um reforço ao dispor o texto constitucional que ela se fazia em dinheiro. Essaindenização em dinheiro punha termo ao silêncio e omissão da Constituição de 34, representando uma garantia para o elemento conservador em matéria de direito de propriedade. Com efeito, a propriedade protegida ontem ao extremo pela lei no Estado de Direito do liberalismo, e a seguir exposta aos perigos, busca hoje proteger-se da lei no Estado social de massas, concentração de capitais e alta tecnologia industrial. Deve o Estado contudo abster-se de alargar sua esfera a ponto de absorver ou eliminar o sobredito instituto.” ²

         Constituição de 1988

         “relativamente à desapropriação de propriedade rural, emendamos o projeto com o objetivo de fazer com que a União visasse ao latifúndio, mediante justa indenização em títulos da dívida pública, pagando, porém, sempre à vista as benfeitorias, e fixando zonas prioritárias para o efeito desse programa. O aspecto da função social do uso da propriedade e de sua desapropriação ficou bem demarcado, conforme defendíamos nas nossas sugestões e emendas. Por isso mesmo, em nossa argumentação, defendendo as emendas relativas à reforma e à política agrárias, quisemos distinguir entre o proprietário omisso que não pode ser indenizado como se vigorasse o princípio do direito pleno de propriedade, pois que só aí deve existir a indenização como vínculo desse direito. Do contrário, seria tratar igualmente desiguais, premiar o omisso ou possibilitar um tipo de enriquecimento ilícito.” ¹ 

         “Art, 184, CF – Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não estiver cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

         §1° As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

         §2° O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a desapropriação.

         ...

         Art. 185, CF – São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

         I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

         II – a propriedade produtiva.”

 

____________

1. Paulo Bonavides Paes de Andrade – Historia Constitucional do Brasil – 4ª Edição- OAB Editora – Brasília, 2002 – p. 259, 329, 332, 417, 484.

2 – ASPECTOS GERAIS

Um rápido exame de nossas Constituições revela que, se de um lado sempre se garantiu o direito de propriedade, de outro nunca se proibiu a desapropriação. Esses dois direitos, o de propriedade do administrado e o de desapropriar do Estado, como ocorre em outros países, sempre conviveram em nosso ordenamento jurídico. “Nossa tradição constitucional, evidencia, em normas expressas, a convivência de duas noções: ao mesmo tempo que se garante o direito de propriedade, ressalva-se, sempre, a possibilidade de desapropriação”.

Em termos atuais, essa convivência está explicitada nos incisos XXII e XXIV do art. 5° da Constituição da República. O primeiro prescreve que é garantido o direito de propriedade, enquanto o segundo estabelece que a lei fixará o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvadas, nesse particular, as hipóteses que a própria Constituição enuncia¹ – art. 243 – situação de confisco, cultivo de produtos psicotrópicos – não gerará indenização.

 

 

 

 

________________

1. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 662

2.1 – Conceito:

        

“ Art. 5º, XXIV, CF – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”

“ Art. 184, CF -  Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”

Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização. A natureza da desapropriação é a de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. A desapropriação só pode ser considerada legítima se presentes estiverem os seus pressupostos (a utilidade pública, a necessidade pública e o interesse social).

__________________

1. José dos Santos Carvalho Filho – Manual de Direito Administrativo – 12ª Edição – Lumem Júris Editora – Rio de Janeiro, 2005 – p. 732.

“Derivado do verbo desapropriar (tirar a propriedade de alguém sobre certa coisa), é de aplicação, na terminologia jurídica, para indicar o ato, emanado do poder público, em virtude do qual declara desafetado (desclassificado) ou resolvido o domínio particular ou privado sobre um imóvel, a fim de que, a seguir, por uma cessão compulsória , o senhor dele o transfira para o domínio público . ... Na desapropriação, registra-se, apenas, uma conversão da propriedade, conseqüente da venda forçada por interesse de ordem pública...A desapropriação se justifica por interesse social e por utilidade pública . A rigor, não há distinção entre as duas expressões, pois que ambas significam sempre algo que é de interesse coletivo , maior ou menor que seja a necessidade ou a utilidade, embora o interesse, indicando-se indispensável, exprima ou tenha maior relevância que a utilidade. A desapropriação, resolvendo o domínio sobre o imóvel, faz cessar todas as obrigações que incidam sobre ele. Mas, em certos casos, os direitos dele decorrentes se sub-rogam no preço da desapropriação.” (Vocabulário Jurídico – Plácido e Silva – 21ª Edição – Editora Forense).

