A DEFASAGEM ENTRE O DESENVOLVIMENTO TÉCNICO E ÉTICO

Ramiro de O. Junior ? Profº da Rede Pública Estadual do PR.
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No capítulo II de seu livro A República, Platão (428-347 a.C.) ao começar a constituir uma cidade/Estado ideal coloca a descrição da formação de uma cidade com as necessidades básicas do ser humano, coisas necessárias à sua subsistência. Sócrates (personagem principal das obras platônicas) descreve a vida do homem simples e sem entraves, aproveitando o necessário da natureza para sobreviver e cultivando amizades, passando assim uma vida de paz, saúde e legando aos filhos o mesmo estilo de vida. Seus interlocutores, comparando os homens a porcos que apenas engordam, exigem uma cidade com muito mais que isso, repleta de luxos. Assim começa a indagação a respeito do que seria mais proveitoso: justiça ou injustiça. E assim também temos uma noção como a maioria dos homens vê o famoso "desenvolvimento".
Quando Aristóteles (384-324 a.C.) decretou que o homem é um animal social e o Estado seria a maior expressão dessa necessidade de sociedade, ao mesmo tempo que, dentro desta sociedade de homens o bem supremo seria alcançar a felicidade, pensava ele num Estado com as condições de sua época, onde um governante ou um grupo de governantes podiam perfeitamente controlar tudo e todos. Seria possível nos dias atuais o mesmo tipo de vontade para com nossas cidades e Estados? A busca da mesma felicidade ainda seria possível? Talvez! Mas quando Aristóteles decretou tal função à cidade e ao Estado poderia ele imaginar quão grande se tornaria nossa civilização? Outro talvez. Com um intelecto tão privilegiado quanto o de Aristóteles não seria de admirar. Mas nos moldes antigos, com certeza, não seria mais possível pensar nossa sociedade e nossos anseios.
O que queremos dizer com isso?
Max Weber (1864-1920), relata que antes da sociedade moderna, a religião era o que alicerçava a vida e as ações das pessoas e dava sentido para tudo o que faziam, visando "algo" num futuro próximo. O pensamento científico que tomando espaço como referencial de mundo confrontou tais idéias, e a esfera religiosa que a tudo abarcava e tudo dominava implodiu ao ser confrontada e todas as pequenas esferas do mundo social (ética, direito, ciência, artes, etc...) ficaram sem seu ponto de sustentação, soltas sem uma referencia, já que esta nova tendência cientifica não poderia ocupar por completo o lugar que a religião tinha ao dar sentido ao mundo. E sem este ponto referencial (não que ele fosse infalível, mas era um norte a ser seguido) o comportamento ético do homem ficou a deriva.
Houve um crescimento demográfico de proporções que, mesmo imaginado, não foi acompanhado. Mas tal crescimento ainda não é o grande problema, pois em qualquer sociedade que busque o aperfeiçoamento de seus indivíduos e de suas técnicas tende a crescer em números, tanto de cidadãos, quanto em território. E com este crescimento houve um crescimento técnico, que também é previsível. Mas o que não foi premeditado é justamente o que nos assola hoje. Houve uma "defasagem de pensamento". Houve, de uma hora para outra, um acúmulo de informações que o homem não acompanhou. O pensamento humano não deu conta do progresso técnico e industrial que ele mesmo imaginou e concretizou. Tudo foi em questão de pouco tempo se olharmos o quanto este homem realizou nos últimos anos em comparação com os estragos que estas mesmas descobertas proporcionaram. A erradicação de doenças, a redução da mortalidade, a disponibilidade de meios mais rápidos de transportes e comunicação e o aumento do nível educacional quase ao mesmo tempo vieram acompanhados da influência da tecnologia nas guerras, na dominação e manipulação das sociedades pelos meios de comunicação de massa e na utilização da tecnologia para fins dúbios. A interferência nas condições de vida no planeta é visível perante o uso de todas as conquistas técnicas do homem, e sabemos, hoje, que desenvolvimento material não significa, necessariamente, felicidade e progresso moral dos povos.
A técnica e o progresso cresceram mais do que o pensamento do homem, em termos morais, conseguiu acompanhar. Ele não acompanhou tal evolução da modernidade, mesmo sendo ele seu gerador. Os males sociais, técnicos, religiosos e tudo que pudermos pensar são oriundos dessa defasagem que há entre "modo de agir" e "modo de pensar", onde a ética e suas implicações não foram devidamente colocadas em cada esfera de nossa civilização.
