A decretação de falência das instituições financeiras: o regime especial da liquidação extrajudicial[1]

 

Everton Carvalho Rodrigues[2]

Rayrison Lopes[3]

Humberto Oliveira[4]

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Falência; 1.1 Conceito; 1.2 Características gerais; 2. A importância de regimes especiais para as instituições financeiras; 2.1 A Intervenção extrajudicial; 2.2 Regime de Administração Especial Temporário (RAET) 3. A Liquidação extrajudicial; 3.1Procedimento; 3.2 Realização do ativo e satisfação do passivo; Considerações Finais; Referências

 

 

RESUMO

 

A nova Lei de Falências (lei n.11.101/05) trouxe diversas inovações para a área do Direito empresarial. Porém, o legislador optou por vedar a sua aplicação às instituições financeiras, tendo em vista que merecem uma maior proteção maior do ordenamento jurídico. Por isso, permanecem reguladas pela Lei 6.024/74 e pelo Decreto Lei n. 2.321∕87, no qual estão sujeitas à 3 regimes especiais: a intervenção, o regime de administração especial temporária e a liquidação extrajudicial. O presente estudo, então, tem como objetivo analisar as características da falência, demonstrar a importância de regimes especiais na proteção às instituições financeiras contra crises econômicas sob o controle do Banco Central do Brasil, analisando cada um dos regimes especiais, em especial a liquidação extrajudicial, e verificar alguma possível aplicação da Lei n. 11.101 às instituições financeiras.

 

Palavras-chave: Liquidação extrajudicial. Instituição financeira. Falência. Banco Central do Brasil. Regimes especiais.

 

INTRODUÇÃO

 

Com o advento da Lei n. 11.101/05 muito se tem discutido sobre o procedimento de como ocorre a decretação de falência das instituições financeiras, tendo em vista que a nova lei dispõe em seu art. 2º que não se aplica à este tipo de instituição. Permanecendo, em vigor a Lei 6024/74 que disciplina alguns regimes especiais aplicáveis às instituições financeiras.

O presente artigo visa analisar os regimes especiais dispostos na Lei n. 6024/74 e Decreto Lei n. 2.321∕87 aplicáveis às instituições financeiras, bem como a necessidade destes regimes para proteção do sistema financeiro nacional e cabimentos. Sendo que para tal tarefa, cabe breves considerações sobre o conceito de falência, caracterização de sus pressupostos, quem está sujeito à falência e os efeitos gerados por ela.

Com intuito de fornecer melhor entendimento sobre o assunto, optou-se neste artigo por dar maior destaque ao regime especial da Liquidação Extrajudicial, verificando o momento em que é cabível, seu procedimento, como é feito a realização do ativo e satisfação do passivo e os momentos em que se poderá cessá-la, e, por fim, aproveitando os assuntos mencionados, elucidar algumas aplicações da Lei de Falências nas instituições financeiras.

 

1 Falência

1.1  Conceito

 

O conceito de falência é um pouco diversificado entre algumas obras, mas possui a mesma essência no conteúdo. A falência nada mais é, “[...] que a organização legal e processual de defesa coletiva dos credores em face da insolvência do empresário no tocante ao estado patrimonial de um indivíduo que não consegue fazer frente aos débitos que pesam sobre ele” (PERIN JUNIOR, 2006, p.51).  Sob um certo prisma, a falência pode ser entendida como um castigo dado pelos credores ao falido, em razão da insolvência dos créditos.

 

1.2 Características gerais

 

O estado de falência remete a configuração jurídica decorrente de Lei, sendo elencados no corpo da lei 11.101∕05 os pressupostos para a decretação da falência. São três os pressupostos: a qualidade de empresário do devedor, sua insolvência e a declaração judicial desse estado (NEGRÃO, 2011, p. 252). Segundo Negrão (2011, p. 252) alguns doutrinadores defendem que a pluralidade de credores também é um pressuposto, porém o próprio discorda ao dizer que “o estado de falência resulta não do número de credores, porém do fato da impossibilidade de pagar” (NEGRÃO, 2011, p. 252).

Os principais efeitos da sentença que decreta a falência são: suspensão do curso da prescrição; suspensão das ações e execuções individuais dos credores; vencimento antecipado das dívidas, formação da massa de credores; suspensão do direito de retenção; suspensão da fluência de juros; e a perda da capacidade empresarial do falido, durante certo tempo.