2.2 – Pressupostos da Desapropriação

Ocorre a utilidade pública quando a transferência do bem se afigura conveniente para a Administração. Já a necessidade pública é aquela que decorre de situações de emergência, cuja solução exija a desapropriação do bem, segundo Hely Lopes Meireles.

(Impende registrar-se que, com o advento do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/1941, a designação utilidade pública passou a constituir gênero para os casos de necessidade e utilidade pública previstos no art.590 §§ 1° e 2°, do Código Civil Brasileiro – “Art.590. Também se perde a propriedade imóvel mediante desapropriação por necessidade ou utilidade pública.” – Santos, Weliton Militão – Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p.54 e 55.).

O interesse social consiste naquelas hipóteses em que mais se realça a função social da propriedade.

 (... há também a denominada desapropriação por interesse social, prevista na Lei n.4.132/62, bem como no Decreto n. 1.075/70, cuja compensação indenizatória procede-se através de títulos da dívida pública, tudo isso após prévia autorização do senado Federal, podendo ser levada a efeito pelos demais entes da federação, não se circunscrevendo à União Federal e suas autarquias. Aplicável ao processo de desapropriação por interesse social, subsidiariamente, o Decreto-Lei n. 3.365/1941, naquilo em que não colidir com a lei específica - Santos, Weliton Militão – Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p.56 e 57.) .

O Poder Público, nesses casos, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas. Exemplo mais marcante é a reforma agrária, ou o assentamento de colonos. ¹

         A expropriação só pode acontecer em razão de uma finalidade pública, na utilidade pública e no interesse social. Desse modo, é curial que não possa haver desapropriação por interesse privado de pessoa física ou jurídica. O interesse ou é do Poder Público (coincidente com o interesse público), caso em que o bem é desejado para fins administrativos, ou é da coletividade, hipótese em que o bem é utilizado pela comunidade. Nesses termos, não se pode validar uma desapropriação intentada com o fito de alienar o bem expropriado. Não se desapropria em favor de interesses particulares. Só os interesses públicos justificam e legitimam a expropriação. O bem expropriado por necessidade ou utilidade pública, é quase sempre, utilizado em obras e serviços públicos. A realização das obras ou a execução dos serviços constituem a finalidade pública da expropriação. ²

__________________

1. José dos Santos Carvalho Filho – Manual de Direito Administrativo – 12ª Edição – Lumem Júris Editora – Rio de Janeiro, 2005 – p. 733/734.

2. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Pulo, 2004 – p.677

O bem desapropriado por interesse social é normalmente destinado a particulares, que o explorarão ou o utilizarão no interesse do bem estar social. A exploração e a utilização do bem constituem a finalidade social. A expropriação¹ só pode acontecer em razão dessa finalidade pública, e a utilização do bem para outro fim destituído de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, caracteriza desvio de finalidade. Essa modificação da destinação do bem também é chamada de tredestinação ou tresdestinação. O desvio de finalidade não é vício que nulifica a nova destinação. Sua ocorrência só enseja ao expropriado o direito de retrocessão. É o que dispõe a Lei Federal nº1. 021 de 1903, no §4º do seu art. 2º, nestes termos: “Se por qualquer motivo não forem levadas a efeito as obras para as quais foi decretada a desapropriação, é permitido ao proprietário reaver seu imóvel, restituindo a importância recebida”. ²

__________________

1. Derivado de expropriar (ex-próprio-ar), quer significar a ação e efeito de ser um proprietário privado de sua propriedade. Possui sentido mais amplo que desapropriação, visto que tanto significa a venda forçada que o proprietário faz de sua propriedade para benefício ou utilidade pública, como quer dizer o ato pelo qual é a pessoa, por ação intentada em juízo, desapropriada de sua propriedade. Nosso direito, para o caso de expropriação pelo poder público, melhor a considera como desapropriação, reservando a expropriação para a privação da propriedade, decorrente da reivindicação, da arrematação ou de outro ato legal que a tire do domínio do proprietário – Vocabulário Jurídico - Plácido e Silva – 21ª Edição – Editora Forense – Rio de Janeiro, 2003.

2. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 678.

2.3 – Fundamentos da Desapropriação:

        

         Pode-se dizer que três são os fundamentos da desapropriação. Um político, outro constitucional e outro, ainda, legal

         O político está consubstanciado na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, sempre que inconciliáveis.

