A Literatura produzida na região amazônica, durante muito tempo, sofreu preconceitos temáticos. Muitos afirmavam que havia uma mera preocupação de apenas retratar o universo do homem interiorano, sobretudo, a luta pela sobrevivência do caboclo e do indígena, frente às adversidades da floresta amazônica. Afirmava-se que a Literatura Amazônica só tematizava a vida dos migrantes de toda a parte do país, sobretudo do Nordeste, que iludidos, chegaram à nossa região, em busca de uma vida melhor no período do ciclo da borracha, aspectos culturais dos indígenas e a vida dos ribeirinhos. Contudo, é necessário enfatizar, em conformidade com Campos (2007), que o termo “ribeirinho” designa a população extremamente importante para a Amazônia, que vive às margens dos rios, igarapés, lagos e nas terras de várzeas e quanto aos indígenas, os mesmos constituem povo de cultura milenar. Assim, com referência a História que envolve os nativos amazônicos, as inúmeras lutas travadas em decorrência da invasão portuguesa no Brasil até os dias atuais “são por conta do direito legítimo à posse da terra, o seu direito de retornar aquilo que lhes pertence originariamente” (CAMPOS, 2007, p. 102), inclusive sua identidade cultural. Para exemplificar o desconhecimento dos brasileiros e dos próprios amazonenses, com relação à Literatura Amazonense, o escritor Milton Hatoum, colunista do jornal Estado de São Paulo, com livros publicados em mais de dezesseis línguas, vencedor do Prêmio Jabuti em vários anos, autor de Relato de um Certo Oriente, Cinzas do Norte, Dois Irmãos, Órfãos do Eldorado e A Cidade Ilhada, em entrevista ao unirpalavras.blogspot.com (junho/2009), afirma que muitos leitores conhecem a obra de Thiago de Mello e Márcio Souza, mas há escritores importantes que infelizmente ainda são desconhecidos. O autor amazonense faz referência à obra de Luiz Bacellar, Aldísio Filgueiras, Jorge Tufic, Aníbal Beça, Elson Farias, entre outros. E continua, na entrevista, sua crítica reflexiva: é como se esses poetas escrevessem no exílio, ou como se fossem exilados em seu próprio país. Na verdade, as editoras do Sudeste que publicam poesia deveriam dar mais atenção à produção poética da Amazônia. Na tentativa de valorizar escritores representativos dos diversos estados que compõem o país, e, consequentemente a literatura produzida por eles, algumas instituições de ensino formalizam disciplinas relacionadas à literatura. No Amazonas, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), implantada em 2001, apresenta na grade curricular do Curso de Licenciatura em Letras, além da Literatura Brasileira I, II, III e IV, a disciplina Literatura Amazonense e como disciplina optativa, oferece-se no referido curso, a disciplina Cultura Amazônica, entre outras. Com relação aos conteúdos programáticos e carga horária da referida disciplina, o Colegiado de Letras, do Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST), já almeja a inserção da disciplina Literatura Amazonense II, tal a importância, a quantidade e qualidade dos conteúdos inerentes aos escritos produzidos pelos escritores “barés” desde a época colonial até a atualidade. Com a reconstrução do PCC de Letras, o colegiado, após algumas reflexões e discussões chegou a uma nova nomenclatura para os estudos dos conteúdos programáticos relacionados à Literatura amazônica e sua abrangência: Literatura Pan-Amazônica. Professores de Literatura do CEST/UEA, que compõem o Colegiado de Letras, acreditam que, através do ensino da Literatura, proporciona-se nas escolas, um espaço para a verbalização da representação sociocultural e histórica: concebem a Literatura como instrumento de conhecimento do mundo (do passado, do presente, da mentalidade de uma época, de outras civilizações); é instrumento de formação e desenvolvimento intelectual, moral, ideológico e estético, conforme afirma o teórico João D. Maia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio apregoam que dar espaço para a verbalização da representação social e cultural constitui um grande passo para sistematização da identidade de grupos que sofrem processo de deslegitimação social. Assim, aprender a conviver com as diferenças é: reconhecê-las como legítimas e saber defendê-las em espaço público fará com que o aluno reconstrua a autoestima. A literatura é um bom exemplo do simbólico verbalizado. Guimarães Rosa procurou no interior de Minas Gerais a matéria-prima de sua obra: cenários, modos de pensar, sentir, agir, de ver o mundo, de falar sobre o mundo, uma bagagem brasileira que resgata a brasilidade. Indo às raízes, devastando imagens preconceituosas, legitimou acordos e condutas sociais, por meio da criação estética (BRASIL: PCN/Ensino Médio, 1999, p. 142). A Literatura, portanto, deveria ser aprofundada desde o Ensino Básico, pois, reportando-se aos Fundamentos estéticos, políticos e éticos do novo Ensino Médio, um dos consignas é referente à Estética da Sensibilidade. Nos fundamentos, ela é caracterizada como “expressão de identidade nacional”, logo, a estética da sensibilidade possibilita o “reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade própria dos gêneros, das etnias e das muitas regiões e grupos sociais do País” (BRASIL: PCN/Ensino Médio, 1999, p. 76). Assim entendida, a estética da sensibilidade é um substrato indispensável também para uma “nova” pedagogia, uma pedagogia que se quer brasileira, portadora de da riqueza de cores, sons e sabores deste país, aberta à diversidade dos nossos alunos e professores, mas que não abdica da responsabilidade de constituir cidadania para um mundo que se globaliza, e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizagem (BRASIL: PCN/Ensino Médio, 1999, p. 76). Para