Com a modernidade e a ciência, onde a crença na transformação do mundo era algo incontestável e torna-se atingível pelo homem, o mal, tão temido pelo pensamento medieval (do qual, querendo ou não, somos herdeiros), torna-se concreto. Podemos dizer que a ciência concretizou o mal e o colocou para funcionar. Durante a Idade Média e até na Modernidade (mesmo em nossos dias!) este mal era algo metafísico, algo intangível, que estava fora e além do homem, que o espreitava a cada fresta de janela e a cada esquina escura, atormentando-o. Agora ele é palpável, algo que pode machucá-lo. Com as técnicas e as ciências ele se torna "alguma coisa" alcançável, imediata. Algo que o atingirá fisicamente. Trocamos um mal vindouro por um mal imediato.
Mas este mal físico torna-se também curável, onde as técnicas da ciência, mesmo o criando, me ajudam a confrontá-lo. E assim torna-se um circulo vicioso, onde posso acalmar minhas ansiedades morais com um pouco de conforto moderno. O homem não está acostumado (defasado moralmente) em abdicar de seus confortos em prol de um bem maior.
E este é o grande dilema do homem contemporâneo: a preocupação do dia-a-dia distancia este homem das preocupações morais. Ele tem mais o que fazer do que se preocupar com as imposições morais, impostas pela sociedade ou universais, como queria o filósofo alemão Kant. O "mundo administrativo" não o deixa se inteirar sobre suas qualidades morais. Torna-se um luxo ser moral. E um luxo que o homem moderno não tem tempo para ter.

CONCLUSÃO
A palavra "utopia" vem do grego e significa "lugar nenhum". Seu uso se tornou mais popular a partir do título da obra de Thomas More (1478-1535) que se chamava exatamente Utopia. Nela o filósofo inglês descreve uma sociedade ideal (e logicamente, inexistente!), onde tudo funcionava perfeitamente. Desde então, o termo tornou-se sinônimo de algo desejável, porém irrealizável. Mas Thomas More não foi o primeiro nem o único pensador a projetar uma sociedade perfeita. No século lV a.C. o filósofo grego Platão escrevia a primeira obra que se tem conhecimento deste gênero, A República, uma cidade imaginaria, com seus cidadãos desenvolvendo suas habilidades e governada por filósofos. Podemos citar também o pensador italiano Tommaso Campanella (1568-1639), que publicou a Cidade do Sol, cidade onde não há propriedade privada, o egoísmo inexiste e não há crimes. Ou mesmo Francis Bacon (1561-1626), pensador inglês que escreve A Nova Atlântida, uma ilha fictícia onde que, graças à ciência e à sabedoria, reinam a paz e a harmonia.
Logicamente não é mais possível se pensar em "utopias" nos dias atuais. Seria até mesmo inocência de nossa parte acreditar ser possível tal concepção (ou seria apenas um ranço de pensar pessimista? Pois existem sim países realmente muito desenvolvidos economicamente e socialmente, onde a população vive bem e feliz sem agressões ao meio ambiente, como é o caso da Islândia! Levando em consideração nos dias atuais isso já não seria uma utopia?). Mas inspirado pelas idéias desses autores podemos sim visualizar beneficies para nossa sociedade. O déficit histórico de que fazemos parte pode ser corrigido em termos.
O CENSO dos últimos anos indicou que em 1940, 31% da população viviam nas cidades grandes, em 2000, 81% da população passou a viver nas cidades, e com o crescimento populacional há, conseqüentemente, o crescimento de problemas. Violência, poluição, trânsito caótico e baixa qualidade de vida são os problemas que acompanham este crescimento demográfico.
A industria da construção civil, a industria automobilística que investem em massa na venda de seus produtos, mesmo indo contra o plano de desenvolvimento que a cidade planejou para si, são uma das grandes responsáveis pela crise urbana que sofremos atualmente, e com grandes tendências funestas ao nosso futuro como humanidade. Enfrentar os esquemas políticos e empresariais é um dever da população. O tripé da sustentabilidade tem que ser respeitado; Economia, Ecologia e Social tem que ser usado de maneira equilibrada. Não é ilícito acumular riqueza (mesmo sem ser Liberal!), mas sem comprometer o bem estar do próximo e sem agredir o meio-ambiente. Tem de haver um comprometimento com o social, com o bem estar de todos. Reeducação em todos os sentidos se faz necessária, principalmente uma reeducação moral. Conscientização já não é possível exigir numa sociedade que a priori já é deficiente nos seus alicerces éticos. Uma educação crítica, uma imprensa crítica e conseqüentemente pessoas críticas, isso é o essencial para um melhoramento a longo prazo de nossa sociedade.
Faltou conhecimento aos nossos antepassados. E agora? Qual será nossa desculpa?