        

“o fundamento político da desapropriação redunda na primazia do interesse coletivo que sobreleva o interesse individual; decorre do solidarismo social que preponderou à fase individualista resultante do direito de propriedade em grau absoluto.” (Sales, Weliton Militão dos. Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Belo Horizonte: Mandamento, 2001 – p.51).

         O constitucional pode ser genérico ou específico. O fundamento genérico está consubstanciado nos arts. 5°, XXIII, e 170, III (função social da propriedade), enquanto o específico, conforme o caso, está consignado nos arts. 5°, XXIV, 182, § 4º, III, e 184 e parágrafos, todos da Constituição Federal.

         Por último, o legal está calcado em diversos diplomas expedidos pela União e que regulam a matéria, em vigor em tudo que não contrariam a Carta Magna.¹

_________________

1. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 665 e 666.

         Desses diplomas merecem ser citados:

         - Art. 5º, XXII, XXIII e XXIV (geral), 182, § 4º, III (interesse social-geral) e 184 e seus parágrafos (interesse social para fins de reforma agrária) da Constituição de 5/10/1988, bem ainda na Emenda Constitucional n. 10, de 19/11/64, autorizativa da instituição, dos títulos da dívida pública;

         - Leis Complementares n. 76/93, n. 88/96 (dispõem sobre o rito sumário nas desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária) e n. 93/98 (cria o Banco da Terra);

         - Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/1941, e alterações posteriores advindas das Leis n. 4.686/65 e n. 6.602/78 (é “denominador-comum” e texto básico regente da desapropriação por necessidade pública e interesse público);

         - Lei n.4.132, de 10/9/1962, que dispõe sobre a desapropriação por interesse social;

         - Decreto-Lei n. 1.075, de 22/1/1970, dispõe sobre a concessão de liminar de imissão de posse, em imóveis urbanos de categoria residencial;

         - Lei n. 4.504, de 30/11/1964 (arts. 1º, § 1º, e16 a23), Estatuto da Terra, cujos artigos referenciados dispõem sobre o pagamento da terra por títulos da dívida pública, nos casos de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, prevista na Constituição de 18/9/1946;

         - Lei n. 8.257, de 26/11/91, que dispõe sobre a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas;

         - Lei n. 8.629, de 25/2/93, elaborada em atendimento ao comando do art. 186 da Lei Fundamental, sendo, precipuamente, de direito substancial;

         - Lei n. 8.847, de 28/11/91, alterada pela Lei n. 9.393/96, que dispõe sobre a propriedade Territorial Rural (ITR);

         - Lei n. 9.415 de 23/12/96, que dá nova redação ao inciso III do art.82 da Lei n. 5.869/72. Código de Processo Civil, no que pertine à intervenção do Ministério Público nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse da terra rural, fiscalizando o cumprimento da lei;

         - Medida Provisória n. 1.577/97, que altera a redação dos arts. 2º, 6º, 7º, 11 e 12 da Lei n. 8.629/93, cujo art. 4º fora inconstitucionalissimamente editado, merecido enfoque pela sua audácia ao modificar o Código de Processo Civil, no que pertine ao prazo para ação rescisória, casuisticamente, em ação desapropriatória para fins de reforma agrária, como se pudesse haver “processo provisório e excepcional” em prejuízo do devido processo legal constitucional, já reeditada inclusive sob os úmeros 1.632/1997, 1.658/1998, 1.703/1998, 1.774/1998, 1.901/1999, 1.997/1999, 2.027/2000, 2.109/2000 e 2.183/2001;

         - Decreto de 25/11/1808, que permite a concessão de sesmarias aos estrangeiros residentes no Brasil;

         - Decreto n. 1

318, de 30/1/1854, que regulamenta a Lei Imperial;

         - Decretos n. 95.715, de 10/2/1978 e 2.280, de 11/6/1972 (regulamentares);

         - Decreto n. 433, de 24/1/92, alterado pelos Decretos n. 2.614/98 e 2.680/98, que dispõe sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, por meio de compra e venda;

         - Decreto n. 2.250, de 11/6/1997;

         - Decreto n. 3.475, de 19/5/2000, que regulamenta a Lei Complementar n. 93/98;

         - Decreto n. 3.508, de 14/6/2000, que dispõe sobre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS).

         Da desapropriação decorre abstração dos títulos anteriores, pois tal ocorrência factual oportuniza a aquisição da propriedade abstraída do título de domínio anterior mediante simples averbação do mandado translativo de domínio, do juiz do processo expropriatório.

