Prezados Srs.,

Envio o texto abaixo, de minha autoria, para publicação em seu espaço, sendo que fico à disposição e desde já agradeço.

Att.,

Rogério Abreu


A demora administrativa e a suspensão do prazo prescricional de prestações previdenciárias

Dispõe o parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 8213/91 que “prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.”

Esta é a redação introduzida no ordenamento jurídico nacional pela Lei nº 9.528/97, instrumento pelo qual o INSS vem se safando de arcar com prestações vencidas pela sua própria demora na concessão de benefícios previdenciários. Ou seja, após mais de cinco anos aguardando a concessão de seu benefício previdenciário, requerido administrativamente, o segurado tem perdido o direito de pleitear valores anteriores àquele período.

Assim tem ocorrido aos segurados que, cansados da demora do INSS para a decisão administrativa definitiva (irrecorrível), vão à Justiça buscar o benefício, sendo declaradas prescritas as prestações vencidas há mais de cinco anos do ingresso da ação judicial. É o que segue estabelecido pela Súmula nº 85 do STJ, abaixo transcrita, adotada majoritariamente de forma desatenta pelos julgadores pátrios:
Súmula: 85 – “NAS RELAÇÕES JURIDICAS DE TRATO SUCESSIVO EM QUE A FAZENDA PUBLICA FIGURE COMO DEVEDORA, QUANDO NÃO TIVER SIDO NEGADO O PROPRIO DIREITO RECLAMADO, A PRESCRIÇÃO ATINGE APENAS AS PRESTAÇÕES VENCIDAS ANTES DO QUINQÜÊNIO ANTERIOR À PROPOSITURA.”

É bem verdade que a Súmula nº 85 do STJ traz importante distinção conceitual, ao estabelecer que o direito reclamado não se sujeita à prescrição, mas somente suas prestações, quando decorre de relações jurídicas de trato sucessivo, tal como a relação entre segurado (ou pensionista) e o INSS.

Entretanto, a aplicação simplista do parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 8213/91 e da Súmula nº 85 do STJ, é equivocada e extremamente prejudicial aos segurados e pensionistas do INSS, afrontando a isonomia e a legalidade e muitas vezes, a dignidade humana (artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, caput e inciso II, da CF).

Isso porque o prazo prescricional previsto no parágrafo único do artigo 103 da Lei nº 8213/91 não corre enquanto tramita o processo administrativo perante o INSS, autarquia claramente interessada na prescrição de prestações por ela devidas.

De fato não há na Lei nº 8213/91 qualquer previsão legal de suspensão do decurso do prazo prescricional ora discutido, mas em vista de tal omissão legislativa aplica-se o disposto no artigo 4º, §1º, do Decreto nº 20.910/32, que assim dispõe:
“Art. 4º - Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo Único. - A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.

Portanto, o prazo prescricional previsto no parágrafo único do artigo 103, da Lei nº 8.213/91, fica suspenso até a resolução e resposta final administrativa por parte do INSS.

E não há como negar a aplicação do Decreto nº 20.910/32 aos requerimentos administrativos de benefícios previdenciários, primeiramente, porque a superveniência da legislação específica previdenciária não revogou o artigo 4º, §1º, daquele Decreto, na medida em que não há contradição entre os dois diplomas jurídicos.

Ora, nos termos do art. 2º, §1º do Decreto nº 4657/42 , lei posterior somente revoga a anterior quando expressamente assim declarar, quando for com ela incompatível, ou quando a regular inteiramente. E neste caso a legislação previdenciária (posterior) não regula integralmente a prescrição previdenciária, sendo lacunosa exatamente quanto à suspensão do decurso do prazo.

E para tanto, há que se destacar que o Decreto nº 4657/42, chamada de ‘Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC)’, é diploma de pacífica aplicação geral a todos os ramos do direito, por tratar da eficácia das leis em geral, no espaço e no tempo, também com regras para interpretação, aplicação e integração das leis. Nas palavras da professora Maria Helena Diniz:
"É o diploma da aplicação, no tempo e no espaço, de todas as normas brasileiras, sejam elas de direito público ou privado. (...) Não rege relações de vida, mas sim as normas, uma vez que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espacio-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão"

Ademais, basta verificar que o Decreto nº 20.910/32 é o diploma legal que regula a prescrição qüinqüenal das dívidas públicas, bem como de todo e qualquer direito ou ação contra as fazendas, seja qual for sua natureza (art. 1º).