refletir sobre a (des)valorização da cultura local nos currículos escolares, reporto-me a alguns questionamentos: Os alunos e professores demonstram necessidade de aprenderem conteúdos relacionados ao ensino da Literatura Amazonense? Os professores que ministram a disciplina têm domínio dos conteúdos programáticos de Literatura Amazonense? Os alunos já leram e analisaram com seus professores alguma obra de escritor representativo da Literatura Amazonense? Sem a pretensão de apontar falhas, a Proposta Curricular de Língua Portuguesa destaca a relevância do ensino da Literatura no Ensino Médio, e dá ênfase à Literatura Regional, à Nacional e à Universal: reconhece-se que a Literatura pode transformar a vida do homem, já que ela lhe oferece um mundo que ultrapassa o tempo e o espaço, possibilitando-lhe a compreensão sob várias perspectivas do seu mundo e de si mesmo. Com isso, pode-se dizer que aquele que lê, aquele que reflete, aquele que necessita conhecer novos mundos, tornar-se-á um cidadão (Proposta Curricular de Língua Portuguesa para o Ensino Médio, 2012, p. 38). Neste sentido, ainda reportando-se à Proposta Curricular, reconhecer-se humano e reconhecer a humanidade do outro, implica no reconhecimento de uma comunidade de respeito, de valores, onde o ser humano “constrói o mundo que poderá realizar o verdadeiramente humano, ou seja, o mundo ideal no qual todos poderiam ser mais felizes, sem as desigualdades sociais que estimulam a desumanização do homem e, consequentemente, instalam a barbárie (p. 38). Portanto, ao considerarmos o currículo como espaço de reconhecimento da nossa identidade um aspecto relevante a ser trabalhado que vai oferecer contribuições para a ressignificação e valorização da cultura amazônica, como propõem Moreira & Candau (2007) no texto “Currículo, Cultura e Sociedade”, deve se promover, no âmbito escolar, ocasiões que “favoreçam a tomada de consciência da construção da identidade cultural de cada um de nós, docentes e gestores, relacionando-a aos processos socioculturais do contexto em que vivemos a história de nosso país (p. 32). Daí a importância do conhecimento dos textos literários regionais, visto que por meio da obra literária, o homem tende à permanência, além de que os textos literários possibilitam inúmeras leituras de um mesmo tema. Desse modo, o ensino da Literatura, deve ser feito com aprendizagens contextualizadas, sem fragmentações, que fortaleçam “as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”, conforme rege o Art. 26, da LDB (Lei 9394/96). Ainda com relação à (des)valorização da literatura regional, no Brasil, vários escritores foram classificados como regionalistas. Porém, na década de 30, o regionalismo não enfatizava apenas o pitoresco regional, mas apresentava uma visão crítica dos problemas sociais. Assim se expressa Benjamin Abdala Júnior (1993): a visão crítica predominante nessas produções aponta para o caráter social (p 11), dessa forma, não havia a intenção na obra “regional” de apenas retratar o pitoresco, as paisagens ou personagens típicos. Trata-se, portanto, de uma literatura que procura representar a realidade de forma realista, mas com um sentido crítico muito aguçado, visando a transformá-la em suas estruturas sociais (ABDALA JÚNIOR, 1993, p. 11), portanto, não cabe aqui ressaltar que alguns veem a literatura regional como algo sem sentido ou sem valor, afinal é inquestionável a importância de Visconde de Taunay com o seu Inocência, Graciliano Ramos com Vidas Secas, Guimarães Rosa com o emblemático Grande Sertão: Veredas, Mário de Andrade com a rapsódia amazônica Macunaíma, entre tantos outros inseridos na linhagem regionalista, para a Literatura Brasileira. A Literatura, além de constituir-se em uma ferramenta eficaz para a valorização da cultura, através dos estudos literários expressivos de escritores amazonenses, oportuniza-se também aquisição de conhecimentos relacionados à História do povo amazonense, visto que os textos conotam uma visão de mundo e assim, o próprio homem pode ser analisado, conhecido e compreendido pelos textos que produz. Dessa forma, o texto literário, por sua complexidade e natureza conotativa, em conformidade com Ítalo Meneghetti (2010), exige e desenvolve no leitor: a capacidade de analisar as entrelinhas das mensagens, o intertexto, afiando o olhar para o que é dito no que não está escrito, provocando a imaginação a pensar soluções de interpretação dos significados. Surge assim o conceito de Literatura cidadã (Revista Conhecimento Prático de Literatura, nº 31, Agosto/2010. p. 25). Assim, com base no que foi exposto, pode se afirmar que o conceito de Literatura Cidadã está relacionado, sobretudo à valorização da cultura local. O pesquisador Mário Ypiranga Monteiro nos afirma que nada do que se criou no passado foi menos interessante em termos de estética e de forma do que aquilo que se realiza no presente (MONTEIRO, 1977, p. 17), sendo assim, estudar Álvaro Maia com a riqueza dos relatos, historietas e contos regionais presentes em Banco de Canoa e Milton Hatoum através do fascinante Dois Irmãos, conhecer o universo amazônico através dos contos de Carlos Gomes, Erasmo Linhares, Arthur Engrácio; apreender a sensibilidade humana presente nas poesias de Tenório Telles, navegar na forte densidade poética de Ernesto Penafort, de Farias de Carvalho, de Violeta Branca, de Luiz Bacellar, ou ainda “navegar pelo Solimões”, de Quintino Cunha, ou ainda conhecer o “ciclo das águas” com Elson Farias e descobrir a utilidade estética da poesia social de Thiago de Melo e de Aldísio Filgueiras, é tarefa de educadores comprometidos com a cidadania, visto que o texto literário é “ferramenta para ler o mundo e a vida em sociedade”.