         Daí, força é convir que a desapropriação, como causa autônoma e abstrativa, representa forma genuína de aquisição da propriedade, mormente em razão de ser causa extintiva de ônus reais incidentes sobre o imóvel, cuja resolução dá-se pela sub-rogação no preço, sendo de ser lembrado que os titulares de direitos obrigacionais somente através de ação direta poderão satisfazer suas pretensões.

____________________________

1. Santos, Weliton Militão dos. Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Belo Horizonte: Mandamento, 2001 – p.52, 53 e 54)

2.4 – Formas de Aquisição:

         A aquisição de um bem pode ser originária ou derivada.

         A aquisição diz-se originária quando é direta; independe de interposta pessoa. O adquirente, sem que alguém lhe transfira a propriedade, torna seu determinado bem. Não há, por conseguinte, qualquer ato de transmissão ou transferência da propriedade para o adquirente; este alcança o domínio como se a propriedade nunca tivesse pertencido a alguém e como se fosse a primeira aquisição. Não há, pois, derivação do domínio. Há adquirente, mas não há transmitente, não se podendo, portanto, discutir os possíveis vícios de vontade (coação) e domínio (evicção). Mesmo na desapropriação amigável, não cabe o direito à evicção, conforme já decidiu o TRF da 3ª Região (RT, 760:434).

         A aquisição se diz derivada quando é indireta. Seu exercício depende, pois, da atuação ou participação de outra pessoa. Há um ato de transmissão ou transferência, pelo qual se inicia o trespasse do domínio antigo para o novo proprietário. Nessa modalidade de aquisição podem-se discutir problemas concernentes aos vícios de vontade (coação) e de domínio (evicção). A aquisição da propriedade pela transcrição do título aquisitivo de compra e venda ou de permuta, a exemplo de outras espécies, tem essa natureza.

A aquisição da propriedade pela desapropriação é originária. Com efeito, não há na desapropriação quem transmita a propriedade, sendo, por conseguinte, bastante em si mesma para assegurar, em prol do Estado, o domínio de certo bem, independentemente de qualquer vinculação com o título do então proprietário. É o que ensina Celso Antônio Bandeiras (Curso, cit, p.415). Mesmo na desapropriação amigável tem-se igual entendimento, dado que o expropriante e o expropriado ajustam seus interesses apenas em relação à indenização, às condições de pagamento e à transferência da posse. Vê-se que não há acerto quanto à transferência do domínio; esta é imposta unilateralmente pelo expropriante (RDA, 123:288 e RT, 760:434). Daí a natureza originária da desapropriação. ¹

         Com a desapropriação consideram-se extintos os direitos reais de terceiros sobre a coisa. Nesse sentido, aliás, consta do art.31 da lei geral expropriatória: “Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”. Como exemplo, temos o caso da hipoteca: o credor hipotecário terá o seu direito real substituído pelo preço total ou parcial da indenização; esta, dependendo da hipótese, poderá ser repartida, em partes iguais ou não, entre o proprietário e o credor hipotecário. Mas o bem em si ingressa no patrimônio do expropriante sem qualquer ônus em favor de terceiro. ²

_________________

1. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 668 e 669.

2. José dos Santos Carvalho Filho – Manual de Direito Administrativo – 21ª Edição – Lúmen Júris Editora – Rio de Janeiro, 2005 – p. 741 e 742.

2.5 – Competência:

         Em matéria expropriatória, reconhecem-se três espécies de competência em favor das pessoas políticas (União, Estado-Membro, Distrito Federal e Município), mas de forma desigual. Nem todas as pessoas políticas acumulam essas três competências. ¹

         A desapropriação, estampa um procedimento amplo que vai desde a declaração do Estado até a transferência da propriedade, sem contar ainda com a questão sobre a competência legislativa para a matéria. Por isso vale a pena distinguir as competências.

 

2.5.1 – Competência Legislativa:

         A competência privativa para legislar sobre desapropriação é da União Federal, art. 22, II, da CF.

         Essa competência consiste na produção normativa a respeito da matéria, significando que é a União que tem o poder de criar regras jurídicas novas sobre desapropriação.

         A Constituição no artigo 22, parágrafo único, admitiu que lei complementar viesse a autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias sujeitas à competência privativa da União. Essa competência legislativa estadual, por isso, é condicionada, só se consumará quando for editada a lei complementar autorizadora referida no dispositivo.

2.5.2 – Competência Declaratória:

         Esta é a competência para declarar a utilidade pública ou o interesse social do bem com vistas à futura desapropriação.

