A DEPRECIAÇÃO DA SOBERANIA POPULAR NA DITADURA MILITAR NO BRASIL

Isac Salomão Magalhães Pinto Holanda

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O estado constitucional é aquele que tem seu campo de ação limitado a competências que lhe são atribuídas por uma lei maior, ou seja, por uma Constituição. Porém, vale ressaltar que a soberania não pertence a essa lei maior, a esse poder constituído; mas, sim, ao poder constituinte, ao povo, o único titular da soberania e da legitimidade do estado. É possível afirmar que poder constituído é o resultado do trabalho do poder constituinte, assim como a soberania constitucional é apenas o reflexo da soberania popular, estando a primeira subordinada à segunda.

A soberania constitucional assume uma conotação jurídica de expressão estável da ordem estabelecida, enquanto a soberania popular toma para si o sentido político de expressão ativa dessa mesma ordem. O poder da Constituição é estático e encontra sua legitimidade exclusivamente no poder dinâmico do povo, ou melhor, a Constituição é a personificação do povo na sua vontade soberana. É como se fossem criatura e criador, respectivamente. Partindo dessa análise, Paulo Bonavides sintetizou: "A Constituição que não vem do povo nem lhe concretiza a soberania, não é Constituição"1. E Dimas Macedo concluiu: "Toda Constituição é boa ou ruim para determinada sociedade na proporção em que ela é ou não produto do consenso dessa mesma sociedade e tem condições de ser efetivada pela dinâmica de sua eficácia jurídica e social"2.

Assim estabelecidos os conceitos e as diferenciações principais do estudo, pode-se intensificar as atenções no foco principal que a ele foi dado: refletir sobre a Soberania Popular nos tempos da Ditadura Militar no Brasil.

2 PERÍODO DITATORIAL

O panorama político dos anos 60 se encontrava bastante conturbado, após a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart. Este abriu espaço para as organizações sociais, estudantis e populares, causando a preocupação das classes elitistas e conservadoras em relação a um possível golpe comunista. Vale lembrar que, nesse momento, o mundo vivia o auge da Guerra Fria. O processo de crise política e as tensões sociais aumentaram com tropas saindo às ruas. Temendo uma guerra civil, "Jango" deixou o País, refugiando-se no Uruguai. Logo, os militares tomaram o poder e, poucos dias depois, decretaram o Ato Institucional número 1, que, intimidando os congressistas, representantes legais do povo, suspendeu direitos políticos, cassou mandatos, ameaçou de prisão e expulsão do País todos os opositores ao novo regime. Seguindo a linha autoritária do primeiro, ainda surgiram outros dezesseis atos institucionais; eram mecanismos de legalização das ações políticas e de estabelecimento de diversos poderes extraconstitucionais que foram criados visando a uma duradoura manutenção do domínio militar. Era o início do desmoronamento da soberania popular.

Durante esse período ditatorial e autoritário que figurou no Brasil, a soma dos poderes assumidos pelos órgãos militares eliminou praticamente toda a autonomia da vontade e a vitalidade participativa do povo em relação às decisões políticas. Com a finalidade de garantir os interesses da ditadura, diversos direitos individuais e sociais dos cidadãos foram diminuídos ou, até mesmo, desprezados. Os sindicatos, as associações e os órgãos representativos tanto de empregados quanto de empregadores, de diversos ramos da economia, foram marginalizados; a atuação da comunidade científica e a autonomia universitária foram restringidas; as prerrogativas do Poder Legislativo foram reprimidas. Esses exemplos citados representam apenas uma parcela das mazelas praticadas pelo governo militar vigente. Para Franco Montoro, "Todos os setores da vida social foram atrofiados e reduzidos à posição de simples dependência. Só o governo federal dominava soberanamente. Os demais apenas obedeciam" 3.

Fazendo uma análise histórica, pode-se notar que, ao radicalizar na centralização e no autoritarismo, o governo ditatorial gerou, na população, involuntariamente, uma certa resistência, provocando, como reação, uma tomada de consciência coletiva sobre a importância da participação política, da cidadania e dos direitos fundamentais. Surgiu, então, um processo de abertura política que originou o desejo de dotar o Brasil de uma nova Constituição que fosse defensora dos valores democráticos. Anseio este que se tornou necessidade após o fim da ditadura militar e a redemocratização do Brasil, a partir de 1985.

3 A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Foi nesse contexto histórico que nasceu a Constituição de 1988, resultado de uma tranformação democrática realizada após um período obscuro na ótica social. Essa nova Lei suprema veio para reconhecer que o consentimento do povo é condição da autoridade política legítima, para garantir a influência da vontade popular na atuação do governo e para instituir, conseqüentemente, um sistema político que reconhece o povo como seu sistema de referência e razão de sua existência. Assim, a própria Constituição, em seu artigo 1º, parágrafo único, consagra-se como a mais democrática que já tivemos: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Antônio; BERNARDES, Cristiane. Deputados defendem soberania do Legislativo. Jornal da Câmara, Brasília, DF, 3 jul. 2008. Caderno Política.

BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1995.

BONAVIDES, Paulo.(Org.). Fundamentos e Rumos da Democracia Participativa. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 7, jan./jun. 2006.

BONAVIDES, Paulo.(Org.). Princípios Fundamentais da Constituição. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, jan./jun. 2003.

JUNIOR, Goffredo Telles. O Povo e o Poder: O conselho do Planejamento Nacional. São Paulo: Malheiros, 2003.

RAPOSO, Eduardo.(Coord.). 1964 – 30 Anos Depois, Rio de Janeiro: Agir, 1994.

1 BONAVIDES, Paulo. Fundamentos e Rumos da Democracia Participativa. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 7, p. 663-677, jan./jun. 2006.

2 MACEDO, Dimas. Princípios Fundamentais da Constituição. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, p. 824-837, jan./jun. 2003.

3 MONTORO, Franco. Da Centralização Autoritária à Participação da Sociedade. In: RAPOSO, Eduardo. (Coord.). 1964 – 30 Anos Depois, Rio de Janeiro: Agir, 1994, p. 42.