Por força do art. 1º da Lei de Falências (Lei n. 11.101) estão sujeitos à falência somente o empresário e a sociedade empresária. O art. 2 da mesma lei veda a sua aplicação às instituições financeiras, porém por análise do art. 34 da Lei 6.024∕74, percebe-se que existe a possibilidade de ser decretada a falência das instituições financeiras. Porém, antes que se possa decretar falência, as instituições financeiras serão submetidas à regimes especiais, que são de grande importância para a sua proteção, conforme será explicitado a seguir.

 

2. A importância de regimes especiais para as instituições financeiras

 

Inicialmente, é importante relatar o que é uma instituição financeira, para tanto existe o conceito dado no art. 17 da Lei n. 4.595/64 para efeitos de legislação “pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.

A lei 6.024/74 estabelece 3 regimes especiais para a tentativa de saneamento das dívidas das instituições financeiras: a intervenção judicial, o regime de administração especial temporária e a liquidação extrajudicial.

A necessidade de proporcionar tratamento diferenciado para as instituições financeiras advém do fato de que ela está sujeita a grandes relações de mercado, que conduzem ao status de um “grande empreendimento comercial”. Como qualquer outra entidade que esteja inserida no mercado, a instituição financeira esta vulnerável a sofrer problemas econômicos, ocasionando uma série de riscos que podem influenciar de forma direta na economia de um Pais ou até mesmo gerar uma crise financeira. Por isso é de suma importância a existência de mecanismos de proteção destas instituições financeiras, visto que não somente está em jogo o interesse de credores, mas de toda sociedade, pois como já dito, a falência de uma instituição financeira pode gerar a falência de várias outras empresas.

 

Nada pior do que a derrocada do banco e sua situação falimentar, que gera efeito cascata, atingem outras instituições e leva risco e insegurança para todo o mercado, fazendo crescer a preocupação internacional no ditar regras que eliminem o pânico de imprevisíveis impactos da falta de liquidez, tanto em países desenvolvidos como naqueles nessa direção. (ABRÃO, 2008, p.391).

 

Embora, o principal objetivo seja recuperar a saúde financeira da instituição financeira, há situações que está melhora é impossível, restando apenas fazer com que essa transição para falência da instituição gere o menor impacto possível no sistema financeiro.

 

2.1  A Intervenção Extrajudicial

 

A intervenção é um procedimento de natureza cautelar. Efetua-se a substituição de administração conjuntamente com a decretação da suspensão de exigibilidade de obrigações, a medida neste caso é denotativa de problemas mais sérios, que afetam ao menos a liquidez, senão a solvabilidade, da instituição (SALOMÂO NETO, 2005, p.532).

Dessa forma, o art. 2 da Lei 6.024∕74, estabelece quando será realizada a intervenção extrajudicial. São causas de sua decretação, prejuízos para a instituição que sujeitem a risco anormal os seus credores; violações reiteradas de dispositivos da legislação bancária não regularizada após as determinações do Banco Central do Brasil; e quaisquer causas conducentes à decretação da falência. Tendo como efeitos:

Todos os seus efeitos são mais severos do que aqueles decorrentes do RAET, posto que o ingresso da instituição financeira no regime da intervenção determina a imediata inexigibilidade dos depósitos, a par da suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas e da fluência do prazo das obrigações vincendas anteriormente contraídas (FRANCO, 2008, p.296).

Sua finalidade principal é analisar a situação financeira da instituição, “e se possível, ao saneamento das dificuldades organizacionais ou econômicas da empresa, mediante afastamento temporário de seus administradores e, eventualmente, a concessão de assistência financeira” (NEGRÃO, 2011, p. 646).

 

2.2  Regime de Administração Especial Temporário (RAET)

 

O Regime de Administração Especial Temporário vem regulamentado pelo Decreto Lei n. 2.321∕87. Possui característica mais branda do que em relação aos outros regimes especiais, porque não afeta a relação instituição financeira com seus clientes, tendo em vista que seus negócios não são paralisados.