         Declarar a utilidade pública ou o interesse social é conduta que apenas reflete a manifestação do Estado no sentido do interesse público que determinado desperta com vistas à transferência coercitiva a ser processada no futuro. Portanto, não se pode dizer que com a declaração já exista a desapropriação. A declaração é apenas uma fase do procedimento.

         A competência para declarar é concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, e esta prevista no art. 2º do Decreto-Lei nº. 3.365/41. A situação dos Territórios é peculiar no sistema federativo vigente: não estão compreendidos na organização política da federação (art.18 da CF.) e integram a União, dependendo sua organização de lei complementar (art. 18, §2º, CF); apesar de tal posição, têm disciplina própria na Constituição (art. 33). Por tal motivo, alguns autores os consideram meras circunstâncias ou autarquias territoriais, parecendo não admitirem tenham eles personalidade jurídica própria.

         Em se tratando de desapropriação por interesse social, para o fim específico de promover a reforma agrária, a competência para a declaração expropriatória é exclusiva da União Federal, como registram o art. 184 e parágrafos da CF. Se a desapropriação for por interesse social para outro fim que não o da reforma agrária, as demais pessoas federativas também terão competência para a declaração expropriatória e para promover a desapropriação – “Legitimidade. Estado. Desapropriação. O ato do Governador do Estado de São Paulo, estampado no Decreto n° 22.033/84, se enquadra na hipótese do art.2° da Lei n° 4.132/62, que contém diversas espécies de desapropriação por interesse social. Os Estados estão legitimados a promovê-la, desde que não objetivem a reforma agrária, esta sim, privativa da União” (REsp n° 20.896, 2ª Turma, Rel. Min. ELIANA CALMOM, julg. Em 19/10/1999, apud “Jurisprudência do STJ” n° 37, out./99).¹

        

2.5.3 – Competência Executória:

         A competência executória significa a atribuição para promover a desapropriação, ou seja, para providenciar todas as medidas e exercer todas as atividades que venham a conduzir à efetiva transferência da propriedade. Essa competência vai desde a negociação com o proprietário até a finalização do processo expropriatório, passando pelo próprio ajuizamento da respectiva ação.

         É mais ampla que as demais essa competência. Nos termos do art.3° da lei geral expropriatória, os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas do Poder Público poderão promover desapropriações, mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”.

         Sendo assim, além das pessoas federativas, as autarquias, as empresas públicas e demais pessoas da Administração Indireta, bem como as empresas que executem serviços públicos através de concessão ou permissão podem ser autoras em ação de desapropriação, cabendo-lhes em conseqüência todos os direitos, obrigações, deveres e ônus atribuídos às partes dentro do processo, inclusive o relativo ao pagamento da indenização. ¹

         Pode-se assegurar que a União acumula as três competências: legislativa, declaratória e executória. O Estado-Membro, o Distrito Federal e o Município acumulam as competências declaratória e executória e alguma legislativa. As demais pessoas, quando autorizadas por lei, decreto ou contrato, somente têm a competência executória, salvo alguma que, por força de lei, também pode promover as competentes declarações expropriatórias.

         Essas competências somente podem ser exercitadas pelas entidades que as detêm no âmbito restrito de seus respectivos territórios, ou seja, a competência expropriatória, como qualquer outra que se reconhece a essas entidades para agirem como Poder Público, cinge-se ao espaço territorial em que exercem suas competências. Fora desse âmbito, essas entidades, nesse particular, nada são. ²

_________________

1. José dos Santos Carvalho Filho – Manual de Direito Administrativo – 21ª Edição – Lúmen Júris Editora – Rio de Janeiro, 2005 – p. 742, 743 e 744.

2. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 668.

2.6 – Objeto da Desapropriação:

        

Como regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer bem móvel ou imóvel dotado de valoração patrimonial - art. 2º do Decreto-Lei n° 3.365/41, no qual se encontra consignado que “todos os bens podem ser desapropriados” pelas entidades da federação. Deve-se, por conseguinte, incluir nessa expressão os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas (Súmula 476 do STF). ¹

         Objetiva, pois, a desapropriação, todo e qualquer bem objeto de domínio. Força é convir, por isso mesmo, que a res nullis e a res deretictae não constituem objeto de desapropriação, podendo sê-lo todos os bens indicados no Código Civil Brasileiro, bem como todos e quaisquer bens e direitos patrimoniais, inclusive o espaço aéreo, o subsolo, moedas raras, podendo ser, portanto, móveis/imóveis/corpóreos/incorpóreos, bens públicos (condicionados a certas condições), salvo aqueles que forem personalíssimos, v.g., status libertatis, prestígio, posição social, direito à cidadania, pátrio poder, pessoas, bem como a moeda corrente (em circulação), instando deixar registrado que a regra é a liberdade expropriatória. ²       

__________________

1. José dos Santos Carvalho Filho – Manual de Direito Administrativo – 12ª Edição – Lúmen Júris Editora – Rio de Janeiro, 2005 – p.737.