Sem confundir a prescrição em matéria previdenciária com o instituto da prescrição de direito privado (artigo 199, inciso I do Código Civil), é claro que o titular do direito não pode ser penalizado pela demora da parte oposta, que efetivamente tem a obrigação de responder à reivindicação realizada, pelo requerimento administrativo e eventuais recursos posteriores, no caso da relação previdenciária.

E não há que se falar em qualquer prejuízo à autarquia federal, na medida em que, além dos dispositivos já citados, o próprio artigo 5º do Decreto nº 20.910/32 dispõe que não suspende a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito em prestar os esclarecimentos que forem reclamados, ou o fato de não promover o andamento do feito judicial, ou do processo administrativo, durante os prazos respectivamente estabelecidos.

Ou seja, a prescrição correrá enquanto o segurado (ou pensionista) não estiver reclamado administrativamente o seu direito, bem como enquanto estiver em atraso aos prazos de eventuais exigências previdenciárias, ou quando extrapolar o prazo de recurso à decisão administrativa prolatada.

E a tese ora preconizada encontra amparo na própria Súmula 443 do STF:
“Súmula 443/STF – A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não corre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta. ”

Ou seja, se o pedido administrativo não foi negado não há como prescreverem prestações anteriores aos cinco anos que precederem eventual ação judicial que reclame o mesmo direito.

Assim também colhemos julgados envolvendo especificamente a fazenda pública:
ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. FAZENDA PUBLICA. SUSPENSÃO DO PRAZO. REQUERIDO ADMINISTRATIVAMENTE O PAGAMENTO DE DIVIDA DA FAZENDA PUBLICA, O PRAZO DA PRESCRIÇÃO FICA SUSPENSO ATE A DECISÃO DO PEDIDO, NA FORMA DO ARTIGO 4. DO DECRETO NUM. 20.910, DE 1932. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (STJ - REsp 45523/RO - Ministro ARI PARGENDLER - SEGUNDA TURMA - 18/11/1996 - DJ 09.12.1996, p. 49238)

“(...)I - A aplicação do instituto da prescrição relativamente às dívidas, aos direitos e às ações exercitáveis em face da fazenda pública, nos moldes do disposto no Decreto n. 20.910/32, não conflita com o ordenamento constitucional vigente, não havendo que se falar em inconstitucionalidade da aludida norma ou, mais propriamente, em revogação (não recepção). (...)
III - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação (art. 3º do Decreto n. 20.190/32 e Súmula n. 85 do STJ).
IV - Se a Administração Pública restou omissa em ultimar o pagamento das parcelas pretéritas do direito já reconhecido até mesmo administrativamente, deixando de dar uma resposta efetiva aos requerimentos formulados, tal comportamento desidioso resulta em se considerar a prescrição das parcelas suspensa a partir das datas de apresentação dos pleitos administrativos. Inteligência do art. 4º do Decreto n. 20.190/32. (...)” (TJ/DF - APC 51026-0, 3ª Turma Cível, rel. Des. Jeronymo de Souza, pub. no DJ em 31.10.2001 à p. 59)

Portanto, ao tratar da prescrição de prestações previdenciárias vencidas por mais de cinco anos, é necessário que os magistrados se libertem de visão simplista consolidada, para reconhecerem que tal prazo prescricional fica suspenso enquanto tramitar o processo administrativo perante o INSS, sendo que não pode ser beneficiada a autarquia federal pela sua própria morosidade.

Autor:
Rogério Camargo Gonçalves de Abreu
Advogado (Graduação PUC-CAMPINAS) e Cientista Político (UNICAMP), Especializado em Direito Tributário (IBET).
Endereço: Rua Clóvis Bevilácqua nº 526 – apto. 74 A – Jd. Guanabara - Campinas/SP – fone: 19 – 3242.4776 – emails: [email protected] ; [email protected]

Dados sobre o(s) texto(s):
- A demora administrativa e a suspensão do prazo prescricional de prestações previdenciárias
- Doutrina previdenciária
- elaborado em julho de 2008.