O procedimento do RAET é o mesmo aplicado à intervenção e a liquidação extrajudicial, aplica-se, em virtude da remessa consubstanciada no art. 19 do Decreto Lei n. 2.321∕87. Da mesma forma que os demais procedimentos especiais, o regime especial pode ser instaurado ex officio pelo Banco Central, todavia, contrariamente ao que ocorre na intervenção e na liquidação extrajudicial, os administradores não tem a faculdade de solicitar ao Banco Central a instauração do regime especial (FRANCO, 2008, p.293). As razões para a instauração do procedimento estão descritas na norma do art.1 deste Decreto Lei.

O procedimento tem duração temporária é fixado no ato que decretar o regime Possui como efeito imediato a perda do mandato dos administradores atuais que são substituídos por um Conselho Diretor, que inicialmente verificará os documentos da instituição e colherá informações dos ex-administradores. O Conselho Diretor prestará esclarecimentos ao Banco Central, descrevendo a situação econômica da instituição, sugerindo as medidas que julgar cabíveis.

O RAET, embora tenha a mesma finalidade da Intervenção, difere dela um pouco, tendo em vista que o regime especial não interrompe a atividade da empresa. Além disso, são institutos independentes, paralelos, a intervenção e o RAET constituem medida transitória de natureza administrativa. Tais regimes diferenciam pelos seguintes aspectos: I- no RAET, assume a administração da instituição um conselho diretor, na intervenção, assume um interventor; II- na intervenção, os administradores e membros do conselho fiscal são suspensos de seus cargos, ao passo que, no regime especial, perdem essa qualidade

 

3 A liquidação extrajudicial

 

A liquidação extrajudicial é decretada quando os outros regimes especiais não forem suficientes para retomar o normal funcionamento da instituição financeira, então nestes “casos de maior gravidade, resta apenas liquidar a sociedade financeira realizando ativos e pagando passivos” (SALOMÃO NETO, 2005, p. 534). O art. 15 da lei nº 6024/74 prevê as hipóteses em que deverá ocorrer a liquidação extrajudicial que pode ser decretada ex officio (inciso I) ou a requerimento dos administradores da instituição, se autorizados pelo estatuto social (inciso II) ou a requerimento fundamentado do interventor (inciso II)..

A liquidação será decretada quando a insolvência da instituição financeira decorrer de má administração que cause risco aos credores ou quando algumas ocorrências comprometam a situação financeira da instituição financeira, nestes casos é de cunho obrigatório a decretação de liquidação ou da intervenção, dependendo do grau de insolvência (SALOMÃO NETO, 2005, p. 537).

 A decretação pelo BCB da liquidação extrajudicial suspende antes e durante a liquidação quaisquer ações e execuções judiciais contra a instituição financeira, vencimento antecipado das obrigações, não atendimento das clausulas contratuais penais vencidos em decorrência da liquidação, não fluência de juros e interrupção do prazo de prescrição das obrigações (art. 18 alíneas a, b, c, d, e e f, da lei nº 6024/74).

 

4.1 Procedimento

 

O Banco Central do Brasil, então, nomeará um liquidante para realizar o processo liquidação extrajudicial, que desde o início deve verificar os documentos, livros e bens da instituição realizando. O art. 11 da Lei nº 6024/74 apregoa que o interventor (no caso liquidante) tem 60 dias, a partir da posse, que será prorrogável se necessário para apresentar relatório ao BCB no qual informará a situação econômico-financeira da instituição, atos e omissões que tenham causado dano à instituição e proposta justificada com providências que julgue convenientes.

 

Uma observação geral deve ser feita sobre a reação do Banco Central do Brasil ao relatório do liquidante. A ação do órgão cerca-se de total discricionariedade em nosso entender, podendo livremente autorizar a continuação da liquidação extrajudicial ou sua cessação. Isto fica claro do uso do termo poderá no caput do artigo 21 da Lei nº 6024/74, ao indicar os poderes do Banco Central do Brasil (SALOMÃO NETO, 2005, p. 547).