2. Weliton Militão dos Santos – Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Editora Mandamentos – Belo Horizonte, 2001 – p.121.

2.7 – Consumação da Desapropriação:

 A desapropriação consuma-se com o depósito em juízo ou com o pagamento da justa indenização. É o que se infere do prescrito pelo inciso XXIV do art. 5º da Constituição da República. Com efeito, reza esse inciso que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. À vista desse dispositivo, a desapropriação só se conclui ou se ultima com a satisfação, pelo Poder Público expropriante ou pelo promotor da desapropriação, da justa indenização. Desse modo, quando nada a esse título for devido ao expropriado, pode-se dizer que em termos constitucionais a desapropriação se consumou, ou seja, o expropriado perdeu e o Poder Público ou o promotor da desapropriação adquiriu o bem. ¹

__________________

1. Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2004 – p. 678.

2.8 – Retrocessão:

         Cabe ao expropriante, consumada a desapropriação e sob pena de se revelar sem razão a medida expropriatória, dar ao bem a adequada finalidade pública, isto é, a que motivou a expropriação.

         Dispõe o art. 519 do Código Civil “Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa”, assim sendo, é um direito pessoal que proporciona ao expropriado, perdas e danos, caso o expropriante não lhe oferecer o bem quando desistir de utilizá-lo num fim de interesse público.

         Ademais, o art.35 da Lei Geral das Desapropriações impede a reivindicação de bens expropriados depois de incorporados ao patrimônio público, ao mesmo tempo que estatui que qualquer ação julgada procedente resolver-se-á em perdas e danos.

         Diga-se, por fim, que não enseja à retrocessão a alteração específica da finalidade, desde que a nova destinação também guarde um fim de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, consoante já decidiu o STF, em mais de uma oportunidade (RDA, 116:309 e 127:440).

__________________

Diógenes Gasparini – Direito Administrativo – 9ª Edição – Editora Saraiva – São Paulo, 2001 – p.681 e 682.

CAPÍTULO 2

 

REFORMA AGRÁRIA

1 – CONCEITO:

         “Reforma política da estrutura agrária, de modo a fornecer modelo de exploração mais racional de terra, eliminando os latifúndios improdutivos e repartindo a terra entre os colonos e seus familiares.

         Compete à União a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de imóvel que não esteja cumprindo a sua função social. A indenização pela desapropriação far-se-á em títulos da dívida pública, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Não podem ser desapropriadas para reforma agrária a pequena e a média propriedade rural e a propriedade produtiva. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 anos.” ¹

         A sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, mediante pagamento da indenização em títulos da dívida agrária, nos termos do art.184, CF. ²

____________________

1. De Plácido e Silva – Vocabulário Jurídico – 21ª Edição – Editora Forense – Rio de Janeiro, 2003

2. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 22ª Edição – Malheiros Editores – São Paulo, 2003.

         Não quer dizer que a reforma agrária possa fazer-se somente por esse modo. A desapropriação por interesse social, inclusive para melhor distribuição da terra, é um poder geral do Poder Público (art.5°, XXIV), de maneira que a vedação de desapropriação, para fins de reforma agrária, da pequena e média propriedade rural, assim definida em lei e desde que seu proprietário não possua outra, e da propriedade produtiva configurada no art.185, CF, deve ser entendida em relação ao processo de reforma agrária constante do art.184, CF. Sendo assim, contém o art.185 uma exceção à desapropriação especial autorizada no art.184; desde que se pague a indenização nos termos do art.5°, XXIV, CF, qualquer imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social para fins de reforma agrária e melhor distribuição da propriedade fundiária. ¹

         O conceito de reforma agrária sempre foi muito controvertido. Aceita-se que não serão reforma agrária as intervenções que não importem na repartição direta da propriedade e do rendimento social agrícola (Cf. Henrique de Barros, Economia agrária, v. III/243, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1954, para quem reforma agrária será “toda e qualquer intervenção (quer de caráter revolucionário, insurrecional, quer de índole estritamente legalista, ordeira e pacífica) de que resulte alteração sensível no esquema de repartição do rendimento social-agrícola, deslocando, em proveito de qualquer das classes interessadas (trabalhadores, capitalistas ou empresários), o modo até então vigente de dividir o grande ‘bolo’ comum”).