 

Prosseguindo a liquidação, o liquidante fará publicar, no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação do local sede da entidade, um aviso para que os credores habilitem seus créditos, dispensando esta formalidade os credores por depósito ou letras de aceite (art. 22, Lei nº 6024/74), o prazo para habilitação pode variar de 20 a 40 dias. Terminado o prazo para habilitações, o liquidante averiguará a aceitabilidade destas e comunicará os declarantes de sua decisão e lhes facultará o prazo de 10 dias, a partir da notificação, para interpor recurso ao Banco Central do Brasil, que por sua vez, julgará os créditos. Após o julgamento pelo BCB, o liquidante formará o quadro geral de credores e o publicará no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação no local da sede da instituição, a partir desse momento, estará aberto o prazo de 10 dias para impugnações dos créditos que deverão ser enviadas ao liquidante, que notificará o dono do crédito impugnado, tendo este ultimo, 5 dias para provar a veracidade de seu crédito, as alegações feitas serão julgadas pelo BCB. O liquidante, então, realizará eventuais mudanças que ocorrerem no quadro de credores, que será publicado em “definitivo” no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação no local da sede da instituição. Salomão Neto (2005, p. 548) informa que:

quaisquer credores que se sintam prejudicados terão o prazo de 30 dias para continuar ações eventualmente suspensas sob advento da liquidação, ou propor novas, dando ciência ao liquidante para que reserve fundos necessários à satisfação de eventuais contingências.

 

 Segundo o art. 28 da lei 6024/74, a definitividade da publicação do quadro geral de credores, após as impugnações, é relativa. Visto que caso se tenha verificado, a qualquer tempo durante a liquidação, a existência de falsidade, fraude, simulação, erro essencial ou documentos ignorados no julgamento dos créditos, que a pedido do liquidante ou qualquer credor, o BCB realizará as exclusões e inclusões que se fizerem necessárias.

 

4.2 Realização do ativo e satisfação do passivo.

O liquidante, com autorização prévia e expressa do BCB, poderá escolher qualquer forma especial ou qualificada para de realização do ativo e satisfação do passivo, como por exemplo, a cessão do ativo a terceiros e a organização para continuação geral ou parcial do negócio ou atividade (art. 31, lei 6024/74). Independente da forma, o liquidante deverá escolher a que melhor beneficie a instituição financeira.

A alienação dos bens é a mesma da lei 11.101/05, podendo então adotar a forma de leilão, proposta e pregão. Porém, o art.6 da lei 6024/74 ressalva que quando a venda ocorrer em leilão público, os bens da instituição pública não poderão ser alienados por valor inferior ao valor determinado na avaliação. Terá qualquer interessado até 30 dias da publicação do edital de alienação, o direito de impugnar alegando erro nas avaliações dos bens.

Nos termos do art. 19 da lei 6024/74, a liquidação cessará: quando os interessados apresentarem garantias ao Banco Central do Brasil que certifiquem o bom funcionamento da instituição financeira ou quando se transformar a liquidação extraordinária em liquidação ordinária ou quando se aprovarem as contas do liquidante e houver baixa no registro público competente ou quando for decretada a falência.

Com relação a satisfação do passivo, a ordem de pagamento dos credores obedecerá os mesmos termos do arts. 83 e 84 da lei 11.101/05. Demais regras constantes na Lei de Falências (11.101/05), desde não reguladas pela lei 6024/74 ou não colidam com esta, se aplicam subsidiariamente às instituições financeiras. No caso da liquidação extrajudicial, o liquidante se equipara ao administrador na falência e o Banco Central do Brasil exerce função parecida com a do juiz.

Vale ressaltar que diferentemente do que ocorre na falência, o fim da liquidação não necessariamente leva a extinção da instituição financeira, se demonstrar meios suficientes pode dar prosseguimento a sua atividade econômica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Depois da informações supramencionadas, é possível perceber que a lei 11.101/05 não deixa de ser aplicada às instituições financeiras, mesmo que sua aplicação seja subsidiária em relação à Lei 6.024/74, nos casos em que não colidam.

E portanto, fica evidente a necessidade de regimes especiais destinados à proteção das instituições financeiras, visto que o seu enfraquecimento gera impactos em todo o sistema financeiro nacional, cabendo ainda ressaltar os regimes especiais não necessariamente conduzem ao processo de falência, eles buscam ao máximo o reestabelecimento da saúde das instituições, porém nem sempre isto é possível, restando apenas atenuar os danos causados pela quebra.

 

REFERÊNCIAS

 

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

FRANCO, Vera Helena; SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação de empresas em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

 

PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas. 3.ed. São Paulo: Editora método, 2006.

 

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial & de empresa: Recuperação de Empresas e Falência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 3.

 

SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2005. 



[1] Paper apresentado à disciplina de Falência e Recuperação Empresarial, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

[4] Professor, orientador.