         Não se confundem reforma agrária e revolução agrária. Reforma agrária é programa de governo, plano de atuação estatal, mediante intervenção do Estado na economia agrícola, não para destruir o modo de produção existente, mas apenas para promover a repartição da propriedade e da renda fundiária. Enquanto revolução agrária implique a destruição de um tipo de Estado, a abolição de uma classe dominante e também, a erradicação do modo de produção na agricultura.

         Assim é o conceito do art.16 do Estatuto da Terra: “ A reforma agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”. Seu objetivo consiste em promover o acesso à propriedade rural mediante a distribuição ou a redistribuição de terras (art.17). ¹

         Reforma agrária deve ser entendida como o conjunto de notas e planejamentos estatais mediante intervenção do Estado na economia agrícola com a finalidade de promover a repartição da propriedade -  conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Reforma Agrária, Movimento Sem-Terra. Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa

_______________________

1. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 22ª Edição – Malheiros Editores – São Paulo, 2003 – p. 795, 797 e 798.

constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (HC n° 5.574/SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 8-4-97) – e renda fundiária. Esse procedimento expropriatório para fins de reforma agrária deverá respeitar o devido processo legal, havendo necessidade de vistoria e prévia notificação ao proprietário, uma vez que haverá privação de bens particulares (STF – Pleno – MS n° 22364/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov.1995, p. 39.206.).

2 – REQUISITOS:

 

         São exigidos os seguintes requisitos permissivos para a reforma agrária:

  • Imóvel não estiver cumprindo sua função social – a função social é cumprida quando a propriedade rural atende os requisitos estabelecidos em lei, nos termos do art.186 da Constituição Federal;
  • Prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização está definida em lei;
  • Indenização em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias;
  • Edição de decreto que:

a)       declare o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária;

b)       autorize a União a propor a ação de desapropriação;

  • isenção de impostos federais, estaduais e municipais para as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

         A análise dos requisitos constitucionais leva à conclusão de que a finalidade do legislador constituinte foi garantir um tratamento constitucional especial à propriedade produtiva, vedando-se sua desapropriação e prevendo a necessidade de edição de lei que fixe requisitos relativos ao cumprimento de sua função social. Note-se que a Constituição veda a desapropriação da propriedade produtiva que cumpra sua função social. ¹

         O regime jurídico da terra “fundamenta-se na doutrina da função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive” (Cf. Fernando Pereira Sodero, Curso de direito agrário:2 – o Estatuto da Terra, p.25).

         A produtividade é um elemento da função social da propriedade rural. Não basta, porém, ser produtiva para que ela seja tida como cumpridora do princípio. Se ela produz, mas de modo irracional, inadequado, descumprindo a legislação trabalhista em relação a seus trabalhadores, evidentemente que está longe de atender a sus função social.  ²

________________________

1. Alexandre de Moraes – Direito Constitucional – 14ª Ed. – Ed. Atlas – São Paulo, 2003 – p.660.

2. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 22ª Edição – Malheiros Editores – São Paulo, 2003 – p. 795 e 796.

3 – PRECEITOS DA POLÍTICA AGRÍCOLA:

         A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta os seguintes preceitos:

  • os instrumentos creditícios e fiscais;
  • os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização;
  •  o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
  •  a assistência técnica e extensão rural;
  •  o seguro agrícola;
  • o cooperativismo;
  • a eletrificação rural e irrigação;
  •  a habitação para o trabalhador rural. ¹

         No art.187, a Constituição deixa bem claro que política agrícola, assistência financeira e técnica e outros estímulos não caracterizam reforma agrária, pois não importam em intervenção na repartição da propriedade e da renda da terra. ²

________________________

1. Alexandre de Moraes – Direito Constitucional – 14ª Ed. – Ed. Atlas – São Paulo, 2003 – p.658.

2. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 22ª Edição – Malheiros Editores – São Paulo, 2003 – p. 799.

4 – USUCAPIÃO:

         É o que se prevê, no art.191, CF, em favor de quem, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. Chama-se pró-labore esse usucapião especial, porque o título que o justifica decorre do fato de a área ter sido tornada produtiva pelo trabalho do beneficiário ou de sua família. Anota-se, contudo, que não se verifica usucapião de imóveis públicos. ¹

         Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, para os fins previstos no art.183, CF, não se considera o tempo de posse anterior à promulgação da Carta de 1988, não se aplicando o entendimento da Súmula 445 do STF (“ A Lei n° 2.437, de 7-36-55, que reduz prazo prescricional é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1-1-56), salvo quanto aos processos então pendentes” – RE 145.004-MT, Rel. Min. Octávio Gallotti, 21-5-96 – Informativo STF, n°32, 29 maio 1996. ²

________________________

1. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 22ª Edição – Malheiros Editores – São Paulo, 2003 – p. 799.

2. Alexandre de Moraes – Direito Constitucional – 14ª Ed. – Ed. Atlas – São Paulo, 2003 – p.661.

5 – GRILAGEM DE TERRAS:

        

         A gênese do malfadado processo de grilagem de terra, remonta ao início do século XIV, com as capitanias hereditárias concedidas ao fiéis súditos da Coroa Portuguesa. Também na fase das tomadas de posse surgiram os primeiros latifúndios (grandes propriedades privadas que foram proliferando-se), ocasião em que surgiram os grileiros com títulos de propriedade fraudados, oportunidade em que expulsaram os posseiros formando-se então grandes latifúndios improdutivos. Em 1850, foi que a lei imperial n.601, de 18/9/1850, a conhecida lei de terras, acabou por consolidar o latifúndio.

        

         “GRILO – Na terminologia brasileira, é o vocábulo empregado figuradamente em dois sentidos distintos:

a)   ...

b)   Diz-se para o terreno ou imóvel, registrado e legalizado por meio de títulos e sisas falsificadas de tal maneira, que se apresentam em papéis e tinta da época, com os selos também antigos.

Ao possuidor de terras griladas, diz-se grileiro.”

       (De Plácido e Silva – Vocabulário Jurídico – 21ª Ed. – Ed.Forense)

        

________________

1. Weliton Militão dos Santos – Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Bditora Mandamentos – Belo Horizonte, 2001 – p.499 e 500.

         O governo brasileiro, com base no permissivo legal (Lei n.4.947, de 6 de abril de 1966), ao tomar medidas árduas, cancelando registros fraudulentos – certificado de cadastro de imóvel rural, expedido pelo Incra. – e, com isso, oportunizando a que se possa pleitear, na Justiça, o cancelamento do Registro daqueles latifúndios e de locais onde serão assentadas multifárias de trabalhadores rurais sem terra, elevando-se o projeto de agricultura familiar através do cooperativismo decorrente de política agrícola consistente.

         O Sistema Nacional Unificado de Cadastro Rural cria o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, Lei n. 10.267, de 28/8/2001, de importância vital para empecer a grilagem de terras, ao final encartada.

         O combate às raízes coloniais da grilagem de terras conseqüetizará numa correção histórico-genética na política fundiária da República Federativa do Brasil.

 

 

 

 

 

 

 

 

________________

1. Weliton Militão dos Santos – Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente – Bditora Mandamentos – Belo Horizonte, 2001 – p. 500 e 501.

6 – ASSENTAMENTOS DE SEM-TERRA:

         No item assentamento de sem-terra, consta especial exortação, e até lamento, pelo que sempre ocorre, como é de ver-se, à falta de maior e efetiva fiscalização durante o decênio, ou o tempo em que o assentamento aguarda pela emancipação. Foi, por isso mesmo, com regozijo que o autor desta obra vislumbrou a criação, em: 31/7/2001 da Nova Câmara Técnica de Desenvolvimento Local, Organização da Produção, Geração de Renda e Sustentabilidade da Agricultura Familiar, pelo CNDRS (Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável), que acaba de ser efeitizada, de modo a perfectibilizar a execução do que consta da Câmara em destaque, criada pela Resolução n°. 09/2001, como tributo à Política Agrícola, imprescindível nos assentamentos. Somente a efetiva fiscalização das atividades exercidas nos assentamentos poderá evitar o mencionado descalabro, eis que, para os que lutam por um pedaço de chão a política agrária (divisão das terras) seria o bastante após o assentamento e início de nova ida, sentem, desde logo, não haver sido o quantum sufficit, carecendo o assentamento, também, de política agrícola.

BIBLIOGRAFIA

ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del                              Rey, 1996.

ANDRADE, Paulo Bonavides Paes de. História Constitucional do Brasil. Brasília: OAB, 2002.

CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2003.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2.003.

SANTOS, Weliton Militão dos. Desapropriação, Reforma Agrária e Meio Ambiente: aspectos substanciais e procedimentos – Reflexos no Direito Penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado: o substrato clássico e os novos paradigmas como pré-compreensão Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.